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Governo brasileiro é denunciado no Conselho de Direitos Humanos da ONU por violação dos direitos indígenas

coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara. Foto: site do Cimi
coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara. Foto: site do Cimi

Na última segunda-feira, 10 de março, entidades e lideranças sociais denunciaram o governo brasileiro na 25ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por violações de direitos indígenas no processo de construção de grandes hidrelétricas na Amazônia.
As denúncias foram apresentadas pela coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara (foto), e pelo advogado da organização internacional AIDA, Alexandre Sampaio, no evento “O direito das populações indígenas à consulta sobre grandes projetos hidrelétricos no Brasil”, organizado pela coalizão de ONGs internacionais France Libertes.
De acordo com a coordenadora da Apib, a violação do direito dos povos indígenas à consulta e o consentimento livre, prévio e informado, previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e não aplicada pelo Brasil, tem criado um perigoso precedente de ilegalidades no tocante à observância dos tratados internacionais, e está pondo em risco a sobrevivência da população indígena.
“A aliança de interesses econômicos e políticos aprofunda uma crise sem precedentes na aplicação da legislação que protege nossos direitos. É inadmissível que o governo viole direitos indígenas garantidos tanto pela Constituição brasileira como por convenções internacionais”, afirmou Sônia Guajajara.
Já Alexandre Sampaio denunciou a utilização indiscriminada no país, por pressão da Advocacia Geral da União (AGU) e do Ministério de Minas e Energia (MME), do mecanismo da Suspensão de Segurança no caso de ações na justiça contra violações das legislações ambiental e indígena referentes a projetos hidrelétricos.
Além de derrubar ações que visam proteger as populações afetadas, sem julgamento de mérito e com argumentos infundados sobre supostas ameaças à “ordem social e econômica”, as Suspensões de Segurança também reforçam a não observância da Convenção 169 da OIT, afirmou Sampaio.
“A Suspensão de Segurança tem que ser abolida no Brasil. O problema é que os que a utilizam são os mesmos que se beneficiam com ela. Por isso é importante que a comunidade internacional fique ciente dessas manobras e cobre do governo brasileiro medidas efetivas de garantia dos direitos humanos”, explica o advogado.
Antes da realização do evento sobre direitos indígenas no Brasil, vários defensores dos direitos humanos se reuniram com a embaixadora da Missão Permanente do Brasil na ONU em Genebra, Regina Dunlop.
Diante da afirmação da embaixadora de que seria mais eficaz se as denúncias apresentadas fossem discutidas com o governo brasileiro em Brasília, Sonia Guajajara e Alexandre Sampaio afirmaram que as críticas aos grandes projetos são sistematicamente ignoradas internamente até que sejam expostas em fóruns internacionais, como os das Nações Unidas.
“A reputação do Brasil está em jogo. Estamos aqui para dar visibilidade ao preconceito e à discriminação inaceitáveis sofridos pelos povos indígenas, e para por um fim a isso”, afirmou a coordenadora da Apib.
Documentos
Além da realização do evento sobre direitos indígenas e barragens, uma coalizão de organizações internacionais com status consultivo na ONU (France Libertes/Fondation Danielle Mitterrand, The Women’s International League for Peace and Freedom, The Indian Council of South America (CISA), International Educational Development, Inc., Mouvement contre le racisme et pour l’amitié entre les peuples, Survival International Ltd,) e organizações brasileiras entregaram à Assembleia Geral das Nações Unidas dois documentos que destacam as ameaças dos planos do governo brasileiro de construir até 29 grandes barragens na bacia do Tapajós (incluindo os afluentes Teles Pires, Juruena e Jamanxim).
As hidrelétricas previstas provocariam, em vários casos, a inundação de territórios indígenas e de comunidades ribeirinhas. Além disso, causaria outros danos irreparáveis à montante e à jusante das hidrelétricas, como a eliminação de espécies valiosas da ictiofauna (população de peixes) que constituem a base da economia e da sobrevivência da população local.
Da mesma forma que em Belo Monte, o governo não tem realizado processos de consulta livre, prévia e informada junto a povos indígenas e outras populações tradicionais atingidos por grandes barragens na bacia do Tapajós, inclusive as usinas Teles Pires e São Manoel já receberam licenças ambientais. Isso tem provocado crescentes conflitos com comunidades locais, como os povos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaka, que têm protestado contra a violação de seus direitos.
Leia os dois documentos apresentados ontem à ONU:

Barbárie no sul da Bahia: Jagunços incendeiam 28 casas e espancam indígenas

Por Patrícia Bonilha, de Brasília, para o Cimi
Mais um episódio de extrema violência envolvendo a disputa de terras ocupadas pelo povo Tupinambá ocorreu na Bahia. Desta vez, a cena dos crimes foi o município de Itapebi, localizado no extremo sul do estado, há cerca de 600 km da capital Salvador. Na última sexta-feira (7 de março), por volta das 9h, dezoito jagunços – dentre eles dois ex-policiais – fortemente armados circularam a aldeia Encanto da Patioba, renderam três homens, duas mulheres e duas crianças, espancaram dois idosos e um casal, mataram animais domésticos e de criação, roubaram bens, ameaçaram estuprar uma das mulheres e incendiaram todas as 28 casas da aldeia.
“Foi um massacre. Queimaram tudo o que estava dentro das casas: roupa, comida, documentos, tudo. E o que não queimaram, eles roubaram: motosserra, rádio, fogão, celular, motor de farinheira (que gera energia) e um ralador. Mataram cachorro a facão. Atiraram nos perus. Acabaram com nossas galinhas, a gente tinha pra mais de 400 galinhas na comunidade toda. Destruíram nosso canavial. Cataram nossas roças, nossas abóboras. Não sobrou nada”, se indigna o cacique Astério Ferreira do Porto, de 63 anos.

Foto: Cimi

Mostrando as marcas da violência deixadas em seu próprio corpo, ele relata que foi jogado no chão e algemado pelos jagunços. Em seguida, apanhou muito, e de todo jeito: paulada, chute, pano de facão, “até de chapéu de couro… também xingaram muito a gente. Tudo pra gente entregar onde estavam as outras lideranças que eles estavam procurando”.
Ele conta que os jagunços chegaram de uma vez. A maior parte da comunidade conseguiu fugir para o mato porque foram avisados minutos antes que eles estavam “descendo pra aldeia”. “Seu” Astério, “seu” Preto, de 73 anos, Robinho, “dona” Eliete, 45 anos, e uma mulher, mãe de duas crianças (uma de cinco anos e outra de sete meses) não conseguiram correr a tempo.
Continuam o relato, afirmando que com armas apontadas para as suas cabeças, os jagunços portavam pistola 765, espingardas 44 e 12, rifle calibre 38, pistola 380, facão na cintura e até dois fuzis “que talvez sejam R15”. “Eram 18 jagunços e não tinha nenhum desarmado”, afirma Astério, ainda sentindo as fortes dores na perna esquerda, no dorso e na região abdominal.
Também com vários hematomas no corpo, principalmente nas costas e braços, Eliete de Jesus Queiroz relata que levou um tapa tão forte no ouvido esquerdo que quatro dias depois do atentado ainda sente tonturas e muita dor. “Eles chegaram a ameaçar que iam estuprar nós. Nossa sorte é que, depois que viram as crianças, eles pararam de bater em nós duas. Mas as crianças ficaram traumatizadas e logo depois o menino vomitou bastante”, relata. Seu Preto, considerado um ancião, e Robinho também foram vítimas da violência dos jagunços e pistoleiros.
Após usarem 25 litros de gasolina para incendiarem as 28 casas da Patioba, destruindo completamente a aldeia, os jagunços colocaram os indígenas à força dentro de seus carros e os dois ex-policiais os levaram para a delegacia de Itapebi porque – inacreditavelmente – queriam denunciá-los pelo porte de uma espingarda velha usada para caçar tatu, paca, gavião, “mas que nem prestar muito tava prestando mais, porque tava sem espoleta”, conta Astério.
Como o delegado não estava, foram levados para o município de Eunápolis. Mas o delegado local não quis recebê-los, pois se tratava de um fato da jurisdição de Itapebi, para onde voltaram e registraram um boletim de ocorrência, onde os indígenas aproveitaram e relataram toda a barbárie a que haviam sido submetidos. No entanto, absolutamente nada aconteceu com os jagunços. Como mencionado nesta matéria, dois deles são ex-policiais. Somente por volta das 19h, os Tupinambá foram liberados – dos jagunços e pela delegacia.
A Polícia Federal, de Porto Seguro, e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram informadas sobre as extremas violências e violações a que foram submetidos os Tupinambá, mas até o fechamento desta matéria ainda não tinham ido à aldeia da Patioba, segundo os indígenas.
Na segunda-feira (10), Eliete e Astério, após apresentarem denúncia no Ministério Público Federal (MPF), fizeram exame de corpo delito no Instituto Médico Legal (IML) de Brasília. Na terça, após atendimento médico em hospitais, fizeram a denúncia ao Ministério da Justiça e na manhã desta quarta-feira (12) denunciam a barbárie a que foram submetidos ao Procurador Geral da República (PGR), Rodrigo Janot. À tarde fazem o mesmo na Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
Não se trata de uma mera coincidência
Cabe aqui ressaltar que a reunião na PGR havia sido agendada antes deste atentado ter acontecido na aldeia Patioba. Solicitada por organizações indígenas e indigenistas, a proposta é justamente denunciar a crescente violência contra os povos indígenas em várias regiões do Brasil e associá-la a políticos da bancada ruralista que vêm incitando esta violência.
Em fevereiro, estas organizações entraram com uma representação na PGR contra os deputados federais Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) por terem feito afirmações, gravadas em vídeo e veiculadas amplamente nas redes sociais, carregadas de preconceitos e incentivos à violência como solução para os conflitos agrários com os indígenas.
Inimigos mais que conhecidos
“O que a gente percebe é que falta vontade mesmo do governo e da polícia de fazer justiça. Aqui, não precisa investigar nada. A gente sabe quem foi que fez isso com o nosso povo. Eles não se escondem. O próprio José Gastão falou pra gente a lista das pessoas que eles querem matar”, afirma José Moreira Campos, o Juquira, uma das lideranças indígenas ameaçadas de morte, que não estava na Patioba quando os jagunços chegaram.
De acordo com os depoimentos feitos pelos Tupinambá ao MPF e na PGR, os dois ex-policiais, que também são fazendeiros, Gilmar (cujo verdadeiro nome seria Teodomiro) e José Maciel estavam entre os jagunços e, inclusive, foram os que os levaram para as delegacias. Outros responsáveis pela barbárie apontados pelos indígenas aos órgãos federais são o fazendeiro Peba, Juarez da Silva Oliveira, ex vereador e candidato derrotado do PP à prefeitura de Itapebi na última eleição, e o gerente da fazenda Lombardia, José Gastão. Após a invasão e destruição da aldeia, de acordo com os Tupinambá, a grande maioria dos jagunços se encaminhou para a fazenda Condomínio. “Nós vimos eles entrando na fazenda”, afirma Astério.
Além de Juquira e Astério, outros cinco Tupinambá da aldeia Patioba estão ameaçados de morte: o cacique Roberto, o vice cacique Carlos, o ex cacique Jovenal, a liderança Adauto e Jefinho, filho de uma liderança. Juquira conta que eles precisam se retirar da aldeia de tempos em tempos e vivem sempre preocupados com a possibilidade de que as promessas de morte sejam cumpridas.
“Eles querem nos matar porque sabem que a gente não vai sair da terra que é nossa. Meu bisavô morreu aqui, meu avô morreu aqui, meu tio morreu aqui. Os parentes da Eliete morreram aqui. Só que a gente não tinha documento da terra. Índio não tinha mesmo documento da terra, mas nós não vamos negociar a nossa terra”, garante Astério.
A disputa pela terra
Segundo Astério, Juquira e Eliete, o governo federal e a Funai têm uma grande responsabilidade sobre as violências e violações contra os Tupinambá porque não fazem nada em relação à área reivindicada pelo povo como tradicional. “A Funai foi lá em 2005, 2006. Mas é só promessa. Daí, os fazendeiros vão se apossando de terra que é terra indígena e do Estado, vão nos ameaçando e nos matando. O ancião Salomão foi assassinado na Aldeia Patioba há cinco anos, e isso fez com que muitos de nós ficassem com medo e desistissem da terra”, rememora Astério.
Os três moravam desde 2002 na aldeia Vereme, mas tiveram que deixar a área por conta de uma reintegração de posse realizada em 2012. “Chegaram a usar até os sem terra contra a gente. Mas depois o fazendeiro da São Brás, mesmo dono da fazenda Lombardia, entrou com liminar contra eles também”, conta Juquira.
Após as 35 famílias saírem escoltadas da área pela Polícia Militar e pela Funai, parte da aldeia se dispersou. Apenas alguns foram para a aldeia Patioba, localizada há seis km de distância. A família de Astério e mais duas ficaram por seis meses dentro da sede da Funai e, posteriormente, foram encaminhadas pela própria Funai também para Patioba.
De acordo com Astério, o dono das fazendas São Brás e Lombardia se considera dono da área de três alqueires que os Tupinambá ocupam – tanto na extinta aldeia Vereme como na recém destruída Encanto da Patioba, que contava com 31 famílias. “Esta terra está, inclusive, penhorada há mais de 30 anos. Acho que pelo Banco do Brasil”, afirma o cacique.
Método antigo: a violência
O aumento da violência contra os povos indígenas na Bahia é evidente e remete aos tempos da ditadura e ao auge do coronelismo no estado, ocorrido nas décadas de 1970 e 1980.
Segundo os Tupinambá de Olivença, que moram na região de Buerarema e Ilhéus, desde o início deste ano, vários indígenas foram mortos. Três jovens morreram depois da implantação de uma base do Exército dentro da área já identificada como território tradicionalmente indígena em fevereiro. “Nós não queremos o Exército em nossa terra. Eles nos tratam como bandidos. O que precisa ser feito é a demarcação de nossa terra para que possamos viver em paz”, afirmou ontem a cacique Valdelice, da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, em reunião no Ministério da Justiça.
Na área da aldeia Patioba, o mais recente ataque havia ocorrido apenas há cerca de 15 dias, quando o carro de um dos indígenas deixado no porto em Itapebi foi incendiado.
Sem casa, suas roças e animais, móveis, roupas, comida e, muitos sem documento, desde o dia 7 de março, os parentes de “Seu” Astério, “dona” Eliete e Juquira dispersaram-se em Eunápolis. “Somos indígenas, mas agora estamos como indigentes”, concluiu com tristeza o cacique.
Apesar de viverem no estado onde os colonizadores portugueses chegaram há 514 anos e terem seu histórico, modo de vida e incontáveis processos de resistência registrados em extensa bibliografia, o povo Tupinambá não tem ainda terras homologadas na Bahia. “Até quando será assim?”, parecia a pergunta nos olhos pequenos e sofridos de “seu” Astério.

MS: Liderança Guarani Kaiowá denuncia ataque de pistoleiros ao tekoha Pyelito Kue

Tradicional assembleia guarani reuniu centenas de representantes da etnia que vivem no Mato Grosso do Sul em 2012. Foto: Marcello Casal Jr/ABr

A comunidade Guarani Kaiowá do tekoha (Pyelito Kue/Mbarakay) em Iguatemi (MS) está desde a manhã deste sábado, 1 de março, sob ataque de pistoleiros. A denúncia é de líder Solano Lopes, liderança do tekoha: “Homens passam de moto na frente da porteira e atiram na direção da aldeia. Começaram cedo e agora que escureceu ficou mais forte”.
O líder pede proteção às autoridades, pois não é a primeira vez que o grupo é atacado. No tekoha, retomado no último dia 12 de fevereiro, vivem cerca de 250 Guarani Kaiowá. A área onde estão os indígenas é parte da fazenda Cambará, com cerca de 1.200 hectares.
O grupo vivia em um hectare às margens de uma estrada vicinal nas proximidades de Pyelito Kue/Mbarakay. Depois desta última retomada — já é a terceira tentativa do grupo de voltar para o território tradicional e sagrado –, homens não identificados atiraram contra a comunidade, de acordo com as lideranças indígenas.
Sem comida, água, convivendo com a poeira e debaixo de lonas, os indígenas decidiram retornar ao local de onde os mais velhos foram expulsos. O grupo divulgou uma carta, no final de 2012, afirmando a decisão de resistir em suas terras até as últimas consequências, o que despertou a atenção da opinião pública nacional e internacional. Na ocasião eles viviam na beira do rio Hovy.
O tekoha Pyelito Kue/Mbarakay é parte de área identificada com 41.571 hectares de extensão pelo Grupo de Trabalho (GT) da Bacia Iguatemipeguá, localizada nas proximidades da Terra Indígena Sassoró. A fazenda Cambará é apenas uma das várias propriedades incidentes sobre a área identificada.
As lideranças pedem às autoridades garantias para ficar no tekoha, posto que foram expulsos por pistoleiros antes do relatório de identificação ter sido publicado pelo Ministério da Justiça.
(Com Cimi)

Peru: Milhares de casos de esterilizações forçadas em mulheres indígenas e camponesas permanecem impunes

Da Anistia Internacional

Depois de quase dez anos de espera, mais de 2 mil mulheres indígenas e camponesas que haviam sido esterilizadas à força na década de 90 veem agora seu direito à justiça negado, após a decisão da Promotoria penal Supraprovincial de Lima em 22 de janeiro, de apresentar denúncia formal em apenas um destes casos.
Já estas 2 mil vítimas incluídas na investigação representam apenas uma pequena parte das mais de 200 mil mulheres indígenas e camponesas que foram esterilizadas durante esses anos, em sua grande maioria sem que houvessem dado o devido consentimento.
Com esta decisão reafirma-se que os direitos das mulheres indígenas e camponesas continuam sem proteção e se reforça a discriminação que têm sofrido durante centenas de anos.
A promotoria decidiu prosseguir unicamente com uma denúncia contra o pessoal médico implicado na morte de María Mamérita Mestanza Chávez em consequência de uma esterilização forçada em 1998. Nem sequer neste caso emblemático acusou-se quem havia idealizado, promovido ou permitido esta nefasta prática que afetou principalmente mulheres indígenas e camponesas em situação de vulnerabilidade.
É uma tragédia que milhares de indígenas e camponesas que acudiram aos serviços de saúde tenham sido esterilizadas sem terem sido informadas, ou sob fortes pressões. Durante o governo de Alberto Fujimori foi implementado um programa de planejamento familiar que fazia parte de uma política de controle demográfico orientada aos setores mais pobres.
O pessoal médico foi pressionado a cumprir com certo número de esterilizações e muitas destas mulheres e seus familiares foram ameaçados com multas, prisão ou com a retirada do apoio alimentar do Estado caso não se submetessem a estas operações. Além disso, muitas não receberam o cuidado pós-operatório necessário e, em consequência, sofreram problemas de saúde e 18 delas perderam a vida.
É lamentável que com esta deplorável decisão tenham-se fechado ainda mais as possibilidades de justiça para estas mulheres e para a sociedade peruana em seu conjunto. Já em 2002 uma Comissão do Congresso da República estabeleceu que foram realizadas esterilizações “sem o consentimento das usuárias, empregando violência psicológica, pressão ou em troca de algum incentivo alimentar e/ou econômico”.
Também determinou que houve ingerência do Executivo para a aplicação compulsória de esterilizações. Com base nestas conclusões, decidiram formular denúncias penais contra vários membros do executivo, incluindo os então Presidente, ministros e vice-ministro de saúde e vários assessores do Ministério da Saúde.
A investigação sobre o uso de esterilizações forçadas começou em 2004 e foi inicialmente arquivada em 2009. Em outubro de 2011 foi reaberta, mas as organizações que representam as vítimas manifestaram em várias ocasiões suas preocupações sobre a inação e a falta de recursos destinados a esclarecer os fatos e depurar todas as responsabilidades.
Para a Anistia Internacional é lamentável ver que depois de tão longa espera a promotoria tenha tomado a decisão de acusar formalmente o pessoal médico que havia estado implicado em apenas um dos casos, sem esclarecer todas as responsabilidades e em todos os níveis, não apenas neste, mas nos mais de 2 mil casos que estavam sendo investigados.
Em 2003 a Comissão da Verdade e da Reconciliação determinou que as pessoas mais afetadas pelos abusos de direitos humanos foram aquelas que pertenciam aos setores mais vulneráveis da sociedade, entre eles as mulheres indígenas e camponesas; e concluiu que apenas quando garantam os direitos de todos e todas no Peru, sem discriminação, se poderá abrir o caminho a um país onde os horrores do passado não possam ser repetidos.
É urgente que as autoridades do Peru revisem esta decisão absurda e cumpram com suas obrigações internacionais em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, bem como que garantam o direito à verdade, à justiça e à reparação para todas estas mulheres e seus familiares. O Estado também deve mandar um sinal claro de que esta discriminação contra mulheres indígenas e camponesas é totalmente inaceitável.

MS: Jovem Guarani Kaiowá morre atropelada em rodovia às margens do tekoka Apyka’i

Por Renato Santana, de Brasília (DF), para o Cimi
Deuci Lopes, 17 anos, jovem Guarani Kaiowá, morreu atropelada na noite deste sábado (8), por volta das 21 horas, às margens do tekoha Apyka’i, no KM 5 da BR-463, corredor que liga Dourados a Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Deuci, que deixa um filho de dois anos, estava acompanhada do marido quando um caminhão carregado com bagaço de cana a atingiu arrastando-a por alguns metros.
De acordo com indígenas que testemunharam o atropelamento o caminhão pertencia à Usina São Francisco, que arrenda as terras, reivindicadas pelos indígenas do Apyka’i, de um fazendeiro.
O motorista do veículo não reduziu a velocidade e fugiu do local sem prestar socorro. A jovem morreu na hora. A velocidade permitida no trecho em que ocorreu o atropelamento é de 60 km. No entanto, de acordo com os indígenas, o veículo vinha a cerca de 120 km. Esta é a sétima morte por atropelamento de indígenas no Apyka’i desde 2009, ano em que foram expulsos da terra tradicional. O último, em março do ano passado, matou um garoto de quatro anos.
“Acontece (atropelamentos) de indígenas em todo estado. Ali no Apyka’i é o sétimo. Sempre de forma bem parecida: o veículo passa por cima e vai embora, sem prestar socorro. Isso é crime e as autoridades precisam investigar. Fora os atropelamentos que não acabam em mortes, mas deixam índios gravemente feridos”, destaca Tonico Benites, liderança da Aty Guasu, organização do povo Guarani Kaiowá.
Benites ressalta que há 14 anos a comunidade de Apyka’i está às margens da BR-463. Para ele, os envolvidos no transporte da cana para as usinas nos centros urbanos sabem do tráfego e residência das comunidades Guarani Kaiowá na beira da rodovia. “A área ali está em processo de demarcação, já teve retomada e expulsão. Pistoleiros atacaram. Me pergunto: porque insistem em passar no local acima do limite de velocidade, atropelam e não prestam socorro?”, questiona.
Em setembro do ano passado, os Guarani Kaiowá de Apyka’i retomaram um pequeno pedaço da terra tradicional, onde incide a Fazenda Serrana, que arrenda a área para a Usina São Francisco. O trecho retomado, que desde então a comunidade está instalada, fica a poucos metros da BR-463 e a cerca de sete quilômetros de Dourados. A rodovia, portanto, é a única forma dos indígenas se locomoverem a pé, pelo acostamento, entre a aldeia e a cidade.
“Quando eles foram retirados do local em 2009, se dirigiram para a beira da rodovia. Mesmo assim foram atacados por pistoleiros. Em agosto de 2013, a Aty Guasu denunciou que seguranças da Gaspem impediam a comunidade de acessar um córrego para obter água”, lembra Tonico Bentites.
Com a ocupação de setembro do ano passado, os indígenas receberam a notícia de que a Justiça despachou, mais uma vez, reintegração de posse a favor do fazendeiro para o final deste mês. Liderados por Damiana, que já teve o marido, dois filhos, além de netos e sobrinhos, mortos por atropelamentos, os Guarani Kaiowá do Apyka’i resistem ao despejo, a rodovia e aos pistoleiros.
Enquanto isso, no cemitério do Apyka’i, o oitavo túmulo será aberto: sete vítimas de atropelamentos e uma idosa que morreu intoxicada pelo veneno despejado por um avião sobre a lavoura que cresce numa terra que deveria estar ocupada pelos Guarani Kaiowá.
Usina São Francisco
De acordo com os Guarani Kaiowá do Apyka’i, o caminhão que atropelou Deuci e não prestou socorro é da Usina São Francisco, instalada desde 2009 em Dourados. Segundo apuração da ONG Repórter Brasil, a propriedade em que o tekoha Apyka’i está foi arrendada para o plantio de cana-de-açúcar pela Usina São Fernando.
A usina, por sua vez, é um empreendimento da Agropecuária JB (Grupo Bumlai) com o Grupo Bertin, um dos maiores frigoríficos da América Latina.
“Acreditamos que a demora em demarcar as terras e as seguidas reintegrações de posse são as principais razões para estes atropelamentos. Se a terra tivesse demarcada e a comunidade nela, nada disso teria acontecido”, ressalta Tonico Benites.
Pela demarcação e contra a reintegração de posse, foi lançada nesta última semana a Campanha pela Demarcação da Terra Indígena Apyka’i. Com um abaixo-assinado, os Guarani Kaiowá pretendem sensibilizar as autoridades.

Passou da hora de consultar os índios


Por Daniela Chiaretti em Valor
Previsão fácil para 2014, sem consultar astrólogos ou jogar búzios: a pressão sobre as terras indígenas vai recrudescer. É ano de Copa e de eleições, mas os conflitos que ficaram mal parados em 2013 têm potencial para se espalhar pelo país sem nem esperar que se apaguem os fogos de artifício. Terras indígenas estão na pauta ruralista, na mira de mineradoras e na arquitetura das hidrelétricas amazônicas. São muitas frentes abertas no Congresso, no campo e no governo. É um mosaico de argumentos que têm em comum a complexidade e a briga pela terra.
Há o conflito histórico dos guaranis e kaiowás no Mato Grosso do Sul, o conflito recente dos Tenharim no sul do Amazonas e uma miríade de outros casos. No Congresso, a bancada ruralista fechou o ano ressuscitando a PEC 215 – a Proposta de Emenda à Constituição que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcação de terras indígenas. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, cansou de dizer que a iniciativa é inconstitucional, enquanto sua pasta prepara uma proposta sobre o assunto. Em meio a essa agenda explosiva há a necessidade de se definir algo contemporâneo – a consulta aos povos indígenas quando forem afetados por algum projeto. Isso agrada ao setor elétrico e porções progressistas do governo, animou indigenistas e colocou à mesa lideranças indígenas – até o governo mandar uma mensagem ambígua e o diálogo ser rompido.
Nos últimos anos foi assim: nove entre dez ações judiciais que pretendiam suspender a usina de Belo Monte, no Pará, tinham um mantra por base – os índios não foram adequadamente consultados. Os empreendedores diziam que sim, os índios diziam que não, o governo acionava seus advogados e a maior obra do PAC seguia seu rumo até a próxima ação do Ministério Público.
A reclamação chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que em 2011 solicitou ao governo brasileiro a suspensão imediata do processo de licenciamento de Belo Monte. Deu uma confusão danada, o Itamaraty ficou “perplexo”, as remessas brasileiras de recursos à OEA foram suspensas, ouviram-se brados sobre a soberania nacional, blá-blá-blá, até que um dia a OEA voltou atrás.
É verdade que os empreendedores de Belo Monte se reuniram com índios da região, mas também é verdade que índios disseram que foram apenas informados que haveria uma obra. Informar não é consultar. O país está em um limbo até a hora em que definir que diabos é a tal consulta às comunidades, como deve ser feita, em qual momento, com quais procedimentos, para chegar onde e com quais limites.
Trata-se de pôr em prática o artigo 6 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O tratado versa sobre os direitos fundamentais dos povos indígenas e tribais, foi aprovado em 1989 e começou a vigorar em 1991. O Brasil foi um dos 20 países que ratificaram a convenção, com posterior aprovação no Congresso e promulgação pelo Executivo. Pelo direito brasileiro, quando isso acontece com uma convenção internacional, ela ganha status de lei.
A Convenção 169 é considerada progressista. Diz que a consulta aos povos afetados por algum projeto tem que ser feita de boa-fé. Alguns grupos resumem assim os artigos da convenção a esse respeito: tem que ser prévia, livre e consentida. A ideia do veto é debate superado: a meta é ter o consentimento dos afetados ou se chegar a um acordo. Mas se fala na necessidade da consulta, a convenção fica na generalidade. A partir daí é preciso criar um padrão, o que vários países fizeram, ou estão tentando fazer.
A Bolívia tem desde 2009 um decreto que regulamenta o procedimento, embora a norma tenha sido criticada pelos movimentos indígenas locais. O Peru fez suas regras em 2012, o Chile também avançou. No Brasil, um grupo de trabalho interministerial foi criado em 2012, co-presidido pela Secretaria-Geral da Presidência e pelo Itamaraty. A ideia era consultar as partes sobre como deve ser a consulta – o que pode parecer um pleonasmo público, mas é chave para dar legitimidade ao processo.
“A grande questão da regulamentação da consulta prévia é o ‘como’”, diz Paulo Maldos, secretário de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência. “A chave da Convenção 169 é a construção do consenso, não é um instrumento plebiscitário. Seria genial se os engenheiros conhecessem a convenção na faculdade.”
A tarefa é montar uma arquitetura de regras que contemple a diversidade de centenas de culturas que lidam com o tempo e o espaço de forma diferente, que decidem de maneira particular, que possuem maneiras distintas de interlocução. Há povos indígenas espalhados por dezenas de aldeias – alguns têm uma liderança geral, outros não se sentem representados nem pela vizinha. São mais de 200 povos indígenas com 180 línguas diferentes, 2.300 comunidades quilombolas (segundo o governo) com territórios em diferentes fases de reconhecimento, comunidades de quebradeiras de cocos, seringueiros, castanheiros, caiçaras e muito mais.
Um grande seminário e uma série de reuniões foram feitas pra cá e pra lá. Textos da convenção produzidos pela OIT em língua ticuna e terena foram distribuídos. Tudo ia bem até julho de 2012, quando a Advocacia-Geral da União editou a Portaria 303, que permitiria ao governo que toque usinas, estradas e outras obras sem que as populações indígenas afetadas fossem previamente consultadas.
Fácil imaginar o que se seguiu. Cobrando coerência do governo, o movimento indígena abandonou o processo da consulta. Queriam que a portaria fosse revogada e não suspensa, como ocorreu. O diálogo foi quebrado e só continuou com os quilombolas. “É uma prioridade regulamentar a 169, fortalece as comunidades. É importante que os indígenas voltem”, diz Maldos.
Embora reconhecendo a importância do processo, organizações como o Instituto Socioambiental, o ISA, entendem que o Brasil recuou na agenda indígena. “É supérfluo falar de consulta prévia quando a terra não está garantida”, diz a advogada e cientista política Biviany Rojas Garzón, do ISA.
E-mail: daniela.chiaretti@valor.com.br (texto originalmente no site Combate Racismo Ambiental)

MS: Justiça mantém, com condicionantes, leilão que financiará seguranças armados contra indígenas

Por Renato Santana, do Cimi, em Brasília (DF)

O juiz convocado Leonel Ferreira, do Tribunal Regional Federal da 3a. Região (TRF-3), manteve a decisão da 4a. Vara Federal de Campo Grande (MS) que liberou, no final da noite desta sexta, 6, a realização do Leilão da Resistência, evento que venderá gado, aves e soja para financiar seguranças armados contra indígenas.

A decisão da liberação do evento foi mantida, conforme defendeu o juiz plantonista do TRF-3, pois nela há condicionantes capazes de coibir os fins declarados pelos realizadores. Na manhã deste sábado, 7, a Aty Guasu, organização Guarani Kaiowá, e o Conselho do Povo Terena entraram com mandado de segurança no tribunal com o intuito de novamente impedir a realização do leilão.

Dentre as condicionantes estão: 1. O dinheiro arrecadado com o leilão será depositado numa conta judicial e controlado pela Justiça; 2. Os leiloeiros deverão discriminar os nomes dos arrematadores e os valores pagos; 3. A utilização dos recursos arrecadados com o leilão só poderá ser feita depois da Justiça ouvir o Ministério Público Federal (MPF) e as organizações indígenas Aty Guasu e Conselho Terena.

“Então o leilão acontece, mas não como os ruralistas queriam. Este leilão é um absurdo, mas as condicionantes impostas permitirão um controle da Justiça, do MPF e dos indígenas sobre os fins dos recursos arrecadados e quem os utilizará”, ressalta a advogada das organizações indígenas, Michael Mary Nolan. Neste sábado, movimentos sociais do Mato Grosso do Sul realizaram protestos contra o leilão.

Convocado pela Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul) e Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), com o apoio da bancada ruralista do Congresso Nacional, o leilão será realizado neste sábado, 7, em Campo Grande. A senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) Kátia Abreu (PMDB-TO) confirmou presença, além de outros parlamentares da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).

No último dia 4, a juíza Janete Lima Miguel, da 2a. Vara de Campo Grande da Justiça Federal, havia determinado que o leilão não fosse realizado. A decisão argumentava que “esse comportamento por parte da parte [fazendeiros] não pode ser considerado lícito, visto que pretendem substituir o Estado na solução do conflito existente entre a classe ruralista e os povos indígenas” e que “tem o poder de incentivar a violência (…) e colide com os princípios constitucionais do direito à vida, à segurança e à integridade física”.

Atentado e ameaças de morte

Depois da decisão, um atentado contra liderança Terena e ameaças de morte contra opositores ao leilão se espalharam pelo Mato Grosso do Sul. Na madrugada de sexta, 6, a liderança Paulino Terena sofreu um atentado no município de Miranda. Depois de emboscada, homens encapuzados atearam fogo no carro do indígena, que ao escapar do veículo foi seguro e só não foi incendiado vivo porque os palitos de fósforos quebravam nas mãos dos pistoleiros.

Ainda na quarta, 4, logo após a juíza barrar o leilão, certo “Maurício Pistoleiro” ligou para as sedes da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), organizações que se solidarizaram ao pedido judicial dos indígenas de suspensão do leilão, ameaçando suas lideranças de morte.

Mais de mil indígenas protestam nesta quarta, 4, contra minuta do Ministério da Justiça que altera demarcação

Cerca de 1.700 indígenas de todo o país, presentes na Conferência Nacional de Saúde Indígena, que ocorre em Brasília (DF) até o final desta semana, realizarão manifestação nesta quarta-feira, 4, a partir das 9 horas, no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), local da conferência. Uma passeata está programada.

A mobilização acontece depois de o movimento indígena ter acessado, no final da semana passada, minuta do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para a publicação de uma portaria que “estabelece instruções” ao procedimento de demarcação de terras indígenas, nos termos do Decreto 1775/96.

“Contrariamente às alegações do governo, a dita portaria eterniza a não demarcação de terras indígenas, fragiliza por vez a Funai, e desenha um quadro assustador de acirramento de conflitos”, diz trecho da nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Para lideranças indígenas, a portaria, se publicada, inviabilizará o direito constitucional à terra tradicional. “A minuta diz que a delimitação da terra deverá minimizar impactos, ou seja, se fazendas incidirem sobre as terras, a demarcação não ocorrerá”, afirma Sônia Bone Guajajara, da Apib, organização que propôs o protesto.

O cacique Marcos Xukuru frisa que por nenhum momento a minuta foi discutida no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) com as lideranças indígenas ali representadas. A falta de consulta e diálogo com os povos são marcas do governo Dilma. Porém, Marcos afirma que o protesto desta quarta pedirá ainda a revogação da Portaria 303, da Advocacia-Geral da União (AGU), e contra a PEC 215 e o PLP 227, que tramitam no Congresso Nacional.

“O que observamos é um conjunto de medidas, tanto do Executivo quanto do Legislativo, que articuladas configuram um dos mais fortes ataques aos direitos indígenas já vistos desde a ditadura militar, na história recente. Lamentamos que seja este governo o responsável por isso, mas reafirmamos nossas posições e dizemos: vamos lutar até o fim, de forma enfática, por nossos direitos e vidas”, declara cacique Marcos Xukuru.

Serviço:

O quê? Manifestação do movimento indígena em Brasília (DF);
Quando? Nesta quarta-feira, dia 4, a partir das 9 horas;
Onde? No Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), em Brasília (DF)- SCES Trecho 2 Conj. 63, Lt. 50, Brasília, DF;
Por que? Contra minuta do Ministério da Justiça que altera o procedimento de demarcação de terras indígenas, Portaria 303, PEC 215 e PLP 227.
Outras informações – Imprensa: Renato Santana 61.9979-6912 / Patrícia Bonilha 61.9979.7059

Assassinatos e invasões à terra indígena Tupinambá de Olivença, na Bahia, desmontam ‘mesa de diálogo’

Do Cimi

Três assassinatos e invasões à área indígena coordenadas por fazendeiros, ocorridos neste final de semana na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, sul da Bahia, contradizem os efeitos da ‘mesa de diálogo’ imposta pelo Ministério da Justiça para resolver o conflito fundiário na região, em detrimento da publicação da Portaria Declaratória. Nos últimos meses, cinco Tupinambá e um Pataxó foram assassinados no contexto da luta pela terra tradicional no extremo sul baiano. Na foto ao lado, caminhão escolar Tupinambá com marcas de bala depois de emboscada praticada por pistoleiros em setembro.

Os últimos mortos deste conflito foram Aurino Santos Calazans, 28 anos, Agenor de Souza Júnior, 28 anos, e Ademilson Vieira dos Santos, 36 anos. Conforme lideranças Tupinambá, os três indígenas regressavam da comunidade Cajueiro, por volta das 18 horas desta sexta-feira, 8, no rumo da aldeia Mamão, quando foram emboscados por quatro homens em duas motos. Disparos de arma de fogo foram feitos contra os indígenas e na sequência os assassinos praticaram violências contra os corpos.

Boatos davam conta de que na tarde deste sábado, 9, dois dos executores do crime teriam sido presos, mas a polícia não confirma. “Um deles é Tupinambá, mas os outros três são ‘brancos’. Esse índio a gente já sabia que estava envolvido com os fazendeiros e nem morava na aldeia. Já os outros andavam por aqui armados, ameaçando”, explica o cacique Valdelino Oliveira dos Santos. Para a liderança, trata-se de uma “tragédia anunciada” para as autoridades.

“A gente já pediu para a Polícia Federal revistar os não-indígenas que transitam dentro da terra indígena, nas regiões de retomadas, mas eles só fazem revistar os índios, entrar nas aldeias para levar facões, bordunas, pilão como parte de operação de desarmamento. Enquanto eles nos deixam vulneráveis, os pistoleiros agem cada vez mais”, denuncia cacique Val Tupinambá, como é mais conhecido. Ele afirma que os indígenas mortos não eram lideranças, mas moravam em região de retomada e cercada por fazendas.

Aurino, Agenor e Ademilson foram enterrados na tarde deste domingo, 10, no cemitério do Bairro Nelson Costa, em Ilhéus (BA). Os Tupinambá, durante o ritual fúnebre, realizaram um protesto contra a violência a que estão submetidos na luta pela terra tradicional. “Porque tem um índio envolvido, mas cooptado pelos fazendeiros, e os outros são pistoleiros que a gente sabe de onde vem. Temos documentos apontando as ameaças. Tudo isso estava previsto. Vamos encaminhar a apuração dos fatos para a Polícia Federal”, diz cacique Val.

Serra do Padeiro e Serra das Trempes

A emboscada ocorreu numa região da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, que fica entre a orla da praia e as Serras que compõem o território indígena. Horas antes dos assassinatos, ainda na sexta, 8, grupos de não-indígenas, coordenados por fazendeiros, subiram as serras do Padeiro e das Trempes para fazer a colheita do cacau.

Na Serra das Trempes, aldeia Santana, os homens enviados pelos fazendeiros conseguiram retirar o cacau colhido pelos indígenas. Ao fim do serviço, deixaram uma placa: Retomada dos Fazendeiros. Na Serra do Padeiro, porém, a comunidade não permitiu que indivíduos enviados pelos fazendeiros saíssem da terra indígena com o material apreendido.

Lideranças Tupinambá da Serra do padeiro não confirmam, todavia, a informação veiculada pela imprensa de Ilhéus e Itabuna dando conta da retenção de 16 ‘trabalhadores’ pelos indígenas. Conforme as lideranças, que aqui não identificamos por motivos de segurança, os ‘brancos‘, com um caminhão, teriam invadido área retomada, a mando de fazendeiros, para a retirada de cacau e apenas foram convidados a sair da terra indígena.

Para o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Leste, Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, “a região é historicamente dominada pela elite local ainda atrelada às práticas coronelistas. Existe muito racismo e preconceito. Esperamos providências do governo federal para a regularização imediata destas terras indígenas para que mais indígenas não sofram com tais violências. Exigimos também a apuração destes crimes”.

Oliveira é enfático ao afirmar que o governo federal, sobretudo o Ministério da Justiça e a Presidência da República, devem rever a postura de suspender demarcações para apostar em mesas de diálogo: “Está claro que esta saída não é boa para os indígenas, sobretudo, mas também para os pequenos agricultores e o próprio governo, que espera atender interesses pré-eleitorais ao não demarcar”.

Portaria declaratória

O processo de identificação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença teve início em 2004. Em 2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou o relatório circunstanciado que delimitou a terra em 47.200 mil hectares, estendendo-se por porções dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, no sul da Bahia. No momento, aguarda-se a assinatura, pelo ministro da Justiça, da Portaria Declaratória, para que o processo se encaminhe para as etapas finais.

No segundo semestre deste ano, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, decidiu não assinar portarias declaratórias com a desculpa de querer evitar conflitos entre indígenas, pequenos agricultores e fazendeiros. No lugar, montaria ‘mesas de diálogo’ para negociar as demarcações. Aos Tupinambá, inclusive, chegou a dizer que os indígenas teriam de abrir mão de áreas da terra tradicional e parar as retomadas para que a demarcação saísse em 2014.