Arquivo da tag: Vargas

Pauta golpista: ‘Folha’ pede que se dê “paradeiro” no lulismo

Quando surgiam as mais escabrosas revelações sobre o esquema de corrupção montado por PC Farias, meus colegas de trabalho no Palácio dos Bandeirantes, alguns com décadas de atuação na imprensa governamental, eram unânimes em afirmar que o tesoureiro de Fernando Collor apenas fizera , de forma mais amadoresca, o que todos faziam: “Onde já se viu passar cheques a torto e a direito? Deveria pagar tudo em dinheiro vivo, como o daqui…”

Por conhecer a História deste país e saber muito bem como  aquilo que todos fazem foi trunfo importante para os conspiradores que causaram a morte de Getúlio Vargas e derrubaram o governo legítimo de João Goulart, eu reintroduzi no debate político uma velha máxima do Paulo Francis: combate à corrupção é bandeira da direita.

Agora, talvez, a ficha caia para os companheiros que não concordaram comigo quando a bola da vez era Daniel Dantas — o qual, como PC Farias, apenas dera bandeira ao fazer o que fazem todos os banqueiros (parasitas supremos do capitalismo), pois o maior roubo de todos é a própria fundação do banco, como falou e disse Bertold Brecht.

Agora, foi só ser exposto um dos infinitos esquemas de corrupção existentes no Brasil e a mídia golpista já começou a espalhar sugestões veladas de golpe de estado, como faz a Folha de S. Paulo em seu editorial desta 6ª feira:

“Nesta hora em que as pesquisas de intenção de voto apontam para uma vitória acachapante da candidata oficial, mais do que nunca é preciso estabelecer limites e encontrar um paradeiro à ação de um grupo político que se mostra disposto a afrontar garantias democráticas e princípios republicanos de forma recorrente”.

Estando a candidata oficial prestes a ser eleita de forma acachapante, qual o  paradeiro que se poderá dar à ação do grupo político que o editorialista da Folha qualifica de delinquente contumaz?

Ora, se a afronta à democracia e à república vem sendo recorrente, depreende-se que o Legislativo e o Judiciário não estejam conseguindo encontrar tal  paradeiro.

Então, quem será o verdadeiro destinatário da conclamação do jornal da  ditabranda? Os fardados, que não têm a missão constitucional de serem instrumento de   paradeiro nenhum, mas a direita sempre tenta convencer a agirem como tal?

Os precedentes levam a crer que sim…

De resto, espero que os companheiros de esquerda façam uma rigorosa autocrítica por terem, como eu sempre adverti, levado água para o moinho da direita, ao estimularem as Operações Satiagrahas e Leis da Ficha Limpa da vida, como se fossem meros pequeno-burgueses moralistas.

A posição de revolucionários deve ser sempre inequívoca, incisiva e didática: a corrupção é inerente ao capitalismo, que coloca a ganância e a busca do privilégio acima de todos os outros valores da vida social, então só será extinta quando o próprio capitalismo for extinto.

Estimular ilusões reformistas pode render votos e proporcionar pequenos ganhos políticos, mas implica cumplicidade com o anestesiamento da consciência das massas, ao incutir-lhes a esperança de que meros retoques na fachada salvarão um edifício cujos alicerces estão podres.

“Que suas palavras sejam sempre sim, sim, ou não, não, pois tudo o mais será sugerido pelo demônio”, disse um santo medieval.

Viva o humor, abaixo a carranca!

Desde os tempos de Aparício Torelly (o mui digno Barão de Itararé), a sátira política é um respiradouro para cidadãos sem meios mais efetivos para confrontarem os poderosos.

“Manda quem pode e obedece quem tem juízo”, diziam os antigos. Mas, submeter-se ao mandonismo ofende e amargura homens livres. O desabafo na forma de humor é o paliativo que desopila seu fígado e lhes permite conservar o amor próprio.

Vai daí que, depois de um longo e tenebroso inverno, posso finalmente elogiar uma decisão de ministro do Supremo Tribunal Federal: a de Carlos Ayres Britto, concedendo liminar contra o dispositivo casmurro da Justiça Eleitoral, tentando impedir que as emissoras de rádio e TV ridicularizem os sumamente ridículos candidatos ao próximo pleito.

O único erro dos humoristas é a redundância: os integrantes dessa inacreditável legião de feios, sujos e malvados tudo fazem para desmoralizar a si próprios, na caça sôfrega aos votos.

As imagens do programa eleitoral gratuito superam as mais grotescas aberrações concebidas pela genialidade delirante de Federico Fellini.

E, como as ervas daninhas crescem com mais vigor e os maus exemplos sempre frutificam nestes tristes trópicos, sabe-se lá até onde uma escalada censória poderia chegar. Melhor esmagarmos o quanto antes o ovo da serpente.

Preservemos o que ainda resta de cordialidade no brasileiro!

E prestemos tributo a heróis esquecidos como Alvarenga e Ranchinho que, por volta de 1940, depois de exporem em suas apresentações a nudez do ditador Getúlio Vargas, fugiam antes da chegada da Polícia.

[Cheguei a assisti-los, já idosos, detonando o  homem da vassoura com uma paródia da clássica “Menino de Braçanã”, de Luiz Vieira. Em vez de “quem anda com Deus não tem medo de assombração”, cantavam “quem já viu o Jânio Quadros não tem medo de assombração”…]

Glória eterna ao grande Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta, cuja série Febeapá (Festival de Besteiras Que Assola o País) disse tudo que havia a dizer-se sobre a ditadura militar, no tempo em que ela se caracterizava mais pelo besteirol — a bestialidade só passou a dar a tônica depois da morte do Lalau.

À extraordinária equipe de humoristas de O Pasquim, com destaque para o benjamim que acabou se tornando o melhor da turma: Henfil.

E, claro, também ao menestrel Juca Chaves, autor de sátiras inspiradíssimas como Dona Maria Tereza (conselhos à esposa do então presidente), que bem merece encerrar esta digressão:

Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango Goulart
que a vida está uma tristeza,
que a fome está de amargar,

E o povo necessitado
precisa um salário novo,
mais baixo pro deputado,
mais alto pro nosso povo.

Dona Maria Tereza,
assim o Brasil vai pra trás,
quem deve falar, fala pouco,
Lacerda já fala demais.

Enquanto feijão dá sumiço,
e o dólar se perde de vista,
o Globo diz que tudo isso
é culpa de comunista.

Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango porque
o povo vê quase tudo,
só o parlamento não vê,

Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango Goulart,
lugar de feijão é na mesa,
Lacerda é noutro lugar.

Mártir da independência ou herói revolucionário?

“Brecht cantou: ‘Feliz
é o povo que não tem
heróis’. Concordo.
Porém nós não
somos um povo feliz.
Por isso precisamos
de heróis. Precisamos
de Tiradentes.”
(Augusto Boal )
Será que os brasileiros sentem mesmo necessidade de heróis, salvo como temas dos intermináveis e intragáveis sambas-enredo? É discutível.
Os heróis são a personificação das virtudes de um povo que alcançou ou está buscando sua afirmação. Encarnam a vontade nacional.

Já os brasileiros, parafraseando o que Marx disse sobre camponeses, constituem tanto um povo quanto as batatas reunidas num saco constituem um saco de batatas…

O traço mais característico da nossa formação é a subserviência face aos poderosos de plantão. Os episódios de resistência à tirania foram isolados e trágicos, já que nunca obtiveram adesões numericamente expressivas.

Demoramos mais de três séculos para nos livrarmos do jugo de uma nação minúscula, como um Gulliver imobilizado por um único liliputiano.

E o fizemos da forma mais vexatória, recorrendo ao príncipe estrangeiro para que tirasse as castanhas do fogo em nosso lugar e à nação economicamente mais poderosa da época para nos proteger de reações dos antigos colonizadores.

Isto depois de assistirmos impassíveis à execução e esquartejamento de nosso maior libertário.

Da mesma forma, o fim da escravidão só se deu por graça palaciana e quando se tornara economicamente desvantajosa.

Antes, os valorosos guerreiros de Palmares haviam sucumbido à guerra de extermínio movida pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que merecidamente passou à História como um dos maiores assassinos do Brasil.

E foi também pela porta dos fundos que nosso país entrou na era republicana e saiu das duas ditaduras do século passado (a de Vargas terminou por pressões estadunidenses e a dos militares, por esgotamento do modelo político-econômico).

Todas as grandes mudanças positivas acabaram se processando via pactos firmados no seio das elites, com a população excluída ou reduzida ao papel de coadjuvante que aplaude.

É verdade que houve fugazes despertares da cidadania:

  • em 1961, quando a resistência encabeçada por Leonel Brizola conseguiu frustrar o golpe de estado tentado pelas mesmas forças que seriam bem-sucedidas três anos mais tarde;
  • em 1984, com a inesquecível campanha das diretas-já, infelizmente desmobilizada depois da rejeição da Emenda Dante de Oliveira, com o poder de decisão voltando para os gabinetes e colégios eleitorais; e
  • em 1992, quando os caras-pintadas foram à luta para forçar o afastamento do presidente Fernando Collor.
Nessas três ocasiões, a vontade das ruas alterou momentaneamente o rumo dos acontecimentos, mas os poderosos realizaram manobras hábeis para retomar o controle da situação. Rupturas abertas, entre nós, só vingaram as negativas.

Vai daí que, em vez de heróis altaneiros, os infantilizados brasileiros são carentes mesmo é de figuras protetoras, dos coronéis nordestinos aos padins Ciços da vida, passando por pais dos pobres tipo Getúlio Vargas.

Então, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Frei Caneca, Carlos Marighella, Carlos Lamarca e outros dessa estirpe jamais serão unanimidade nacional, como Giuseppe Garibaldi na Itália ou Simon Bolívar para os hermanos sul-americanos.

O 21 de abril é um dos menos festejados de nossos feriados. E o próprio conteúdo revolucionário de Tiradentes é escamoteado pela História Oficial, que o apresenta mais como um Cristo (começando pelas imagens falseadas de sua execução, já que não estava barbudo e cabeludo ao marchar para o cadafalso) do que como transformador da realidade.

Então, vale mais uma citação do artigo que Boal escreveu quando do lançamento da antológica peça Arena Conta Tiradentes, em 1967:

“Tiradentes foi revolucionário no seu momento como o seria em outros momentos, inclusive no nosso. Pretendia, ainda que romanticamente, a derrubada de um regime de opressão e desejava substitui-lo por outro, mais capaz de promover a felicidade do seu povo. (…) No entanto, este comportamento essencial ao herói é esbatido e, em seu lugar, prioritariamente, surge o sofrimento na forca, a aceitação da culpa, a singeleza com que beijava o crucifixo na caminhada pelas ruas com baraço e pregação (…) O mito está mistificado”.

Quando o povo brasileiro estiver suficientemente amadurecido para tomar em mãos seu destino, decerto encontrará no revolucionário Tiradentes uma das maiores inspirações.


Obs.
Este é o artigo principal da série ESPECIAL TIRADENTES, cujas demais retrancas estão disponíveis no meu blogue: POR QUE TIRADENTES? / O TEATRO E A VIDA / SE EXISTISSEM MAIS BRASILEIROS COMO EU… / CANCIONEIRO DA LIBERDADE

“Não é pessoal, são só negócios”

Ignoro se esta frase foi proferida por algum gangster da vida real ou só pelos das telas. Mas, uma coisa é certa: cai como uma luva para os gangstêres da política oficial.
Faço questão de acrescentar o adjetivo oficial, na esperança de que volte a existir uma política revolucionária, antípoda de tudo isso que se vê em Brasília. Sou um eterno otimista.

O certo é que, quando Vargas mandava seus esbirros encarcerarem Prestes, despachando-lhe a companheira para a morte nos cárceres nazistas, eram só negócios.

E foi também seguindo a ética dos negócios (a qual, todos sabem, inexiste) que Prestes subiu depois aos palanques junto com Vargas.

Não foi por motivos pessoais que Collor informou ao distinto público que Lula produzira uma filha fora do casamento e tentara convencer a amante a abortar o rebento indesejado.

Nem Lula tem qualquer motivo pessoal para aparecer agora abraçado a Collor, só lhe interessando receber o favor político de que carece neste instante.

Há, é claro, exceções, como o grande Monteiro Lobato, que tentou um sem-número de vezes conquistar uma cadeira, pra lá de merecida, na Associação Brasileira de Letras.

Quando estava prestes a lograr seu intento, com os votos de que necessitava já garantidos, alguém lhe soprou que iria sentar-se ao lado de Getúlio Vargas, responsável último pelas sucessivas prisões que Lobato sofrera.

É isto mesmo, Getúlio Vargas. A exemplo de Sarney, outras figuras do poder já foram atrás de glórias literárias, fingindo não perceber que elas só lhes são concedidas por causa do poder, não em decorrência dos textos medíocres que parem a fórceps.

Avaliando o que significaria para um homem de caráter ficar em tal companhia, Lobato retirou de imediato sua candidatura. Outros tempos.

Há muito deixei de dar importância para a política oficial e seus símbolos. Quando fiz a opção revolucionária, nos idos de 1967, foi para valer. E aprendi bem o bê-a-bá do marxismo, meu ponto de partida.

Então, estou careca de saber que não são os Vargas, Sarneys, Lulas e Collors que movem a História, mas sim a constelação de forças que faz deles instrumentos.

Há uma função a ser preenchida e alguém a preenche. Se apenas tirarmos de cena tal pessoa, outra imediatamente lhe tomará o lugar. Se eliminarmos a função, aí sim produziremos uma verdadeira mudança.

Em 1945, Vargas foi induzido a abrir mão da ditadura e afastar-se por algum tempo da política. Não se passaram duas décadas sem que o Brasil resvalasse para outra ditadura, pior ainda.

Adhemar de Barros, Maluf, Collor, Calheiros, Palloci e tantos outros já foram degradados para aplacar a indignação popular, depois voltaram à tona como se nada houvesse acontecido. E a política oficial não ficou menos podre durante seu ostracismo.

Apontar o capitalismo como raiz de todos os males saiu de moda. Só que, como eu nunca liguei para modas, continuarei insistindo na necessidade de construirmos uma sociedade nova, ao invés de ficarmos catarticamente esbravejando contra a putrefação da velha.