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Que moral o PSOL segue, a nossa ou a deles?

Foi assim em 2006. Estará sendo produzido um remake?

O companheiro Eduardo Rodrigues Vianna pede a minha opinião a respeito do comportamento do PSOL, que outrora ia às ruas repudiar a chamada cláusula de barreira e agora, dando uma guinada de 180º, alinhou-se com as forças políticas majoritárias.

Na primeira votação na Câmara Federal, os quatros deputados psolistas (Chico Alencar, Edmilson Rodrigues, Ivan Valente e Jean Wyllys) surpreendentemente concordaram com a pretensão de se privar, tanto do tempo de televisão quanto dos recursos do fundo partidário, os partidos sem nenhum representante no Congresso Nacional.

Tratando-se de uma proposta de emenda à Constituição, haverá ainda uma segunda votação na Câmara e duas no Senado –três chances de se rechaçar a também conhecida como cláusula de exclusão. E o STF poderá novamente considerá-la inconstitucional, como o fez, por unanimidade, em 2006.

Em termos práticos, os quatro votos da bancada do PSOL não decidiram nada, já que o placar foi de 369 a 39. Prevalecendo tal tendência, pouco importará se o PSOL mantiver sua nova postura ou voltar à antiga.

Por que mudou, mudou por quê?

Portanto, a questão é sobretudo de princípios.

Se o PSOL ainda pretende seguir a nossa moral (a moral revolucionária), estará traindo os seus valores ao esfaquear pelas costas o PCB, o PCO e o PSTU, agremiações do campo da esquerda que definharão de vez caso sejam submetidas a tais restrições.

Se agora adota a moral deles (a moral burguesa), não temos mais o que conversar.

Francamente, meu ceticismo é total quanto à possibilidade de que o Parlamento deles venha a ter qualquer utilidade para a nossa causa. Nem acredito que as fugazes mensagens dos nanicos de esquerda veiculadas no horário eleitoral consigam penetrar em cabeças marteladas e mesmerizadas dia e noite pela indústria cultural.

Mas, para o que realmente conta –a revolução de verdade, nas escolas, nas ruas, campos e construções, não a revolução sem povo, essa ilusão daninha de que se possa tomar o Estado por dentro, a partir de infiltrações nos três Poderes–, a esquerda precisará estar unida como nunca esteve nas últimas décadas.

O PSOL, agindo assim, em nada está contribuindo para a gestação de uma mais do que necessária frente de esquerda –e isto num momento em que o quadro político favorece em muito tal iniciativa, pois os militantes fiéis aos ideais históricos do PT, indignados com a opção pelo neoliberalismo, tendem a sair do partido governista em busca de ar puro.

A falta de humildade, a eterna aspiração à hegemonia, a mesquinhez de pequenos comerciantes obcecados em alavancar seus próprios negócios tomando espaço dos concorrentes, esses resquícios da mentalidade deles que teimam em perdurar no nosso meio têm grande peso no apequenamento da esquerda brasileira desde a redemocratização.

Saímos da ditadura com enorme prestígio e aura de martírio. Dilapidamos praticamente todo o capital político que havíamos acumulado na heroica resistência ao arbítrio. E, se não reencontramos o caminho da unidade revolucionária, acabaremos reduzidos à irrelevância.

A luta de classe dentro do PSOL

O editorial “Sinergia” do Correio da Cidadania, de 22 de janeiro, destaca a difícil situação da esquerda revolucionária brasileira, “reduzida a apenas três pequenos partidos com registro eleitoral” e a grupos sem os apoios para tal. Fraqueza que se agrava com a “conjuntura” nacional “extremamente adversa” aos trabalhadores, associada à “desorientação do movimento socialista” mundial. Lembramos apenas serem quatro os partidos revolucionários registrados, com o pequenino PCO.

Lembra o editorial que, diante dessa fragilidade, “a primeira idéia que surge é a unificação” dos “pequenos partidos”, para intervenção potencializada. Aponta como bom sinal as negociações para a unificação das “centrais sindicais socialistas” (Intersindical e Conlutas). Ótimo augúrio, sobretudo se almejar a fusão de todas as sindicais, na luta pela centralização-concentração sindical dos trabalhadores como classe para si.

O editorial lembra como exemplo da possibilidade de se “marchar juntos” a frente eleitoral do PCB, PSOL e PSTU em 2006. Propõe que, mesmo já tendo o PSTU candidato próprio e o PCB discutindo semelhante iniciativa, as duas organizações não descartam reconstituir a composição eleitoral, sempre, é claro, em torno “de programa” e “carta eleitoral comum” condizentes.

A frente de 2006 foi enorme passo adiante, seguido de corrida para trás. Seria mais correto qualificá-la como “exemplo exitoso” quanto à unificação eleitoral, mas neto fracasso no relativo à utilização das eleições para a construção de programa e movimento unificador, política e organicamente, da esquerda revolucionária, dentro e fora das organizações citadas. O objetivo maior apontado pelo lúcido editorial.

A frente eleitoral sequer agitou programa operário para o Brasil. O núcleo da campanha lançou-se à caça ao voto, privilegiando a denúncia da corrupção, amealhando fortemente consensos opostos ao programa socialista. Sem unificação programática, não houve unificação orgânica, durante e após as eleições. Tratou-se de aliança transitória para superar as eleições, que aprofundou a difícil situação da esquerda.

Nem todos querem o mesmo

A imprescindível unificação político-organizacional da esquerda brasileira ocorrerá, caso ocorra, em torno de avaliação comum mínima da superação das contradições essenciais da sociedade nacional e internacional. Paradoxalmente, essa condição política essencial se encontra substancialmente satisfeita, no que se refere a uma enorme parte das organizações, dos movimentos e de militantes revolucionários esparsos do Brasil.

Atualmente, enormes parcelas organizadas e desorganizadas da esquerda socialista concordam sobre o caráter acabadamente capitalista do Brasil e sobre a necessária superação de suas contradições através da concretização simultânea das tarefas democráticas e socialistas, sob a direção da classe trabalhadora. Processo que as organizações de origem trotskista e o PCB definem como “revolução permanente”.

Quais, portanto, as razões da atomização da esquerda socialista, que aprofundam a fragilidade de sua intervenção? Certamente para isso contribuem as fortíssimas idiossincrasias de origem, de organização e de direção, dificilmente superadas sem um forte impulso do mundo do trabalho. Porém, uma intervenção militante potenciada facilitaria a retomada da iniciativa social.

A difícil realidade que vivemos torna as eleições momento determinante para a construção de prática unitária, em torno da defesa de programa socialista para a população e para sua organização. Razão pela qual concordamos também com a preocupação registrada pelo editorial com a inútil transcorrência dos meses, sem avanço no necessário processo unitário e programático. Porém, cremos que tal demora não seja gratuita.

Nem todos os segmentos que se organizam hoje nos partidos assinalados comungam com o programa e a prática classista e socialista, não raro se mobilizando contra os mesmos, em forma mais ou menos patente. O que explicaria política e sociologicamente o fracasso na imposição de dinâmica socialista militante à campanha de 2006 e muitos dos entraves postos até agora a uma rápida conclusão da aliança eleitoral programática.

Reformar o Estado burguês

As contradições sociais são várias e poli-facetadas, ao igual que as classes e frações de classes que conformam a sociedade capitalista atual. Mesmo enfraquecido pelo triunfo contra-revolucionário dos anos 1980, o socialismo serve ainda como referência a projetos pessoais e sociais estranhos ao mundo do trabalho, já que almejam materializar-se no seio da ordem capitalista, mais ou menos retocada.

Essa contradição entre o trabalho e versões (sociais) do capital se expressa em forma límpida na oposição entre as duas propostas eleitorais defendidas pelos três pré-candidatos do PSOL à presidência. Pessoalmente, associo-me à candidatura do companheiro Plínio Arruda Sampaio, por sua mais ampla abrangência política e social, sem deixar de reconhecer que o ex-deputado Babá comunga com os objetivos representados pelo seu concorrente e jamais opositor. São os dois boa farinha do mesmo saco.

O lançamento do senhor Martiniano Cavalcante como pré-candidato do PSOL à presidência da República presta enorme serviço ao esclarecimento político, ao contrapor-se em forma cabal aos ideais defendidos por Plínio Arruda-Babá. Ou seja, a luta intransigente pela sociedade socialista, como única forma possível de superação da exploração do trabalho pelo capital, que já ameaça a sorte da própria humanidade.

O senhor Cavalcante deixa claro que sua candidatura não é discussão democrática entre companheiros irmanados no ideal socialista. Segundo o candidato, ela surgiria para contrapor-se “àqueles que, de um modo ou de outro, pretendem utilizar a campanha presidencial para derrotar as principais forças do partido e dar ao PSOL um perfil antagônico ao que ele teve até agora”. Ou seja, uma candidatura contra golpistas e liquidacionistas.

Folga dizer que “as principais forças do partido” que pretensamente os companheiros Plínio Arruda-Babá pretenderiam derrotar são o senhor Cavalcante e seus apoiadores e que o “perfil” resgatado pelos mesmos é a procura diuturna de acomodação à sociedade de classes, com o objetivo de nela se integrar como parlamentares e administradores, sob o compromisso de, no máximo, retocar o Estado burguês e, jamais, destruí-lo e refundá-lo sob a ordem do trabalho.

Os socialistas não passarão!

A virulência do manifesto do senhor Cavalcante é essencialmente contra o programa socialista defendido pelos companheiros Plínio Arruda-Babá, anatematizados como aventureiros que “buscam, conscientemente, o isolamento e que pretendem dirigir a campanha e o discurso do PSOL apenas para a vanguarda socialista”. Militantes que se esconderiam “atrás do propagandismo ideológico socialista”, pronunciando-se de “maneira estridente e sectária, pouco compreensível” às “amplas massas”.

Uma denúncia total e cabal de Plínio Arruda-Babá e seus companheiros de idéias e luta, que pecariam mortalmente por fixação obsessiva na organização classista e socialista dos trabalhadores. Militantes, portanto, incapazes de assumir o doloroso acomodamento incondicional ao senso comum, para poderem assim suportar as penosas sinecuras parlamentares e administrativas, obtidas no maior número possível, é claro.

O senhor Cavalcante e apoiadores não defendem apenas a ordem capitalista no geral. O fazem no particular, em forma direta, sem papas na língua, nesse “Bilhetinho ao Povo Brasileiro”, para que todos compreendam, sobretudo os grandes interessados, alguns deles, como é sabido, financiadores de campanhas parlamentares desse setor respeitoso e dignitoso do PSOL.

O senhor Cavalcante e apoiadores indignam-se com a idéia de que o PSOL e uma frente de esquerda defendam eventualmente a nacionalização das empresas privatizadas e dos grandes capitais. Sequer aceitam a violação dos direitos sacrossantos do capital a explorar a saúde e a educação como negócio! O manifesto propõe despudoradamente: “[…] devemos ter clara consciência de que a correlação de forças não nos permite apresentar propostas gerais de estatização de setores econômicos, sejam da indústria ou dos serviços como educação e saúde”. Durmam tranqüilos, senhores, que Cavalcante e associados velam por suas propriedades!

Não menos paradoxal é a razão apresentada para a defesa canina do capital: “Nas atuais condições, tais posicionamentos servem apenas para ‘chocar’ a opinião pública”, que, sequer estaria preparada para essas propostas essencialmente democráticas! E isso, apesar de vivermos momento único, em que os grandes estados imperialistas viram-se e vêem-se forçados a estatizar, mesmo transitoriamente, imensas empresas capitalistas para salvá-las da bancarrota.

Privatizem o que resta, a população quer!

Se for verdadeiro o horror da população brasileira ao público e sua paixão pelo privado e correta a proposta de adequação dos militantes socialistas a tal estado de espírito, muito logo veremos os defensores dessa estranha sociologia política defenderem a privatização de grandes empresas ainda em parte nas mãos do Estado, como a Petrobrás, a Caixa Federal, o Banco do Brasil, para podermos “estabelecer um diálogo mediado e pedagógico com a população”!

Folga dizer que a candidatura do senhor Cavalcante não constitui apenas um ataque direto aos militantes classistas e socialistas do PSOL, como também uma impugnação cabal à frente de esquerda, pois logicamente o PCB e o PSTU jamais comungariam com tais propostas pró-capitalistas, expressões de classes e frações de classes contra as quais se mobilizaram e se mobilizam, no passado e no presente.

Paradoxalmente, a desistência de Heloísa Helena de lançar-se como candidata do PSOL e de uma frente de esquerda, para tentar abocanhar uma senadoria, criou as condições para o surgimento de uma verdadeira frente de esquerda, nas eleições deste ano, em torno de um programa classista e socialista, que enseje uma verdadeira associação da esquerda revolucionária em torno de uma militância comum.

Tal realidade ensejou, igualmente, ao surgir proposta claramente classista e socialista para as eleições presidenciais, verdadeira clarificação sobre as contradições de classes no interior do PSOL, há muito já consolidadas, entre projetos do mundo do trabalho e de acomodamento ao estado burguês, semelhante ao ocorrido no PT, ainda recentemente. A superação desta contradição pode significar importante avanço do programa e da organização socialista de massa no Brasil. Que os anjos digam amém!

(*) Mário Maestri, historiador, militante marxista-revolucionário desde 1967, participou da fundação e da primeira direção nacional do PSOL. É hoje comunista sem partido. Texto publicado originalmente no Correio da Cidadania. E-mail: maestri@via-rs.net