Arquivo da tag: privatizacao

A super-tele brasileira é mexicana

Depois de oito anos de governos tucanos e mais dez de governos petistas, as telecomunicações brasileiras são um fracasso total. Os serviços são de qualidade duvidosa, caros e não estão disponíveis para todos os brasileiros. Além disso, o setor é controlado por empresas estrangeiras.

Por Gustavo Gindre

Charge do Blog do Kayser.

Quando o governo de Fernando Henrique Cardoso tomou a decisão de privatizar o Sistema Telebrás, um grupo de representantes dos trabalhadores em telecomunicações enviou ao governo uma proposta de como fazer essa privatização. Em primeiro lugar, seriam extintas as “teles” estaduais (como Telerj, Telesp, etc), que estavam aparelhados por grupos políticos regionais.

As tais empresas estaduais seriam reunidas numa única empresa nacional e somente então seu capital seria vendido, com a condição de que seus controladores fossem empresários brasileiros. E a União manteria uma golden share que lhe permitiria intervir na empresa caso houvesse, por exemplo, risco de alienação do controle para grupos estrangeiros.

Depois disso, o mercado seria aberto para a entrada de operadoras estrangeiras que, contudo, teriam que se confrontar com um forte “campeão nacional”. Em linhas gerais, foi esse o percurso adotado pela Europa e o México.

Mas, o governo FHC optou por trilhar um caminho radicalmente diferente, fracionando o Sistema Telebrás e vendendo as partes para consórcios em geral liderados por empresas estrangeiras. Com isso, as telecomunicações brasileiras hoje são dominadas por empresas espanhola (Vivo/Telefônica), mexicana (Embratel/Claro/NET), italiana (TIM), francesa (GVT) e norte-americanas (Sky e Nextel).

Oi

A Oi é fruto da compra da Brasil Telecom pela Telemar e opera em 26 estados (exceto São Paulo). Para que a compra pudesse ocorrer, o governo Lula teve que alterar o Plano Geral de Outorgas (PGO) que não permitia o surgimento de uma empresa tão grande. A justificativa implícita era retomar, ao menos em parte, aquela proposta de termos um “campeão nacional” que pudesse enfrentar as empresas estrangeiras citadas acima. Contudo, o resultado parece ter sido bem diferente. BNDES e Previ diminuíram suas participações na Oi, permitindo que a Portugal Telecom (um sócio estrangeiro, portanto) se tornasse a maior acionista da empresa, com cerca de 27% de seu capital.

Tampouco a Oi ousou se internacionalizar, como o governo alegou na época. Ao contrário, a empresa vendeu seu único ativo fora do Brasil: uma rede de cerca de 22 mil km. de cabos submarinos que ligam o Brasil aos Estados Unidos. Mas, o pior mesmo é que a empresa se endividou (cerca de R$ 33 bilhões) e seu valor de mercado (R$ 8 bilhões) é uma fração da Vivo/Telefônica (R$ 52 bilhões) e da TIM (R$ 20 bilhões), as outras duas empresas de telecomunicações que também vendem ações em bolsa. Para piorar, a Oi tem uma infra-estrutura extensa e ultrapassada, que requer fortíssimos investimentos.

America Movil

Enquanto o Brasil optou por fracionar e vender para o capital estrangeiro a Telebrás, o México fez o caminho inverso, mantendo unificada e vendendo  a Telmex para um empresário mexicano (Carlos Slim Helu). Atualmente a empresa opera telefonia fixa, celular, banda larga e TV paga em todos os países hispânicos da América Latina e Caribe (exceto Venezuela, Bolívia e Cuba) e no Brasil (Embratel/Claro/NET), além de ser dona de uma “operadora virtual” de telefonia celular nos Estados Unidos.

Na prática, a empresa divide o controle das telecomunicações latino-americanas com a Telefonica de España (que atua com as marcas Vivo, no Brasil, e Movistar, nos demais países). Aproveitando-se da crise européia, a América Movil comprou 22% da Austria Telekom e se prepara para assumir 100% da holandesa KPN. Ao final da transação na Holanda, a America Movil deve herdar cerca de 17% da maior operadora de celular da Alemanha, curiosamente controlada por sua rival Telefonica de España.

Fracasso

Depois de oito anos de governos tucanos e mais dez de governos petistas, as telecomunicações brasileiras são um fracasso total. Os serviços são de qualidade duvidosa, caros e não estão disponíveis para todos os brasileiros. Além disso, o setor é controlado por empresas estrangeiras. Em geral, essas empresas são de países que atravessam dificuldades financeiras (Portugal, Espanha e Itália) ou elas próprias precisam vender ativos para reduzir dívidas e/ou terem recursos para investir (casos da GVT e Nextel). Há, portanto, uma enorme pressão para que elas minimizem investimentos e maximizem o envio de dividendos para seus controladores estrangeiros.

Como se não bastasse, o projeto de criar uma “super-tele” brasileira revelou-se um retumbante fracasso. A Oi não consegue investir o que deveria, vende ativos, se endivida e perde valor de mercado. Nesse processo, a “super-tele” brasileira (sic) é mexicana, já que Carlos Slim Helu controla, em terras tupiniquins, a Embratel, a Claro, a NET e a operadora de satélites Star One. E conseguiu explorar não apenas o mercado latino-americano como começa a estender seus tentáculos para o “velho mundo”.

E ninguém, absolutamente ninguém, é responsabilizado por esses 18 anos de fracasso. Sem contar que não parece haver a menor vontade do governo em patrocinar uma correção de rumos.

[Texto originalmente publicado em http://bit.ly/17wnhgi]

Aos perdedores, as cebolas

Estava hoje na fila do Bradesco, no Largo do Machado, para pagar a taxa de incêndio atrasada (portanto, ir à agência era a única maneira de efetuar o pagamento). No totem informativo ao lado da fila, constava que o tempo “normal” de espera, era de 15 minutos e, em dias anteriores ou posteriores a feriados, de 30 minutos (portanto, hoje, 05/06, seria um dia “normal”, segundo a própria agência).

No entanto, justamente o dia 5 é a data de pagamento de diversos trabalhadores. Além disso, o Bradesco é o banco que detém a conta dos funcionários do Governo do Estado do Rio. Mesmo assim, não obstante esses dois dados, havia apenas UM CAIXA trabalhando nesse horário. Veja bem, vou repetir: dia de pagamento do banco responsável pelo pagamento dos servidores do governo do Estado do Rio, apenas um funcionário trabalhava entre 11h30 e 12h.

Perguntei a este pobre infeliz, o único que efetuava o atendimento não-prioritário, por que isto ocorria. Ele se desconcertou, titubeou, virou para lado, procurou alguém, balbuciou algumas palavras e não soube responder, ao final… Terminado o atendimento, pedi para falar com o gerente da agência.

Obviamente, saí da fila e aguardei ao lado, 5, 10, 15 minutos… vi que uma funcionária se dirigiu até a cadeira onde este senhor se encontrava para chama-lo. Com uma expressão impaciente, disse que não poderia ir ao meu encontro e que eu que esperasse. Ao perceber sua atitude, desisti e fui conversar com outro funcionário, gerente de conta, no setor de “atendimento prioritário”. Expliquei a situação a ele, que se mostrou compreensivo, desculpou-se e se dispôs a transmitir a informação ao gerente.

Obviamente, caso ele realmente o faça, isto não resultará de nenhuma consequência prática (mesmo porque estava ali para pagar aquela conta e sequer cliente daquele banco eu sou. Felizmente). Justamente por isso, recorri ao canal que, segundo consta, é o adequado para isto: o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC). Anotei o protocolo e aguardarei ansiosamente as escusas.

Corta a cena. Por volta das 12h, dentro do ônibus da linha 180, carro número A37257, uma jovem sobe no coletivo, na altura do Museu da República, no Catete, reclamando do motorista. Motivo: ao fazer o sinal, o condutor não encostou o carro no ponto destinado ao veículo do BRS 2. A moça precisou dirigir-se até a metade da rua para poder subir. Ao queixar-se, foi contestada pelo motorista e pela cobradora. Fui a único a levantar e a defender não o direito da mulher, mas sim, de todos os passageiros, cidadãos, contribuintes e usuários do transporte público municipal, concedido a empresas privadas para prestar um serviço de qualidade a seu usuário.

Ocorre que, na última segunda (salvo engano) a passagem deste meio de transporte teve um aumento e passou a custar R$ 2,95 no município do Rio de Janeiro, uma das tarifas mais caras do país. Tarifa esta que o cidadão paga para ser desrespeitado, ofendido, tratado como gado e até mesmo assassinado, como vem ocorrendo com certa frequência nos últimos meses, com ciclistas e pedestres.

Privatizações e terceirizações

Resolvido o MEU PROBLEMA (ou seja, paga a conta e ter chegado ao meu local de destino), questiono sobre o REAL PROBLEMA: o tratamento dispensado por empresas concessionárias, terceirizadas etc. do Estado aos cidadãos cariocas, fluminenses e brasileiros. Empresas essas que, como já disse, deveriam atuar com respeito, eficiência e responsabilidade no trato com o cidadão que é o seu “cliente” (no linguajar capitalista, o único compreensível nos dias atuais).

Mas, ao contrário, atuam, isto sim, como se não devessem prestar contas, impassíveis diante da indignação da população. Aliás, quando há revoltas, incêndios a ônibus e apedrejamento de agências bancários, o discurso hegemônico (das empresas, do governo, da polícia e da mídia) é denominar de “vândalos” aqueles que o fazem.

É verdade que, muitas vezes, falta atitude por parte do próprio cidadão, como nos casos que presenciei e vivenciei hoje, quando fui o único a reclamar dos ocorridos, não obstante todos estivéssemos sendo prejudicados. De fato, falta-nos reclamar, reivindicar ou mesmo mudar de empresa/produto. Mas, nos casos supracitados, em que se trata de empresas concessionárias públicas, cujas licitações são, salvo raríssimas exceções, objetos de manobras políticas, cartas marcadas e jogos de interesses, a população torna-se um joguete desses mesmos interesses que beneficiam pouquíssimas pessoas e que, sua esmagadora maioria, não é usuária desses serviços, é compreensível que se pense: “de que adianta esquentar a cabeça se nada vai mudar?”.

Tornou-se prática corrente nos últimos 20 anos no Brasil a privatização de empresas públicas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as chamadas telecomunicações ou “teles”. Após anos de desinvestimento por parte do Estado, uma grande campanha nos meios de comunicação convenceu a chamada “opinião pública” (ou opinião publicada, como diriam os oráculos do jornalismo) de que o serviço prestado era ineficiente porque este era realizado por funcionários públicos.

O que aconteceu? Após uma manobra política, orquestrada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e que financiou a compra de votos para a Emenda Constitucional que aprovou a reeleição presidencial, as “teles” foram vendidas para a iniciativa privada. Hoje, duas décadas depois, essas mesmas empresas são as campeãs de reclamações no Procon em todo o Brasil. Grande avanço…

No entanto, a pecha de “ineficiente” e “corrupta” ainda está atrelada ao servidor e às empresas públicas. Esta mesma pecha legitima a privatização ou terceirização (ou privatização branca, como preferem alguns) de empresas que devem prestar serviços ao público e que o Estado neoliberal diz não ser papel dele (o tal do Estado Mínimo, criado por Tatcher e Reagan, pais do wellfare state e do new deal).

Ocorre que grande parte dessas empresas são como cebolas: compostas de infinitas camadas sobrepostas, mas que, se retiradas, nada mais lhes resta. De fato não existem, pois são re-terceirizadas (outras empresas prestadoras de serviço realizam o trabalho que deveria ser feito pela “empresa-mãe”. O telemarketing é um exemplo), o que deixa o cidadão/consumidor/cliente à mercê da própria sorte e solitário quando precisa de qualquer auxílio, resposta, orientação etc.

E o pior: não há alternativa. Isso mesmo, a maior armadilha do capitalismo é justamente esta: o modo de produção que prega a livre concorrência e o mercado livre chegou a um nível em que sobrevivem apenas enormes e pouquíssimos conglomerados que dominam um ramo de atividade ou estendem seus braços para mais de um setor de serviços e vão, assim, dominando todo o mercado e tornando os consumidores reféns.

Agora, como se já não bastasse o processo iniciado nos anos 90 pelo governo FHC, os governos Lula e Dilma trataram de ampliá-lo a outros setores. A fórmula é a mesma: desinvestimento pesado e campanha midiática por desqualificar o serviço prestado pelo Estado, com o discurso de que “servidor público é tudo vagabundo, preguiçoso, incompetente, corrupto e ineficiente”.

Exemplo 1: a principal reportagem no Fantástico do último domingo abordou a “má infraestrutura” dos aeroportos brasileiros. Sob o argumento da realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas (decidiu-se por resolver todos os problemas seculares do Brasil em cinco anos, em virtude da vinda de mais turistas ao país), observou-se o “gargalo” aéreo e o caos dos terminais de passageiros em todo o Brasil. Ao final da reportagem, o ministro Moreira Franco (aquele mesmo que já sucateou o governo do Estado do Rio nos anos 80) afirma que “não há outra saída se não a privatização dos aeroportos”. Brilhante.

Exemplo 2: está em curso, e em processo avançadíssimo, a adesão dos hospitais das universidades públicas federais à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Não entrarei em detalhes, mas em linhas gerais, trata-se da mudança dos funcionários dessas unidades do chamado Regime Jurídico Único (RJU) para o CLT. Ou seja, funcionários que passaram todas suas vidas dedicadas às suas instituições federais de ensino terão agora suas carteiras de trabalho assinadas pela nova empresa. Além disso, a passagem da administração das mãos das universidades para um órgão exógeno significa abrir uma brecha para o não compromisso à saúde pública (ou seja, para todos), gratuita e de qualidade, a que se pretende todo e qualquer servidor público federal.

O principal argumento dos favoráveis à Ebserh é a precariedade do atendimento dos atuais hospitais, exatamente o mesmo discurso utilizado pelo ministro Moreira Franco para justificar a privatização dos aeroportos. Não tardará e as universidades públicas também serão bombardeadas com o mesmo argumento, preveem os analistas mais perspicazes.

E então, nesse dia, nossa Saúde e Educação serão abocanhadas por empresas-cebolas – aquelas mesmas que hoje administram o transporte público nas grandes cidades – em que, retirando-se todas as camadas que as compõem, nada mais lhes resta, e onde o cidadão, consumidor, cliente etc. não tem voz para reivindicar um melhor atendimento ou sequer possui a opção de escolha.

________________
Pedro Barreto é cidadão carioca, jornalista e doutorando em Comunicação Social pela UFRJ.

Nota pública sobre o Maracanã: Plebiscito e Museu do Índio – um alento e uma ameaça

O pedido de plebiscito sobre a concessão do Maracanã à iniciativa privada, encaminhado ontem à mesa diretora da ALERJ com a adesão de 33 deputados, é uma consequência evidente da mobilização popular contra este processo arbitrário de privatização, demolição e mau uso do dinheiro público que o governo do estado conduz, com indícios claros de favorecimento a determinados grupos empresariais. Foi fundamental, neste sentido, a demonstração de descontentamento de diversos grupos e das mais de 500 pessoas que semana passada lotaram o galpão onde o governo tentou realizar uma falsa audiência pública, que não pretendia colocar em discussão a gestão do Complexo do Maracanã, mas simplesmente legitimar um projeto que não levou em conta o interesse público e os direitos das pessoas que utilizam e se relacionam com aquele espaço.

A rápida adesão de um grande número de parlamentares de diferentes partidos e posições políticas à proposta de plebiscito evidenciou a força e a proporção que a manifestação em defesa de um processo democrático na reforma e na gestão do Maracanã alcançou. Todos os parlamentares presentes na tentativa de realização da audiência pública se manifestaram de forma veemente pelo cancelamento do evento e entraram em conjunto com uma representação junto ao Ministério Público pedindo a anulação de seu registro.

O Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas reafirma que não reconhece o evento da última quinta-feira (8) como uma audiência pública e apoia a realização de um plebiscito como forma de abrir verdadeiramente o debate sobre qual a natureza da gestão e do uso que o Estádio do Maracanã e as instalações de seu entorno devem ter. Por ser esta iniciativa uma resposta do Legislativo aos questionamentos feitos pelos movimentos da sociedade civil contra a entrega do Maracanã, afirmamos que estes movimentos estarão atentos a este processo, cobrando dos parlamentares a celeridade e o compromisso que o caso requer. Atletas, torcedores, professores, pais e alunos, indígenas, usuários do Complexo do Maracanã e cidadãos da cidade do Rio de Janeiro estarão de olho.

Por outro lado, lamentamos profundamente a decisão da presidente do TRF-2, desembargadora Maria Helena Cisne, que cassou as liminares que impediam a derrubada do prédio histórico do antigo Museu do Índio e o despejo dos indígenas que ocupam o espaço da Aldeia Maracanã. Não nos surpreenderá se o governo agir de forma precipitada, arbitrária e truculenta, aproveitando rapidamente a brecha jurídica e ignorando a necessidade de debate e negociação. Alertamos a todos sobre a iminência de uma ação de despejo e demolição no local e convocamos todos os militantes a se solidarizarem à luta dos indígenas participando da vigília que acontece no local e circulando esta informação ao maior número de pessoas.

Rio de Janeiro, 14 de novembro de 2012.

Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro

‘Foi um teatro montado para entregar o Maracanã’, diz manifestante

Da Agência Pública: “A reforma e a privatização do Maracanã foram tema de uma audiência pública promovida pelo governo do estado do Rio de Janeiro na última quinta-feira (8), marcada por protestos e resistência da sociedade civil e dos movimentos sociais que foram noticiadas em todo o país.

Isso porque o estádio símbolo do futebol carioca (e brasileiro) está em vias de ser repassado à iniciativa privada após uma série de reformas bancadas com dinheiro público. Fora isso, várias intervenções, como as demolições da Escola Municipal Friedenreich, do Parque Aquático Julio Delamare, do Estádio de Atletismo Celso de Barros e do Museu do Índio causam revolta entre os movimentos sociais.

O Copa Pública pediu ao membro do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas Gustavo Mehl, que participou da audiência pública, contar o que de fato aconteceu por lá. Leia clicando aqui.”

Segue a luta contra a desativação do hospital IASERJ

Por Patrick Granja e Rafael Gomes/ A Nova Democracia

No Rio de Janeiro, a destivação do Hospital Central do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, o Iaserj, vem revoltando pacientes, médicos e funcionários. A desativação foi iniciativa do gerenciamento estadual que, em 2008, cedeu o espaço do hospital para a construção de um centro de tratamento e pesquisa contra o câncer. O hospital, que tinha 400 leitos e era responsável por 10 mil atendimentos ambulatoriais mensais, foi ocupado pelos trabalhadores. A polícia militar foi enviada ao local no início da semana passada para intimidar os maniestantes e garantir a criminosa desocupação do prédio. No dia 16 de julho, segunda-feira, a equipe de reportagem de AND esteve no local e conversou com funcionários e apoiadores do movimento, como professores da rede estadual e outros servidores federais.

 Nossa equipe também registrou o momento em que manifestantes impediram funcionários da secretaria de saúde de remover equipamentos ambulatoriais do Iaserj. Além disso, funcionários do hospital contestaram o horário da remoção, que aconteceu às 21h. Segundo os porta-vozes do gerenciamento estadual, os atendimentos à pacientes passarão a ser feitos definitivamente no Iaserj Maracanã a partir do próximo dia 6 de agosto. Até lá, as consultas ainda serão realizadas no Hospital Central do Iaserj.

Ao infinito e além

A saga do prefeito para engordar o bolso de empreiteiras e, de quebra, remover famílias pobres do centro do Rio

Publicado na Revista Cordilheira

Com uma camisa azul lisa sob um terno preto cuidadosamente engomado, o prefeito Eduardo Paes abriu um sorriso largo enquanto erguia no braço esquerdo uma ampliação de um cheque-fantasia no valor de pouco mais de 3,5 bilhões de reais, pagos pela Caixa Econômica Federal. Era uma segunda-feira de junho decisiva para o futuro da cidade do Rio de Janeiro. Não haveria, no entanto, muita repercussão na mídia local.

Meses antes, em novembro de 2010, a prefeitura fechara um acordo com três grandes empreiteiras brasileiras, a OAS, a Carioca Engenharia e a Odebrecht, agrupadas num consórcio de nome bastante ilustrativo: Porto Novo. Há quase seis meses, são elas as responsáveis pela coleta de lixo, a troca de lâmpadas, a pavimentação, o ordenamento do trânsito e até pela poda de árvores numa região de quase 5 milhões de metros quadrados que abrange toda a zona portuária e parte do centro da cidade. Nos arredores da Praça Santo Cristo, por exemplo, o azul substituiu o alaranjado dos uniformes – já sem a marca da prefeitura – dos funcionários que varrem as folhas secas do chão. Pelos próximos quinze anos, o Porto Novo administrará essa fração da cidade, em troca de 8 bilhões de reais pagos pela prefeitura.

Os únicos serviços que continuam sob responsabilidade do município são o patrulhamento da Guarda Municipal e as operações de controle urbano. Em outras palavras, o Choque de Ordem continua a todo vapor. A notícia certamente faria vibrar a Milton Friedman, se ele ainda estivesse vivo. O economista da Escola de Chicago, guru do capitalismo neoliberal, defendeu incansavelmente em inúmeros artigos de sua autoria que a única função do Estado deveria ser a manutenção da força policial, na garantia da propriedade privada. Todo o resto deveria ser privatizado.

Paes deu, então, o pontapé inicial a uma nova forma de privatização em terras brasileiras – mas já adotada há alguns anos nos Estados Unidos, por exemplo. Sob a égide das Parcerias Público-Privadas, transferiu atribuições históricas do poder público a um grupo de empreiteiras. O prefeito, aliás, declarou orgulhar-se de ser o responsável pela maior PPP do Brasil. Não por acaso, imagina-se, a OAS e a Carioca Engenharia doaram 650 milhões de reais à campanha de Paes em 2008. Depois de mais de três longos anos, enfim receberam pelo que pagaram.

Na cerimônia daquela manhã de segunda-feira, o segundo passo da operação se consolidava. A despeito das orientações da Unesco sobre a preservação da arquitetura da zona portuária carioca, encarada pela organização como um legado histórico e cultural, a prefeitura colocou à venda 6,4 milhões de Certificados de Potencial Adicional de Construção, os Cepacs, que permitem aos seus detentores edificar construções que ultrapassem o gabarito estabelecido pela lei. Somente a Caixa conseguiu adequar-se ao edital elaborado pelo governo. O banco, então, criou um fundo de investimento especial, usando recursos pagos pelo FGTS dos trabalhadores, e comprou todos os títulos disponíveis, com o objetivo de revendê-los a outros investidores. E os mais interessados são justamente OAS, Carioca Engenharia e Odebrecht, que inclusive marcaram presença no leilão. Isso porque uma das formas de pagamento da prefeitura às três empreiteiras do consórcio Porto Novo pelos serviços privatizados é o repasse de terrenos públicos. E, uma vez adquiridos os Cepacs, as empreiteiras poderão construir prédios de até 50 andares – uma mina de ouro no Rio de Janeiro, uma cidade que carecia de espaços novos a serem explorados pelas construtoras em áreas já dotadas de infra-estrutura, como é o caso do centro.

A relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, critica a ação. “Estamos diante de uma operação imobiliária executada por empresas privadas, mas financiada, de forma engenhosa, com recursos públicos”, explicou a urbanista, que tem ganhado fama na internet nos últimos meses denunciando as desapropriações abusivas orquestradas por Paes, enquanto o prefeito transforma a cidade num gigantesco canteiro de obras para as Olimpíadas e para a Copa. “Continuamos sem saber onde estão os benefícios públicos dessa PPP.”

A medida não está fora de contexto se comparada às demais políticas públicas da gestão do prefeito, que já carrega as remoções violentas como marca de seu governo. O Choque de Ordem, sua menina dos olhos, intensificou a repressão aos camelôs – como se ser ambulante fosse uma escolha, e não uma necessidade. Ao mesmo tempo, em vez de propor uma política habitacional consistente, entulhou de pedras as calçadas sob os grandes viadutos da cidade, para impedir que pessoas em situação de rua durmam à sua sombra. Paes, que durante a campanha martelou nos ouvidos dos eleitores que seria como um síndico para a cidade, esqueceu-se, no entanto, de convocar as reuniões de condomínio, uma vez que não demonstra nenhuma atenção com os movimentos sociais e populares de qualquer espécie.

Em termos simbólicos, a privatização da zona portuária representa a transferência de milhares de cidadãos, que habitam ou passam pela região, de uma esfera de direitos a uma esfera mercantil – são, agora, consumidores de serviços terceirizados. Além disso, até agora, nada se falou nas consequências humanas decorrentes dessa radical transformação urbana, que está se delineando na região. Não houve consulta popular nem reuniões com associações de moradores. Ao que tudo indica, o destino de milhares de famílias pobres que vivem no local e que serão atingidas pela gigantesca onda de especulação imobiliária não anda tirando o sono de nosso prefeito.