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Sobre mídia e política

Que semana, amigos…
1) Águas de Niterói, empresa privada que controla o abastecimento na minha cidade natal, é responsável por um verdadeiro tsunami de cocô. Foi parar no Jornal Nacional (que preservou o nome da empresa), pessoas ingerindo dejetos e sendo arrastadas por 100 metros, casas derrubadas, um prejuízo enorme. Mas não é surpresa para nossos leitores, pois quem corta a água (com pagamento em dia) até de cidadãos com doenças graves é capaz de qualquer coisa. Infelizmente alguns administradores públicos ainda não entenderam que determinados setores não podem jamais ser privatizados. A água e o abastecimento são bons exemplos de que, quando vão para o setor privado, a coisa não acaba em pizza. Acaba em merda.
1.1) Sugestão de jingle para a próxima campanha municipal, que da vez passada teve Beth Carvalho cantando “É mesmo um caso de amor” para o atual prefeito Jorge Roberto Silveira. A mesma Beth poderia cantar agora: “Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão”. 
2) Aécio Neves foi pego numa blitz com a carteira de habilitação vencida. A mídia impressa reportou, mas deram pouco ou nenhum destaque ao fato de que o carro que dirigia está em nome de uma rádio mineira de sua propriedade, o que é proibido pela Constituição (sobre esse aspecto não vi nada na televisão, especialmente na Globo). Bueno, porque um senador da República, ao violar a Carta Magna, não vira manchete? Ainda mais se esse senador se projeta como o grande nome da oposição para 2014?
3) Na terça-feira (19) William Waack estava tão feliz, mas tão feliz com o Congresso do Partido Comunista Cubano e a presença surpresa de Fidel, mesmo debilitado, que chegou a abrir o áudio para a Internacional. Disse o apresentador da Globo, além de que “o agasalho de Fidel parece mais um pijama”, que a única coisa aprovada foi a demissão de um milhão de pessoas e a possibilidade de as pessoas venderem propriedade privada, pra no final concluir, com o tradicional sorriso de canto de boca: “O fracasso do regime está implícito naquilo que eles mesmos aprovaram hoje”.
2.2) Quem havia assistido ao Repórter Brasil horas antes teve informações completamente diferentes. Além de mais tempo dedicado ao tema, foi feita uma entrevista no estúdio com o jornalista Mario Augusto Jakobskind, que já morou em Cuba e é colaborador do Fazendo Media. No geral, soubemos que são reformas bastante complexas, sim, mas como disse Jakobskind: “O sistema de produção não muda, o socialismo continua”. O mesmo foi reportado pela TV Brasil: entre os princípios do Congresso estiveram a continuidade do socialismo e a garantia de que o capitalismo nunca mais retorne a Cuba.
3) A nova série de propagandas do PSDB não vai conseguir ampliar sua inserção na sociedade. Os atores (um negro, estudante, e uma mulher aparentando classe média baixa, talvez religiosa fundamentalista) parecem raivosos e abordam temas específicos, como aeroportos e inflação. O povo tem a percepção de que há problemas nos aeroportos, mas sabe que foi durante o governo Lula que esse meio de transporte foi popularizado. Quanto à inflação, ficou parecendo a Regina Duarte pregando o discurso do medo. Não há base real para temer descontrole de preços, em muito porque os tais fundamentos da economia foram preservados. A única coisa que o PSDB conseguiu com essas propagandas foi mostrar que a oposição de direita continua sem rumo. Onde estão as grandes propostas para o país?
4) A nova novela do SBT merece ser vista. Começa depois do Ratinho, um programa lamentável sob todos os aspectos. Recomendo a novela “Amor e Revolução” porque ela trata de um tema fundamental para a consolidação da democracia no Brasil: o resgate da memória recente do país. Um tema que precisa vir à tona, se quisermos fazer valer os Direitos Humanos. Acho essa novela importante porque ela toda aborda um tema caro à sociedade. Não se trata de inclusões pontuais de pessoas com deficiência ou idosos no meio da trama, geralmente fútil e vulgar, como geralmente fazem as novelas da Globo. Essa do SBT não. Do início ao fim trata do momento político brasileiro pré e pós 1964, fala do golpe, dá nome aos bois, aborda a tortura sem medo. O Brasil que cresce com distribuição de renda não pode deixar de prestar contas com seu passado recente. Caso contrário, a democracia estará para sempre ameaçada. Que a novela ajude na implementação da Comissão da Verdade, texto enviado ano passado ao Congresso Nacional. E que o Brasil continue se desenvolvendo sem riscos de retrocessos.
5) Passo em frente a uma dessas lojas de comida de plástico, também conhecidas como redes fast-food. Vejo um cartaz enorme, de um jovem, retratado como o “funcionário do mês”. Abaixo da foto, uma breve descrição daquilo que supostamente o teria levado àquele lugar: trabalho duro, disposição para aprender, identificação com os princípios da empresa, atenção especial para os clientes.
5.1) Desconfio que essa descrição poderia ser substituída pelo seguinte texto: super-exploração, disposição para acatar ordens, nunca questionar nada (nem seu salário de semi-escravo) e atender sempre bem aos clientes.

Sobre o ex-vice presidente José de Alencar

Morreu aos 79 anos o ex-vice-presidente, o homem que venceu o câncer de goleada: 17×1 (foram 17 cirurgias desde 1997, mais de uma por ano em média). Não tem como não se emocionar com sua luta, seu entusiasmo pelo trabalho, seu amor à vida. O mineiro mostrou ao mundo que o ser humano ainda não foi, e talvez nunca seja, totalmente compreendido – ou reduzido – pela ciência. Desde meados do ano passado ouço médicos afirmarem que ele não tinha mais jeito, que morreria dentro de uma semana. E ele vencia uma semana após a outra, um mês após o outro. Uma força admirável, sem dúvida.
Por outro lado, no momento em que as corporações de mídia ressaltam o empresário bem sucedido, que venceu na vida e “dá” milhares de empregos em seu complexo têxtil, pelo menos dois comentários são necessários:
a) incensar o exemplo do homem que saiu da pobreza para a riqueza é ressaltar o “american way of life”. Só não dizem que para cada um que consegue, milhões não conseguem ascender dessa forma. Não dizem isso porque continuar tentando é a melhor forma de alimentar as estruturas do sistema capitalista.
b) matéria publicada no jornal A Nova Democracia anota: “A Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas) pretende utilizar o país como plataforma de exportação para o USA, aproveitando-se do Tratado de Livre Comércio (TLC) com tarifa zero entre Caribe e EUA para fugir da taxa média de 17% imposta às exportações têxteis brasileiras”. O jornal cita entrevista do atual presidente da Coteminas ao Valor Econômico, onde ele afirma: “O Brasil é um reconhecido colaborador do processo de resgatar o Haiti. O país tem o direito de pleitear um tratamento preferencial”. O problema é o ponto de vista sobre o que acontece no Haiti. As denúncias que chegam de lá dão conta de trabalho semi-escravo em meio a uma ocupação militar das Nações Unidas que já dura sete anos e não cumpriu os objetivos a que se propôs.

O atentado da Rua Santa Clara

O crime contra o blogueiro Ricardo Gama é dos mais graves. Editor de um site crítico ao governo estadual e à prefeitura do Rio de Janeiro, Gama foi alvejado por três tiros na quarta-feira (23), na Rua Santa Clara, em Copacabana, onde os índices de criminalidade se assemelham aos dos países nórdicos. Ou seja, raríssimos.
O que importa nesse caso não é o conteúdo do referido blog, e nem se Gama é filiado ou não a este ou àquele partido político. A questão é que temos que defender o direito de expressão, mesmo que não concordemos com seu conteúdo. Como disse Voltaire: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo”.
O RJTV deu boa matéria, enquanto O Globo mantém a cobertura ontem e hoje. Tímida, porém. No jornal não houve chamada na capa e o RJTV não conseguiu emplacar a notícia no Jornal Nacional. Se o atentado fosse contra um repórter da mídia grande, seguramente haveria mais destaque.
Para além da velha mídia, cabe aos blogueiros, twitteiros, facebookeiros e tudo o mais manter esse assunto em pauta, até que as circunstâncias sejam esclarecidas. E cabe às autoridades, em todos os níveis, cobrar uma solução breve para o caso.
Até agora, a principal linha de investigação policial considera a atuação política de Ricardo Gama em seu blog. Num momento em que cresce a importância de sites e blogs na vida política brasileira, torna-se fundamental a defesa dos jornalistas que trabalham com esses meios.
O caso Ricardo Gama é exemplar. Se a polícia do Rio não cumprir a sua função e os criminosos não forem identificados, é natural que o medo se espalhe, sobretudo entre os blogueiros progressistas, que no Brasil ainda não contam com uma estrutura que possa lhes dar o mínimo de segurança.
A liberdade de imprensa está em jogo, é preciso afirmar. Assim como a liberdade de expressão, fundamento básico da democracia e dos Direitos Humanos. É nesse nível que o atentado da Rua Santa Clara precisa ser tratado.

Sobre Líbia, Obama, favelas e a guerra da informação

1) Em algumas favelas do Rio existem traficantes. Eles cometem crimes. As corporações de mídia ampliam e constroem a imagem de demônios que devem ser extirpados. Quando são mortos por outros traficantes, ninguém chora. Quando são mortos por policiais, ouvem-se aplausos na cidade. Vez por outra morre alguém que não tem nada a ver com a história. Dano colateral. Danem-se os pobres, vira pro futebol.
1.1) Na Líbia existe um ditador – descoberto com 40 anos de atraso, diga-se. Ele comete crimes. As corporações de mídia ampliam e o fazem virar um demônio que merece ser queimado vivo. Bombas são jogadas em todo o país, inocentes morrem, culpados também morrem. O país ficará melhor agora? Como anda o Iraque, onde também havia um ditador-demonizado-enforcado?
2) Lula tem razão quando diz ser hilariante a oposição a Dilma. A direita e sua mídia querem dizer que ela é melhor que ele, e para isso brigam com os fatos, além de esquecerem que se trata de um governo de continuidade. Um único exemplo: dizem que com Lula existia uma diplomacia companheira complacente com violações de direitos humanos. Uma diplomacia que se abstinha quando as potências ocidentais queriam invadir algum país por motivo duvidoso, como a utilização da energia nuclear para fins pacíficos. E agora, frente à questão da Líbia, o que fez o Brasil: absteve-se na ONU e, em nota divulgada pelo Itamaraty segunda-feira (21), pediu o “cessar-fogo efetivo no mais breve prazo possível”.
3) Entre os muitos significados e resultados da visita de Obama ao Brasil, um deles é particularmente interessante. Aqueles governantes que gostam de mandar matar gente pobre nas favelas – quando falam em “período de estresse” ou estultice que o valha – baixaram a cabeça e obedeceram as ordens inaceitáveis de um país estrangeiro em solo nacional. Aceitaram não poder caminhar ao lado de Obama na visita ao Cristo ou à favela eleita. Faz todo o sentido. Para quem opera pela lógica da opressão, tanto faz oprimir quanto ser oprimido.

“A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa do que aquela feita pelos governos”, afirma fundador do WikILeaks


Julian Assange também esclarece que sua organização não é “exclusivamente de esquerda, mas uma organização pela verdade e pela justiça”. As declarações foram dadas em entrevista exclusiva a internautas brasileiros, que foi publicada por diversos blogs – entre eles, o Blog do Nassif, Viomundo, Proto-Blog, Nota de Rodapé, Maria Frô, Trezentos, O Escrevinhador, Blog do Guaciara.
Vários internautas – O WikiLeaks tem trabalhado com veículos da grande mídia – aqui no Brasil, Folha e Globo, vistos por muita gente como tendo uma linha política de direita. Mas além da concentração da comunicação, muitas vezes a grande mídia tem interesses próprios. Não é um contra-senso trabalhar com eles se o objetivo é democratizar a informação? Por que não trabalhar com blogs e mídias alternativas?
Por conta de restrições de recursos ainda não temos condições de avaliar o trabalho de milhares de indivíduos de uma vez. Em vez disso, trabalhamos com grupos de jornalistas ou de pesquisadores de direitos humanos que têm uma audiência significativa. Muitas vezes isso inclui veículos de mídia estabelecidos; mas também trabalhamos com alguns jornalistas individuais, veículos alternativos e organizações de ativistas, conforme a situação demanda e os recursos permitem.
 
Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a prestar contas sobre o que fazem. No caso do Brasil, que tem um governo de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de centro-direita para um melhor escrutínio dos governantes. Em outros países, usamos a equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com um veículo governista e um de oposição.
 
Marcelo Salles – Na sua opinião, o que é mais perigoso para a democracia: a manipulação de informações por governos ou a manipulação de informações por oligopólios de mídia?
 
A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque quando um governo as manipula em detrimento do público e a mídia é forte, essa manipulação não se segura por muito tempo. Quando a própria mídia se afasta do seu papel crítico, não somente os governos deixam de prestar contas como os interesses ou afiliações perniciosas da mídia e de seus donos permitem abusos por parte dos governos. O exemplo mais claro disso foi a Guerra do Iraque em 2003, alavancada pela grande mídia dos Estados Unidos.
Eduardo dos Anjos – Tenho acompanhado os vazamentos publicados pela sua ONG e até agora não encontrei nada que fosse relevante, me parece que é muito barulho por nada. Por que tanta gente ao mesmo tempo resolveu confiar em você? E por que devemos confiar em você?
O WikiLeaks tem uma história de quatro anos publicando documentos. Nesse período, até onde sabemos, nunca atestamos ser verdadeiro um documento falso. Além disso, nenhuma organização jamais nos acusou disso. Temos um histórico ilibado na distinção entre documentos verdadeiros e falsos, mas nós somos, é claro, apenas humanos e podemos um dia cometer um erro. No entanto até o momento temos o melhor histórico do mercado e queremos trabalhar duro para manter essa boa reputação.
 
Diferente de outras organizações de mídia que não têm padrões claros sobre o que vão aceitar e o que vão rejeitar, o WikiLeaks tem uma definição clara que permite às nossas fontes saber com segurança se vamos ou não publicar o seu material.
 
Aceitamos vazamentos de relevância diplomática, ética ou histórica, que sejam documentos oficiais classificados ou documentos suprimidos por alguma ordem judicial.
Vários internautas – Que tipo de mudança concreta pode acontecer como consequência do fenômeno Wikileaks nas práticas governamentais e empresariais? Pode haver uma mudança na relação de poder entre essas esferas e o público?
James Madison, que elaborou a Constituição americana, dizia que o conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. Então as pessoas que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o conhecimento traz. Essa filosofia de Madison, que combina a esfera do conhecimento com a esfera da distribuição do poder, mostra as mudanças que acontecem quando o conhecimento é democratizado.
 
Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder sobre o pensamento individual ao negar informação aos indivíduos. É esse vácuo de conhecimento que delineia quem são os mais poderosos dentro de um governo e quem são os mais poderosos dentro de uma corporação.
 
Assim, o livre fluxo de conhecimento de grupos poderosos para grupos ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder, e portanto uma força equalizadora e democratizante na sociedade.
Marcelo Träsel – Após o Cablegate, o Wikileaks ganhou muito poder. Declarações suas sobre futuros vazamentos já influenciaram a bolsa de valores e provavelmente influenciam a política dos países citados nesses alertas. Ao se tornar ele mesmo um poder, o Wikileaks não deveria criar mecanismos de auto-vigilância e auto-responsabilização frente à opinião pública mundial?
O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem.
 
Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais, porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para levar informação às pessoas.
 
O WikiLeaks é financiado pelo público, semana a semana, e assim eles “votam” com as suas carteiras.
 
Além disso, as fontes entregam documentos porque acreditam que nós vamos protegê-las e também vamos conseguir o maior impacto possível. Se em algum momento acharem que isso não é verdade, ou que estamos agindo de maneira antiética, as colaborações vão cessar.
O WikiLeaks é apoiado e defendido por milhares de pessoas generosas que oferecem voluntariamente o seu tempo, suas habilidades e seus recursos em nossa defesa. Dessa maneira elas também “votam” por nós todos os dias.
Daniel Ikenaga – Como você define o que deve ser um dado sigiloso?
Nós sempre ouvimos essa pergunta. Mas é melhor reformular da seguinte maneira: “quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo de informação do resto da população?”
 
A resposta é clara: nem todo mundo no mundo e nem todas as pessoas em uma determinada posição. Assim, o seu medico deve ser responsável por manter a confidencialidade sobre seus dados na maioria das circunstâncias – mas não em todas.
Vários internautas – Em declarações ao Estado de São Paulo, você disse que pretendia usar o Brasil como uma das bases de atuação do WikiLeaks. Quais os planos futuros?  Se o governo brasileiro te oferecesse asilo político, você aceitaria?
 
Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro. Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a outros países, decidimos expandir nossa presença no país. Infelizmente eu, no momento, estou sob prisão domiciliar no inverno frio de Norfolk, na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente Brasil.
 
Vários internautas – Você teme pela sua vida? Há algum mecanismo de proteção especial para você? Caso venha a ser assassinado, o que vai acontecer com o WikiLeaks?
 
Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças que sofremos. Acreditamos profundamente na nossa missão e não nos intimidamos nem vamos nos intimidar pelas forças que estão contra nós.
 
Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por exemplo, quando eu estava recentemente na prisão por cerca de dez dias, as publicações de documentos continuaram.
 
Além disso, nós também distribuímos cópias do material que ainda não foi publicado por todo o mundo, então não é possível impedir as futuras publicações do WikiLeaks atacando o nosso pessoal.
Helena Vieira – Na sua opinião, qual a principal revelação do Cablegate? A sua visão de mundo, suas opiniões sobre nossa atual realidade mudou com as informações a que você teve acesso?
O Cablegate cobre quase todos os maiores acontecimentos, públicos e privados, de todos os países do mundo – então há muitas revelações importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria dessas revelações ainda está por vir.
 
Mas, se eu tiver que escolher um só telegrama, entre os poucos que eu li até agora – tendo em mente que são 250 mil – seria aquele que pede aos diplomatas americanos obter senhas, DNAs, números de cartões de crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações – entre elas a ONU.
 
Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança Nacional aos diplomatas americanos, revelando uma zona sombria no vasto aparato secreto de obtenção de inteligência pelos EUA.
Tarcísio Mender  e Maiko Rafael Spiess – Apesar de o WikiLeaks ter abalado as relações internacionais, o que acha da Time ter eleito Mark Zuckerberg o homem do ano? Não seria um paradoxo, você ser o “criminoso do ano”, enquanto Mark Zuckerberg é aplaudido e laureado?
A revista Time pode, claro, dar esse título a quem ela quiser. Mas para mim foi mais importante o fato de que o público votou em mim numa proporção vinte vezes maior do que no candidato escolhido pelo editor da Time. Eu ganhei o voto das pessoas, e não o voto das empresas de mídia multinacionais. Isso me parece correto.
 
Também gostei do que disse (o programa humorístico da TV americana) Saturday Night Live sobre a situação: “Eu te dou informações privadas sobre corporações de graça e sou um vilão. Mark Zuckerberg dá as suas informações privadas para corporações por dinheiro – e ele é o ‘Homem do Ano’.”
Nos bastidores, claro, as coisas foram mais interessantes, com a facção pró- Assange dentro da revista Time sendo apaziguada por uma capa bastante impressionante na edição de 13 de dezembro, o que abriu o caminho para a escolha conservadora de Zuckerberg algumas semanas depois.
Vinícius Juberte – Você se considera um homem de esquerda?
Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as pessoas boas e trabalhar por uma causa comum. 
Agora, independente da tendência política, vejo que os políticos que deveriam controlar as agências de segurança e serviços secretos acabam, depois de eleitos, sendo gradualmente capturados e se tornando obedientes a eles.
Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os governantes, nós estaremos do lado das pessoas.
Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de esquerda. Não é correto. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.
Ariely Barata – Hollywood divulgou que fará um filme sobre sua trajetória. Qual sua opinião sobre isso?
Hollywood pode produzir muitos filmes sobre o WikiLeaks, já que quase uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em nenhuma produção de filme no momento.
 
Mas se nós vendermos os direitos de produção, eu vou exigir que meu papel seja feito pelo Will Smith. O nosso porta-voz, Kristinn Hrafnsson, seria interpretado por Samuel L Jackson, e a minha bela assistente por Halle Berry. E o filme poderia se chamar “WikiLeaks Filme Noire”.

Eleita Primeira Equipe do Mecanismo de Combate à Tortura no Rio de Janeiro

Em sessão aberta ao público, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro elegeu, nesta quinta-feira (9), a primeira equipe do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. Os seis integrantes terão como objetivo visitar locais de detenção, elaborar relatórios e encaminhar sugestões aos diretores e órgãos responsáveis pela custódia de presos. Com um pequeno mas decisivo detalhe: as visitas podem acontecer sem aviso prévio.
Comitê e Mecanismo são grandes avanços para a luta pelos Direitos Humanos no país, e é bastante simbólico que o primeiro estado a implementá-los seja o Rio de Janeiro. Por duas razões fundamentais: 1) trata-se do estado com um dos maiores índices de violações dos direitos dos presos; 2) é onde atua o deputado estadual Marcelo Freixo, autor do projeto de lei que instituiu esses organismos.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, em 2009 o Brasil tinha 473 mil presos, sendo que aproximadamente a terça parte em condições de superlotação. Em diversos lugares do país houve violações gritantes, como em Rondônia, na penitenciária de Urso Branco, onde uma rebelião deixou 27 mortos e uma condenação ao Estado brasileiro. No Espírito Santo o governo chegou a prender pessoas em contêineres e, no nosso Rio de Janeiro, quem não se lembra da calamidade que levou ao fechamento da Polinter, em 2006, onde 1.618 detentos dividiam um espaço projetado para apenas 400? Ou então, no ano passado, da situação da carceragem de Neves, onde os presos sofriam, além da superlotação, com um calor de 56,7 graus centígrados?
Em lugares como Urso Branco, containeres no Espírito Santo e locais de detenção do Rio vivem seres humanos abandonados à própria sorte. O Estado simplesmente deu às costas, empresas privadas lucram com quentinhas superfaturadas e a maior parte da sociedade, em grande parte induzida pelos meios de comunicação de massa, defende mais punição e sofrimento para quem já está pagando pelos erros cometidos.
Trancafiar alguém numa cela, muitas vezes em condições degradantes, em meio a ratos, alimentação precária, sem acesso a cuidados básicos de saúde, e esse alguém ainda ser vítima de espancamentos, abusos sexuais e outras formas de tratamentos desumanos é um fato que desafia qualquer tentativa de entender a capacidade do ser humano de causar dor a seu semelhante. Porque em muitos casos é isso que acontece: além de o sujeito perder a liberdade de ir e vir, ele ainda é submetido a tortura.
Na perspectiva da sociologia crítica, Loic Wacquant, no livro Punir os Pobres, problematiza a questão: “O encarceramento serve para neutralizar e estocar fisicamente as frações excedentes da classe operária, notadamente os membros despossuídos dos grupos estigmatizados que insistem em se manter ‘em rebelião aberta contra seu ambiente social’”. Ora, se aqueles que estão retidos em unidades de privação de liberdade são o “lixo social”, a parcela da sociedade que não interessa ao sistema dominante, por que esse mesmo sistema haveria de se importar com a integridade física e psicológica dessas pessoas?
O Mecanismo, que vai atuar junto ao Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, tem tudo para começar a mudar essa história. Nesse sentido, trata-se de uma poderosa ferramenta não apenas de defesa dos direitos humanos, mas de enfrentamento direto ao sistema capitalista.
E lá no início eu falava do simbolismo de o Rio de Janeiro ser o pioneiro na implementação do sistema de combate a tortura, e estou convencido de que o grande responsável por isso é o deputado estadual Marcelo Freixo. É evidente que existe todo um movimento e várias entidades que trabalham com essa questão. Mas o fato é que Freixo nunca desviou o olhar, o pensamento e o coração das atrocidades cometidas contra quem está preso. Poucas vezes vi alguém tão determinado a alcançar um objetivo quanto Freixo, que entrou pela primeira vez num presídio aos 16 anos para jogar futebol sem saber que futuramente conheceria todo o sistema prisional do estado. (leia aqui entrevista onde ele conta essa e outras histórias).
A aprovação da lei que institui Comitê e Mecanismo fecha um ciclo, mas abre outro, na medida em que suas atribuições não serão facilmente cumpridas. Não por incompetência dos atores envolvidos, mas muito pelo contrário. Em face do alto nível dos envolvidos, tenho certeza que haverá resistências de toda parte. Todos os que lucram com a miséria, com a violência, com a tortura – sim, eles existem – vão bater de frente com os membros do Comitê e do Mecanismo.
PS – Quero agradecer de público aos elogios feitos ao trabalho deste jornalista na área dos Direitos Humanos durante a sessão (também pública, mas quase invisível devido ao desinteresse das corporações de mídia) que instituiu o Mecanismo, especialmente ao subprocurador geral de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, Leonardo Chaves; à representante do Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro, cujo nome infelizmente não tenho à mão; e, finalmente, ao deputado estadual Marcelo Freixo, que muito me honra com suas palavras.
PS 2 – Fica o aviso: a esquerda não deve confundir “correlação de forças” com “correlação de malandragens”, sob o risco de ser esmagada por suas próprias práticas.

O teatro do governo do Rio e sua mídia

Marcelo Salles/fazendomedia.com
Cartaz afixado no Morro do Alemão, em 2007
Cartaz afixado no Morro do Alemão, em 2007
“Dia histórico para o Rio de Janeiro”. “Dia D”. “Vitória do bem contra o mal”. Esses foram alguns chavões utilizados pelas corporações de mídia para descrever a incursão das “forças de segurança” ao Complexo do Alemão, neste domingo, como a complementar a imagem da bandeira do Brasil no alto de uma das estações do teleférico recém-construído na favela. É incrível como se assemelham a narrativa do governo estadual e o discurso adotado pelas Organizações Globo. Juntos comemoram vitória no Alemão, ao tempo que varrem pra debaixo do tapete o sangue derramado no meio da semana da passada. Acham que ninguém vai questionar?
De acordo com o Fantástico, da TV Globo, os 2.600 homens da polícia militar, polícia civil, polícia federal, exército e marinha apreenderam 40 toneladas de maconha e 50 fuzis. No entanto, na fotografia publicada no site do Globo aparecem apenas 3 fuzis. Os dados oficiais da operação não foram divulgados, e as primeiras informações davam conta de 15 prisões no sábado, antes, portanto, da invasão do conjunto de favelas.
A conta não fecha. No meio da semana passada foram divulgadas, repetidamente e com assombro, imagens de traficantes fugindo da Vila Cruzeiro para o Alemão. Falavam em duzentos homens fortemente armados. Dados do próprio governo dão conta de que no Alemão existiam pelo menos mais 450 traficantes. Para onde foram os 650? Estariam entocados em algum lugar da Serra da Misericórdia? Ou fugiram milagrosamente, já que todas os acessos estavam fechados? O número de fuzis apreendidos divulgado pelo Fantástico inclui os que foram encontrados na Vila Cruzeiro? Ou estão querendo nos fazer acreditar que os bandidos os deixaram para que fossem encontrados no Alemão? Onde foi que a TV Globo aprendeu a somar?
E, mais importante: onde estão os corpos dos cerca de 40 mortos nas operações realizadas na Vila Cruzeiro e no Jacarezinho, no meio da semana passada? E os laudos cadavéricos, que podem indicar se houve ou não execuções sumárias? Qual o nome dessas pessoas? Será possível que nenhuma mãe tenha chorado essas mortes? Sua dor não é notícia? Seria prudente que essas informações fossem divulgadas, inclusive para debelar qualquer dúvida com relação à legalidade da ação policial.
Sobre as drogas que foram apreendidas, o “comentarista de segurança” da Rede Globo frisou em todos os programas da emissora, inclusive no Faustão: os crimes vão diminuir; a paz voltará ao Rio de Janeiro. Duvido, por uma razão muito simples. Se a maior parte dos traficantes varejistas está solta, e perderam grande quantidade de uma mercadoria, a droga, o que será que eles vão fazer para recuperar o dinheiro? Fundar um banco? Não. Apostar na Bolsa de Valores? Não. O mais provável é que recorram a assaltos, seqüestros relâmpagos e outros crimes, muitas vezes tão sujos quanto as opções anteriores.
As “forças de segurança”
O temido Bope parece já não ser suficiente para satisfazer o fetiche da violência da burguesia. O baile macabro dos tanques de guerra em favelas do Rio é um terrível precedente para todos nós que lutamos por democracia e Direitos Humanos. Depois disso o que vem? Vale consultar os livros de Mike Davis, sobretudo o “Planeta Favela”. Eis um trecho da resenha, pela Boitempo Editorial:
“Cada aspecto dessa ‘nova cidade’ é analisado: informalidade, desemprego, criminalidade; o gangsterismo dos senhorios que lucram com a miséria; a incapacidade do Estado de oferecer infra-estrutura e casas populares, e em contrapartida sua atuação nas remoções de ‘revitalização’ que abrem caminho para a especulação imobiliária; as soluções ilusórias de ONGs e organismos multilaterais.
“Um ‘proletariado informal’, ainda não compreendido pelo marxismo clássico e tampouco pelo neoliberalismo. A materialização extrema desse conflito está no último capítulo do livro, que trata das análises do Pentágono sobre a guerra do ‘futuro’ nas megafavelas do Terceiro Mundo, e o presente do exército norte-americano tentando monitorar as vielas de Sadr City, a maior favela de Bagdá”.
No Haiti, onde lidera uma missão das Nações Unidas, há alguns o Brasil “treina” militares para usar em favelas aqui. Parece que a hora chegou. O país onde houve a primeira revolução dirigida por escravos foi usado para preparar a repressão militar em espaços habitados por descendentes de escravos. É o recrudescimento da tese do “inimigo interno”, doutrina remanescente da ditadura de 1964 que foi dissecada pela presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, no livro “Operação Rio – o mito das classes perigosas”, onde analisa o uso das Forças Armadas para o policiamento da cidade durante a Eco-92.
Entre as dezenas de mortes na Vila Cruzeiro e no Jacarezinho, no meio da semana passada, até agora não consta que as “forças da ordem” tenham tido alguma baixa, felizmente. No entanto, este fato deveria ser mais do que suficiente para derrubar a ideia de “guerra”, o que pressupõe equivalência de forças e disputa pelo poder político – o que também está fora de cogitação, pois quem trafica drogas não quer chegar ao governo, quer apenas manter os lucros com esse negócio privado pra lá de capitalista.
Um fato, porém, deveria inverter a tendência encampada com entusiasmo pelas corporações de mídia, aquela que faz apresentadores de telejornal chegarem próximos ao orgasmo: vasculhar e destruir! As mais de trinta pessoas que morreram – incluindo uma adolescente de 14 anos e outras três pessoas que nada têm a ver com o negócio da droga – morreram durante operações das “forças de segurança”. Por esta razão, a Anistia Internacional divulgou nota pedindo que as autoridades brasileiras “ajam com força proporcional e dentro da lei”, e recorda a mega-operação realizada em 2007 na mesma favela do Alemão.
Breve histórico
A preocupação não é infundada. Em 2007, a mega-operação policial deixou mais de 40 mortos no Alemão, 19 num único dia, sendo que depois da ação não houve melhora na segurança pública da região. O detalhe perverso: uma perícia independente constatou que muitas dessas mortes foram execuções sumárias. Eu estive lá. Passei algumas semanas percorrendo quatro das treze favelas do Alemão, cheguei a dormir no Morro do Alemão, favela que dá nome a todo o conjunto, que se estende por cinco bairros da zona norte carioca. Tive a oportunidade de ouvir cerca de 100 pessoas, e a reportagem foi publicada em cinco páginas na edição de agosto de 2007 da revista Caros Amigos, então editada por Sérgio de Souza. Resumo da ópera: os traficantes varejistas são cruéis, sim, relatam os moradores, mas o medo maior é da polícia, que perpetrava uma série de violações aos direitos humanos. Uma informação importante: naquela ocasião, apenas uma semana depois da invasão policial o tráfico varejista já operava normalmente.
Aqui tem algumas fotos que fiz para além da reportagem: http://fazendomedia.org/diaadia/protoblog6.htm
E aqui uma matéria publicada no Fazendo Media, um contraponto à pesquisa Ibope divulgada à época, que “mostrava” apoio da “população” às mega-operações: http://fazendomedia.org/novas/politica240707.htm
O papel das corporações de mídia
As corporações de mídia jogam um papel essencial em situações como essa. Podem ser importante instrumento de denúncia contra violações dos Direitos Humanos, da mesma forma que podem legitimar uma matança indiscriminada. A inclinação do noticiário dependerá sempre dos interesses da empresa que o comanda, apesar de todas se declararem imparciais e a serviço da sociedade. Assim, não importa que as “forças de segurança” contem com 2,6 mil homens, helicópteros, tanques de guerra e preparação profissional, enquanto, do outro lado, seriam 600 homens, de chinelo e bermuda. Para diluir a desigualdade, o que fazem os donos da mídia que “adoram matadores”, conforme definição do jurista Nilo Batista? Reproduzem “ad infinutum” as imagens da fuga cinematográfica de bandidos da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão.
E apresentadores de televisão perguntam, com sangue escorrendo pelos lábios: “por que a polícia não cercou os bandidos? Não sabiam que iriam fugir por ali?”.
Não há uma linha sequer criticando qualquer aspecto da operação patrocinada pelo governo. Seriam anjos enviados por Deus, incapazes de errar? Por que não se investigam as denúncias da Rede Contra a Violência, que em nota afirma que policiais invadiram e saquearam residências na Vila Cruzeiro? Parece que em se tratando de perseguir o crime em áreas pobres, o olhar crítico, fundamental à prática jornalística, dá lugar ao engajamento cego, típico dos vassalos da ditadura.
Relato crítico de uma moradora
Neste sábado, dia 27 de novembro de 2010, parte do Alemão ficou sem luz. A repórter da Globo tentou explicar: “por questão de segurança”. Milhares de pessoas tiveram a energia elétrica cortada em nome da perseguição de centenas. Quem me conta é a Renata, que mora na favela e vem denunciando uma série de arbitrariedades em seu Facebook. E se faltasse luz no Leblon, em quanto tempo voltaria? Mas as corporações de mídia não irão ouvir a Renata. Usarão todo o espaço com aqueles dispostos a corroborar a opinião que interessa às “forças da ordem”. Acho que nem na invasão do Iraque a mídia brasileira, pelo menos a televisiva, esteve tão “embeded”, embutida, afinada com as “forças da ordem”.
Por outro lado, chegam informações de que os bandidos estão expulsando moradores de suas casas e entrando à força. Que os policiais estão pedindo comida e água para os moradores, porque o governo não lhes fornece as necessidades básicas. Que até agora os moradores, no Alemão, estão sendo tratados com educação pelas “forças de segurança”, que só permitem que os moradores entrem e saiam da favela se apresentarem documento de identidade. Seria mais honesto se todos esses aspectos fossem mostrados, e não apenas este ou aquele.
Renata não poupa críticas à “imprensa sensacionalista, a Globo, que não mostra a nossa situação real”. Ela conta a história de um casebre que fica no caminho da Vila Cruzeiro para o Alemão, e que foi marcado a partir de imagens de um helicóptero da Globo como local de traficantes. Na verdade, a habitação pertence a Anderson e Patrícia, que são muito pobres, mas, apesar disso, coleguinhas, não são bandidos e lá vivem com os filhos. Resultado: os dois tiveram que fugir e estão abrigados numa igreja próxima, já que sua casa virou alvo.
Por fim, Renata desabafa: “Estou cansada. É sempre a gente que sofre”.
Na favela, vale lembrar, não se fabricam armas e nem drogas. Por que não perguntamos como elas chegam lá? Por que a inteligência da polícia não detectou os incêndios? A reconfiguração da cidade para a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e os Jogos Militares estão por trás da barbárie? Por fim, e indo além: e as mal chamadas milícias? Já se converteram definitivamente em “milídias”, aguardando pacientemente o fim da “guerra” para ampliar o seu “mercado” no Rio de Janeiro?
O povo brasileiro não deve se deixar iludir pela operação casada entre governo do Rio e corporações de mídia. Não se pode vencer o tráfico de drogas nas favelas, nem com tanques de guerra, nem mesmo com bombas atômicas. Por um motivo muito simples: os donos do negócio não estão lá.