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Os 5 anos de um blogue de resistência

O blogue Náufrago da Utopia completa cinco anos de existência nesta 5ª feira, 8.

 No post inaugural (vide aqui), com a sinceridade habitual, eu admiti que nunca almejara ser blogueiro, mas fora uma opção alternativa quando minhas maiores metas não deslancharam:

Em novembro/2005, ao lançar meu livro de estréia, ‘Náufrago da Utopia’, acreditava ter desimpedido os caminhos para meu projeto maior: propor um novo ideário para a esquerda, retomando, num contexto mais propício, as propostas neo-anarquistas da geração 68. Mas, passados dois anos e meio, nada marchou como esperava.

O ‘Náufrago’ não concretizou seu potencial, mantendo-se apenas como um cult para algumas dezenas de pessoas e uma referência para alunos e professores de História.

Não encontrei espaço para meu  great come back  à grande imprensa, sonho que jamais abandonei. Só que, como nunca, as tribunas estão hermeticamente fechadas para os articulistas de esquerda, salvo os que construíram sua reputação num passado distante e continuarão sendo suportados enquanto durarem, mas não substituídos.

Vai daí que a nova utopia singra os mares meio sem rumo, incapaz de encontrar seu porto seguro.

Na minha visão daquele momento, um blogue de verdade serviria para ir acumulando forças, à espera de dias melhores. O que eu tinha, O Rebate, era apenas um depósito dos textos que eu redigia semanalmente para o site coletivo homônimo. Decidi fazer as coisas direito, produzindo textos diários, para conquistar um público mais amplo e mantê-lo interessado.

 O projeto acabou me encantando, pois veio ao encontro de outra antiga paixão: os circuitos marginais. Quantos esforços desenvolvemos, na década de 1970, para difundir nossas obras diretamente às pessoas, escapando do controle da indústria cultural!

 As precárias coletâneas que editávamos com tiragem de mil exemplares continuam pegando pó na minha estante, como marcos de uma fase talvez ingênua, mas muito gratificante. O que encarávamos como resistência cultural era, também, uma forma de travarmos o bom combate. Se não produziu resultados mais expressivos, ao menos ajudou-nos a manter a sanidade, durante as terríveis trevas ditatoriais.

 Então, aos poucos, o blogue foi tomando forma.

 De um lado, cumprindo meu dever de sobrevivente de uma guerra trágica, defendi a memória da resistência à ditadura militar e prestei tributo aos companheiros que nela lutaram, aproveitando todas as oportunidades para lembrar seus nomes e seus feitos, honrando seu sacrifício.

Muitas informações sequer registradas em livros estão presentes no blogue, pois, mais que o antigo Repórter Esso, posso me considerar uma  testemunha ocular da História: estava no palco dos acontecimentos e os observei com os olhos do jornalista que viria a me tornar, tanto quanto com o olhar do militante em ação (para ser absolutamente sincero, eles ficaram impressos na minha memória, mas os desafios imediatos exigiam tanto de mim que  só os pude digerir, interpretar e aprofundar depois, no recesso compulsório, qual sejam as intermináveis horas que tinha para preencher nos cárceres militares, passada a fase dramática das torturas).

Também resgatei e trouxe para o blogue o melhor da minha experiência  jornalística, chegando a digitar e atualizar longos textos que escrevera profissionalmente, como o dedicado à época de ouro da MPB, tão extenso que fui obrigado a dividi-lo em cinco posts.

E, se nunca se criaram as condições para lançar meu sonhado livro teórico com mínima possibilidade de atingir um público mais amplo do que as poucas centenas de leitores que habitualmente consomem tais obras (veneno  para as livrarias) no Brasil, fui colocando no blogue, pouco a pouco, tudo que eu tinha para dizer. Talvez sejam irrelevâncias, talvez ainda venham servir para apontar caminhos às novas gerações de revolucionários.

 

Mas, ao alertar para as terríveis ameaças que o capitalismo nos inflige, ao sobreviver muito além de sua  vida útil, tornando-se cada vez mais parasitário e nefasto, creio ter, pelo menos, cumprido o papel de estimular discussões extremamente necessárias. Poucos se dão conta de quão grande é o risco da  espécie humana não subsistir por mais um século, nem da premência com que precisamos agir, para salvarmos a humanidade da extinção. O meu papel eu tenho cumprido.

Finalmente, o Náufrago serviu como tribuna para as muitas lutas que tenho travado, algumas vitoriosas, outras não. Esta é a sua faceta mais conhecida, daí eu considerar dispensável estender-me no assunto.

Basta mencionar que, além dos aproximadamente 250 diferentes textos redigidos ao longo da cruzada pela liberdade de Cesare Battisti, o blogue defendeu o ex-etarra Joseba Gotzon, vítima menor do mesmo espírito revanchista da direita européia; Julian Assange, Bradley Manning e Edward Snowden, que escancararam para o mundo a nudez do rei; a iraniana Sakineh Ashtiani, quase-vítima da intolerância medieval; o cineasta Roman Polanski, quase-vítima do moralismo mais rançoso. o movimento estudantil em geral e os universitários da USP em particular (pois submetidos a controle policial como nos piores tempos da ditadura militar); e outros humilhados e ofendidos no dia a dia brasileiro.

Acredito que o balanço seja positivo. E peço encarecidamente aos companheiros e amigos que ajudem a difundir o acervo nele armazenado, pois não basta plantarmos as sementes, elas precisam ser irrigadas. E a colheita almejada está muito além do alcance dos meus esforços pessoais.

Os frustrados anônimos e o mafuá da mídia

O circo da mídia vira mafuá de grotão quando ocorre um episódio como o do bobalhão que resolveu se matar da forma mais espalhafatosa possível, levando um monte de jovens com ele.

Era zero e  queria ser um número. Como não o conseguiria por mérito ou talento, apelou para o método de Charles Manson — provavelmente a primeira insignificância a se tornar  celebridade por promover uma matança sem pé nem cabeça.

A versão carioca também ansiava — ainda que inconscientemente — por visibilidade, pois a sociedade do espetáculo planta esta compulsão na cabeça dos videotas.

E seu drama era mais patético ainda, por decorrer, em boa parte, de uma óbvia homossexualidade não assumida. Se o debilóide não reprimisse seus instintos (ou se tivesse consultado um analista), é possível que as coisas não chegassem a esse ponto.

Manson e seu olhar insano

Choca constatarmos que, meio século depois da liberação sexual, ainda haja quem se refugie dos seus desejos em delírios religiosos mortíferos!

Parece uma variação do Repulsa ao Sexo, de Roman Polanski, que em 1965 já parecia enfocar um drama anacrônico…

Menos datado é Na Mira da Morte (1968), de Peter Bogdanovich, o filme que mais fielmente expôs a pequenez e banalidade dos assassinos seriais. Nenhum deles é Hannibal. Todos são míseros Wellingtons.

De resto, ao dar tamanho destaque aos chiliques de um assassino repulsivo, a mídia de mafuá incentivou outros frustrados anônimos a seguirem seu bestial exemplo.

Melhor seria se nem houvessem publicado seu nome.

Melhor seria  se as autoridades tivessem queimado de imediato a ridícula carta de suicídio.

Caso haja nova matança, todos já sabem de quem é a culpa: da imprensa vampiresca que se alimenta do sangue de vítimas como as desta 5ª feira negra.

Carlos Lungarzo: semelhanças entre os casos de Battisti e Polanski

OS DONOS DA VERDADE

Carlos A. Lungarzo (*)

Um hábito antigo de Anistia Internacional é evitar entrar em polêmicas com quem quer que seja. Embora, no caso Battisti, eu não esteja atuando diretamente em nome de nossa Organização (que não pôde dispor de uma equipe para pesquisar profundamente o caso, como costuma fazer), tento respeitar todos seus princípios. Estes nos têm definido sempre como uma entidade que não é manipulável nem politicamente, nem juridicamente, nem por quaisquer outros interesses. Nosso trabalho é pesquisar abusos dos direitos humanos, denunciá-los e, quando for possível, pressionar por todos os métodos corretos. Por isso, não entramos em diatribes com os que têm opiniões opostas e, em geral, gostamos pouco de citar nomes que não sejam essenciais aos casos em apreço.

Entretanto, quero apenas citar a fonte da matéria na qual se inspira meu comentário de hoje, apenas para que o leitor saiba de que local foi tirada. Não implica nenhum interesse em polemizar com o autor. No seguinte site: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/01/23/o-caso-battisti-e-a-italia/, o jornalista Luis Nassif  reproduz um telefonema do juiz aposentado Maierovitch em janeiro de 2009, no qual se fazem várias considerações sobre o caso Battisti.

Menciono o autor, porque ele oferece um exemplo que aparece justamente no momento em que a detenção de Roman Polanski por um suposto estupro há décadas, é um novo indício do retorno às trevas medievais, que parecia estar sendo superado desde os anos de 1990. O juiz diz, no §8 da página de Nassif, o seguinte (se refere a Battisti, não, obviamente a Polanski):
“No Brasil, assim como na Itália, um dos princípios jurídicos é, à falta de provas, do livre convencimento do juiz. Como se vai julgar crime de estupro sem acreditar na palavra da vítima?” (grifo meu)
A expressão “à falta de provas” é reveladora, e mostra que seu autor reconhece que não existem (ou, pelo menos, podem não existir) provas no caso em apreço. Mas o importante é a afirmação de que o substituto da falta de provas é “o livre convencimento do juiz”.  Isto não é novidade. O direito, como todos sabem, não é uma ciência, apesar de nome pomposo de “ciências jurídicas” que se dá a o estudo de leis, códigos, doutrinas, jurisprudência, e sua aplicação prática.  É  verdade que existem formas novas do direito (como o direito humanitário) e novas praxes e teorias vinculadas à justiça, promovidas por jovens advogados progressistas que, por enquanto, formam um grupo quase microscópico. Mas, refiro-me ao que tradicionalmente se entende por direito. A praxe jurídica é produto de uma dupla eliminação da realidade: da fonte de conhecimento empírico inter-subjetivo e da interação social. Pode pensar-se que fica a lógica. Mas a lógica usada pelo direito é, no melhor dos casos aquela de Santos Tomás e Guilherme de Ockham, com 8 séculos de envelhecimento. Quem duvidar, leia os programas de lógica e filosofia das faculdades de direito. Aliás, essa “lógica” nem sempre bem conhecida. (Cf. a “definição” de hediondo no relatório do STF contra Battisti).

Então, o que decide tudo na justiça é (como afirma o desembargador que escreve nesse blog), o convencimento do juiz. Em termos mais vulgares, quer dizer que o juiz se pronuncia como bem entender. Ninguém pode cobrar dele, como não seja outro juiz, salvo no caso da Corte Suprema, quando ninguém mesmo pode discutir aquela palavra sagrada.

Mas voltemos ao sugestivo exemplo mencionado pelo autor: o estupro. Vou contar apenas um caso, mas talvez seja útil. Sempre ouvi dizer um slogan que, embora nunca se cumpra na prática, é muito alardeado pela classe jurídica: “não se deve correr o risco de condenar um único inocente”. Então, um caso só pode ser ilustrativa, aliás, quando sabemos que existem milhões.

Quando eu tinha 18 anos, Argentina não estava, por um acaso, sob uma ditadura, mas dava na mesma. O partido governante (o mais velho do país famoso por seus cambalachos) tinha empossado um médico já idoso, que cumpria o que os outros lhe ordenavam, tipo um Napolitano ou Pertini, mas sem passado de esquerda. A polícia entendeu que um jovem que distribuía panfletos contra a tortura não podia ter privilégios de preso político. Os jovens do partidão foram colocados em celas especiais, não com mordomias, mas com um trato mais humano. Afinal, os soviéticos também torturavam. Eu fui colocado com presos comuns: um duplo homicida, vários estelionatários, autores de feridas graves, assaltantes, um contrabandista, e um garoto de minha idade, acusado de estupro.

Durante o tempo que compartilhamos o xadrez, o menino me contou que tinha amizade com uma vizinhinha de 17 anos, e que, um belo dia, foi acometido pela tentação e lhe deu um beijo, mais nada. Mas ela o denunciou por estupro e aí estava. Chorava longamente todos os dias. Até o chefe de uma gangue que roubava postos de gasolina teve piedade dele, e lhe passava a melhor comida que seus cúmplices lhe mandavam.

Uma semana depois apareceu um funcionário com um alvará de soltura, e logo soubemos o que tinha acontecido. A menina tinha ido ao julgado, chorando, acompanhada por seus pais, e reconheceu que tudo era mentira. Ele lhe tinha dado vários beijos (não apenas um) e ficou muito interessada. Pediu ele em namoro, mas o garoto disse que era jovem ainda e queria continuar seus estudos. Nunca eles tiveram contato sexual. Um mês depois ele começou a namorar outra. A vizinha diz ter sentido ciúmes e o denunciou-o por estupro. Sua consciência reagiu dias depois, porém, não antes que a polícia lhe desse várias surras.

Condenar um crime, por grave que seja, apenas pela opinião da vítima, é algo contrário não apenas ao espírito crítico, mas ao senso comum. Que o juiz se sinta dono da verdade porque decorou pesados códigos, e acredite ser bom de psicologia e leitor de almas, é uma aberração. Como ativista de Direitos Humanos, tenho sido testemunha em processos contra carrascos das ditaduras de nossa região. Entretanto, mesmo confiando na sensibilidade das vítimas (é muito raro que uma vítima do terrorismo de estado diga em mentira), sempre pensei que nem figuras infernais como Videla, Galtieri, Massera e outras possam ter sido punidos apenas pela declaração de alguma vítima. (De fato, nunca foram realmente punidas apenas dos milhares de vítimas e centenas de provas.)

* Carlos Alberto Lungarzo é professor aposentado da Unicamp e membro da Anistia Internacional dos EUA.

O cineasta Polanski é detido por episódio de 31 anos atrás

Polanski contracenando com Sharon Tate no cult A Dança dos Vampiros. Casada com ele e grávida de 8 meses, Tate foi morta pela Família Manson.

Aos 76 anos de idade, o superlativo cineasta polonês Roman Polanski (Chinatown, Lua de Fel, O Pianista) acaba de ser detido na Suíça por causa de uma acusação de estupro pendente contra ele há mais de 30 anos.

Ao descer no aeroporto de Zurique para receber um prêmio do festival de cinema nela realizado, foi colocado em prisão provisória, à espera de extradição para os EUA.

Em 1977, os pais de uma adolescente de 13 anos acusaram Polanski de ter drogado e estuprado uma jovem modelo.

Polanski admitiu apenas ter mantido “relações sexuais ilegais” e, após 47 dias preso, foi libertado sob fiança.

Quando o juiz manifestou intenção de enviá-lo novamente à prisão, escapuliu para a Europa. Nunca mais pisou o solo estadunidense.

Pelo que valer, minha avaliação é a de que Polanski foi vítima do puritanismo hipócrita e repressivo dos EUA.

Não dá para aceitarmos que uma moça visitasse o quarto de um gorila como Mike Tyson, em plena madrugada, para conhecer sua coleção de borboletas.

Nem que uma modelo de 13 anos fosse deixada inadvertidamente desprotegida no promíscuo ambiente cinematográfico.

Apostaria até meu último centavo em que a piranha excitou Tyson e depois o rejeitou para provocar exatamente a reação que ele teve; que a relação com Polanski foi consentida; e que o objetivo último, em ambos os casos, era depenar ricas celebridades.

Qualquer pessoa informada sabe que há adolescentes de 13 anos capazes de rivalizar com Messalina. E Freud destruiu completamente o mito da inocência das crianças.

Deve, sim, ser vedada e punida a iniciação sexual de menores por parte de adultos, para evitarem-se os excessos e abusos que adviriam de um liberou geral.

Mas, para haver verdadeira justiça neste caso do Polanski, precisaria também ser provado o estupro.

Por que devemos acreditar cegamente nos pais da modelo, que, obviamente, poderiam estar tentando extorquir Polanski?

Quem garante que ela ainda fosse virgem?

Como provar que ela foi realmente drogada?

Só num país tão moralista (no pior sentido do termo) como os EUA alguém pode ser incriminado com base em acusações tão frágeis quanto as que foram assacadas contra Tyson e Polanski.

O pugilista – com o qual, vale dizer, não tenho a mais remota identificação como ser humano – nunca mais foi o mesmo. Entrou no presídio como campeão, saiu como saco de pancadas.

E, para suavizar a pena, acabou sendo obrigado a indenizar a piranha. Esta obteve, afinal, o michê que Tyson deve ter-lhe negado naquela noite. Ela foi buscá-lo nos tribunais.

Polanski corre o risco de morrer na prisão por conta de um episódio extremamente discutível, que exala o cheiro inconfundível de arapuca.

De resto, até no caso de um indivíduo tão abominável como o Brilhante Ustra, meus sentimentos humanitários se rebelam ante a hipótese de enviar-se um ancião para o cárcere por delitos longínquos e quando já não oferece perigo de reincidir nos crimes dos quais o acusam. Ninguém merece expirar numa prisão. Ninguém!

Polanski tem, sim, uma grande e incontestável culpa: a de ter ido na conversa de advogados, admitindo as tais “relações sexuais ilegais”.

Ele as considerava ilegais no momento em que as mantinha? Duvido. Então, não deveria ter, oportunisticamente, pagado esse preço para esperar o julgamento em liberdade.

Eu diria que ele está sendo perseguido por algo que não fez, mas pagará pelo que fez: a concessão humilhante à farisaica justiça estadunidense.

Mesmo assim, sou absolutamente contrário a mais este ato de desumanidade.

P.S.: o sempre atento Rui Martins informa que, além do suposto crime já estar prescrito, a suposta vítima há anos retirou a queixa apresentada por sua família contra Polanski.