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Os Argumentos Oficiais Contra Zapata

Os Grevistas de Fome do Irã da Irlanda, na Prisão Britânica, 1981

É um lugar comum dizer que a mídia ocidental privada, aquela propriamente capitalista, cujo negócio é não apenas ganhar dinheiro, mas direcionar a opinião pública para que o sistema se mantenha vigoroso, mente, distorce ou, pelo menos, omite a verdade. De fato, na América Latina e nos Estados Unidos isso é correto para quase a totalidade da mídia grande e mediana. Só jornais pequenos e estações de rádio e TV independentes de baixa potência estão ao serviço do esclarecimento e da educação. No Canadá e na Europa a situação é menos grave, mas as grandes redes em quase 70% dos países são semelhantes.

Ora, digamos para simplificar: a mídia capitalista mente! Mas, então, quais são as outras mídias? Alguém diria que China e Rússia são “socialistas”? Aquelas tiranias árabes não são capitalistas? Então, para fazer uma colocação mais precisa, mas igualmente superficial, digamos: toda a mídia amiga dos americanos mente!

OK, então a outra mídia incluiria Al-Jazeera, as emissoras Cubanas, Telesur, etc. A pergunta é: a simples falsidade dos pró-americanos garante a sinceridade dos antiamericanos?

Esta pergunta veio à tona quando assisti a um vídeo que exibe uma matéria de Cuba InformaçãoTV, na qual se refuta que a morte de Orlando Zapata Tamayo fosse uma violação dos DH. Quero analisar brevemente este vídeo. O total, junto com um comentário, pode ser encontrado no site seguinte, e também no conhecido Consciência.net.

http://altamiroborges.blogspot.com/2010/03/midia-contra-cuba-martir-ou-delinquente.html

O vídeo dura 3:58 minutos, mas só é relevante o trecho 0:47 a 2:50. Do final, o único importante é o desmentido do governo cubano de que Zapata foi abandonado e lhe foi negada água. Esta refutação parece verdadeira, e a difusão desta notícia lembra muito as típicas distorções da mídia imperialista. Entretanto, o trecho que consideramos permite reflexões bastante críticas sobre o relatório cubano.

Delinqüência Comum

Entre os primeiros 47 segundos e o 1:03 minuto, o locutor adverte sobre as exigências de Zapata, que pretendia ter “fogão, televisor e telefone em sua cela”, que ele qualifica como impensáveis em qualquer prisão do mundo. Curiosamente, o governo cubano nunca tinha denunciado que estas eram as reivindicações de Zapata e só as fez públicas agora. Entretanto, mesmo em países como Brasil, onde o sistema carcerário é truculento, alguns presos (e nem sempre os abastados) possuem algumas facilidades que lhes permitem telefonar e assistir TV, mesmo que não seja através de um aparelho exclusivo em sua cela.

O segundo argumento contra Zapata é mais grave. Ele seria pintado pela imprensa capitalista como um bom proletário, mas na realidade, seria um “violento delinqüente comum” processado a partir de 1993 por violação de domicílio, estelionato, e lesões (1:04-1:30). Não se indica a exata índole das lesões, mas apenas que eram graves, pelas quais foi condenado a 3 anos. Essa pena foi estendida para 24 anos por agressão violenta aos guardas prisionais (1:30-1:35). Não falemos de provas, mas o apresentador nem mesmo dá detalhes de como foram estas agressões nem os nomes das vítimas.

Informa-se depois (1:35-1:50) que Zapata não aparece entre os 75 detidos em março de 2003 por alegados contatos com os Estados Unidos, nem foi apresentado como prisioneiro político no relatório do Departamento de Estado americano desse ano, onde se faz um balanço da situação dos DH em Cuba. Este argumento é usado pela fonte cubana para afirmar que os Estados Unidos não o consideravam um preso político, mas apenas um criminoso comum, que depois teria sido utilizado pelos dissidentes.

Vale a pena observar que, no relatório sobre DH em Cuba em 2003 (sem julgar sobre a qualidade da informação) o Departamento de Estado apresenta um panorama geral dividido por itens, mas NÃO FAZ UMA LISTA dos 75 presos. É claro que Zapata não está na lista de presos, porque, simplesmente, NÃO HÁ LISTA DE PRESOS. O relatório apenas menciona aqueles mais conhecidos, como Lorenzo Copello Castillo, Barbaro Sevilla Garcia e Jorge Martinez Isaac, os três que foram executados pela tentativa de assaltar uma barca.

Também é mencionado Manuel Vazquez Portal por ter apresentado uma queixa sobre sua situação prisional. Outros mencionados são: Luis Enrique Ferrer Garcia; Martha Beatriz Roque Cabello; Oscar Elias Biscet; Pedro Pablo Alvarez Ramos; Antonio Diaz; Regis Iglesias Ramirez; Raul Rivero; Marcelo Manuel Lopez Banobre; Manuel Vazquez Portal; Oscar Mario Gonzalez. Destes, alguns eram jornalistas, outros líderes de oposição e alguns outros militantes destacados de oposição.

Observe que só são mencionados 14 detentos, sobre um total de 75. Pessoas que eram simples aderentes ou simpatizantes provavelmente não foram tidas em conta pelo Departamento de Estado. Estados Unidos nunca se preocupou por vítimas de qualquer natureza, salvo que tivessem relevância para seus projetos. Então, Zapata não foi citado porque era pouco interessante para os Estados Unidos.

É CURIOSO QUE O GOVERNO CUBANO CONSIDERE UM ELEMENTO CONTRA ZAPATA O FATO DE QUE SEU MAIOR INIMIGO, OS ESTADOS UNIDOS, NÃO O MENCIONE.

Tudo isto pode ser rigorosamente comparado no relatório deste site, especialmente nos itens 1.d e 1.e.

http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2003/27893.htm

Entretanto, Anistia Internacional, que acredita que os DH são iguais para todos, menciona claramente Zapata ao conceder-lhe o status de prisioneiro de consciência. No seguinte site, você pode conferir a ficha redigida por AI em relação com Orlando Zapata:

www.cubanet.org/ref/dis/012904_e.htm

Também pode ver o site de AI, que já mencionamos várias vezes em nossos artigos, procurando por CUBA e por 2003.

A ficha feita por AI sobre Zapata é esta, traduzida literalmente:

Orlando Zapata Tamayo
Data de prisão: 20 de Março 2003
Sentença: Sem julgamento ainda, indiciado por “desacato”, “desordem pública” e “desobediência”.

Orlando Zapata Tamayo é membro do Movimento Alternativa Republicana e membro do Conselho Nacional de Resistência Cívica.

Foi preso várias vezes no passado. Por exemplo, foi temporariamente detido em 03/07/2002 e em 28/10/2002. Em novembro de 2002, depois de fazer parte numa oficina sobre DH no Parque Central de Havana, José Marti, ele e outros 8 opositores foram arrestados e depois libertados. Ele foi também preso em 06/12/2002, junto como Oscar Biscet, mas foi libertado no dia 08/03/2003

A Cooptação

Segundo o relato da TV cubana, sendo Zapata um criminoso vulgar e um sujeito sem ideologia nenhuma, teria sido facilmente cooptado por Oswaldo Payá Sardinhas e Marta Roque, dois dirigentes de movimentos opositores, que o teriam convencido da importância de sua causa e lhe teriam conseguido uma boa pensão para sua família, paga pela máfia que apóia os cubanos de Miami. (1:56-2:26).

Antes que Zapata se tornasse conhecido, as informações sobre ele o indicavam como um militante de base da oposição. Assim sendo, o que Roque e Payá poderiam ter feito era apenas estabelecer uma aliança, no sentido de que Zapata trabalhasse para seu movimento. Até aí, tudo pode ser verdadeiro. Também pode ser verdade que sua família recebesse uma pensão da máfia. Como todos sabem, é difícil saber nos Estados Unidos qual é a origem do dinheiro. Por outro lado, é ridículo pensar que uma família miserável que tem um parente preso rejeitaria uma pensão, percebendo que a prisão de Orlando era uma aberração e não um ato de justiça.

A Indução ao Suicídio

A afirmação mais curiosa aparece entre os instantes 2:27 e 2:58. Aí, o locutor disse que os verdadeiros opositores convenceram a este homem (que, segundo se pode inferir das insinuações do relato, estaria grato pela ajuda dada a sua família) para fazer greve de fome.

Em seguida, se menciona que REJEITOU TODA ASSISTÊNCIA MÉDICA, e se destaca a solidariedade dos médicos do governo que em nenhum momento o abandonaram.

A atenção médica recebida deve ter sido real. Entretanto, chama a atenção que um criminoso sem ideais políticos fizesse GREVE DE FOME POR UM DEVER DE CONSCIÊNCIA PARA COM SEUS PROTETORES. Aliás, no site de Payá na Internet, o blogueiro estimula a todos os opositores cubanos a preservar suas vidas, e não fazer greve de fome.

Então, será que ZAPATA ERA TÃO SIMPLES QUE NÃO SABIA QUE UMA PESSOA PRECISA COMER PARA VIVER???

Até pode ser verdade que ele tenha resistido a receber assistência médica no começo, mas, quando percebeu que estava morrendo, SERÁ QUE ALGUM IDEAL OU PRINCÍPIO ÉTICO O ANIMOU A CONTINUAR???

As pessoas que se suicidam deliberadamente (ou se posicionam perto do suicídio) o fazem por algum destes motivos: (1) desespero; (2) fanatismo político ou religioso; (3) crença em valores éticos que (no caso de sua morte) ficarão acima do que seria uma vida sem dignidade. Caso não morram, terão mostrado sua têmpera e pressionado seus captores.

No caso (2) estariam os homens-bombas (fanatismo religioso) e os kamikazes (fanatismo patriótico). Zapata não é mencionado como fanático religioso. Aliás, como seria um fanático patriota? Por que teria sentimentos patrióticos pelos Estados Unidos? Obviamente, Cuba não diria que ele tinha patriotismo cubano.

No caso (2) estariam, por exemplo, os revolucionários do IRA liderados por Bobby Sands em 1981. Apesar de que eles também estavam animados por um fanatismo nacionalista, não deve esquecer-se que sua demanda tinha muito a ver com sua dignidade humana: queriam ser tratados como presos políticos e não presos comuns.

O caso (2) também inclui aos que chegam à beira do suicídio. Neste caso, eles não querem morrer INCONDICIONALMENTE, mas arriscam a vida para defender suas idéias. Se conseguirem dobrar seus algozes, terão ganhado moralmente parte de sua causa. Se morrerem, deixaram um sinal de coragem para os sucessores. Há vários destes casos, dos quais, o mais conhecido é Mahatma Gandhi. Outros casos famosos relativamente recentes são:

Ativistas tâmiles contra a ditadura de Sri Lanka.

Sufragistas americanas e britânicas.

Independentistas tibetanos.

Prisioneiros dos americanos em Guantánamo.

Prisioneiros políticos argentinos (2000-2001)

Prisioneiros políticos turcos, e outros.

Segundo a descrição feita pela TV cubana, Zapata seria um lumpen sem valor que se venderia a qualquer um. Então, como uma pessoa assim pode ser convencida a morrer por uma causa? Até onde se conhecem as greves de fome, não há nenhum caso de alguém que não tivesse uma motivação, social, ética ou religiosa muito clara; correta ou errada, mas clara.

A idéia de ser subornado pelos agentes americanos coloca esta pergunta: subornado a troco de que? O que faria ele com algum dinheiro depois de morto?

A única hipótese possível, mesmo aceitando a explicação da TV Cubana é que Zapata se deixou morrer por desespero. Fosse apenas um lumpen (existem lumpen em Cuba depois de 50 anos de Revolução???), ou um agente da CIA, ou qualquer outra coisa, é natural que um homem condenado a penas crescentes de prisão (no último momento atingiam os 36 anos), sem a menor possibilidade de defesa nem de julgamento limpo, só pense em morrer.

Acima de qualquer outra idéia (cuja existência não negamos) em valores éticos ou sociais, seu desespero face uma morte lenta conduz naturalmente ao desejo de uma morte mais rápida. Como disse o senador Cristóvão Buarque, a morte por greve de fome é muito mais cruel que a morte por fuzilamento. Acrescentemos, porém, que é bem mais macia que uma agonia de décadas.

Por sinal, não se parece isto muito ao caso Battisti? Observemos que no Brasil, as forças de esquerda realmente democráticas têm feito grande esforço pela defesa de Cesare. Não posso mencionar todos os casos, porque são muitos, mas os parlamentares, alguns jornalistas e operadores de direito progressistas estão entre eles. Observemos também que a esquerda que adere a projetos populistas de vários governos, e até defende a ditadura dos aiatolás, pouco se importou do caso Battisti.

Como coordenador do site de assinaturas em prol do asilo de Cesare, fiquei surpreso pela falta de colaboração de redes da dita “esquerda nacionalista”, que dizem possuir milhares de associados, dos quais, menos de mil assinaram nossa petição. Os outros foram esquerdistas independentes ou estrangeiros.