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Como denunciar violações de direitos humanos à ONU

Conheça aqui os detalhes sobre os procedimentos para realizar denúncias de violações de direitos humanos junto às Nações Unidas. Antes de realizar uma denúncia de violações de direitos humanos junto às Nações Unidas, é preciso ficar claro que devem ser esgotados todos os recursos jurídicos no país de origem da denúncia.

Como funciona o procedimento de denúncia?

O Conselho de Direitos Humanos e outros organismos da ONU que trabalham nesta área podem investigar violações de direitos humanos, sempre e quando elas sejam devidamente comprovadas. A investigação é realizada confidencialmente.
Dois grupos de trabalho – o Grupo de Trabalho de Comunicações e o Grupo de Trabalho de Situações – foram criados com o mandato de examinar as denúncias e levar à atenção do Conselho violações de direitos humanos. O Grupo de Trabalho de Comunicações – formado por cinco especialistas independentes – examina os méritos das comunicações (ou denúncias) recebidas e encaminha aquelas que consideram verídicas e relevantes para estudo do Grupo de Trabalho de Situações.
Este Grupo investiga estas denúncias, assim como as respostas dos Estados envolvidos e as apresenta ao Conselho de Direitos Humanos, com as devidas recomendações. Subsequentemente é a vez do Conselho tomar uma decisão em relação a cada uma das situações levadas à sua atenção.

Mecanismos de Direitos Humanos: funcionamento e contatos

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH ou, na sigla em inglês, OHCHR) trabalha para oferecer a melhor experiência e apoio aos diferentes mecanismos de direitos humanos de monitoramento no Sistema das Nações Unidas.
São organismos da ONU previstos na Carta da ONU – incluindo o Conselho de Direitos Humanos – e os órgãos criados sob os tratados internacionais de direitos humanos, além daqueles compostos por especialistas independentes com mandatos para fiscalizar o cumprimento das obrigações internacionais dos Estados em relação aos tratados internacionais.
A maioria destes órgãos recebem apoio de Secretariado do Conselho de Direitos Humanos e da Divisão de Tratados do Escritório do ACNUDH. Saiba detalhes em http://bit.ly/2HwhIXF e http://bit.ly/144ID0f.
A expressão “Procedimentos Especiais” faz referência aos mecanismos estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humanos para tratar tanto de situações específicas de cada país como de questões temáticas em todo o mundo. No início de agosto de 2017 havia 44 mandatos temáticos e 12 mandatos por país. Saiba mais em http://bit.ly/2HxbKWm.
No que diz respeito às suas atividades, a maioria dos procedimentos especiais recebe informações sobre denúncias específicas de violações dos direitos humanos e envia apelos urgentes ou cartas com as alegações para os governos, pedindo esclarecimentos. Em 2017, por exemplo, foram realizadas 534 comunicações para os governos de 117 países e para 25 agentes não estatais; 423 dessas comunicações foram enviadas conjuntamente por dois ou mais titulares de mandatos.
Acesse a lista de todos os especialistas independentes, seus cargos, a língua que eles falam e seus endereços de e-mail clicando aqui.
Para informações complementares, acesse o folheto informativo do ACNUDH: http://bit.ly/1r4kEA3.
 

Como devem ser feitas as comunicações e para onde devem ser enviadas?

O critério para aceitar uma denúncia está geralmente relacionado à credibilidade da fonte e da informação recebida, assim como aos detalhes proporcionados. Apesar disto, deve ser enfatizado que o critério em responder a uma denúncia individual varia, por isso é necessário que a comunicação seja submetida seguindo padrões estabelecidos.
A informação abaixo deve ser enviada em todos os casos:
• Identificação da vítima;
• Identificação daqueles acusados da violação;
• Identificação da pessoa ou da organização que está enviando a denúncia (esta informação será tratada de maneira sigilosa e confidencial);
• A data e o lugar do incidente;
• Uma descrição detalhada das circunstâncias do incidente, onde as alegadas violações aconteceram.
Para facilitar este processo, questionários de cada área – desaparecimentos, prisão arbitrária, execuções extrajudiciais, liberdade de expressão, prostituição infantil, violência contra as mulheres etc – estão disponíveis acessando http://bit.ly/144MH0j. Acesse também informações em espanhol, em http://bit.ly/2iBkgGa. Todas as denúncias serão apuradas, mesmo aquelas que não forem apresentadas neste formato.
Você deve enviar sua denúncia sobre violações dos direitos humanos para uma plataforma online: https://spsubmission.ohchr.org. Caso não consiga preencher os formulários online, você pode usar o email urgent-action@ohchr.org ou enviar as informações por correio:
ACNUDH-ONUG
8-14 Avenue de la Paix
1211 Geneva 10
Switzerland

Quais são os critérios para uma comunicação ser aceita para exame?

Uma comunicação sobre violações de direitos humanos e liberdades fundamentais é admissível, a menos que:
• Tenha motivações políticas explícitas e seu objetivo não seja consistente com a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros instrumentos legais de direitos humanos;
• Não contenha uma descrição factual das alegadas violações, incluindo os direitos que teriam sido desrespeitados;
• Seu linguajar seja abusivo. Entretanto, a comunicação será reconsiderada se ela tiver os critérios de admissibilidade após a retirada do linguajar abusivo;
• Não for submetida por uma pessoa ou um grupo de pessoas dizendo ser vítimas de violações de direitos humanos e liberdades fundamentais ou por qualquer pessoa ou grupo de pessoas, incluindo organizações não-governamentais agindo de boa fé de acordo com os princípios dos direitos humanos, sem ser motivada por inclinações políticas.
• Tenha se baseado exclusivamente em relatórios divulgados pela mídia;
• Refira-se a um caso que já esteja sendo estudado por um procedimento especial, ou outro procedimento de denúncia regional similar ao das Nações Unidas no campo dos direitos humanos;
• As soluções domésticas não foram exauridas, a menos que estas soluções locais pareçam ser ineficientes ou excessivamente prolongadas;
As Instituições Nacionais de Direitos Humanos, caso existam e trabalhem guiadas pelas recomendações dos Princípios Relativos ao Status das Instituições Nacionais (Princípios de Paris), podem servir como meios eficientes para o encaminhamento de denúncias de violações de direitos humanos.
Outras informações em www.ohchr.org/SP/HRBodies/SP/Pages/Communications.aspx e www.ohchr.org/SP/HRBodies/HRC/Pages/Complaint.aspx.

Recursos jurídicos de denúncias devem estar esgotados antes de denunciar

Conforme descrito acima, as Nações Unidas possuem um procedimento para a realização de denúncias de violações de direitos humanos. No entanto, é preciso ficar claro que estas denúncias só devem ser feitas quando estiverem esgotados todos os recursos jurídicos no país de origem da denúncia.
Antes de submeter sua denúncia, o autor deve procurar órgãos como conselhos e comissões de direitos humanos locais, regionais ou nacionais, defensorias públicas, secretarias de promoção dos direitos humanos, corregedorias ou o Ministério Público nos níveis estadual ou federal.
O Brasil possui, por exemplo, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (acesse em www.humanizaredes.gov.br e https://www.mdh.gov.br/disque100 ou Disque 100). Você também pode consultar um guia sobre cada órgão e tipo de denúncia, preparado pelo Senado Federal do Brasil; acesse em http://bit.ly/1ZpsAXs.
Estes órgãos devem ser procurados antes de recorrer a organismos internacionais.
 

Como apresentar uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA?

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) fizeram em 2014 uma declaração conjunta de colaboração.
O objetivo da iniciativa é fortalecer a cooperação entre os sistemas regional e universal de direitos humanos, reforçando e formalizando práticas já estabelecidas. Entre elas incluem-se ações conjuntas, troca regular de informações e colaboração para o desenvolvimento de políticas.
Assim, a ONU informa abaixo quais são os procedimentos de apresentação de uma denúncia neste órgão que, embora não pertença ao Sistema ONU, atua em estreita colaboração no tema.
Qualquer cidadão, grupo de pessoas ou organização de um país sob jurisdição dos Estados americanos, no seu próprio nome ou de terceiros, pode apresentar uma petição contra um ou mais Estados da OEA perante a CIDH, onde pessoas que sofreram violações a seus direitos humanos podem obter ajuda.
Para que a Comissão examine uma denúncia, todos os recursos jurídicos internos precisam ter sido esgotados. Ao receber a denúncia, a Comissão investigará o caso e poderá formular recomendações ao Estado responsável pela vulneração ou violação dos direitos humanos citados, visando o reestabelecimento de tais direitos, de modo que tais violações não se repitam e que os danos sejam reparados.
As petições podem ser apresentadas pessoalmente, via e-mail, fax, correio ou por meio do portal do Sistema Individual de Petições, disponível na página da CIDH: http://www.oas.org/pt/cidh/portal.
As instruções e o formulário de apresentação de petição à CIDH também estão disponíveis para download e impressão no seguinte endereço: http://www.oas.org/es/cidh/docs/folleto/CIDHFolleto_port.pdf.
Contatos para envio de denúncias:

  • E-mail: cidhdenuncias@oas.org
  • Formulário eletrônicowww.cidh.org. Caso prefira enviar sua petição por essa via, você tem a opção de redigir sua petição em um documento separado e transmiti-lo para o endereço eletrônico da Comissão.
  • Fax: +1(202) 458-3992 ou 6215
  • Correio:
    Comissão Interamericana de Direitos Humanos
    1889 F Street, N.W.
    Washington, D.C. 20006
    Estados Unidos
Denúncias internacionais de violações das leis trabalhistas na OIT

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) pode, entre outras funções, receber e investigar denúncias de violações das leis trabalhistas internacionais assinadas e ratificadas pelos Estados-membros. O procedimento é regido pelos artigos 26 a 34 da Constituição da organização.
A denúncia pode ser feita contra um Estado-membro por violar uma convenção ratificada, partindo de outro Estado-membro, de um delegado da Conferência Internacional do Trabalho ou do Conselho de Administração. Ao aceitar a denúncia, o Conselho pode formar uma comissão de inquérito, composta por três membros independentes, para conduzir uma investigação minuciosa dos fatos e entregar recomendações e medidas a serem tomadas para solucionar a contenção.
Quando um país se recusa a se adaptar às recomendações feitas pela comissão, o Conselho de Administração pode agir sob o artigo 33 da Constituição da OIT, que confere legitimidade às possíveis ações e sanções aplicadas a fim de coagir o país a seguir as orientações.
Caso a denúncia esteja relacionada aos direitos sindicais, o Conselho de Administração também poderá encaminhá-la ao Comitê da Liberdade Sindical. Nesse caso, a denúncia pode ser feita por sindicatos de trabalhadores ou de empregadores.
Mais detalhes, clique aqui.
Contatos da OIT no Brasil estão disponíveis clicando aqui.
 
Disque 100

O que é?

O Disque 100 funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.

As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel (celular), bastando discar 100.

O serviço pode ser considerado como “pronto socorro” dos direitos humanos pois atende também graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes, possibilitando o flagrante.

O Disque 100 recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos relacionadas aos seguintes grupos e/ou temas:

  • Crianças e adolescentes
  • Pessoas idosas
  • Pessoas com deficiência
  • Pessoas em restrição de liberdade
  • População LGBT
  • População em situação de rua
  • Discriminação ética ou racial
  • Tráfico de pessoas
  • Trabalho escravo
  • Terra e conflitos agrários
  • Moradia e conflitos urbanos
  • Violência contra ciganos, quilombolas, indígenas e outras comunidades tradicionais
  • Violência policial (inclusive das forças de segurança pública no âmbito da intervenção federal no estado do Rio de Janeiro)
  • Violência contra comunicadores e jornalistas
  • Violência contra migrantes e refugiados

 

O que você precisa informar para registrar uma denúncia pelo Disque 100?

  • Quem sofre a violência? (vítima)
  • Qual tipo violência? (violência física, psicológica, maus tratos, abandono, etc.)
  • Quem pratica a violência? (suspeito)
  • Como chegar ou localizar a vítima/suspeito
  • Endereço (estado, município, zona, rua, quadra, bairro, número da casa e ao menos um ponto de referência)
  • Há quanto tempo ocorreu ou ocorre a violência? (frequência)
  • Qual o horário?
  • Em qual local?
  • Como a violência é praticada?
  • Qual a situação atual da vítima?
  • Algum órgão foi acionado?

 

Quem pode utilizar este serviço?

Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia.

 

O Disque 100 recebe denúncias anônimas?

Sim. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebe denúncias anônimas e fornece número de protocolo para que o denunciante possa acompanhar seu andamento.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos só recebe denúncias por telefone?

Não! Você tem três opções para registrar sua denúncia: Disque 100, aplicativo Proteja Brasil e Ouvidoria Online.

Disque 100: O usuário disca para o número 100, passa pelo atendimento eletrônico e, após selecionar a opção desejada, é encaminhado ao atendimento humano. O atendente registra a denúncia e fornece o número do protocolo.
Aplicativo Proteja Brasil: O usuário vai à loja de aplicativos do seu celular e faz o download, gratuitamente, do aplicativo Proteja Brasil, disponível para iOs e Android. Rapidinho, respondendo um formulário simples, o usuário registra a denúncia, a qual será recebida pela mesma central de atendimento do Disque 100. Se quiser acompanhar a denúncia, basta ligar para o Disque 100 e fornecer dados da denúncia.
Ouvidoria Online: O usuário preenche o formulário disponível em http://www.humanizaredes.gov.br/ouvidoria-online/ e registra a denúncia, a qual também será recebida pela mesma central de atendimento do Disque 100. Se quiser acompanhar a denúncia, basta ligar para o Disque 100 e fornecer dados da denúncia.
Fontes: Nações Unidas – Brasil
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (Governo Federal – Brasil)

Nova portaria do ministro do trabalho ‘acaba’ com trabalho escravo

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Da Comissão Pastoral da Terra – Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo “De Olho Aberto para não Virar Escravo”

Da Comissão Episcopal Pastoral Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Quatro dias depois de defenestrar o chefe do combate nacional ao trabalho escravo (André Roston, chefe da DETRAE), o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, publica no Diário Oficial da União de hoje, 16/10/2017, Portaria de sua autoria (n° 1129 de 13/10/2017) que, literalmente “acaba” com o trabalho escravo no Brasil.

A Portaria, numa canetada só, elimina os principais entraves ao livre exercício do trabalho escravo contemporâneo tais quais estabelecidos por leis, normas e portarias anteriores, ficando como saldo final o seguinte:

Flagrante de trabalho escravo só poderá acontecer doravante se – e unicamente se – houver constatação do impedimento de ir e vir imposto ao trabalhador, em ambiente de coação, ameaça, violência.

Para conseguir este resultado – há muito tempo tentado pela via legislativa, mas ainda sem o sucesso exigido pelos lobbies escravagistas – bastou distorcer o sentido de expressões e termos há muito tempo consagrados na prática da inspeção do trabalho e na jurisprudência dos tribunais.

Exemplificando, no lugar de ser simplesmente eliminadas dos qualificadores do trabalho escravo contemporâneo, a jornada exaustiva e as condições degradantes recebem na nova Portaria uma esdrúxula reformulação assim redigida:

Jornada exaustiva: “submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais”.

Condição degradante: “caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade ir e vir… e que impliquem na privação de sua dignidade”.

Condição análoga à de escravo: “trabalho sob ameaça de punição, com uso de coação”; “cerceamento de qualquer meio de transporte”; “manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador em razão de dívida contraída”.

Simultaneamente impõe-se aos auditores fiscais do trabalho um elenco de exigências e rotinas visando a tornar, no mínimo, improvável o andamento administrativo dos autos de infração que eles se atreverem a lavrar ao se depararem com situações de trabalho análogo à de escravo. Óbvio, esse engessamento tem um endereço certo: inviabilizar a inclusão de eventual escravagista na Lista Suja, ela também re-triturada pela caneta do ministro e sua divulgação doravante sujeita à sua exclusiva avaliação.

Na oportunidade estabelece a Portaria que os autos de infração relacionados a flagrante de trabalho escravo só terão validade se juntado um boletim de ocorrência lavrado por autoridade policial que tenha participado da fiscalização, condicionando assim a constatação de trabalho escravo, atualmente competência exclusiva dos fiscais do trabalho, à anuência de policiais.

Sem consulta nenhuma ao Ministério dos Direitos Humanos, outro signatário da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n°4 de 11/05/2016, o Ministro do Trabalho rasga seus artigos 2 (al.5), 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 e resolve excluir o Ministério Público do Trabalho da competência para celebrar eventual Termo de Ajuste de Conduta com empregadores em risco de serem incluídos na Lista Suja, deixando esse monopólio ao MTE em conjunção com a AGU.

É falácia a alegação subjacente à Portaria de que os empregadores alvos de flagrante por trabalho escravo estariam desprotegidos. Foi exatamente objeto da Portaria Interministerial hoje rasgada definir mecanismos transparentes e equilibrados, por sinal referendados pela própria presidente do Supremo Tribunal Federal.

A força do conceito legal brasileiro de trabalho escravo, construído a duras custas até chegar à formulação moderna do artigo 149 do Código Penal, internacionalmente reconhecida, é de concentrar a caracterização do trabalho escravo na negação da dignidade da pessoa do trabalhador ou da trabalhadora, fazendo dela uma “coisa”, fosse ela presa ou não. É por demais evidente que a única e exclusiva preocupação do Ministro do Trabalho nesta suja empreitada é oferecer a um certo empresariado descompromissado com a trabalho decente um salvo-conduto para lucrar sem limite.

Vitória internacional da sociedade civil contra o trabalho escravo — e contra o Estado brasileiro, cúmplice

Imagem: reprodução

O Estado brasileiro tem um ano para indenizar cada uma das 128 vítimas resgatadas durante fiscalizações do Ministério Público do Trabalho na Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, nos anos de 1997 e 2000. Somente nessa fazenda, mais de 300 trabalhadores foram resgatados, entre 1989 e 2002. Em 1988, houve uma denúncia da prática de trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, no Pará, e o desaparecimento de dois adolescentes que teriam tentado fugir.

Os irmãos Quagliato são os maiores pecuaristas do Brasil, com redes como o supermercado “Pão de Açúcar” chegando a até 12% de todas as compras do setor junto aos Quagliato.

Ainda segundo a Corte, o Poder Judiciário é cúmplice da discriminação desses trabalhadores escravizados. As reparações são de cerca de US$ 5 milhões, a não ser que a Advocacia Geral da União (AGU) entre com ação instando que os empregadores paguem pelas indenizações. Mais na Conjur aqui.

Frei Henri Burin des Roziers, autor em 1998 da inicial denúncia do caso Brasil Verde na CIDH/OEA. Ele celebrou, no 1° dia da audiência, o seu 86°aniversário com a apresentação de mais um livro. Foto: CPT

O caso foi levado à OEA pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) porque NINGUÉM foi punido, e o Estado brasileiro ainda negou perante a Corte internacional a existência de trabalho escravo.

Do El País: “(…) Na escravidão histórica do Brasil, o custo de conseguir um escravo negro era alto, fazendo com que ele fosse considerado um investimento a ser amortizado com o passar dos anos. Os ‘novos’ escravocratas não precisam investir muito para conseguir mão de obra. Basta o boca a boca em uma cidade pobre como Barras, com o anúncio de uma “oportunidade de emprego”, e vários trabalhadores farão fila para segui-los.Todos compartilhando as mesmas características: homens entre 15 e 40 anos de idade, em sua maioria negros ou pardos, oriundos dos estados mais pobres do país e sem qualificação.” Matéria em http://bit.ly/2hE5NvI.

Da Exame: “(…) Com quase 80 anos, o primogênito dos Quagliato é sofisticado, urbano e acostumado a circular nos bastidores da política local. Gosta de roupas de grife e de viajar pelo exterior. É casado com Marly, prima da rainha Silvia, da Suécia. Entre os encontros de família dos quais participou estão as bodas de prata da rainha e do rei Carlos Gustavo, em 2001, ocasião em que uma festa para nobres ocupou um castelo medieval e o palácio real em Estocolmo.” Mais em http://abr.ai/2hEgyOG

A matéria da CPT: http://bit.ly/2hE6Vzt.

Senado recua na votação de projeto sobre trabalho escravo

O coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) e procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho do Rio (MPT-RJ), Rafael Garcia Rodrigues, avaliou como uma vitória o adiamento da votação do projeto de lei do Senado 432/2013, que altera o conceito de trabalho escravo na lei penal brasileira. A proposta estava prevista na pauta de votação desta terça-feira (15/12), no Plenário de Casa, em regime de urgência. O adiamento para fevereiro foi anunciado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do texto, após debate na Comissão de Direitos Humanos e Participação (CDHP) sobre o tema, onde a proposta foi criticada por todos os participantes, entre eles o ator Wagner Moura, militante de direitos humanos.

“Foi muito importante a participação da sociedade brasileira organizada e articulada no debate. O Brasil é uma referência internacional no combate ao trabalho escravo. Portanto, a mudança na legislação seria um retrocesso. Agora é possível discutir o tema mais amplamente não só na questão dos direitos humanos como também na livre concorrência”, destacou o coordenador da Conaete.

Para o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, o adiamento vai permitir que matéria tão relevante para o trabalhador e para a sociedade brasileira seja devidamente debatida e que todos os envolvidos sejam ouvidos. “O mais importante é evitar que a alteração seja feita de forma abrupta. Uma mudança de conceito de crime como essa não se faz sem discussão e sem profundo debate social.”

O presidente da CDHP, senador Paulo Paim (PT-RS), disse que vai encaminhar requerimento para que o projeto seja debatido em todas as comissões da Casa. Além disso, pedirá à Presidência do Senado a criação de uma comissão temática no Plenário para aprofundar o debate.

O projeto de lei regulamenta a Emenda Constitucional 81, que prevê a expropriação do bem imóvel (após o devido processo legal) onde for constatado trabalho escravo. De acordo com a proposta, o artigo 149 do Código Penal perderá dois elementos que caracterizam o trabalho escravo: jornada exaustiva e condições degradantes. Dessa forma, a ação criminosa só se caracterizaria nos casos de trabalho forçado e servidão por dívida.

Debate – O ator Wagner Moura, que é embaixador da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no combate ao trabalho escravo, destacou que o país não pode recuar. “Tenho falado em vários países que o Brasil tem uma das melhores legislações para punir essa prática criminosa. Portanto, não podemos deixar acontecer esse retrocesso.”

Moura respondeu a uma provocação anônima sobre quantas horas por dia trabalha numa gravação. “A pergunta é capciosa ou ingênua. Mas vou responder. Às vezes trabalho até 10 horas por dia, mas tenho intervalo para almoçar, uma comida bem boa, tenho um trailer, posso voltar para casa a hora que quiser. A discussão aqui é outra coisa: trabalho escravo.”

Após o debate, Moura, Paulo Paim e representantes de entidades como a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Ministério do Trabalho, Secretaria de Direitos Humanos, entre outras, foram ao gabinete da Presidência do Senado, onde foi recebido por Romero Jucá, que anunciou a retirada da urgência da votação marcando para fevereiro de 2016 a nova votação.

Mudar definição do trabalho escravo garante impunidade e exploração dos trabalhadores, alerta MPT

Foto: Agência Brasil

O procurador do trabalho do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) Rafael Garcia Rodrigues, que é coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), participa, nesta terça-feira (15/12), de audiência pública em Brasília sobre o projeto de lei do Senado 432/2013, que regulamenta a Emenda Constitucional 81 sobre a expropriação das terras onde for constatada presença de trabalho escravo.

O MPT é contrário à proposta, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), por ela amenizar a punição e mudar a definição desse crime estabelecida no artigo 149 do Código Penal, o que vai dificultar o combate à prática.

Se a medida – que está prevista para ser votada nesta terça-feira (15/12) – for aprovada, a ação criminosa só passaria a valer para os casos de trabalho forçado e servidão, excluindo condições degradantes e jornada exaustiva. O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, criticou a proposta.

“Foram necessários 15 anos luta para aprovar a emenda constitucional, que garantiu a punição exemplar daqueles que submetem trabalhadores a condições análogas às de escravo. A aprovação do texto da regulamentação tal como está hoje representaria um retrocesso com o qual nem a sociedade brasileira nem o Ministério Público do Trabalho podem concordar. O Código Penal já define o que é trabalho escravo. Mudar sua definição vai garantir não só a impunidade ao crime como também permitir que trabalhadores sejam explorados e aviltados em sua dignidade”, destacou o procurador-geral do Trabalho.

Para impedir a aprovação dessa medida, o MPT criou um abaixo-assinado contra a PLS 432/2013 e a favor da erradicação do trabalho escravo. Acesse clicando aqui.

Números – Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que apenas entre janeiro e maio de 2015 foram resgatados 419 trabalhadores em situação à análoga de escravo pelo grupo móvel de combate ao trabalho escravo.

Em 2014, foram 1.674. Desde que o grupo foi criado, em 1995, cerca de 50 mil foram resgatados. Participam dessas operações em todo o país procuradores do Trabalho, auditores fiscais do Trabalho e policiais rodoviários federais.

Fazenda que mantinha trabalho escravo no DF é ocupada pelo MST

A área, de propriedade da empresa Rural Whittmann Agropecuária Ltda, foi flagrada com 33 trabalhadores em situação análoga à escrava no último dia 3 de julho.

Foto: MST-DF

Na madrugada deste sábado (26), 638 famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Santa Isabel, localizada no núcleo rural Monjolo, em Planaltina, Distrito Federal.
A área, de propriedade da empresa Rural Whittmann Agropecuária Ltda, foi flagrada com 33 trabalhadores em situação análoga à escrava no último dia 3 de julho, após uma operação de resgate realizada pelo Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
“Exigimos que essa área seja destinada à reforma agrária. É um exemplo bem debaixo dos olhos dos parlamentares brasileiros que, no Congresso Nacional, tentam mudar a descrição do que seja trabalho escravo, o que é um retrocesso para qualquer trabalhador e trabalhadora rural e um alívio para os ruralistas continuarem com esta prática desumana”, disse Edmar Tavares, integrante da coordenação do MST-DF e Entorno.
“O Parlamento, depois de 15 anos, decidiu pela expropriação de propriedades rurais e urbanas de empregadores culpados de utilização de trabalho escravo ou análogo ao escravo e é a isto que estamos reivindicando”, acrescentou Tavares.

Depois de serem escravizados no Paraná, 13 paraguaios são ameaçados de deportação pela Polícia Federal

Trabalhadores estrangeiros submetidos a trabalho escravo viviam em alojamento adaptado em chiqueiro em Mercedes, no Paraná. Depois, foram notificados pela Polícia Federal a deixar o Brasil e multados por “estarem em situação irregular” – contrariando resolução do Conselho Nacional de Imigração.
Por Daniel Santini e Guilherme Zocchio, da Repórter Brasil

Alojamento improvisado onde viviam os trabalhadores paraguaios. Foto: Site do Repórter Brasil

A Polícia Federal notificou 13 trabalhadores paraguaios resgatados da escravidão em Mercedes, no Paraná, em 8 de fevereiro, a deixar o país em três dias sob ameaça de deportação. A medida contraria a Resolução Normativa número 93 do Conselho Nacional de Imigração, que prevê a concessão de vistos para “estrangeiros que estejam no país em situação de vulnerabilidade”.
Tal resolução foi criada em 2010 com o objetivo de fortalecer as denúncias e garantir direitos básicos a imigrantes em situação irregular. Muitos dos que são submetidos à escravidão contemporânea e ao tráfico de pessoas deixam de denunciar seus exploradores por temerem ser forçados a deixar o país ao contatar autoridades brasileiras.
De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), os trabalhadores estavam “expostos à atividade extremamente penosa, notadamente quebrar pedras que estão sendo retiradas em trecho da Rodovia 163″.
Segundo relatório da procuradora Sueli Bessa, que acompanhou o caso, o grupo foi aliciado no Paraguai e acabou escravizado. “A situação análoga está posta nos depoimentos colhidos perante a Polícia Federal, bem como a indicação do período laborado”, detalha.
A operação de resgate teve início com uma denúncia de que pedras na beira da estrada estariam sendo furtadas. De acordo com o MPT, no entanto, apesar de estarem em situação irregular no país, os 13 não eram criminosos. “O trabalho era lícito e até penoso, em que pese a situação ilegal no país”, diz o relatório. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, que também participou da libertação, o grupo vivia em um “chiqueiro desativado” adaptado como alojamento, em condições degradantes.
Além de notificados a deixar o país, os 13 trabalhadores escravizados também foram multados por estarem em situação migratória irregular. Procurado pela Repórter Brasil, o cônsul do Paraguai no Paraná, Juan José Veron, afirmou que a nenhum deles foi apresentada a possibilidade de permanecer. Todos tinham interesse em ficar, mas foram orientados a sair para, só então, tentar obter visto de trabalho no Brasil.
Nenhum auditor fiscal participou da ação para assegurar direitos trabalhistas dos resgatados e demais providências. A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Paraná (SRTE/PR) disse que não foi informada e afirmou que o chefe de fiscalização pretende apurar o ocorrido.
Responsabilidades
Desde agosto de 2012, os agentes e delegados da Polícia Federal têm sido orientados a amparar trabalhadores estrangeiros resgatados, mesmo que eles estejam em situação irregular.
De acordo com Dennis Cali, delegado responsável pela Repressão ao Trabalho Forçado da Coordenação-Geral de Defesa Institucional da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado do Departamento de Polícia Federal, tal recomendação tem amparo não apenas na Resolução Normativa 93, como também no decreto número 6964, de 29 de setembro de 2009, que promulga o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul.
Segundo o decreto, a solicitação de estabelecimento de estrangeiros, com a garantia de todos os direitos civis, incluindo o direito de trabalhar, independe da condição migratória do peticionante. Mesmo se estiver trabalhando sem autorização, o imigrante pode solicitar a sua regularização com isenção de multas e de sanções administrativas.
“Se constatado que o trabalhador é vítima de trabalho escravo, se ele foi aliciado, até pelo acordo que o Brasil tem firmado no âmbito do Mercosul, ele tem direito de permanecer”, resume Dennis Cali, que foi informado sobre o caso pela reportagem.
A Repórter Brasil tentou, sem sucesso, ouvir o delegado Nilson Antunes da Silva, que, de acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Federal de Guairá, foi o responsável pela ação. A decisão de notificar os estrangeiros a deixar o país pode levar a abertura de procedimento administrativo na corregedoria da Polícia Federal.
O delegado-chefe da Polícia Federal em Guairá, Reginaldo Donizete, defende que é preciso considerar o contexto em que a ação aconteceu. “Estamos em uma região de fronteira e o trânsito de paraguaios é frequente. Eles acabam burlando a fiscalização migratória e muitos vêm para o Brasil praticar crimes”, afirma.
A vulnerabilidade social na região é fator preponderante para o aliciamento. A migração para o Brasil é um jeito de fugir da pobreza, relata o delegado Reginaldo Donizete. “Eles vivem em uma situação tão degradante no Paraguai, tão miserável, que por vezes a situação [de escravidão] é melhor do que a que eles tinham.”
Procurado por meio de sua assessoria, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, um dos defensores do acordo do Mercosul, não quis comentar o caso.
Outros links – incluindo as normas e resoluções relacionadas – e fotos no site da Repórter Brasil, clicando aqui.

Pastoral dos Migrantes divulga o seu programa na Cúpula dos Povos

Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental
Seminários: Mudanças Ambientais e Migrações: desafios e perspectivas

Objetivos

Debater os efeitos das mudanças ambientais e sociais sobre as populações migrantes, principalmente no Brasil. Avaliar e propor alternativas ao fenômeno da degradação humana e ambiental, às situações de superexploração e trabalho escravo, e, à precarização da moradia urbana em vista de grandes projetos, como as obras da Copa 2014.

Data: 16/06/2012 (sábado) Local: Aterro do Flamengo (RJ) Tenda 12 – Egidio Bruneto
Horário: 9h-11h (1ª mesa)
Agronegócio e Trabalho Escravo
Elizabete Flores – CPT/MT
A Convivência com o semi-árido como perspectiva de justiça ambiental
José Roberto Saraiva dos Santos – SPM/NE – LEC-GEO/NEACCA/UFPE
Documentário: Imigrantes e refugiados – um olhar sobre si mesmos
Dirceu Cutti – CEM

Horário: 9h -11h (2ª mesa)
Expositores/temáticas:
Trabalho escravo contemporâneo: degradação humana e ambiental
Antonio Alves de Almeida – NELAM-PUC-SP
Trabalho escravo contemporâneo e migrações
Adonia Antunes Prado GPTEC/UFRJ
Documentário: Conflitos – lutas e estratégias de trabalhadores canavieiros
Roberto Novaes – SPM/UFRJ
Coordenadora da Mesa: Ir. Teresinha Santim – CSEM

Organizadores:

SPM – Serviço Pastora dos Migrantes, CEM – Centro de Estudos Migratórios, CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, SPM/Nordeste, CPT/MT – Comissão Pastoral da Terra, NELAM-PUC/SP, GPTEC/UFRJ

Até senador da República tem escravos no Brasil. Cadê a PEC do trabalho escravo?

Por Leonardo Sakamoto
Do Blog do Sakamoto

Por 7 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta (23), que o senador João Ribeiro (PR-TO) deve ser réu em um processo que o acusa de ter utilizado trabalho análogo ao de escravo na fazenda Ouro Verde, em Piçarra (PA), em fevereiro de 2004. Reeleito para ser um dos representantes do Estado do Tocantins com 375 mil votos, ele é provável candidato à cadeira de governador do Estado nas eleições de 2014 e vem dialogando, inclusive, com movimentos sociais.

A ação que retirou os 35 trabalhadores envolveu o Ministério do Trabalha e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal. Estavam em alojamentos precários feitos com folhas de palmeiras e sem acesso a sanitários. De acordo com o MTE, como a fazenda é distante da zona urbana, os trabalhadores eram obrigados a comprar alimentação na cantina do “gato” (contratador de mão-de-obra) da fazenda, com preços bem acima da média, ficando presos a uma dívida fraudulenta. Também eram cobrados pela utilização de equipamentos de proteção individuais (EPIs), cuja distribuição deve ser garantida sem custos pelo empregador.

De acordo com Humberto Célio Pereira, auditor fiscal do trabalho e coordenador da ação que retirou as pessoas da fazenda do senador, a situação de moradia e saneamento eram degradantes. “Eles eram obrigados a comprar na própria fazenda equipamentos de trabalho e proteção, como botina, chapéu e luva [que pela lei devem ser fornecidos sem custo pelo empregador], além de terem seus documentos retidos, caracterizando condições análogas a de escravidão”. Os empregados (entre eles, um jovem com menos de 18 anos de idade) preparavam a área para a atividade pecuária.

Venho acompanhando o caso a partir da operação de libertação em 2004. Desde então, o senador já figurou na “lista suja” do trabalho escravo – cadastro de empregadores flagrados ao utilizar esse tipo de mão-de-obra, gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Com isso, teve bloqueado acesso a recursos de instituições públicas de financiamento e sofreu boicote de empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Além disso, foi condenado na Justiça do Trabalho – decisão que foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho e, depois, em dezembro de 2010, pela 4a Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em primeira instância, a indenização que devia pagar foi fixada em R$ 760 mil, depois reduzida a R$ 76 mil na segunda instância.

Na época da decisão do TST, a assessoria parlamentar do senador divulgou nota afirmando que o Tribunal havia confirmado a “inocência de João Ribeiro” no caso, o que não condiz com a realidade. O acórdão da decisão do TST reiterou a caracterização do trabalho escravo análogo à escravidão e confirmou o envolvimento do político, condenado inclusive a pagar indenização por danos morais.

O que ocorreu, segundo matéria divulgada pela Repórter Brasil, é que o colegiado da 4ª Turma do TST decidiu, por unanimidade, não reconhecer o recurso do Ministério Público do Trabalho contra a decisão anterior do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região por um simples motivo: para os ministros, as reivindicações dos procuradores do trabalho – basicamente a confirmação da ocorrência do trabalho análogo à escravidão e a responsabilização do senador – já estavam presentes na decisão proferida pelo órgão regional.

“Com isso, agiganta-se a inocuidade do registro ali lavrado de que a Turma, por sua maioria, considerara inexistente o trabalho escravo, visto que efetivamente o considerara existente, não na modalidade do trabalho forçado e sim na modalidade do trabalho degradante, a partir da qual foram excluídas da sanção jurídica certas obrigações impostas ao recorrido”, diz o acórdão. O recurso do MPT queria contestar alguns pontos da decisão tomada pelo TRT-8 no Pará em 2006, principalmente a redução da indenização a 10% dos seu valor estipulado em primeiro instância.

Além do processo trabalhista, João Ribeiro foi denunciado, em junho de 2004, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga à escravidão, negação de direitos trabalhistas e aliciamento ilegal. Juntas, as penas podem somar até 13 anos de prisão. 
Por causa do foro privilegiado do parlamentar, a decisão sobre torná-lo ou não réu foi do STF. Segundo Fonteles, “a repugnante e arcaica forma de escravidão por dívidas foi o meio empregado pelos denunciados para impedir os trabalhadores de se desligarem do serviço”.

Também denunciado no caso, Osvaldo Brito Filho se apresentou como gerente da fazenda e foi apontado pelos depoimentos como “gato” (contratador de mão-de-obra). Para a fiscalizacão, admitiu atuar como assessor parlamentar do senador. Há registros da contratação dele como funcionário da Câmara dos Deputados de 1995 a 2002, segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo na época. Durante a operação, auditores fiscais fizeram questão de registrá-lo em carteira como administrador da fazenda Ouro Verde.

Ao se referir, em discurso na tribuna do Senado, em 2004, a um outro caso de proprietário autuado por trabalho escravo no Tocantins, Ribeiro afirmou: “Senhores fiscais do trabalho, complacência para com aqueles homens rudes do campo que ainda não se adaptaram aos novos tempos”.

Ribeiro disse também “Que as autoridades responsáveis pelo cumprimento das leis que elaboramos e defendemos intransigentemente no Senado da República, sobre o ótimo relacionamento entre capital e trabalho, se questionem sobre a postura que seus agentes têm adotado na apuração de supostas denúncias sobre a prática de trabalho escravo, para que não se repitam atos desesperados que, por fim, tirem a vida de homens trabalhadores”. Por fim, pediu “Que se multe, que se execute o que estiver errado, mas não da forma agressiva como estão fazendo, humilhando sorrateiramente os que trabalham. O setor que deu certo neste país”.

No requerimento enviado à Procuradoria Geral da República, o senador alegou que as condições de higiene precárias encontradas nos alojamentos de sua fazenda não eram diferentes da realidade do município. Ele contestou também minuciosamente cada aspecto da denúncia usando os depoimentos dos próprios trabalhadores. Sustentou que nenhum fala sobre armas na fazenda que poderiam ser usadas para coagir os trabalhadores. Disse que eles não eram obrigados a pernoitar e poderiam ir e voltar à pé da cidade. Apontou que os depoimentos indicam uma jornada de trabalho normal, consideradas as horas extras legalmente permitidas. Garantiu que a comida fornecida gratuitamente não era ruim e os trabalhadores não eram obrigados a comprar na venda, tanto que as despesas pendentes eram menores que o salário diário dos trabalhadores.

O requerimento sugeriu ainda que há uma indústria da denúncia de trabalho escravo beneficiando trabalhadores com indenizações e seguro-desemprego. Acusou o grupo de fiscalização de “certa dose de má-fé ou de ausência de conhecimento” ao não descontar das pendências de pagamento os valores dos adiantamentos feitos na contratação. “As declarações dos trabalhadores qualificados com escravos pelo Ministério do Trabalho, quando contrárias ao empregador, devem ser analisadas com moderação e cautela redobrada, porque uma sutil mudança em suas declarações (espontânea ou provocada por alguém) poderá colocá-los numa situação financeira extremamente vantajosa, ainda que isso represente a incriminação do empregador”, afirmou.

Em janeiro deste ano, o senador se reuniu com representantes de movimentos sociais no Tocantins, encontro intermediado por membros do PT. O objetivo era discutir o desenvolvimento no Estado. De acordo com o portal Conexão Tocantins, estavam representados o MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outros. Na reunião, ele teria se defendido das acusações de trabalho escravo em sua fazenda.

Na avaliação de um membro de uma importante organização social, crítico à reunião, o encontro foi ruim para os movimentos e bom para a imagem de João Ribeiro.

Segundo ele, parte dos movimentos ligados à terra acreditam que João Ribeiro pode ser o próximo governador do Tocantins e, por isso, é preciso diálogo. Até porque há uma potencial candidatura forte que é a da senadora pelo PSD e atual presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Kátia Abreu. Além disso, a justificativa corrente foi de que a reunião teria servido apenas afirmar que a sociedade não aceitaria certas movimetações para retirar técnicos de cargos no Estado para a colocação de indicados de políticos.

Agora terão que analisar se o diálogo ainda é o mesmo com um réu por trabalho escravo no Supremo Tribunal Federal.

Em tempo: Votaram pela rejeição da denúncia os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e José Dias Toffoli – o mesmo Toffoli que, quando Advogado Geral da União, era o responsável por defender as fiscalizações de trabalho análogo ao de escravo do Ministério do Trabalho e Emprego, tendo feito um bom trabalho nesse sentido. Como bem lembrou um amigo, nessas horas vale a pena lembrar de Cícero (em latim mesmo, para não ofender ninguém): O tempora, o mores.

Com informações da Repórter Brasil e da Agência Carta Maior