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Um apelo da família de Norambuena às autoridades brasileiras: que ele seja expulso por razões humanitárias

Suplicy endereçou apelo…

O ex-senador e atual vereador paulistano Eduardo Suplicy encaminhou ao governador do Rio Grande do Norte, Robinson Mesquita de Faria, e a outras autoridades daquele estado um pedido de que apurem diversas irregularidades cometidas contra o ativista chileno Mauricio Hernández Norambuena, que se destacou como combatente e dirigente na luta contra a sanguinária ditadura de Augusto Pinochet no seu país e hoje se encontra encarcerado na penitenciária federal de Mossoró.

Ele cumpre, desde 2002, uma pena de 30 anos por sua participação no sequestro do publicitário Washington Olivetto, tendo estado sempre submetido aos rigores do Regime Disciplinar Diferenciado, em unidades prisionais que o praticam independentemente de reconhecerem ou não que o fazem. 

...ao governador Robinson Faria.

Assim, diz Suplicy na sua mensagem, como consequência do RDD “e do longo tempo recluso, isolado, com mínimo contato com a família, que vive a mais de 5.000 quilômetros, [Norambuena] apresenta graves problemas de saúde física e mental”.

Também destaca a necessidade de verificação do cálculo de cumprimento de pena e progressão de regime, além de transmitir o pleito de Norambuena, no sentido de que o transfiram “para um presídio brasileiro que cumpra as normas estabelecidas na Convenção Americana de Direitos Humanos”.

NOVA OPÇÃO: A EXPULSÃO PARA UM TERCEIRO PAÍS.

Entre a farta documentação que Suplicy anexou está uma carta da família de Norambuena, não só reforçando o pedido de sua transferência para outra unidade, como sugerindo uma solução alternativa para o problema, até agora não contemplada, que seria a expulsão para um terceiro país (já que a mera extradição para o Chile, há muito autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, não pôde até agora ser efetuada porque a Justiça chilena não se dispôs a cumprir uma exigência da lei brasileira):

…[Ele está submetido a] um regime carcerário de exceção, que foi prorrogado continuamente, acabando por se tornar permanente… [Tal sistema] configura um tratamento cruel, desumano e degradante, uma vez que contempla um conjunto diverso de medidas que se constituem num agravo a direitos essenciais do ser humano, não obstante sua condição de condenado e cativo. 

Ademais, após permanecer 16 anos em regime de isolamento e punição, lhe corresponderia estar numa prisão aberta desde novembro de 2014, ou com benefícios carcerários desde 2011. O que não sucedeu, por diferentes empecilhos. 

É por isto que a família está fazendo esta solicitação de transferência, já que Mauricio não pode ser enviado ao Chile, seu país natal, por ter penas superiores aos 30 anos que é a condenação que deve cumprir no Brasil. 

Razão pela qual a aplicação de sua expulsão por parte do Brasil só poderá ser efetivada para um terceiro país que mostre disposição de recebê-lo. Ao que se soma a nova legislação migratória brasileira, que prevê a possibilidade de sua expulsão a um terceiro país por razões humanitárias, daí estarmos, como família, fazendo este apelo a vocês.

Norambuena poderá ser finalmente extraditado para o Chile

O chileno Mauricio Hernández Norambuena, que teve participação destacada na luta armada contra a sanguinária ditadura de Augusto Pinochet, acaba de receber duas notícias de suma importância para a definição de seu destino.

A primeira foi a renovação, no último dia 18, de sua permanência na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), por mais 360 dias, contados a partir de 13 de dezembro de 2016. 


Ou seja, a Corregedoria Judicial do dito estabelecimento penal, atendendo a pedido da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, estendeu até 7 de dezembro de 2017 o confinamento em condições extremamente desumanas a que Norambuena, detido em 2002 no Brasil por causa do sequestro do empresário Washington Olivetto, vem sendo submetido nos últimos 10 anos.

Ele está desde 2007 sob o chamado Regime Disciplinar Diferenciado, eufemismo para o aniquilamento físico, psicológico e moral de prisioneiros especialmente malquistos pelas autoridades. Norambuena permanece encerrado durante 22 horas por dia numa cela de dois metros por três, desprovida de luz natural. Só lhe permitem sair para um pequeno pátio por uma hora diária, quando mantém o único contato permitido com outros prisioneiros, durante o banho de sol. 

Não tem acesso a rádio, TV ou qualquer outro meio de comunicação, de forma que seu isolamento do mundo exterior é quase total. Pode receber dois livros por semana, desde que os carcereiros os considerem aceitáveis. Tanto as cartas que envia quanto as que recebe não podem ultrapassar uma página, sendo, ademais, previamente lidas e censuradas. 

O cumprimento de pena em penitenciárias federais é encarado pelas autoridades brasileiras como uma excepcionalidade, daí o terem limitado a 360 dias. A permissão, contudo, pode ser renovada, como acaba de ocorrer. Só que nenhum motivo atual foi apresentado para pleitearem a renovação, alegando apenas seus antecedentes e uma suposta “capacidade de liderança” que teria resistido à passagem de 15 anos e à óbvia debilitação de sua saúde e vigor!

Pelo contrário, o diretor da penitenciária atestou, em Certidão de Conduta Carcerária, que Norambuena (hoje com 59 anos) possui bom comportamento prisional, daí haver recomendado sua devolução ao Estado de origem, SP. Mesmo assim, decidiu-se pela sua continuidade num dos presídios mais dantescos do País, com a excepcionalidade podendo agora ultrapassar uma década (!), o que é, inclusive, uma contradição em termos!.

LUZ  NO FIM DO TÚNEL.

Existe uma luz no fim do túnel, citada na própria decisão da Corregedoria, que prolongou sua permanência “até 7 de dezembro de 2017, sem prejuízo de que, antes do encerramento desse prazo, seja providenciada a materialização de sua extradição para o Chile“.

É que, em decisão recente, o conhecido magistrado Mario Carroza, da Corte de Apelações de Santiago, decidiu iniciar a prescrição gradual das penas que Norambuena ainda tem pendentes no Chile, deixando, portanto, de existir a incompatibilidade com o dispositivo legal brasileiro que impede a extradição de condenados quando eles têm de cumprir 30 anos de prisão ou mais em seus países de origem.

Como nosso Supremo Tribunal Federal já se posicionou favoravelmente à extradição, espera-se que, suprimido este último entrave, tudo seja rapidamente resolvido. Houve recurso contra a decisão de Carroza, mas a expectativa nos meios jurídicos chilenos é de que ela venha a ser confirmada, com grande chance de tudo estar resolvido antes do Natal.

Isto permitiria que Norambuena passasse a receber o carinho de parentes, amigos e companheiros, ao invés de permanecer deles afastado pelos 5 mil quilômetros de distância entre Santiago e Mossoró.

E o livraria desta tortura remanescente dos cárceres medievais, o tal RDD, que é diferenciado mesmo… no sentido de que se diferencia de toda a evolução da humanidade, em termos de respeito aos direitos humanos, nos últimos séculos! 

“VINGANÇA EXTREMA”.

O professor Carlos Lungarzo, que há quase quatro décadas defende o respeito aos direitos humanos em nosso continente e teve participação destacada na luta contra a extradição do escritor italiano Cesare Battisti, já apontou várias incoerências e ilegalidades na sentença recebida por Norambuena e nas condições carcerárias que lhe estão sendo impostas. 

Questionou, primeiramente, sua condenação a 30 anos de prisão, já que o artigo 148 do Código Penal brasileiro estabelece para tais casos a pena máxima de cinco anos.  “Isto inclui até o caso de sequestro de crianças e doentes, e casos em que o sequestrado é ferido durante sua captura”, explicou, destacando a inexistência de agravantes que tornassem pelo menos compreensível o rigor extremado da corte:

Apesar da animosidade da mídia, dos inimigos da esquerda brasileira e da elite empresarial, nunca foi dito que o magnata tivesse recebido coação física, salvo a de estar encerrado quase dois meses num pequeno quarto. Quando foi liberado, deu uma breve entrevista à imprensa, e seu estado físico, pelo menos de longe, parecia normal. Em sua entrevista, o mais substantivo que disse é que descobriu que os raptores não eram brasileiros, porque ninguém falou nunca do Corinthians.

Para Lungarzo, a condenação não só foi “ilegal e desproporcional, como cruel e desumana, pois ela transcorre no RDD, um “método indireto de tortura (…), um método insano utilizado especialmente nas teocracias orientais, mas também em estados maniqueístas como os EUA e a Itália”.

Foto recente da penitenciária de Mossoró…

Uma observação importantíssima de Lungarzo sobre a utilização do RDD contra o prisioneiro chileno: “O RDD viola os acordos assinados pelo Brasil contra as penas cruéis, e também a própria Constituição, que proíbe os tratamentos degradantes“. 

Ele também assinala que o RDD foi introduzido pela Lei 10.792, de 01/12/2003, inexistente, portanto, no momento do crime. 

Além disto, acrescento eu, o RDD nunca passou de uma variante mais rigorosa do confinamento nas chamadas celas solitárias. Deveria servir apenas para a punição do prisioneiro que, conforme está especificado no artigo 52 de da Lei 10.792, incidisse em “falta grave” que ocasionasse a “subversão da ordem ou disciplina internas”. 

…uma das mais draconianas do País.

Mais: o texto legal diz que o RDD tem a “duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada”.

Ou seja, Norambuena não poderia estar sendo submetido ininterrupta e indefinidamente ao RDD, mas somente por períodos escalonados de 360 dias, a cada falta grave que cometesse. E a soma desses períodos não poderia ultrapassar cinco anos (um sexto da sua pena), mas já totaliza quase dez anos!!! Será que a ditadura voltou e esqueceram de nos avisar?!

Lungarzo não tem dúvidas de que Norambuena está sendo retaliado pelas autoridades brasileiras com “uma vingança extrema”, até porque  “nenhum chefe do narcotráfico sofreu RDD por tempo tão longo”.

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OUTROS POSTS RECENTES DO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir): 

Norambuena vive situação dramática, num "limbo jurídico" e privado de vários direitos

O advogado Antônio Fernando Moreira me pede que ajude a tornar conhecida a situação kafkiana na qual se encontra seu cliente Mauricio Hernandez Norambuena, professor chileno que pegou em armas contra a bestial ditadura de Augusto Pinochet e foi depois preso no Brasil por comandar o sequestro do empresário Washington Olivetto.
 Segundo ele, Norambuena está hoje num “limbo jurídico” que impede sua repatriação, além de sonegar-lhe vários direitos inerentes à sua condição de prisioneiro no Brasil:

Estrangeiro, preso desde dezembro de 2001, teve sua extradição autorizada para o seu país de origem em 2004. Extradição que nunca pôde ser efetivada, pois o Chile não comutou as penas de prisão perpétua [reduzindo-as ao máximo admitido pelas leis brasileiras, 30 anos].

No Brasil foi condenado à pena de 30 anos pelos crimes de extorsão mediante sequestro, tortura e quadrilha.

Em 2007 foi determinada sua expulsão do País. Contudo, a efetivação da medida foi condicionada ao cumprimento da pena a que estiver sujeito no País ou à liberação pelo Poder Judiciário…

Não pode receber refúgio no Brasil, pois a Lei 9.474 diz que ‘não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que (inciso III) tenham cometido crime hediondo’.

O tratado de transferência de presos entre Brasil e Chile também não pode ser cumprido, por falta de compromisso do Chile em comutar a pena de prisão perpétua.

Por último, foi negada sua progressão de regime (…) sob o argumento que é estrangeiro expulso.

Em suma: é extraditado, mas não pode ir para o país requerente (sua pátria); é expulso mas não pode sair do País; não pode sair do País, mas também não pode progredir de regime (pelo entendimento do Juízo da Execução Penal de Mato Grosso do Sul, em cuja penitenciária federal cumpre sua pena) pois não poderia trabalhar/residir no País.

 … apesar de o reclamante ter cumprido o requisito objetivo (um sexto da pena) há quase sete anos, sempre são exigidos novos requisitos contra si e o último foi o fato de ele ser estrangeiro expulso.

… Sua situação de saúde também não é boa. A saúde mental está acabada, depois de cinco anos no odioso Regime Disciplinar Diferenciado (…), regime considerado por quase toda a comunidade jurídica – nacional e internacional – como pena cruel, desumana e degradante.

Apesar de não estar mais submetido a este covarde regime, ainda está custodiado em penitenciária federal (…), ficando em isolamento 22 horas por dia, com restrições de informação (censura de livros e revistas, proibição de assistir TV, ouvir rádio, etc.), violação de correspondências e recebendo visitas raramente.

Sem dúvida, é irreparável o dano que vem sofrendo…

Concordo plenamente. Norambuena é prisioneiro num Estado de Direito, não um herege mantido pelo Santo Ofício numa masmorra medieval para ir morrendo aos poucos.
Para mais informações sobre a batalha jurídica e sobre as maneiras de contribuir para o fim do que parece ser uma retaliação velada -e por isto mesmo, mais odiosa ainda- contra Norambuena, acessem o site da campanha de solidariedade, clicando aqui.

Não podemos nos omitir face à tortura continuada de Norambuena!!!

 

Um bom companheiro me escreve chamando a atenção para o caso de Maurício Hernandez Norambuena, que continua preso em condições desumanas na Penitenciária Federal de Campo Grande, submetido ao famigerado  Regime Disciplinar Diferenciado.

O site da Campanha de Solidariedade (acesse aqui) lista algumas características do confinamento a que Norambueno vem sendo submetido há quase 10 anos:

  • cela de 3×2 metros, banheiro incluído;
  • duas horas de banho de sol por dia num pátio pequeno;
  • visitas de três horas permitidas somente aos irmãos;
  • nenhum acesso aos veículos de comunicação;
  • possibilidade de receber apenas um livro por semana;
  • nenhum contacto com os outros reclusos.

Mas, é do professor Carlos Lungarzo, tradicional defensor dos direitos humanos que teve atuação destacada no Caso Battisti, a melhor descrição do RDD, num artigo (acesse aqui) sobre a permanência de rigores medievais nas prisões brasileiras:

O RDD é um simples sistema de tortura, que se diferencia do clássico por não haver utilização de ação direta sobre o corpo da vítima, mas cujos efeitos são comparáveis.

O RDD restabelece oficialmente a tortura, (…) só que sob a hipocrisia de evitar a palavra tortura. Os efeitos dolorosos (que são procurados pelo torturador) estão todos presentes no RDD: isolamento de som, ausência de luz natural ou hiperluminosidade, bloqueio de funções motrizes com a mecanização de todos os movimentos do preso (como portas que são abertas de fora, e que impedem o detento girar uma maçaneta, contribuindo para a atrofia muscular), perda da noção de tempo e obliteração da memória em curto e médio prazos, o que acaba mergulhando a pessoa numa autismo irreversível.

 …A prisão perpétua normal pode acabar algum dia. Mas ninguém pode repor-se de um suicídio ou de uma psicose profunda irreversível.

 

 

E há mais. Segundo Júlio de Moreira Batista, colunista da revista Crítica do Direito (veja aqui), Norambuena está sendo VÍTIMA DE UMA GRITANTE ILEGALIDADE:

Em dezembro de 2003, foi sancionada a Lei n. 10.792, que instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado. Norambuena foi imediatamente transferido para a Penitenciária de Presidente Bernardes, e submetido a tal regime…

Ainda de acordo com a lei, o RDD só pode ser aplicado por até 360 dias, até o limite de um sexto da pena aplicada. Aqui vem a parte mais gritante da história: Norambuena está no RDD há quase 8 anos ininterruptos [o artigo é de 2011, mas a situação continua exatamente a mesma], e nada faz o Estado brasileiro para suprimir esta ilegalidade!

Não bastando as restrições temporais à aplicação do RDD, previstas na Lei n. 10.792/2003, o art. 112 da Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/84) prevê a progressão para o regime semi-aberto após o cumprimento de 1/6 da pena, o que, no caso de Norambuena, deveria ter acontecido em 2007.

TAL TRATAMENTO É CRUEL, DISCRICIONÁRIO, ABERRANTE, INCONCEBÍVEL E INACEITÁVEL, pouco importando a quem se aplique. NINGUÉM MERECE!

A esquerda brasileira, todos sabemos, faz restrições a Norambuena. Ele pegou em armas contra a ditadura de Augusto Pinochet e não as depôs quando sua pátria se redemocratizou. Em dezembro de 2001, liderou em São Paulo o sequestro do publicitário Washington Olivetto, cujo resgate seria em dinheiro (uma heresia para os antigos combatentes da luta armada no Brasil, pois só admitíamos o recurso à prática hedionda do sequestro em circunstâncias extremas, para salvar companheiros da tortura e da morte — “vida se troca por vida” era nosso lema). Foi preso em fevereiro de 2002.

 

As sementes de Torquemada frutificam no Brasil

Mas, mesmo na hipótese de que o sequestro de Olivetto visasse apenas à obtenção de recursos para a subsistência do grupo de foragidos, NÃO PODEMOS ADMITIR A TORTURA NEM DE PRISIONEIROS POLÍTICOS NEM DE PRESOS COMUNS, SEJAM LÁ QUAIS FOREM AS CIRCUNSTÂNCIAS, EM HIPÓTESE NENHUMA!

Então, exorto novamente os companheiros e os cidadãos com espírito de justiça a tomarem uma firme posição, colaborando com a campanha para o cumprimento da sentença de Norambuena em condições aceitáveis numa democracia, além de exigirem a imediata extinção do fascistóide RDD.

Outra possibilidade a ser considerada é a execução imediata, por motivos humanitários, da extradição de Norambuena para o Chile, já autorizada pelo STF mas postergada para depois do término da pena brasileira. Lá também ele terá sentença a cumprir, mas não em cárceres que parecem haver saído da imaginação doentia de um Torquemada.

É preciso reafirmarmos: TORTURA NUNCA MAIS!

Vamos supor que um cidadão decente tome conhecimento da existência de um prisioneiro submetido há nove anos ao confinamento mais impiedoso e destrutivo, na maior parte do tempo sob o famigerado  Regime Disciplinar Diferenciado, assim descrito por Carlos Lungarzo, professor universitário que há mais de três décadas milita na Anistia Internacional:

O RDD é um simples sistema de tortura, que se diferencia do clássico por não haver utilização de ação direta sobre o corpo da vítima, mas cujos efeitos são comparáveis.

 

O RDD restabelece oficialmente a tortura, (…) só que sob a hipocrisia de evitar a palavra tortura. Os efeitos dolorosos (que são procurados pelo torturador) estão todos presentes no RDD: isolamento de som, ausência de luz natural ou hiperluminosidade, bloqueio de funções motrizes com a mecanização de todos os movimentos do preso (como portas que são abertas de fora, e que impedem o detento girar uma maçaneta, contribuindo para a atrofia muscular), perda da noção de tempo e obliteração da memória em curto e médio prazos, o que acaba mergulhando a pessoa numa autismo irreversível.

…A prisão perpétua normal pode acabar algum dia. Mas ninguém pode repor-se de um suicídio ou de uma psicose profunda irreversível.

Isto indignaria qualquer ser humano digno deste nome e, muito mais, um militante de esquerda.

 

Mas, e se a vítima de tal tratamento cruel e degradante se chamar Mauricio Hernández Norambuena?

 

Aí poderá pesar mais o fato de o chileno Norambuena ser um personagem histórico com o qual boa parte da esquerda brasileira não aceita ter a mais remota identificação.

 

Ele pegou em armas contra a ditadura de Augusto Pinochet e não as depôs quando sua pátria se redemocratizou. Adiante, liderou o sequestro do publicitário Washington Olivetto em São Paulo, cujo resgate seria em dinheiro (uma heresia para os guerrilheiros daqui, pois só admitíamos o recurso à prática hedionda do sequestro em circunstâncias extremas, para salvar companheiros da tortura e da morte – “vida se troca por vida” era nosso lema).

 

Por mais que seus defensores aleguem motivação idealista, há forte possibilidade de que o objetivo fosse apenas o proveito pessoal.

 

Foi o que concluiu o Supremo Tribunal Federal, ao autorizar a extradição de Norambuena — não consumada apenas porque o Chile se recusou a reduzir sua pena (prisão perpétua) ao máximo admitido pelo Brasil (30 anos).

 

Carlos Lungarzo e eu estamos nos posicionando — e conclamando os companheiros e as pessoas com espírito de justiça a se posicionarem — pelo cumprimento da sentença de Norambuena em condições aceitáveis numa democracia, bem como pela imediata extinção do aberrante e fascistóide RDD.

 

Não se trata de solidariedade revolucionária nem de uma convicção íntima de que o preso seja inocente, como no Caso Battisti. Longe disto. Ambos reconhecemos a culpa de Norambuena e não questionamos o veredicto judicial. Mas, nem um cão merece o tratamento que lhe estão impondo.

 

Precisamos ter a coragem de defender os princípios e valores corretos, mesmo que isto possa nos acarretar impopularidade.

 

Em 1914, quando a avassaladora máquina de propaganda burguesa exacerbava os sentimentos belicosos das massas e mesmo alguns líderes socialistas preferiam oportunisticamente apoiar  seus governos no esforço guerreiro, Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo tiveram a dignidade de, arriscando-se até ao fuzilamento, exortarem os trabalhadores a não atirarem nos seus irmãos de outros países.

 

Da mesma forma, perderemos toda autoridade moral para exigirmos a punição dos torturadores dos  anos de chumbo se consentirmos na tortura maquilada que Norambuena está sofrendo e na tortura convencional que continua a grassar em escala desmedida nas delegacias e presídios brasileiros.

 

A tortura que devemos repudiar é toda e qualquer tortura, não apenas a que atinge aqueles com quem simpatizamos.

 

SOBRE O MESMO ASSUNTO, LEIAM TAMBÉM O ARTIGO

DE CARLOS LUNGARZO BRASIL: TORTURAS MEDIEVAIS

Brasil: torturas medievais (artigo de Carlos Lungarzo)

Há vários anos que o chileno Mauricio Hernandez Norambuena vem sendo submetido ao regime chamado, de maneira eufemística e cínica, de Regime Disciplina Diferenciado (RDD), que não quer dizer outra coisa senão “tortura permanente psico-somática”, embora as siglas sejam diferentes.

Não queremos avaliar o mérito da causa. Norambuena lutou contra a ditadura de Pinochet,  mas, posteriormente, suas ações mereceram certas dúvidas pelo fato de que nos locais onde atuou não era clara a existência de governos despóticos ou necessidade de recursos armados. Mas, não estamos falando de seus méritos políticos, mas de sua condição humana.

O fato é que qualquer forma de sadismo e crueldade, contra qualquer indivíduo capaz de sentir dor, é uma patologia social que nos torna, a todos, cúmplices da barbárie.

Em 1978, o jornalista argentino Jacobo Timmerman — que teve muitos parentes mortos no Holocausto e esteve, ele mesmo, vários meses detido num campo de extermínio argentino — disse que a ditadura argentina (1976-1983) era pior do que o nazismo. Muitos membros da coletividade judia se indignaram, mas ele lhes disse: “vocês precisariam ter estado presos como eu, e conhecer como foi o nazismo; aí poderiam comparar”.

Dou este exemplo porque o nazismo teve um grande estigma, e foi o movimento considerado como maior inimigo da Humanidade, pois não houve nenhum outro com capacidade quantitativa de extermínio equiparável. Mas, o máximo de destruição não significa necessariamente  o máximo de crueldade. A Inquisição Romana e a Espanhola aplicaram torturas mais violentas e cruéis do que o nazismo.

Estamos num momento histórico em que muitos setores de Direitos Humanos começam a erguer sua voz contra o sadismo dos governos e das classes dominantes, e constatamos que a crueldade do sistema prisional é tão sofisticada que muitos não chegam a percebê-la.

Sem dúvida, haveria um grande escândalo se, como no século 13, os criminosos começassem a ser queimados na praça pública. Mas, o tormento de sofrer bloqueio cognitivo, alterações sensoriais, permanente estado de despersonalização, é uma tortura possivelmente equivalente e que tem duração quase indefinida, até produzir o suicídio ou a loucura do detento.

A Constituição brasileira se mostra muito humana ao proibir a pena de morte e a prisão perpétua, mas aceita métodos que são, claramente, mais cruéis: qualquer forma de execução como as que se aplicam nos EUA, atualmente, insensibiliza a vítima em poucos segundos. A prisão perpétua normal pode acabar algum dia. Mas, ninguém pode repor-se de um suicídio ou de uma psicose profunda irreversível.

O sistema RDD é o irmão perverso do 41-bis da Itália, pois, apesar do total isolamento e bloqueio motriz que impõe, o sistema prisional italiano de emergência, instituído pelas leis Reale e Cossiga, pelo menos permite que o detento assista a algumas horas de TV por dia. Isto mantém um pouco, não a conexão direta com o mundo real, mas o funcionamento do sistema simbólico que permite que a mente continue fazendo conexões.

O sistema brasileiro é ainda pior que o sistema espanhol equivalente, e muito mais, inclusive, que os sistemas norte-americanos. Na Europa, há uma luta permanente contra a política carcerária de isolamento, mas em alguns países como a Itália, a Espanha e Luxemburgo, não foi ainda possível conseguir progressos. Em Schrassig (Luxemburgo), a pena se aplica por períodos curtos (algumas semanas) em casos de presos muito perigosos que se deseja monitorar até decidir seu destino final.

Entretanto, isso também é desnecessário, porque, como todos sabem, as fugas das prisões se produzem por suborno dos guardas ou, ainda pior, dos funcionários mais graduados das mesmas, sendo que ninguém pode fugir sem ajuda de uma prisão moderadamente vigiada. Se fosse assim, nos países escandinavos todos os presos estariam evadidos, pois é quase desconhecido o presídio “comum”, sendo quase todas as prisões fazendas semi-abertas, nas quais o preso leva uma vida muito semelhante à de qualquer camponês livre.

Vejam a queixa da AI contra o método aplicado em Luxemburgo:

É óbvio que a lei nº 10.792,  que inventou o RDD, é não apenas anticonstitucional, mas incompatível com qualquer concepção civilizada, e foi inventada para satisfazer as elites linchadoras, especialmente de São Paulo e, em certa medida, do Rio, para modificar a Lei de execuções penais (que, levando-se em conta a situação extrema dos DH no Brasil, pode se considerada relativamente progressista).

As elites que se sentem ameaçadas, não querem apenas a neutralização do infrator, mas sua destruição física e psicológica. O RDD só pode ser tolerado em sociedades fortemente marcadas pela escravatura, onde o cidadão que não pertence à elite vive permanentemente amedrontado.

É amplamente conhecida a teoria da reabilitação dos prisioneiros, que já era famosa no século 18, e da qual figuras como Voltaire e Beccaria, e depois os socialistas e anarquistas do século 19, foram propugnadores. Todos sabem que ninguém se reabilitará sendo submetido a uma tortura permanente que, em forma diversa da tortura aguda (aplicada por momentos com impactos intensos), degrada o sistema cognitivo até torna-lo irreversível.

No caso específico do RRD brasileiro, a brutalidade é tamanha que os prazos fixados pela própria lei não se cumprem. Por exemplo, o caso de Norambuena que motivou as queixas de vários grupos de direitos humanos, já demora 5 anos.

O RDD uma perversa inclusão do réu no Direito Penal do Inimigo, que transforma a condição de segurança de um país numa guerra (porque se considera o infrator como um inimigo global da sociedade, sem ter em conta que ele não participa geralmente do pacto social, um caso evidente não Brasil, onde a enorme maioria da população é excluída)

O RDD reestabelece oficialmente a tortura, como acontece no Irã, em Israel e na Indonésia, só que sob a hipocrisia de evitar a palavra “tortura”. Os efeitos dolorosos (que são procurados pelo torturador) estão todos presentes no RDD: isolamento de som, ausência de luz natural ou hiperluminosidade, bloqueio de funções motrizes com a mecanização de todos os movimentos do preso (como portas que são abertas de fora, e que impedem o detento girar uma maçaneta, contribuindo para a atrofia muscular), perda da noção de tempo e obliteração da memória em curto e médio prazos, o que acaba mergulhando a pessoa numa autismo irreversível.

O RDD é um simples sistema de tortura, que se diferencia do clássico por não haver utilização de ação direta sobre o corpo da vítima, mas cujos efeitos são comparáveis.

Por outro lado é um sistema cínico. Os infratores a ele submetidos são geralmente autores de grandes assaltos, roubos ou sequestros, e suas vítimas, que sempre são pessoas poderosas, contribuem, como é bem conhecido, para a manutenção moral e econômica do sistema, o que lhes serve como vingança.

Tendo em conta, aliás, o formalismo leguleio e a desumanização e falta de racionalidade do sistema judicial, o método do isolamento, que já é degradante, por sua própria natureza, se torna uma poderosa arma nas mãos de uma corporação maniqueísta e messiânica, que quer ver os infratores submetidos a um inferno na Terra, porque, apesar de suas crenças supersticiosas, não têm certeza de que o inferno teológico exista.

Os que gostam de provocar os ativistas de DH dizendo que agimos por questões ideológicas, devem saber que as ONG’s de DH, especialmente a Anistia Internacional, têm defendido de práticas cruéis inclusive os militantes fascistas, que são considerados por muitos como principais inimigos da humanidade.

Na Itália, muitos crimes de estado cometidos por fascistas e sociedades secretas, têm sido atribuídos a membros de baixo escalão dos partidos fascistas, que foram bodes expiatórios de crimes que possivelmente não cometeram, para salvar a imagem das grandes figuras (o estrago de Bolonha parece ser um desses casos, com Fioravanti sendo acusado para salvar Rauti e outros).

A AI adotou, por exemplo, Ventura, como prisioneiro de consciência, porque, apesar de trabalhar para um esquema de terror fascista, pensamos que ninguém, sob nenhum pretexto, pode ser reduzido a situações degradantes.

O RDD se aplica quase exclusivamente no estado de São Paulo, onde seu estatuto foi “legislado” pelo poder executivo do Estado, pela Resolução Peni­tenciária de São Paulo 026/10.

Por razões que não cabe analisarmos nesta breve nota, o estado de São Paulo é um dos maiores laboratórios de faxina social de Ocidente, e seu Tribunal de Justiça é conhecido por numerosas aberrações. Não há nenhum outro país em ocidente em que tenha acontecido um massacre como o do Carandiru, que o TJ encobriu, torcendo a decisão do júri. [O mais próximo de Carandiru foi o massacre no presídio de Pavón, Guatemala, em 2006, onde houve 8 presos mortos, ou seja, menos de um décimo que em Carandiru, e que provocou o julgamento do ministro do interior.]

Tampouco nenhum outro tribunal se deu ao trabalho de publicar um longo libelo injurioso contra a AI, em resposta a nossas críticas pelos massacres na FEBEM.

Desde 2002, o Ministério da Justiça tem estado ocupado boa parte do tempo por membros da esquerda do PT (Tarso Genro e José Cardoso), que têm um amplo histórico de defesa dos direitos humanos e da justiça social. Além disso, o presidente Lula se manifestou, às vezes, contra o sistema de terror que impõe a justiça no Brasil. Portanto, não pode culpar-se globalmente o Governo Federal pelos problemas que acontecem nos presídios, embora seja necessário que este se mobilize, a despeito dos desafetos que possa criar entre governadores carniceiros.

No estado de SP, a política de tortura e vingança social tem sido permanente, pois ditada por uma elite dominante misturada com o Opus Dei e dependente dos grandes grupos econômicos que, no passado, financiaram a ditadura.

Propomos as seguintes medidas:

  1. A formação de um grupo parlamentar de trabalho para anular de maneira definitiva o brutal sistema RDD;
  2. A intervenção do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos no deslocamento a prisões normais de todos os detentos que estejam sob tal sistema; e
  3. A mobilização da Pastoral Carcerária, que presta generosos serviços aos detentos, mas que parece enfraquecida nos últimos tempos.

Por nossa parte, continuaremos nossa pressão em nível internacional, agora com propostas mais pontuais, para que a CIDH reconheça o RDD como equivalente a tortura, e lhe sejam aplicadas as convenções internacionais.

Esta nota é um rascunho de um dossiê maior que encaminharemos aos organismos interamericanos e internacionais de DH, e será convertida para o espanhol, o inglês e o francês.