Tortura, repressão e luta armada na Ditadura Militar

Nessa mesa o tema mais abordado foi a mídia, incluindo o tratamento dado à pobreza nos dias de hoje, dentre outros aspectos debatidos pelo professor de jornalismo da Facha, Fernando Sá, José Arbex Jr., da Revista Caros Amigos, o jurista George Tavares, o ex-militar e professor Ivan Cavalcanti Proença, o ex-guerrilheiro Jacques Dornellas e o cientista político Valter Duarte.
O professor Fernando Sá descreveu toda a composição da mídia brasileira antes, durante e depois da ditadura militar no Brasil. Nos anos 60 a mídia era restrita ao rádio e a escrita, a televisão só cresceu na década de 70, ainda havia uma industrialização insipiente, um mercado publicitário limitado que gerava certa dependência do governo por causa dos insumos do papel e outros elementos sob o seu controle. Antes do golpe a linha editorial dos jornais consistia basicamente em varguistas e não-varguistas, sendo que o único favorável ao presidente Getúlio Vargas era a Última Hora, do Samuel Wainer. Na época do golpe, toda a grande imprensa pode ser considerada conservadora, teve forte participação e engajamento ideológico na deposição de João Goulart.
Em paralelo à ascensão da Tv, tendo a Rede Globo como carro chefe do apoio ao regime militar, ocorre a centralização dos jornais impressos e a expansão de revistas: “na nossa modernização industrial, a concentração de propriedades é uma forte característica da mídia brasileira”, afirmou o professor. Com a ditadura, surge uma mídia de esquerda que resiste ao autoritarismo do regime militar: na grande imprensa, o Correio da Manhã foi o primeiro a formar uma oposição liberal ao regime. A partir de 1985 com a democratização, o sistema da mídia recoloca os embates políticos em pauta, mas cresce o monopólio e a propriedade cruzada dos meios de produção: a grande mídia apoiou o que foi formulado pelo governo em relação à Anistia, de modo que sua opinião acabou prevalecendo. E hoje ela praticamente não toca no assunto, quando coloca alguém com uma posição mais crítica é de maneira que pareça uma pessoa desequilibrada, concluiu o professor.
Capitão do regimento presidencial de João Goulart, o professor Ivan Proença foi enfático logo de início: “que fique bem claro nas universidades que foi um golpe militar e civil”, fez questão de destacar. Associando a tortura com a anistia, afirmou que “essa anistia é farsante, em 1979 não fomos consultados sobre essa reciprocidade, houve um ineditismo jurídico com absolvições prévias, com os militares acima do bem e do mal”. Em 1985, na luta pela Assembleia Constituinte de 1988, Ivan participou da Comissão de Anistia; políticos como Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, dentre outros do então MDB, prometeram votar a favor e na hora traíram a Comissão. Ele constatou que alguns militares ganharam um conforto, uma coisa homeopática, mas a anistia só atingiu os generais, a alta patente, todos os praças ainda se encontram prejudicados.
Não é a cifra que tem de ser discutida, mas sim o que existiu no golpe, o que ainda existe latente no país e a justiça a ser feita. O país precisa da nossa insistência em que esses crimes sejam punidos como em outros países da América Latina, daí sua defesa pela abertura dos arquivos e o julgamento dos criminosos, com o direito à defesa. Para concluir, o professor Ivan Proença destacou que só acredita em mudança nesse país com transformações sócio-políticas através de investimentos numa educação com “E” maiúsculo.
Numa visão mais sistêmica, com fortes críticas ao capitalismo, o ex-militar e guerrilheiro Jacques Dornelles buscou despertar nos jovens um sentido de responsabilidade social num processo que não se encerrou no regime militar. Para ele, de 1964 para cá existe uma degradação do nosso povo e destacou que “nós das forças armadas éramos instrumentos de repressão da burguesia”: “a ditadura ocorreu para sustentar os interesses monopolísticos da burguesia, não se trata de agentes, mas de um sistema que excluiu e matou e hoje as mortes estão na casa dos milhares todo ano”, complementou.
Jacques acredita que o capitalismo não pode mais resolver os problemas que ele mesmo criou, por isso teme guerras regionais para a queima dos excedentes da mesma maneira que ele sempre realizou. Apesar de suas críticas ao presidente Lula, ele desconfia que está chegando a hora de ele ser emparedado e haverá situações que teremos de apoiá-lo para garantir a liberdade, todos devem assumir responsabilidades.  Destacou também que precisamos nos libertar dessa “sina absurda de submissão” no Brasil, pois há problemas na nação que o capitalismo não tem mais condições de resolver – ao contrário do que nos é falsificado diariamente pelos meios de comunicação.
Numa intervenção breve, Valter Duarte, professor na Ufrj, ressaltou “a pressão medonha que se tem no país para silenciar nossa população que acaba sendo levada a se manifestar somente pelo voto”. Ele defende que a palavra democracia foi apropriada, sob um assédio moral, para acabar com a manifestação política gerando assim ilusões na sociedade: deu como exemplo o caso de José Sarney, há décadas acomodado no poder de nossa república.
O mais incisivo ao trazer as questão relacionadas à época em debate para os dias atuais foi o jornalista José Arbex Jr. Por isso iniciou sua fala com uma citação de Hannah Arendt: “a memória é inimiga do poder, porque a tentativa do poder é sempre de reescrever a história como justificativa do poder”. Não podemos tratar a memória como um fetiche, precisamos trazê-la para o presente, ressaltou o jornalista, lembrando da morte Elton Brum, militante do MST, assassinado recentemente: “100 anos depois de Euclides da Cunha e a polícia ainda mata aqueles que não têm terras”. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, afirmou, nos últimos anos ocorreram cerca de 4.000 assassinatos, destes nem 10% dos assassinos foram processados e menos ainda condenados.
Arbex defende que “o Brasil ainda não aboliu a escravidão, há 500 anos a elite trata o povo na base do açoite, completamente auxiliado pela sua vanguarda que são os meios de comunicação”. A mídia joga um papel fundamental para que essa memória se transforme em força material viva para transformarmos o país, por causa disso que a Folha de São Paulo tentou reescrever a história ao publicar em editorial que a o regime militar no Brasil foi uma “ditabranda”. Levando sua crítica para as cidades, criticou que a matança no Carandiru levou grande comoção à sociedade, mas o governo no Rio de Janeiro promove um Carandiru por mês e nós vamos nos acostumando à banalização da barbárie: “com essa realidade estrutural no país, vão continuar existindo vários Canudos”.
Com uma posição que surpreendeu os outros participantes, o advogado George Tavares encerrou a mesa defendendo que não havia terrorismo de Estado na ditadura militar, porque a tortura não era uma ordem do comando: grupos militares cometiam violações para exteriorizar seu sadismo paralelamente aos superiores. Tavares disse que as torturas, em regra, eram pessoais, realizadas por agentes a pretexto de combater a subversão, portanto agiam sem dar satisfação às autoridades: exemplificou sua tese com base na sua própria experiência, quando preso junto aos advogados Heleno Fragoso e Augusto Sussekind, pois na época descobriu que foi encarcerado clandestinamente.
Quem praticou atentado não está anistiado, mas observou que há um problema: a lei diz que os processos acionados há mais de 20 anos são prescritos, para condenar os criminosos teria de se levantar testemunhas, já que não existem vestígios. Infelizmente, afirmou, eles teriam de ser processados novamente: questionado por essa posição, simplesmente respondeu que não pode fazer nada, é a lei. Por outro lado, ressaltou que hoje ainda ocorrem terrorismos de Estado, apontando Guantánamo e as delegacias brasileiras como questões inadmissíveis.

4 comentários sobre “Tortura, repressão e luta armada na Ditadura Militar”

Deixe uma resposta