No livro do Êxodo, o Senhor adverte o povo para não maltratar de algum modo as viúvas e os órfãos, porque Ele escuta seu grito. A mesma advertência é retomada duas vezes no Deuteronômio, com o acréscimo dos estrangeiros entre os segmentos a serem protegidos. E a razão desta advertência é explicada claramente no mesmo livro: o Deus de Israel é Aquele que faz justiça ao órfão e à viúva, que ama o estrangeiro e lhe dá pão e vestimenta. Esta preocupação amorosa para com os menos privilegiados é apresentada como um traço distintivo do Deus de Israel, e também é demandada como um dever moral a todos aqueles que quiserem pertencer ao Seu povo.
Eis por que devemos ter uma atenção particular para com os estrangeiros, como também pelas viúvas, pelos órfãos, bem como por todos os descartados dos nossos dias. Na Mensagem acerca do 105º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, repete-se como um refrão o tema: “Não se trata apenas de migrantes”. E é verdade: não se trata só de estrangeiros, trata-se de todos os habitantes das periferias existenciais que, à semelhança dos migrantes e dos refugiados, são vítimas da cultura do descarte. O Senhor pede-nos para colocarmos em prática a caridade nos seus embates. Pede-nos para restaurar sua humanidade, junto com a nossa, sem excluir ninguém, sem deixar fora a ninguém.
Mas, contemporaneamente ao exercício da caridade, o Senhor nos pede que reflitamos sobre as injustiças que geram exclusão, em particular por conta dos privilégios de poucos que, para serem mantidos, se produzem em detrimento de muitos. O mundo atual é, a cada dia, mais elitista e mais cruel com os excluídos. É uma verdade que provoca dor: este mundo é, a cada dia, mais elitista, mais cruel para com os excluídos. Os países em via de desenvolvimento continuam a ser empobrecidos em seus melhores recursos naturais e humanos, em benefício de poucos mercados privilegiados. As guerras interessam apenas a algumas regiões do mundo, mas as armas, quanto à fabricação, são vendidas e produzidas noutras regiões, que depois não querem mais ter responsabilidade pelos refugiados, produzidos por tais conflitos. Quem paga o preço são sempre as crianças, os pobres, os mais vulneráveis, aos quais se impede de se sentarem à mesa e para eles só restam as migalhas do banquete.
É neste sentido que devem ser compreendidas as palavras duras do profeta Amós, proclamadas na primeira Leitura: Ai dos que vivem tranquilos e apenas afeitos aos seus prazeres em Sião, que não estão preocupados com a ruína do povo de Deus, que se apresenta evidente aos olhos de todos. Eles não se preocupam com a ruína de Israel porque estão demasiado ocupados com garantir vida boa para si, comida deliciosa e bebidas refinadas. É impressionante, como a uma distância de 28 séculos, tais advertências conservam intacta sua atualidade. De fato, também hoje, a cultura da boa vida nos leva a pensar em nós mesmos, tornando-nos insensíveis aos gritos dos outros, trazendo a indiferença em relação aos demais, levando mais à globalização da indiferença.
Ao final, corremos o risco de nos tornar, também nós, tal como aquele homem rico de que nos fala o Evangelho, que não dá atenção ao pobre Lázaro “coberto de feridas, ansioso para se alimentar com o que caiu da mesa”. Preocupado em demasia em comprar roupas de grife e em organizar lautos banquetes, o rico da parábola não vê o sofrimento de Lázaro. Também nós, por demais preocupados em preservar nossa boa vida, corremos o risco de não nos darmos conta do irmão e da irmã em dificuldade.
Mas, como cristãos, não podemos ficar indiferentes frente ao drama da velha e nova pobreza, da mais escura solidão, do desprezo e da descriminação de quem não pertence ao nosso grupo. Não podemos permanecer insensíveis, com o coração anestesiado, frete à miséria de tantos inocentes. Não podemos não chorar. Não podemos não reagir. Peçamos ao Senhor a graça de chorar, aquele pranto que converte o coração ante tais pecados.
Se quisermos ser homens e mulher de Deus, como pede São Paulo a Timóteo, devemos conservar sem mácula e de modo irrepreensível o mandamento; e o mandamento é amar a Deus e amar ao próximo. Não podem ficar separados! E amar ao próximo como a si mesmo quer dizer também empenhar-nos seriamente em construir um mundo mais justo, onde todos tenham acesso aos bens da terra, onde todos tenham a possibilidade de se realizarem como pessoas e como famílias, onde a todos sejam garantidos os direitos fundamentais e a dignidade.
Amar ao próximo significa sentir compaixão pelo sofrimento dos irmãos e das irmãs, aproximar-se, tocar suas feridas, condividir suas histórias, para manifestar concretamente a ternura de Deus em suas adversidades. Significa fazermos próximos de todos e peregrinos machucados e abandonados nas estradas do mundo, para aliviar suas feridas e leva-los ao lugar mais próximo de acolhimento, onde se possa prover suas necessidades.
Este santo mandamento foi Deus quem deu ao Seu povo, e o marcou com o sangue do Seu filho Jesus, para que seja fonte de bênçãos para toda a humanidade. Para que, juntos, possamos empenhar-nos na construção da família humana, de acordo com o Projeto original, revelado em Jesus Cristo: todos irmãos, filhos do único Pai.
Hoje também temos necessidade de uma mãe, e nos confiamos ao amor materno de Maria, Senhora do caminho, Senhora de muitos caminhos dolorosos. A ela confiamos os migrantes e os refugiados, assim como os habitantes das periferias do mundo e aqueles que se fazem seus companheiros de viagem.
Trad: AJFC
Digitação: EAFC