O aviso do governador sobre a “ação surpresa” tem um lado bom: evita o confronto armado que pode vitimar moradores inocentes. Mas um lado ruim: a fuga de criminosos, como ocorreu na ocupação do Complexo do Alemão e nas outras. No caso da Rocinha, que ao contrário das outras ações, contou com informações da inteligência da Polícia Federal, pessoas que devem a justiça foram presas.
A prisão do intitulado “maior traficante do Rio de Janeiro” fez com que o ritual midiático de passagem do “Rio de Janeiro em Guerra” para o “Rio de Janeiro em Paz” se tornasse ainda mais espetacular (de espetáculo midiático, não de fantástico). A Marinha do Brasil vai forneceu 194 homens (19 oficiais e 175 praças) e 18 blindados em apoio às forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Um recorde, superando os 127 homens que atuaram no Complexo do Alemão. Somados foram cerca de 1.700 homens, incluindo policiais militares, civis, federais e rodoviários federais e fuzileiros navais, que também deram apoio à ocupação. A ação-espetáculo acende a sensação de medo da classe média, eleva a audiência das emissoras que transmitem o BBP (big brother policial) – e por conseqüência, o faturamento – garante votos (2012, ano eleitoral, lembram?), e tira o foco do que realmente é importante: política de segurança de estado (não te território) e a aliança policiais-crime organizado-política.
Não há como relevar o fato do então governador do estado, Sérgio Cabral, posando em fotos com o miliciano, já preso, Jerominho e o vereador Claudinho da Academia, braço político de Nem, que depois de morto, “cedeu” a vaga para André Lazzaroni, conforme denúncia de crime eleitoral do Ministério Público. Cabral chegou a ir ao enterro de Claudinho e dividir palanque em comício com Jerominho. Como bem disse Luiz Eduardo Soares, a fórmula é clara: Aparato bélico +mídia = medo e voto.
Ao contrário do que foi feito em outubro no Complexo do Alemão, na Rocinha a estratégia acerca da ação foi traçada depois que a Marinha mapeou, por meio de imagens feitas de um helicóptero, toda a comunidade, bem como o levantamento de informações e monitoramento pela polícia federal. O planejamento é um grande diferencial, essencial para o sucesso de qualquer ação.
Vale lembrar, porém, que assim como ocorreu com o Complexo do Alemão, nada disso é novidade. Há 23 anos a Rocinha foi ocupada e chegou a abrigar um posto do NUCOE (Núcleo da Companhia de Operações Especiais), similar hoje ao Bope. O que aconteceu depois? O tráfico voltou, assim como voltou depois da mega operação de 1994/95. Bope também já havia hasteado bandeira no alto do Alemão, em 2007. O remake pode ser eterno enquanto não se mexer no cerne da questão: a estrutura social, a polícia e a política, que de mãos dadas, dão no que dão.
Assim, vão por água abaixo as mirabolantes previsões de reconfiguração do crime organizado, enfraquecimento de facções, golpes na estrutura do crime e refundação do Rio de Janeiro. Não existe “fato histórico” na ocupação da Rocinha, como Sérgio Cabral twittou em seu perfil oficial. “Fato histórico” será quando traficantes não atuarem ao lado da polícia e sem o aval político. Há de se lembrar que a linha de sucessão de Nem, por exemplo, parece pronta, já que ainda não há sinais de Leão, Pateta e outros. A PF investiga a presença de um delegado da Polícia Civil na hora da prisão de Nem. Ele tentou tumultuar. Apareceu na Lagoa na hora da prisão e queria assumir ocorrência. Problemas velhos tratados como notícias novas. O buraco é mais embaixo. Bem mais embaixo.