Conhecer para transformar: compartilhando aprendizados, no dia-a dia
Para transformarmos as estruturas perversas de nossa sociedade, inclusive a partir de nós mesmos, mostra-se fundamental nosso esforço cotidiano (pessoal e coletivo) de irmos conhecendo, cada vez melhor, a realidade social, econômica, política e cultural. Isto só se torna possível, a medida que nos dispomos a um aprendizado contínuo do que nela se passa, seja em âmbito local, regional, nacional, internacional.
Trata-se de um compromisso pessoal e coletivo com o processo de libertação, sempre na busca de construção de uma nova sociedade economicamente, politicamente participativa, culturalmente diversa.
Tarefa desafiante a ser assumida cotidianamente por cada uma, cada um, e principalmente por nossas organizações de base.
Neste sentido, alegra-me poder associar-me a quantos e quantas assumir esta tarefa dia a dia. Eis a razão pela qual, nas linhas que seguem, cuido de “dar razão à nossa esperança”.
Restrinjo-me, com efeito, a compartilhar os aprendizados mais recentes que fiz utilizando a via dos “podcast”. Um primeiro é o podcast “os crimes da ditadura”, produzido de forma competente e bem documentada, ele vem sendo elaborado e apresentado por quatro pessoas, duas Maranhenses, Gisele Amaral e Ed Edson, e duas Cearenses, Alan Nascimento e Jubs Berbare, já tendo até aqui sido produzidos 51 episódios, relatando, de modo sistemático centenas de crimes perpetrados contra a sociedade brasileira, pelos responsáveis da Ditadura empresarial-militar, no período compreendido entre 1964 e 1985. Fiz questão de acompanhar atentamente todos os episódios até aqui relatados, razão por que o recomendo fortemente, inclusive pelas preciosas sugestões bibliográficas apresentadas ao final de cada episódio.
Entendo de grande importância, especialmente para as novas gerações o esforço de acompanhar todos esses relatos, como um exercício contínuo da memória histórica dos oprimidos. Recomendo, portanto, o acesso ao link https://open.spotify.com/show/0nNMHxhaoDsMdrgpqDS2Jf?si=0a37ad39597143df . Ai de nós se não revisitarmos estas páginas tenebrosas de nossa história, mas ao mesmo tempo, de enorme aprendizado no compromisso das e dos que tiveram a coragem de resistir bravamente a este tempo sombrio.
Outro podcast que acompanhei, com igual interesse, foi o denominado “Projeto Querino”, protagonizado por uma equipe de 40 profissionais de atuação interdisciplinar, cujo objetivo principal é o de nos convidar a uma leitura crítica da história do Brasil, a partir do olhar dos “de baixo” – dos Africanos aqui escravizados, dos povos originários, dos camponeses, dos operários… O projeto Querino toma esse nome, em homenagem a Manuel Querino, um dos intérpretes de nossa formação histórica. Ao mesmo tempo, os protagonistas do Projeto Querino se inspiraram em outro projeto similar, “Projeto 1619”, protagonizado pela jornalista Nikole Hannah-Jones, aludindo aos inícios da escravidão nos EUA, com o tráfico dos primeiros africanos de Angola para a Virginia.
Ambos os projetos se empenham em fornecer uma leitura crítica alternativa à que é feita pelos principais intérpretes da formação histórica desses países. Recomendo igualmente que se confira este podcast, acessando o link https://projetoquerino.com.br/podcast/ .
Um outro podcast que também acompanhei com igual interesse, intitula-se “História Preta”, narrando, em diversos episódios, histórias de figuras de referência do Povo Negro brasileiro, principalmente recuperando a biografia de Carolina Maria de Jesus, cuja trajetória de lutas e sofrimentos não a impediu de tornar-se uma brilhante escritora, cujo livro principal “Quarto de despejo” alcançou fama inédita, em 1960, quando foi lançado, chegando a concorrer com conhecidos best-sellers, inclusive Jorge Amado.
A quarta sugestão de leitura que ouso compartilhar tem a ver com o rico debate proporcionado pela Editora Boitempo, quando do recente lançamento do livro “Colonialismo Digital”, de autoria de Deivison Faustino e Walter Lippold com a apresentação de Sérgio Amadeu. A sessão de lançamento contou ainda com a participação de Karina Menezes e de Tarcízio Silva, com mediação de Marcela Magalhães. Livro instigante e desafiador que se debruçar criticamente nos meandros das tecnologias digitais,de modo a desmascarar sua presença neutralidade, demonstrando seu enorme potencial ideológico de dominação,ao tempo em que desafiam a Esquerda a entender e a lidar com essas ferramentas digitais, na perspectiva crítica e transformadora da barbárie capitalista.
Eis apenas algumas sugestões,dentre tantas do gênero, que compartilho,com intuito de contribuir, ainda que modestamente, com o nosso processo formativo e lutas pela construção de uma nova sociedade.
De tanto ver e conviver com as águas da superfície, corremos o risco de esquecer as correntes subterrâneas. De modo semelhante, de tanto estarmos submersos ao bombardeio ideológico das narrativas dos vencedores, ao nos exercitarmos o senso crítico e autocrítico à luz da mística revolucionária, acabamos, com frequência, por neutralizá-las, não percebendo seus efeitos perversos – porque baseados na mentira de classe.
Para uma melhor percepção desses efeitos, trazemos alguns exemplos ilustrativos. Na conhecida novela “O Rei do Gado”, a personagem Geremia Berdinazzi, grande fazendeiro de café, chama o Delegado de Polícia para vir a sua casa, para lhe cobrar informações sobre o asssassinato de um de seus empregados. De tão corrente, tal episódio, inclusive nos recantos rurais da atualidade, corremos o risco de receber com naturalidade esse tipo de comportamento.
No recente episódio protagonizado na patética figura de Roberto Jefferson, o Presidente hediondo dá ordem ao “seu” Ministro da Justiça, diante do mandado de prisão de Jefferson pelo Ministro do STF, visando a “negociar” com o Delegado de Polícia Federal. Em vão se procura entender objetivamente o perfil médio dos agentes institucionais do Brasil – seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário ou nas Forças Armadas, sem se buscar as razões mais fundas, no desenrolar de nossa história. Como entender-se a figura da cúpula militar brasileira, sem se interpretá-la como herdeira da Casa Grande? Como entender-se a fundo a figura do presidente da Câmara, sem se rastrear seus ascendentes da Casa Grande? Em vão se busca compreender o perfil abjeto de um Presidente necrófilo, sem que se busque sua ascendência histórica – dele e de seus aliados? Em vão se tenta entender a política classista predominante no Judiciário, sem se buscar situar parcela de seus membros como herdeiros beneficiários do sistema escravista. E sobretudo em vão busca-se entender as práticas perversas dos agentes da burguesia brasileira, sem que se faça uma análise histórica do legado colonialista/patrimonialista até hoje ditando as regras econômicas, políticas e culturais de nossa sociedade.
Seguimos em diálogo com a moçada – militantes de base dos movimentos populares e das pastorais sociais -, instigando-os/as a se manterem firmes no processo formativo contínuo, para o qual resulta imprescindível um constante exercício crítico de leitura da realidade, em busca de sua transformação. Para uma leitura crítica da realidade, na perspectiva de sua transformação, não basta uma mera análise de conjuntura, pois na configuração do contexto conjuntural, residem elementos relevantes, concernentes à estrutura desta realidade, razão pela qual se torna necessária uma revisitação de nossas raízes, das quais os nossos clássicos oferecem valiosa contribuição.
Verdadeiro universo eurístico tem sido o legado de nossos clássicos, especialmente aquelas figuras que se empenharam em nos apresentar um quadro panorâmico da formação social da sociedade brasileira,na pespectiva de sua transformaçâo. Nos últimos anos, tenho retomado com persistência o trabalho de revisitação de vários desses clássicos brasileiros, dentre os quais: Antonil (1649-1716), Capistrano de Abreu (1853-1927), Lima Barreto (1881-1922), Gilberto Freyre (1900-1987), Mário Pedrosa (1900 – 1981), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Caio Prado Júnior (1907-1990), Alberto Passos Guimarães (1908-1993), Alice Canabrava (1911-2003), Edson Carneiro (1912-1972), José Honório Rodrigues (1913-1987), Rui Facó (1913-1963), Antonio Candido (1918-2017), Florestan Fernandes (1920-1995), Celso Furtado (1920-2004), Paulo Freire (1921-1997), Maria Yedda Linhares (1921 – 2011), Éric Sachs (1922 – 1986), Darcy Ribeiro (1922-1997), Jacob Gorender (1923-2013), Raimundo Faoro (1925-2003), Clóvis Moura (1925-2003), Rui Mauro Marini (1932-1997), Moniz Bandeira (1935-2017), Theotônio dos Santos (1936-2018), Décio Freitas (1922 -2004), Octávio Ianni, Vânia Bambirra (1940 – 2015), (1926-2004) Emília Viotti da Costa (1928-2017), Alfredo Bosy (1936-2021), Éder Sader (1941 – 1988), Carlos Nelson Coutinho (1943-2012), Carlos Guilherme Mota (1941 – ). Para citar apenas os que me vêem à lembraça. Aos não iniciados nesta temática, dirigindo-me especialmente aos jovens militantes dos movimentos populares, pode parecer um diletantismo nosso empenho de entender, de forma mais aproximativa possível da realidade, o significado e os elementos dos vários componentes característicos da formação social do Brasil. No entanto, trata-se que algo indispensável para quem se empenha em entender nossa realidade atual. Com frequência, ao exercitarmos o esforço de compreensão da conjuntura nacional, latinoamericana, mundial, somos tentados a relativizar a importância de conhecermos nossas raízes históricas, nas quais estão plantados aspectos essenciais de ordem econômica, política, cultural, para uma compreensão mais objetiva dos dramas e dos dilemas que hoje enfrentamos. É indispensável que continuemos, de forma aplicada, a entendermos o que se passa atualmente em nosso mundo, na América Latina, no Brasil. Não podemos subestimar o esforço de uma leitura contínua de nossa realidade atual, que buscamos fazer de forma objetiva, em busca de nos prepararmos melhor para transformar esta mesma realidade. Eis a razão pela qual não podemos tão pouco subestimar uma leitura crítica das raízes históricas de nossa realidade atual. Daí a necessidade de, sem deixarmos de nos manter atentos e criticamente ao que se passa no cotidiano do nosso atual contexto econômico, político, cultural, tomar a sério nossa tarefa de identificarmos fatores históricos, enraizados em nossa trajetória, em relação aos quais uma compreensão crítica e objetiva dos complexos elementos formadores do que seja a sociedade brasileira.
Tratamos, nas linhas que seguem, sem esquecermos a relevância de elementos de pesquisa, em vários campos de nossa realidade, recolhidos de uma plêiade de intelectuais, aqui nos restringimos a alguns pontos extraídos das contribuições oferecidas de 2 desses teóricos do Brasil, Clóvis Moura e Rui Mauro Marini.
Desde Antonil, pseudônimo com que se tratava Giovanni Antonio Andreoni, jesuíta italiano, de Luchi, conseguimos apreender elementos da realidade colonial brasileira, em seus primeiros séculos, sobretudo em sua conhecida obra “Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”, em cujos capítulos faz aparecerem os chamados ciclos econômicos do Brasil, a partir da cana de açúcar, ciclo seguido pelo do tabaco, da mineração, e do ciclo do gado e couro. A partir destes elementos, intérpretes relevantes vão colher inspiração para sua leitura da realidade histórica e historiográfica da sociedade brasileira. Entre eles, faz-se presente o cearense Capistrano de Abreu, que nasceu, em Maranguape-CE, de família de recursos tendo se revelado o aluno relapso, do ponto de vista dos critérios de escolaridade formal, já que, desde cedo, se mostrava um adolescente/jovem ávido de leitura e cultivador de autonomia. Estudou no ateneu cearense e no famoso Seminário da prainha, ambiente em que não se encontrou. Seu pai, em busca de torná-lo “disciplinado” o envia para o Rio, para prosseguir seus estudos. Atuou escrevendo artigos em jornais. Notabilizou-se pelo seu trabalho no museu nacional, cuja biblioteca passou a ser o ambiente mais propício para sua formação de historiador. Dentre suas obras, merecem destaque:
Sobretudo em seus “Capítulos da Colonização Brasileira”, nos quais também reconhece a contribuição de Antonil, bem como dos relatos de viagens produzidos por estudiosos e escritores estrangeiros, em suas passagens pelo Brasil, dos quais são reconhecidas as contribuições de suas crônicas de viagem. Capistrano de Abreu cuida, em sua vasta obra, de apanhar elementos emblemáticos destas leituras da realidade brasileira, as quais ele próprio acrescenta, de modo analítico, sua própria interpretação.
Protagonista no campo literário, Lima Barreto também se apresenta de grande valia ao fornecer elementos significativos da realidade brasileira, a partir de seus romances (não apenas seu famoso “Triste fim de Policarpo Quaresma”), suas crônicas, seus artigos jornalísticos de reconhecido senso crítico aos valores dominantes na sociedade brasileira do seu tempo, tendo inclusive contribuído com destaque com a imprensa anarquista, razão por que teve que amargar dura oposição, inclusive na “grande imprensa”.
Ainda nas primeiras décadas do século XX, aparecem trabalhos relevantes, na busca de uma interpretação da realidade histórica do Brasil, esforços dos quais se destaca a obra de Gilberto Freire, a exemplo de sua celebrada “Casa Grande e Senzala”, datada de 1933, sendo ele também autor de diversos outros livros, como ‘’Sobrados e Mocambos’’ e ‘’Nordeste’’. Ao reconhecermos a relevância de sua obra, inclusive pela sua estética literária, importa notar nele o caráter predominantemente ’’senhorial’’ (Carlos Guilherme Mota) de sua interpretação.
Também nesta década, aparecem contribuições valiosas de interpretação da realidade histórica do Brasil, a exemplo de “Raízes do Brasil” de autoria de Sérgio Buarque de Holanda. Sérgio Buarque de Holanda apresenta uma leitura histórica da realidade brasileira marcada por uma visão de cordialidade predominante nas relações sociais brasileiras.
Importa, ainda, mencionar a sólida contribuição do historiador e historiógrafo José Honório Rodrigues, com vasta e valiosa contribuição, apreciada por estudiosos de renome, a exemplo do que podemos acompanhar na conferência proferida pelo historiador inglês Leslie Bethell, acerca da contribuição histórica e historiográfica de José Honório Rodrigues (cf. https://www.youtube.com/watch?v=IQQ6jHatRKQ). Raimundo Faoro consalbertotitui um desses intérpretes de nossa realidade, inspirando-se numa chave Weberiana de interpretação, especialmente em seu livro, talvez sua obra prima, “Os donos do poder”. Também lembramos da “Formação do Brasil Contemporâneo”, de autoria de Caio Prado Júnior, que se notabiliza por haver inaugurado, juntamente com Nelson Werneck Sodré, uma abordagem marxista de interpretação da realidade brasileira. Nascido no Rio de Janeiro, em 1911, Sodré teve uma formação militar, até se desligar definitivamente em meados dos anos 60, em razão de sua posição socialista. Revelou-se um escritor multitemático, tendo atuado em alguns jornais de São Paulo e região, inclusive produzindo crítica literária em suas páginas. Além da questão militar brasileira, Nelson Werneck Sodré também se notabiliza pela sua erudição no campo da literatura e da cultura nacional. Alguns de seus livros versam sobre a literatura brasileira, tendo aí atuado principalmente entre 1938 e 1943. Do ponto de vista de sua contribuição à historiografia brasileira, sublinhamos sua formação da sociedade brasileira, livro escrito e publicado em 1944. Diversos outros livros e escritos seus apareceram nos anos 40, 50 e 60. Foi contemporâneo e amigo de figuras de grande notabilidade, no campo da literatura e da política, a exemplo de Jorge Amado e Graciliano Ramos, dele ainda vale destacar o seu “O que se deve ler para conhecer o Brasil”, de meados dos anos 1940.
A tese fundamental de Caio Prado Junior, que tende a explicar a trajetória histórica do Brasil apenas ao modo de produção capitalista, se acha, por vezes, questionada inclusive por outros autores marxistas, tais como Alberto Passos Guimarães, que atribui peso determinante às características feudais do processo de formação da sociedade brasileira. É o que faz em seu famoso “Quatro séculos de latifúndio”.
Próximo da abordagem de Alberto Passos Guimarães, também se coloca Ruy Facó, especialmente em seu livro “Cangaceiros e Fanáticos”, uma interpretação marxista do que acontece especialmente no Nordeste brasileiro, quanto ao fenômeno do cangaço e dos seguidores de Antônio Conselheiro. Ainda a propósito desta polêmica entre intérpretes marxistas, vale notar uma posição mais nuançada, oferecida por Nelson Werneck Sodré, em sua obra, à medida que reconhece a predominância das relações capitalistas em parte do período do período colonial brasileiro, ao mesmo tempo em que também reconhece traços feudais aí presentes.
Nunca é demais reconhecer a relevância da contribuição dos trabalhos literários, ao campo da História. Neste sentido, cumpre destacar significativos elementos extraídos de obras como as de José Oiticica, Antonio Candido e Alfredo Bosi, entre outros.
Celso Furtado é igualmente interpretado como portador de relevante contribuição, especialmente no campo da economia, ao esforço de compreensão da realidade histórica do Brasil, em várias de suas obras, especialmente “Formação Econômica do Brasil”, aportando uma contribuição sobretudo à luz do chamado desenvolvimentismo sustentado pela CEPAL.
A contribuição de Paulo Freire, sobre quem há um largo reconhecimento que já tivemos oportunidade de compartilhar em vários textos (www.textosdealdercalado.blogspot.com), segue uma referência interpretativa a não perder de vista.
Darcy Ribeiro representa um dos intelectuais brasileiros que se dedicaram a interpretar a realidade brasileira, especialmente a partir do universo dos povos originários, de que é exemplo “Viva o Povo Brasileiro”.
Acerca de Jacob Gorender, importa realçar sua contribuição criativa, principalmente, no que concerne a uma interpretação marxista do capitalismo no Brasil tendo como pano de fundo “O escravismo colonial”, ao qual importa associar densas contribuições de Clóvis Moura, sem esquecer o aporte de Edison Carneiro.
Cumpre igualmente apreciar a contribuição de outras figuras relevantes,a exemplo de Carlos Nelson Coutinho,de quem recolhemos preciosos elementos de sua análise política. Estendemos nosso reconhecimento a Octavio Ianni, sociólogo dos mais celebrados pela qualidade de suas análises. Moniz Bandeira, sobretudo no campo das relações políticas,deixou nos um legado considerável, assim como Décio Freitas o fez nos escritos relativos aos quilombos, a começar pelo Quilombo dos Palmares. Carlos Guilherme Mota também merece especial atenção,quando se trata de situar criticamente o legado ‘’ senhorial’’ da obra de Gilberto Freyre.
A despeito do nosso esforço, (ainda) não logramos fazer justiça ao lugar das mulheres na interpretação histórica da realidade brasileira. É visível a desproporção, a este respeito, entre intérpretes homens e mulheres. Mesmo assim, trazemos à lembrança, além das historiadoras acima mencionadas, figuras femininas como Nísia Floresta (Direitos das mulheres e injustiça dos homens), Maria Angelina Soares, muito atuante em revistas e jornais anarquistas, Maria Lacerda de Moura (Em torno da educação, cumprindo relevante trabalho,inclusive em periódicos anarquistas,alèm de livro ), Bertha Lutz, diplomata, bióloga e educadora, que se notabilizaram no campo feminista, orientadas por valores anarquistas.
Dinamicamente interconectados, os escritos desses autores e autoras, ainda que em proporção diferenciadas, nos convencem da necessidade de um melhor entendimento dos desafios atuais, tarefa urgente sobretudo para os jovens militantes. Conscientes do caráter incipiente destas linhas aqui apresentadas nos permitimos salientar com toda ênfase nossa especial afinidade a três figuras: Florestan Fernandes, Clóvis Moura e Ruy Mauro Marini. Quanto ao primeiro,já tendo tido a oportunidade de refletir, ainda recentemente (cf. nosso blog acima citado), estamos diante de um intérprete perspicaz de nossa realidade, haja vista sua densa obra atinente à valiosos aspectos da formação social brasileira – Mudanças sociais no Brasil, A integração do negro na sociedade de classes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento, A revolução burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica, entre outros escritos.
Não menos importante é a contribuição crítica apontada por Clóvis Moura, um dos autores mais fecundos e criativos, quando se trata de interpretação da realidade brasileira. Clóvis Moura, nascido em Amarante, no Piauí, em 1925, tendo vivido um tempo em sua primeira juventude no Rio Grande do Norte, e depois passando pela Bahia, seja em Salvador, seja em Juazeiro, tendo depois se radicado em São Paulo, vindo a nos deixar em 2012.
Um autor ainda por merecer um justo reconhecimento da qualidade da sua contribuição, Clóvis moura nos brinda com uma obra percuciente, da qual fazem parte, entre outros escritos: ’’Rebeliões da Senzala: ’’(1959), ’’O negro:de bom escravo a mau cidadão?’’(1977), ’’Os Quilombos e a Rebelião’’ (1981), ’’Brasil: as raizes do protesto Negro’’ (1981), ’’A sociologia do Negro no Brasil’’ (1988).
Dentre vários aspectos a destacar a contribuição oferecida por Clóvis moura, ressaltamos os seguintes:
ele sustenta, diferentemente, de vários autores, a tese da presença da luta de classes no legado de resistência dos africanos aqui escravizados, inclusive durante o processo abolicionista;
ele desenvolve o conceito de “Super-exploração’’ a que os Negros foram subimetidos, pelo regime colonialista, combinando com relações capitalistas.
Ruy Mauro Marini, ainda que menos conhecido no Brasil do que outros de sua estatura intelectual, oferece uma interpretação da sociedade brasileira deveras percuciente, pelo que nos parece o principal representante da Teoria da Dependência, no espectro maxista, tendo-nos brindado com escritos de grande alcance interpretativos, a exemplo do que podemos perceber, não apenas na sua obra mais conhecida – ’’Dialética da dependência’’ – bem como em ‘’Reformismo e contra-revolução’’, entre outros.
A vida de Ruy Mauro Marini é marcada por uma profunda e contínua entrega pela causa revolucionária, no Brasil, no México, no Chile e na Europa (França e Alemanha). No Brasil, atuou como militante da ”Política operária” (POLOP), em razão da qual foi perseguido, preso e torturado, em 1964, pelo Golpe Militar. Tendo conseguido habeas corpus, posteriormente se exila na Embaixada do México para onde segue e onde continua militando e sendo referência internacional, especialmente a partir de seu escrito acerca da conjuntura brasileira, na época do Golpe de Estado. Do México migra para o Chile, em Concepción, e depois para Santiago, em 1970, onde, além da principal referência do MIR (Movimiento de la Izquierda Revolucionária), passa a integrar a seleta equipe do CESO (Centro de Estudios Sociales), juntamente com outros brasileiros e latino-americanos, entre os quais, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, Eder Sader, Marco Aurélio Garcia, André Gunder Frank, Marta Harnecker…
A grande contribuição oferecida por Ruy Mauro Marini também tem a ver com os conceitos de “Super Exploração da Força de Trabalho” e “Sub-Imperialismo”, que se acham em dissidência com alguns autores marxistas, inclusive, Nelson Werneck Sodré, ao tempo em que seu conceito de “Super Exploração da Força de Trabalho” guarda proximidade com o mesmo conceito formulado por Clóvis Moura. Para uma exposição pertinente sobre estes e outros conceitos utilizados por Marini, recomendamos o vídeo de Fernando Correia Prado (https://www.youtube.com/watch?v=Vsay2BvvHIA).
Neste breve exercício de revisitação de nossas fontes históricas, tomando o cuidado de fazê-lo sob diversos ângulos, ainda que tendo clara preferência interpretativa (refiro-me aquelas correntes inspiradas no método histórico dialético e na perspectiva da revolução), trata de mencionar, de passagem, alguns autores e algumas de suas principais obras, como instrumento de aprendizado para uma aproximação de nossa atual conjuntura, na qual muitos aspectos de nossas raízes históricas se fazem bastante presentes, e sem as quais não lograremos qualquer êxito, em uma perspectiva de transformação social, ainda que a médio e longo prazos.
Nos limites destas linhas, apenas nos dispusemos a oferecer um brevíssimo panorama de autores e autoras em quem buscamos elementos de análise de nossa realidade histórica, à guisa de um aperitivo, com o objetivo de incentivar nossa moçada militante a cumprir relevantes tarefas históricas.
Há uma ação que é transformadora, ou, melhor dizendo, há ações que são transformadoras. Elas incluem, obviamente, ao mesmo tempo o sujeito da ação, e as circunstâncias.
E há também o fazer de conta. A proclamação da mudança, a crítica ao estatuído, que não vão acompanhadas de qualquer ação construtiva.
Não nego que a denúncia e a crítica possam ter a sua razão, ou suas razões. Mas não concebo uma prática social que possa se esgotar na mera denúncia ou na mera crítica.
Dito isto, vamos ao que interessa. A política não começou a existir no momento em que cada um de nós passou a se interessar por ela. Existia desde há muito tempo atrás, sem dúvida. Pois bem, assim sendo, um pouco de historicidade e de contextualização, fariam com que muito militantismo pseudo-revolucionário ou pseudo-esquerdista se mostrassem como o que são de verdade: práticas vazias e inconsequentes.
O que estou querendo dizer com isto? Algo muito elementar e claro. As mudanças sociais no sentido da promoção da pessoa humana (mais justiça, mais igualdade, maiores oportunidades para os excluídos) , tem sido e continuam de fato sendo ações de longo prazo. As construções coletivas são demoradas.
O revolucionarismo berrante, ao contrário, quer tudo agora. Não conhece a co-operação com quem quer que seja. É auto-centrado. Começa e termina em si mesmo. Se satisfaz na destruição de propriedades e instituições. Naõ se detém na morte ou na prisão de inocentes. Até a contrário, as procura. Elas dão mais dramaticidade à sua ação destrutiva.
Venho de um país, de uma história pessoal e familiar, coletiva, que fazem parte do que sou agora. Não me ponho como exemplo de nada. Mas não menosprezo a estrada até aqui percorrida.
Nos meus anos de academia, trabalhei no sentido de uma formação integral dos estudantes. Que não se esgotasse no acadêmico ou no intelectual, no profissional. Que fossem pessoas inteiras, autônomas, conscientes.
Deixada uma certa forma de agir na academia, fui somar com ações comunitárias no âmbito da saúde mental. Abriu-se um outro panorama: o da ação na base da sociedade. O aprendizado resiliente com os setores sociais mais periféricos.
Então quando hoje escrevo, quando ajo nos âmbitos da Terapia Comunitária Integrativa e da literatura e da poesia, o faço a partir de uma inserção em redes sociais pelo agir construtivo.
Me defino como cristão, embora nas redes de que participo, a crença costuma ficar no âmbito íntimo, frequentemente. Ou, então, co-existem em um âmbito de pluralismo religioso. Não me defino como partidista ou sectário. Trato de praticar um humanismo simples e concreto, não institucionalizado.
Tudo isto para dizer, a quem possa estar a ler estas anotações, que não há tempo para se cuspir na democracia, ou para espalhar boatos e calúnias contra quem quer que seja, irresponsavelmente.
Uma revolução, uma sociedade justa, são resultado de árduo trabalho coletivo, diverso, plural.
O resto, é vazio e nada. Ou, pior ainda: ações inconsequentes cuja derivação pode ser um retrocesso a situações ditatoriais que ninguém pode querer de volta.
Doutor em sociologia (USP). Terapeuta Comunitário. Escritor. Membro do MISC-PB Movimento Integrado de Saúde Comunitária da Paraíba. Autor de “Max Weber: ciência e valores” (São Paulo: Cortez Editora, 2001. Publicado em espanhol pela Editora Homo Sapiens. Buenos Aires, 2005), Mosaico (João Pessoa: Editora da UFPB, 2003), Resurrección, (2009). Vários dos meus livros estão disponíveis on line gratuitamente: https://consciencia.net/mis-libros-on-line-meus-livros/
Releer a Jorge Luis Borges es siempre un placer, poniendo de lado sus posiciones políticas, sus obstinados rechazos, y en fin la imagen estereotipada que de él nos devuelve el mundo periodístico y publicitario.
Descendiente de militares, añoró y admiró el mundo del coraje, las espadas, el sacrificio. Sintió un profundo amor por la patria, acompañado de una obstinada incomprensión por los cambios sociales del presente. Alicia Jurado, no sospechable de populista, dice de él:
“En un país católico, confiesa su agnosticismo; frente a un pueblo apasionado por el fútbol, se burla de ese deporte…, en un ambiente propenso al nacionalismo, se ríe de esa doctrina; no hay ídolo que no se complazca en destruir ni lugar común que no sea objeto de su sátira.”
Y sin embargo, una lectura atenta y leal a toda su obra permite revertir constantemente algunas de esas afirmaciones, por otra parte legítimas y motivadas. Hay en Borges una fe, una cierta tenaz y combatida esperanza. Por mi parte valoro en él ante todo al poeta, que permanece un tanto oculto tras el brillo de su inventiva ficcional y su vuelo como ensayista.
A partir de la captación intuitiva del mundo y del yo que lo contempla, Borges alcanza certidumbres que entran en pugna con su escepticismo crítico, e inducen su progresiva transformación hacia el humanismo que teóricamente impugna. Sus últimos escritos muestran una conciencia transformada, tocada por un impulso de revisión del propio pasado, próxima a la valoración del sentimiento y el recuerdo.
Yo cometí el peor de los pecados
no ser feliz…
Tal evolución, lejos de invalidar el recorrido de Borges, permite apreciar su calidad de escritor genuino transformado por su propio instrumento, la palabra. No todo es duda, ironía y criticismo en nuestro escritor. Filósofos europeos como Foucault, Derrida, Vattimo, que contribuyeron al relanzamiento y difusión mundial de su nombre, captaron de él sólo algunos aspectos que coincidían con la atmósfera finisecular europea, proyectando una imagen posmodernista, light, descomprometida. No han sido suficientemente apreciados en el pensamiento de Borges gérmenes constructivos coincidentes con una tradición hispánica y americana que por momentos desdeñó, y que se afirma en la identidad humanista.
El ensayo, modo libre y creador de conformar el pensamiento, debía ser necesariamente un cauce expresivo predilecto de Borges. Diverso de las tesis y las monografías que a veces usurpan su nombre, el ensayo acoge a menudo una tesis y su contraria.
Esta característica dialógica y dubitativa pero en el fondo fiel a una búsqueda de conocimiento es típica de Jorge Luis Borges: a veces desarrolla una determinada teoría confesando no creer en ella, otras contrapone y estudia, mayéuticamente, posiciones distintas. El género mantiene en él su carácter de imprevisible partitura, habitada por un yo sentiente y opinante que se esconde y se muestra entre las líneas de la página.
El ensayo es en Borges casi contemporáneo de sus versos, y por lo tanto un género inicial. A Fervor de Buenos Aires, publicado en 1923, le sigue un tomo de ensayos: Inquisiciones, 1925. En este mismo año se publica Luna de Enfrente y al siguiente El Tamaño de mi esperanza. Estos volúmenes, como se sabe, fueron excluidos de futuras ediciones del género. En 1930 publica Borges su Evaristo Carriego; en 1932 Discusión; en 1936 Historia de la eternidad; en el ’47 Nueva refutación del tiempo. Aspectos de la literatura gauchesca vio la luz en el ’50. Otras inquisiciones en 1952. Les seguirán Elogio de la sombra, 1969, El otro, el mismo, de igual fecha, entre otros títulos.
El propio Borges negaba ser un filósofo, un pensador sistemático. Sus ensayos acogen lo ficcional, lo conjetural, lo autobiográfico, al mismo tiempo que ciertas demostraciones teóricas siempre tratadas con ironía. Platón, Avicena, Berkeley, Hume, Schopenhauer, Nietzsche, le prestaron sutiles razonamientos. El tiempo y la eternidad, el infinito, Dios, la realidad o irrealidad del mundo, la muerte, la identidad, son temas reiterados en la obra borgeana, que plantea en forma recurrente algunos tópicos: el tiempo ha transcurrido ya y sólo lo recordamos; la historia es la escritura de un Dios: todos los seres son uno solo; existen vidas paralelas en la vigilia y el sueño; el destino personal es ineludible, está preestablecido.
Tanto el mundo de sus cuentos como el de sus ensayos, a veces colindantes o entremezclados, abundan en referencias a la palabra, la literatura, los nombres, los arquetipos. Atraviesan sus obras imágenes pregnantes: espejos, laberintos, bibliotecas. El tigre, imagen de una belleza salvaje, ajena a la distinción entre el bien y el mal, es una obsesión de Borges. También la noche, símbolo de lo arcano e impenetrable.
Borges estuvo preocupado por el tema del tiempo, que no es sólo una abstracción filosófica, sino una dimensión relativa a la finitud humana. Las aporías de la razón se ponen de manifiesto en torno a este problema, pues el tiempo es irracional. Su oscura entidad, dramáticamente perceptible en la desaparición de los seres amados, la pérdida de los objetos, la destrucción de la materia y la corporalidad, no es abarcable por el pensamiento que piensa el ser, la sustancia, la inmutabilidad. Borges acomete una y otra vez la refutación del tiempo, en un combate donde su propia posición queda siempre escindida. Aquello que su razón y su voluntad conjuran es aceptado dolorosamente por su intuición poética. En Nueva refutación del tiempo afirma: “He divisado o presentido una refutación del tiempo de la que yo mismo descreo”… Las ideas de este ensayo son las que impregnan toda su obra. Se propone invalidar la sucesión mostrando la duplicación de impresiones en la mente. Es posible que ello produzca un tiempo circular, pero éste es también reductible a un solo punto, tanto como la sucesión lineal.
Otra forma de refutar el tiempo es el presente, como lo enseña la fenomenología. Evidentemente, Borges asimiló en sus años juveniles la atmósfera vanguardista, deudora de Husserl y de Einstein. El tiempo -se planteaba- podía ser divisible o indivisible, pero en ambos casos se invalida a sí mismo. Otra pregunta de Borges se refiere al carácter mental del tiempo, y al misterio de que pueda ser compartido por muchos. Sólo podría explicarse esto por una fuerza exterior que Borges rechaza. Otra forma posible sería que el tiempo esté en un solo punto.
El crítico Thorpe Running, al enfocar el tema, recuerda una experiencia personal declarada por Borges. Con diferencia de treinta años tuvo una impresión idéntica: se sintió muerto y percibiendo la eternidad. ¿Se trataba de dos experiencias idénticas o, como postulaba el escritor, era la misma? Otro ensayo similar es “El tiempo circular”, recorrido por tres teorías: la primera es la del año de Platón, que dice que las entidades celestiales y todo lo que se encuentra en ellas vuelve cada año a su estado anterior. La segunda es la de Nietzsche, Le Bon y Blanchi, la de la prueba algebraica de que el mundo está compuesto por un número finito de partículas en un tiempo infinito. La tercera -y para Borges la única imaginable- es la de ciclos parecidos. La única realidad sería la del presente, sostenida por Marco Aurelio. Las experiencias serían análogas, no idénticas.
Pero sus especulaciones y juegos intelectuales no borran en Borges la marca de su pertenencia a la patria, su sentimiento juvenil de adhesión al barrio, su admiración por un poeta popular como Evaristo Carriego, su amor por la propia estirpe, su pasión por la historia nacional.
Acaso el momento culminante de fervor nacional lo expresa su libro El tamaño de mi esperanza, publicado en 1926 y luego omitido en ediciones de sus obras. El irigoyenismo llevaba a la práctica el sentir de un grupo de intelectuales congregados en torno de algunas revistas. La más célebre, no en vano, llevó el nombre de nuestro poema más polémico y revulsivo en el siglo anterior, Martín Fierro. El meridiano intelectual de la hispanidad, sostuvieron los martinfierristas, pasaba por Buenos Aires. Defendían de nuevo, como los románticos, la legitimidad de un idioma propio. Se entusiasmaban con la búsqueda de figuras y arquetipos argentinos. Así se inicia El tamaño de mi esperanza:
“A los criollos les quiero hablar: a los hombres que en esta tierra se sienten vivir y morir, no a los que creen que el sol y la luna están en Europa. Tierra de desterrados natos es ésta, de nostalgiosos de lo lejano y ajeno: ellos son los gringos de veras, autorícelo o no su sangre, y con ellos no habla mi pluma. Quiero conversar con los otros, con los muchachos querencieros y nuestros que no le achican la realidá a este país. Mi argumento de hoy es la patria: lo que hay en ella de presente, de pasado y de venidero. Y conste que lo venidero nunca se anima a ser presente del todo sin antes ensayarse y que ese ensayo es la esperanza”.
Un libro a mi juicio muy importante en la trayectoria de Borges es el que dedicó, en 1930, a Evaristo Carriego. Esta obra permite asegurar el interés de Borges en lo nacional, y en la cultura popular, temas que tanto negó. El autor de Ficciones descubre en este poeta barrial la presencia de temas y planteos que él mismo fue profundizando. La página inicial del libro declara:
“Pienso que el nombre de Evaristo Carriego pertenecerá a la ecclesia visibilis de nuestras letras, cuyas instituciones piadosas -cursos de declamación, antologías, historias de la literatura nacional- contarán definitivamente con él. Pienso también que pertenecerá a la más verdadera y reservada ecclesia invisibilis, a la dispersa comunidad de los justos, y que esa mejor inclusión no se deberá a la fracción de llanto de su palabra. He procurado razonar esos pareceres”.
El cuento de Carriego “El truco” se cuenta en la génesis de un poema de Borges del mismo nombre, incluido en Fervor de Buenos Aires. El juego aparece en ambos como repetición, circularidad, presente que desafía el devenir. Son todas formas de anular el fluir del tiempo, al menos teóricamente, tal como lo propone “El milagro secreto”. Admitir el tiempo es para el hombre reconocerse como criatura finita. La refutación del tiempo no anula en Borges esa dimensión, sólo le contrapone posibilidades teóricas que adquieren en el autor el carácter de una teología posible.
Cabe pensar que la historia, con su dramática frustración del proyecto inmediato, cortó en los años 30 el ímpetu esperanzado de muchos de los hombres de la generación de Borges, y también de otros mayores. Pero no sería justo entender que esta soterrada convicción o apuesta al sentido desaparece totalmente del pensamiento borgeano.
Desde luego es en la poesía, como en la narrativa, donde nos es posible reconocer asimismo la filosofía de Jorge Luis Borges. En su manifiesto juvenil ultraísta, Borges proponía la abolición de palabras como misterio, azul, infinito, que tipifican la vocación trascendente del poeta romántico-modernista. . Pretendía una poesía intelectual, rigurosa, construida sobre la abolición del sujeto, también por supuesto del confesionalismo y la afectividad. Pero el examen de su trayectoria poética muestra que aquel fue sólo un momento extremo y una apuesta teórica no cumplida.
Borges retorna a la poesía con El hacedor. En su expresión aparece un dialogismo básico: el poeta que apunta más y más a la condensación afectiva de la imagen, y el “otro”, el crítico implacable, que vuelca la afectividad hacia un plano irónico, a partir de una toma de distancia.
Para Jaime Rest, Borges sería un nominalista negador del sentido del universo, defensor de la pura eficacia de los signos. Para Juan Nuño, en cambio, su filosofía se enmarca en un platonismo que lo conecta con la tradición metafísica. En esta misma dirección apunta Serge Champeau, que ha sido comentado por el profesor Guillermo L. Porrini.
Champeau descubre en la obra de Jorge Luis Borges ciertas líneas de sentido que lo acercarían a la fenomenología de Heidegger y Merleau Ponty, sin que esta relación debilite su entronque con el neoplatonismo y con Schopenhauer, conocido a través de Macedonio Fernández. En Borges, dice Champeau, hay un deseo metafísico de ver y encontrar el ser. Neoplatónicos son ensayos como El Ruiseñor de Keats, o El Congreso, donde la imagen, la representación, es escala hacia el ser y no mera copia. Es este un punto clave de discusión en la obra del escritor. Para Champeau, el más alto nivel filosófico de Borges se alcanzaría en una fenomenología trascendental. Su obra sería la descripción del modo que tiene la conciencia de donarse a sí misma en el acto imaginario. No sería una identificación con la estética romántica, de fundamento metafísico, sino una valorización filosófica del acto poético y la instauración de una ética-estética, a la manera de Schopenhauer. Esa ética- estética se va configurando dentro de un ritmo contradictorio, que afirma la finitud y la inmortalidad, la multiplicidad y la unidad.
Podría decirse que, en su conjunto, la obra de Borges va perfilando un pensamiento humanista, ajeno al escepticismo total. Su admiración juvenil por Carriego no sería sólo un momento pasajero de su historia, sino una pulsión permanente que lo liga cada vez más a una visión humanista y aún religiosa del mundo y de la vida. Una profundización fenomenológica de la obra total de Borges puede descubrir en ella una creciente emergencia del ethos, una valoración del arte como escala del ser, y una defensa del poetizar como vía del conocimiento.
Extraído del libro: La poesía, un pensamiento auroral (capítulo XXI)
O silêncio nos conecta com tudo. Hoje tudo é dito, tudo é mostrado. Há um afâ excessivo em mostrar, em dizer, em fazer. Em nos atribuirmos méritos. Tudo é posto para fora, tudo quer ser dito, mostrado, evidenciado, explicado, demonstrado. Mas a dimensão exteriorizável da existência é apenas a parte visível de um iceberg infinito. Estes dias atrás, tenho-me visto (e ainda estou) às voltas com limitações que vem com o tempo.
Todos somos desafiados a irmos aceitando que já não podemos fazer tanto quanto em outras épocas da vida. Mas lamentar isto, que é natural, iria me aleijar do processo da vida. Esqueceria que o passar do tempo vai me levando para uma margem onde todos os barcos vão recalar. E essa dimensão maior é o amor, é o infinito, é o silêncio, que costura todas as coisas. Pensava no que José Comblin dizia sobre o amor, sobre a mensagem de Jesus, a sua simplicidade.
Não cito estes nomes por querer estabelecer alguma barreira, alguma separação. Ao contrário, é para ir partilhando cómo, a través do que é simples, podemos ir nos unificando com o todo. “Pessoas simples, fazendo pequenas coisas, em lugares pouco importantes, produzem mudanças extraordinárias,” dizia um boletim das CEBs.
Creio que nenhum de nós esqueceu pessoas simples que conhecemos nas nossas vidas. Cómo viviam em mundos que agora talvez estejamos podendo alcançar.
O tempo vai passando, o outono chegou, e as folhas secas no chão vão nos dizendo coisas. Muita gente quer mudar o mundo. Esse mundo começa dentro de cada um, de cada uma de nós.
Doutor em sociologia (USP). Terapeuta Comunitário. Escritor. Membro do MISC-PB Movimento Integrado de Saúde Comunitária da Paraíba. Autor de “Max Weber: ciência e valores” (São Paulo: Cortez Editora, 2001. Publicado em espanhol pela Editora Homo Sapiens. Buenos Aires, 2005), Mosaico (João Pessoa: Editora da UFPB, 2003), Resurrección, (2009). Vários dos meus livros estão disponíveis on line gratuitamente: https://consciencia.net/mis-libros-on-line-meus-livros/