Tribunal Popular condena Estado de Israel e determina ruptura de acordos

jude“Condenar o Estado de Israel e empresas israelenses em razão do desenvolvimento de tecnologias de defesa e segurança a partir de experimentos contra o povo palestino, bem como pela exportação dessas tecnologias para todo o mundo, inclusive para o Brasil, generalizando meios e métodos de repressão e de extermínio de seres humanos”. Essa foi a sentença proferida pelo juiz de direito João Batista Damasceno, da Associação de Juízes para a Democracia,quem presidiu o julgamento do Estado de Israel no Tribunal Popular realizado no Sindicato dos Metroviários de São Paulo, no último sábado (16).
A sentença final também determina a ruptura do Estado Brasileiro com Israel em defesa dos direitos humanos. “Determinar às diversas esferas do Estado Brasileiro que rompam todos os acordos e relações comerciais, militares e diplomáticas com o Estado de Israel, posicionando-se assim de forma coerente com a defesa de direitos humanos e nacionais tanto do povo brasileiro como do povo palestino”, proferiu o juiz, reconhecido pela posição favorável aos direitos humanos e contra o racismo. Organizado pela Frente em Defesa do Povo Palestino / BDS Brasil, o julgamento contou com a presença de diversas entidades e movimentos sociais. A sentença foi decidida por júri popular formado por oito representantes de diferentes organizações: CSP-Conlutas, CUT, Unidos para Lutar, Marcha Mundial de Mulheres, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), Liga da Juventude Islâmica, Rede Ecumênica da Juventude e ainda o Padre Julio Lancelotti.
Os dez depoimentos trataram da repressão contra os movimentos sociais no Brasil a partir da utilização de tecnologias israelenses.
O primeiro depoimento, de Jefferson Mendes do Quilombo Raça e Classe, denunciou a repressão da polícia carioca utilizando o famigerado Caveirão, particularmente na invasão da comunidade da Maré em junho de 2013, quando 13 moradores foram mortos – o Caveirão é um veículo blindado fabricado em Israel. Em seguida, quatro depoimentos trataram da violência policial em São Paulo, que utiliza tecnologias e treinamentos israelenses: Chico Bezerra, do Comitê contra o Genocídio da População Negra, denunciou a violência policial na periferia; Agnes Karoline, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), relatou a repressão contra os movimentos por moradia; Ricardo Lourenço, do Sindicato dos Metroviários, explicitou a repressão e criminalização das lutas sindicais a partir do exemplo da greve dos metroviários; Jasmin, do Comitê Estadual Contra a Repressão discorreu sobre os processos de criminalização dos movimentos sociais.
Representando o Comitê pela Retirada das Tropas do Haiti, Lucia Skromov fez um longo relato sobre os acordos militares entre as forças armadas nacionais e a indústria armamentista de Israel, e o impacto sobre a ocupação do Haiti liderada pelas tropas do Brasil. Os acordos acadêmicos entre universidades brasileiras e instituições israelenses foram denunciados por Natula Lola, da ANEL, e Lucas Marcelino, da UNE, em particular o acordo assinado pelo governador Tarso Genro (RS) com a Elbit Systems, uma das principais empresas da indústria bélica israelenses, para a constituição de um polo aeroespacial no Rio Grande do Sul, com a participação de universidades públicas e privadas. Por fim, a situação de humilhação imposta pelo Estado de Israel aos palestinos e árabes que vivem no Brasil no momento de visita a seus parentes na Palestina, foi relatada pelos palestinos Jamile Latif e Abdel Latif.
A promotora foi Soraya Misleh da Frente em Defesa do Povo Palestino / BDS Brasil. Apesar do convite realizado à Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro e de São Paulo, aos Ministérios da Defesa e de Relações Exteriores (Itamarati) e à Casa Civil do governo do Rio Grande do Sul, nenhum compareceu para realizar sua defesa.
Segundo Joaninha Oliveira, da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, a iniciativa é uma política necessária de solidariedade ao povo palestino. “O fato do julgamento contar com inúmeras representações de entidades e condenar por unanimidade o Estado de Israel pelas atrocidades cometidas vem somar-se à campanha de apoio ao povo palestino, assim como a indicação de que o Estado brasileiro rompa as relações militares, comerciais e diplomáticas com Israel”, reforçou. Veja abaixo a sentença completa:
TRIBUNAL POPULAR
Réu: Estado de Israel
Imputação: Desenvolvimento de tecnologias destinadas à repressão de movimentos sociais, extermínio de seres humanos e exportação dessas tecnologias para todo o mundo. Celebração de acordos e relações comerciais, militares e diplomáticas com o Estado brasileiro para desenvolvimento e compartilhamento destas tecnologias a serem empregadas contra o povo.
SENTENÇA
O Tribunal Popular, após receber denúncia contra o Estado de Israel e contra entes estatais brasileiros com ele conveniados, instaurou processo para apuração dos fatos imputados e julgamento. Foi designado julgamento popular para esta data e foram remetidas correspondências para as Secretarias de Segurança Públicas do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de São Paulo, Casa Civil do Estado Rio Grande do Sul, bem como para o Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores (Itamarati). Cumpridas as etapas do processo, ouvidas as testemunhas e produzidas outras provas concluiu-se o seguinte: 1) Na noite de 26 de junho de 2013, a Polícia Militar do Rio de Janeiro fez uma incursão na comunidade da Maré cujo resultado, além de violação coletiva e generalizada de direitos humanos, levou à morte de 13 pessoas. Para realizar esta incursão, a PM carioca utilizou veículos blindados conhecidos com “caveirões” fabricados pela empresa israelense Global Shield. O emprego do “caveirão” é generalizado nas incursões nas comunidades pobres do Rio de Janeiro.
Segundo divulgado pela imprensa fluminense, o Governo do Rio de Janeiro realizou no dia 21 de janeiro último licitação para compra de oito novos blindados (os chamados “caveirões”) por cerca de R$ 6 milhões. A empresa israelense Global Shield, que mantém contratos com as forças de ocupação na Palestina, venceu a concorrência milionária. O negócio com o Governo do Rio de Janeiro seria visto como uma “oportunidade” à Global Shield ter no estado que sediou jogos da Copa de 2014, e sediará as Olimpíadas de 2016, conforme afirmado pela mídia local, “o maior show room de segurança pública mundial”.
Como escreve em “A doutrina do choque” a jornalista Naomi Klein, Israel de fato se converte em um grande shopping center quando o assunto são aparatos militares, as chamadas tecnologias de defesa e segurança. Utiliza os palestinos como cobaias em laboratórios humanos para depois obter acordos com governos ao redor do mundo à repressão de suas próprias populações. No Brasil, os moradores da Maré estão entre as vítimas desses acordos. Essa comunidade tem muitas semelhanças com a situação a que é submetida a população palestina. Vive um apartheid social e vira e mexe convive com a violência institucionalizada e ocupação – agora com a ajuda de Israel.
2) A Policia Militar de São Paulo também tem um histórico de repressão contra a juventude negra nas comunidades pobres e contra manifestações. Além disso, realiza desocupações de forma violenta e também é empregada na repressão contra o movimento sindical, como foi o caso da greve dos metroviários de São Paulo realizada entre 5 e 9 de junho de 2014, na qual a tropa de choque ingressou dentro das estações do Metrô, que são espaços confinados, para reprimir grevistas. Para realizar suas ações, a PM paulista tem dispositivos tecnológicos israelenses como é o caso dos óculos com microcâmeras acopladas para identificação imediata de pessoas (e envio de dados das lideranças dos movimentos em tempo real ao banco de dados da polícia), além de equipamentos de raio X. A PM paulista também recebe treinamento junto a instituições israelenses. Vale lembrar que profissionais das polícias de vários estados já receberam treinamento em Israel.
3) As forças armadas brasileiras vêm adquirindo equipamentos e serviços de treinamento de empresas armamentistas de Israel como a Elbit Systems, a Israel Aeroespace Industries e a Rafael Advanced Defense System, diretamente ou através de empresas nacionais com participação acionária das mesmas. Esse fato é relevante já que as forças armadas brasileiras hoje lideram as forças de ocupação no Haiti com registros de violações aos direitos humanos e nacionais da população haitiana.
4) No dia 29 de abril de 2013 o governo do Rio Grande do Sul firmou acordo com a empresa israelense Elbit Systems para a formação de um polo aeroespacial nesse estado, com convênios para a utilização das áreas de pesquisa de universidades públicas e privadas instaladas no estado, retardando o desenvolvimento de tecnologias nacionais, além de disponibilizar o estratégico setor que representa as universidades para direcionamento e controle por forças estrangeiras. Além de universidades gaúchas, instituições israelenses também têm variados convênios estabelecidos com universidades em todo o País, a começar pela Universidade de São Paulo (USP), que tem uma trajetória de realização de convênios com universidades israelenses.
5) Os reiterados casos de impedimento de ingresso na Palestina ocupada por parte do Estado de Israel particularmente de palestinos e seus descendentes que possuem dupla cidadania apontam para o monitoramento permanente dessa comunidade no Brasil e em outros países, bem como o monitoramento de manifestações, constituindo ações de perseguição e discriminação.
6) Os violentos ataques contra os palestinos em Gaza e também em outras partes da Palestina ocupada mostram que as denominadas tecnologias de defesa e segurança (que são na verdade tecnologias para o homicídio e terrorismo de Estado) são desenvolvidas na limpeza étnica do povo palestino e depois exportadas para todo o mundo, Brasil inclusive (que se tornou nos últimos anos um dos cinco maiores importadores de tecnologias militares israelenses). Assim, ante a comprovação das acusações formuladas, o Tribunal Popular profere a presente
SENTENÇA para:
Condenar o Estado de Israel e empresas israelenses em razão do desenvolvimento de tecnologias de defesa e segurança a partir de experimentos contra o povo palestino, bem como pela exportação dessas tecnologias para todo o mundo, inclusive para o Brasil, generalizando meios e métodos de repressão e de extermínio de seres humanos. Determinar às diversas esferas do Estado Brasileiro que rompam todos os acordos e relações comerciais, militares e diplomáticas com o Estado de Israel, posicionando-se assim de forma coerente com a defesa de direitos humanos e nacionais tanto do povo brasileiro como do povo palestino. São Paulo, 16 de agosto de 2014.
Fonte: CSP-Conlutas

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