O advogado Jonas Tadeu Nunes afirma que seu cliente Caio Silva de Souza e outros jovens recebiam pelo menos R$ 150 cada para provocarem distúrbios durante as manifestações de protesto. E que os contratantes lhes forneciam, inclusive, as fantasias de black blocs.
Pode ser verdade. Afinal, é fácil e barato de se fazer. E há sempre forças políticas interessadas em fomentar o caos, os famosos pescadores em águas turvas[1].
O certo é que, no fundamental, constata-se nas ruas um imenso desencanto com as consequências do capitalismo (embora a maioria ainda não esteja consciente de que seja ele a causa) e com os governos que para elas concorrem, inclusive os do PT.
O secundário são as peripécias das refregas que causam vítimas de ambos os lados.
Umas são pranteadas e praticamente canonizadas pela grande imprensa e pelos defensores virtuais dos interesses petistas, como o cinegrafista Santiago Ilídio de Andrade. Os responsáveis devem ser punidos, claro, mas nem de longe se justifica tão histérica satanização de jovens que não se davam conta do dano que poderiam causar.
Num país em que tantos matam premeditadamente e com extrema crueldade, é patético que os maiores vilãos acabem sendo uns tolos que mataram sem consciência e por inconsequência (se comprovado que terceiros guiavam suas mãos, estes merecem castigo muito mais rigoroso, pois os mandantes são sempre maiores culpados do que os executantes).
Outras vítimas são vergonhosamente escamoteadas pela mídia. O caso mais emblemático e chocante não se deu exatamente no curso dos protestos, mas tem de ser lembrado sempre: Ivo Teles da Silva, 69 anos, foi bestialmente espancado pela PM de Geraldo Alckmin durante o episódio conhecido como a barbárie no Pinheirinho, por ela sequestrado e mantido longe dos parentes que o procuravam desesperadamente. Tudo isto para esconder seu estado deplorável; para que a opinião pública não tomasse conhecimento da barbarização de um idoso. Só foi localizado 10 dias depois, teve alta mas acabou morrendo.
Luminares do Direito brasileiro, dentre eles Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari e Fabio Konder Comparato, entenderam que havia sido cometido um crime e como tal o denunciaram (juntamente com as muitas outras ilegalidades perpetradas no Pinheirinho) à Comissão de Direitos Humanos da OEA. A indústria cultural ignorou olimpicamente.
O fato é que as lágrimas de crocodilo só jorram profusamente quando um cinegrafista de TV é morto por reais ou supostos black blocs, ou quando um coronel é espancado. A indignação (seletiva) foi bem menor no caso das várias dezenas de profissionais da imprensa feridos durante as manifestações pela PM paulista, alguns dos quais sofreram lesões graves e definitivas.
Ou quando um soldado apertou o gatilho desnecessariamente e colocou em coma um bobinho que portava um estilingue… perdão, um canivete (é quase a mesma coisa). Tivesse Fabrício Proteus Chaves morrido, o volume das lamentações seria o mesmo? Nem a pau, Juvenal!
Mas, repito, o principal continuam sendo os motivos -justíssimos- que levam os jovens às ruas. Como a Copa das maracutaias, cuja realização a Fifa admitiria com apenas oito sedes, mas o governo brasileiro preferiu fazer com 12, a fim de contemplar todo tipo de interesse sórdido. O PT prometia abolir as práticas tradicionais da politicalha, mas a elas aderiu alegremente.
Terem escolhido o Mundial de futebol como o principal alvo dos protestos depois das queixas iniciais contra o aumento das tarifas dos ônibus atesta que os indignados brasileiros têm, sim, tirocínio político. Daí estarem sendo tão execrados pelos que temem a voz das ruas -alguns dos quais, melancolicamente, são os mesmos que há algumas décadas arriscaram a vida para que elas fossem ouvidas. As voltas que o mundo dá.
Pior: alguns que tanto sofreram sob o AI-5 e outros, mais jovens, que pretendem ser herdeiros dos ideais da resistência, estão entre os que hoje surfam na onda de episódios infelizes como o da morte do cinegrafista [2], aproveitando para pregar a igualação dos atos de protesto a terrorismo (com penas mais pesadas do que as infligidas a homicidas!!!), sua transformação em crime inafiançável, a colocação das Forças Armadas nas ruas para reprimir manifestantes e outras aberrações totalitárias.
Sem se darem conta, pois tudo que fazem atende à prioridade obsessiva de perpetuação do PT no poder, estão clamando por um novo AI-5.
Não passarão!
1Quando este artigo já estava no ar, um acusado que tenta escapar de uma cana braba deu um suspeitíssimo depoimento à polícia, sem a presença do seu advogado (portanto, legalmente inválido), sugerindo que o PSOL, PSTU e FIP seriam os financiadores das ações para exacerbar os ânimos. Digo sugerindo porque ele não apresentou dado concreto nenhum (quem, quando, onde, quanto). Eu acho plausível que integrantes de tais partidos tenham feito doações aos black blocs, e não vejo mal nenhum nisto numa democracia. Mas, permito-me duvidar de que fossem eles que apontavam alvos, forneciam indumentarias e pagavam honorários fixos pela jornada de trabalho. Tal modus operandi é escrachadamente direitista. De resto, as surpreendentes declarações de Caio Silva de Souza certamente vão assegurar-lhe uma boa vontade que as autoridades não teriam com ele se apontasse o dedo para o outro extremo do espectro ideológico. 2 Além, é claro, dos reacionários empedernidos que sempre surfam em tais episódios, mas, pelo menos, estão sendo coerentes com suas (medíocres) convicções. Caso do Reinaldo Azevedo, que andou até macaqueando o Emile Zola, ao disparar as mais demagógicas acusações contra a Dilma, o Franklin Martins, o Gilberto Carvalho e o José Eduardo Cardozo. Vai levar um pito do Ternuma por não ter dado um jeito de incluir o Lula no pacote. Como o RA fez a besteira de mexer também com o Jânio de Freitas, que lhe é infinitamente superior como jornalista, não perderei tempo reduzindo-o à sua insignificância. Deixo o necessário corretivo por conta do Jânio, o qual certamente lhe aplicará umas boas palmadas para que deixe de ser petulante…
“Tenta-se linchar um policial que cometeu a ousadia da legítima defesa”, grasnou na Folha de S. Paulo (acesse aqui) o Reinaldo Azevedo, corvo menor de uma época menor. Por mais que arrepie as penas, bata as asas e faça escândalo no milharal, nunca chegará a Carlos Lacerda, o corvo-mor. É só uma imitação barata.
A legítima defesa a que ele se refere é a de um brutamontes que, supostamente ameaçado com canivete por um manifestante (o jovem Fabrício Chaves alega só tê-lo sacado depois de receber os disparos), efetivamente mandou bala no dito cujo, colocando-o em coma e causando-lhe a perda de um testículo. Até os colegas de farda consideraram um exagero… evitando, por coleguismo, utilizar a palavra covardia.
Eu, que não tenho papas na língua, afirmo com todas as letras: quem usa pistola .40 contra canivete, ou tem instinto assassino, ou é um grandessíssimo covarde. Para os que não estão familiarizados com o assunto, esclareço tratar-se de uma arma tão potente que seu impacto necessariamente provoca a queda da pessoa atingida, colocando-a à mercê do atirador.
Já canivete não passa de um brinquedinho para ginasiano exibir à namorada e se pavonear. Aos 13 anos eu já tinha um, com considerável atraso em relação aos meninos da favela do bairro, que ganhavam o primeiro lá pelos 8 anos.
Mesmo sendo sexagenário eu me defenderia facilmente de um atacante com canivete; a pontapés, já que minhas pernas teriam alcance muito maior que o braço do inimigo, impedindo sua aproximação. Afora o fato de que havia outros PMs por perto, para intervirem se necessário.
Fez-me lembrar a charge antológica de Ziraldo, no auge da guerra do Vietnã: vários super-heróis estadunidenses a fugirem em carreira desabalada, pânico estampado em seus rostos, de um minúsculo vietcong com sandálias e chapéu em forma de cone.
Olhando as fotos do RA, qualquer um percebe que ele não sabe nadinha da realidade das ruas. É um rato de biblioteca do pior tipo, pois só se alimenta de livros reaças.
E está sempre caindo no ridículo ao se manifestar sobre o que se passa fora de sua redoma -como quando, orgulhosamente, anunciou ter denunciado à Polícia o IP dos computadores de internautas que lhe estariam mandando mensagens ameaçadoras.
Ele ignora, ou finge ignorar, que todos os articulistas polêmicos as recebemos aos montes, sem jamais levarmos a sério esses trotes, cujos autores geralmente não passam de adolescentes metidos a bestas.
Também intrigou com as otoridade uma leitora que lhe enviou e-mail queixando-se de sua perseguição ao José Genoíno e conjeturando que o RA poderia sofrer retaliação “de alguém mais exaltado” caso o petista morresse na prisão. Isto nem ameaça é, salvo para quem passa a vida transtornado pela paúra.
Dá a impressão de que semana sim, outra também, ele vai depositar tais ninharias na mesa do delegado. Será como uma espécie de contrapartida ao seus protetores que ele os defende incondicionalmente, mesmo nos episódios em que sua atuação é indefensável?
Chega ao ponto de desqualificar todos os que criticam a truculência dos agentes do Estado, rotulando-os de integrantes de uma hipotética Frente Única de Difamação da Polícia.
Deveria, intitulá-la, isto sim, de Frente Ampla, pois a péssima imagem das Polícias Militares não é apenas consensual entre os brasileiros civilizados; ela corre mundo, a ponto de até o Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas haver recomendado sua extinção.
A AES, cuja concessão para distribuir energia elétrica em São Paulo há muito deveria ter sido extinta por não estar honrando os compromissos assumidos, deixou, pela enésima vez, a principal cidade da América do Sul às escuras na semana passada (vide aqui). E se isto voltar a acontecer durante a Copa, expondo-nos a ridículo mundial?
Anteontem (25/01), a Polícia Militar de São Paulo novamente baleou um civil sem justificativa aceitável, colocando-o em coma. A alegação de que o coitado ameaçava um soldado com estilete é risível e é a de sempre; desde a ditadura militar, a PM de SP é mundialmente conhecida como uma corporação que maquila execuções em autodefesa, tendo inclusive sido, por este motivo, energicamente recriminada pela ONU (que recomendou sua extinção, conforme pode ser visto aqui).
E se manifestantes forem barbarizados durante a Copa, para os repórteres do mundo inteiro relatarem e os fotógrafos do mundo inteiro fotografarem?
O perigo aumenta com a cartilha repressiva lançada sorrateiramente pelo ministro da Defesa no finalzinho de 2013 (vide aqui), abrindo a possibilidade de que as Forças Armadas venham a ser acionadas para reprimir black blocs, indignados e rolezeiros. Aí as mortes de civis serão praticamente uma certeza; faz parte da cultura militar esmagar o inimigo, o que é catastrófico quando se lida com cidadãos do próprio país. Deus nos acuda!
A rede virtual petista propaga incessantemente teorias da conspiração relativas ao Mundial; parte sempre do pressuposto de que o inferno são os outros.
Mas, o maior risco de avacalhação provém dos péssimos serviços prestados aos brasileiros pelos governos e pelas companhias privatizadas.
E o maior risco de desastre total, da truculência dos efetivos policiais que tentarão sufocar violentamente as manifestações de desagrado, ao invés de administrarem o problema com um mínimo de sensatez.
De tudo que de ruim poderá acontecer, o pior vai ser se fardados assassinarem civis, horrorizando as pessoas civilizadas de países cuja tradição não é autoritária como a nossa.
As principais ameaças à Copa não vêm, portanto, das ruas, mas sim dos gabinetes em que omissos se omitem e serpentes chocam seus ovos.
TEXTOS RECENTES DO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir):
No instante em que é novamente discutida a substituição das polícias militarizadas brasileiras por instituições civis, vale lembrarmos que, no final de junho de 2012, o Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou a extinção das ditas cujas, em função não só de seu altíssimo índice de letalidade, mas também do fato de que parte expressiva de tais óbitos se devia a “execuções extrajudiciais”.
Após analisar 11 mil casos de alegadas resistências seguidas de morte, a ONU constatou o que por aqui todos estávamos carecas de saber desde 1992, quando Caco Barcellos lançou seu primoroso livro-reportagem Rota 66 – A história da polícia que mata: frequentemente não houvera resistência nenhuma mas, tão somente, assassinatos a sangue frio de suspeitos já rendidos.
Para piorar, as autoridades brasileiras quase sempre acobertavam os homicídios desnecessários e covardes perpetrados pelos PMs.
Na reunião da ONU em que se discutiu o assunto, coube à Coreia do Sul dar nome aos bois, equiparando tais episódios aos crimes outrora cometidos pelos nefandos esquadrões da morte (aqueles bandos de policiais exterminadores que, durante a ditadura militar, trombeteavam triunfalmente seus feitos e agora atuam com alguma discrição, mas continuam existindo, sim, senhor!).
“TREINAMENTO CRUEL E HUMILHANTE”
Para Marcelo Freixo, professor de História e deputado estadual pelo PSOL (RJ), “é fundamental que o Congresso Nacional aprove a proposta de emenda constitucional (PEC 51/2013) que prevê a desvinculação entre a polícia e as Forças Armadas; a efetivação da carreira única, com a integração entre delegados, agentes, polícia ostensiva, preventiva e investigativa; e a criação de um projeto único de polícia”. Concordo em gênero, número e grau.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo deste sábado (28), Freixo citou vários episódios em que o treinamento imposto pela PM, rigoroso a ponto de justificar a comparação com sessões de tortura, causou a morte de soldados.
O caso mais chocante aconteceu no Rio de Janeiro, em novembro, quando um integrante da 5ª Companhia Alfa da PM morreu, outros 33 recrutas passaram mal e 24 sofreram queimaduras nas mãos ou nas nádegas (quem não suportava os exercícios era obrigado a sentar-se no asfalto escaldante).
Os oficiais não lhes davam sequer tempo para se hidratarem, então alguns beberam a água suja destinada aos cavalos. A enfermaria da unidade revelou que alunos chegaram a urinar e vomitar sangue.
O secretário estadual de Segurança José Mariano Beltrame, acertadamente, classificou a morte do recruta Paulo Aparecido Santos de Lima, de 27 anos, comohomicídio. Resta saber se será punida como tal.
Uma pertinente indagação de Freixo:
“Como esses soldados, submetidos a um treinamento cruel e humilhante, se comportarão quando estiverem patrulhando as ruas e atuando na pacificação das comunidades?“
E uma constatação também pertinente (eu diria até irrefutável…):
“Em todos os Estados do país, a PM é concebida sob a mesma lógica militarista e antidemocrática. (…) Em vez de se preocupar em formar soldados para a guerra, para o enfrentamento e a manutenção da ordem de forma truculenta, o Estado precisa garantir que esses profissionais atuem de forma a fortalecer a democracia e os direitos civis. A realização dessa missão passa necessariamente por mudanças na essência do braço repressor do poder público“.
ENTULHO AUTORITÁRIO
Tal mostrengo existe por obra e graça da ditadura de 1964/85, só sobrevivendo a ela em função da pusilanimidade dos governantes civis a quem cabia eliminar o entulho autoritário.
Na sua trajetória para concentrarem poder na segunda metade da década de 1960, os militares encontraram alguma resistência por parte dos governadores civis que ajudaram a dar o golpe mas depois viram, com óbvio desagrado, esfumarem-se suas ambições presidenciais. Precavidos, os fardados resolveram assegurar-se de que os paisanos não contariam com tropas a eles leais.
O governador Adhemar de Barros, p. ex., até o último momento acreditou que a Força Pública impediria a cassação do seu mandato (tiraram-no do caminho acusando-o de corrupto -o que ele sempre foi- mas, na verdade, porque não se conformava com o monopólio castrense do poder).
Então, nas Constituições impostas de 1967 e 1969, a ditadura fez constar da forma mais incisiva que “as polícias militares (…) e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército“.
Na prática, seus comandos foram se subordinando cada vez mais aos das Forças Armadas; e as lições de tortura aprendidas de instrutores estadunidenses e aprimoradas nos DOI-Codi’s da vida foram ciosamente repassadas aos novos pupilos. Daí a tortura ter continuado a grassar solta, longe dos holofotes, depois da redemocratização do País, só mudando o perfil das vítimas (passaram a ser os presos comuns).
Além disto, a ditadura estimulou a absorção da civilizada Guarda Civil de São Paulo pela truculenta Força Pública (que atuava como tropa de choque em conflitos), sob a denominação de Polícia Militar. Vale notar que o decreto-lei neste sentido, o de nº 217, é de 08/04/1970, bem no auge do terrorismo de estado no Brasil.
Não é à toa que, até 2011, a unidade mais violenta da PM paulista (a Rota) mantinha no seu site rasgados elogios ao papel que a corporação havia desempenhado na derrubada do presidente legítimo João Goulart, só os deletando sob vara da ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário.
Há companheiros que igualam a atual democracia a serviço dos poderosos à ditadura de 1964/85. Geralmente, os que nasceram depois dos anos de chumbo ou eram muito jovens para guardarem uma lembrança mais precisa do arbítrio.
Um pequeno exemplo da diferença entre os dois períodos históricos acaba de ser dado pelo governador Geraldo Opus Dei Alckmin.
Em novembro de 2009, o então governador José Serra, prestes a fazer uma campanha presidencial de orientação acentuadamente direitista, escolheu para reitor da Universidade de São Paulo o segundo colocado na lista tríplice que lhe foi submetida: João Grandino Rodas, menina dos olhos da Tradição, Família e Propriedade.
Rodas tinha o pior currículo possível e imaginável.
Como diretor da Faculdade de Direito da USP, requisitou em agosto de 2007 a entrada da tropa de choque da PM para a expulsão de manifestantes que haviam ocupado o prédio em função da Jornada em Defesa da Educação.
Integrando a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos entre 1995 e 2007, indeferiu todos os pedidos de reparação que pôde -127 dos 172 processos nos quais atuou-, quase sempre por questiúnculas burocráticas como a de que o prazo para os requerimentos teria se esgotado. Chegou ao cúmulo de negar a participação da ditadura no assassinato da estilista Zuzu Angel, sendo, contudo, voto vencido.
Depois, como reitor da USP, reviveu os piores tempos da ditadura, ao aquartelar permanentemente a PM no campus universitário, gerando todo tipo de provocações, enfrentamentos e atritos com estudantes, professores e servidores.
Afora as denúncias de corrupção e má gestão que pipocavam desde que era diretor da Faculdade de Direito. Como reitor da USP, foi, p. ex., acusado da compra de imóveis com preços elevados, extinção de cursos e vagas, terceirização da universidade e aumento do filtro social para a entrada de alunos na Universidade.
Culminando com o expurgo de janeiro de 2011, quando Rodas foi responsável pela demissão em massa de 271 funcionários da USP.
Na ocasião, o grande jurista Fábio Konder Comparato e outros quatro professores da USP assim se manifestaram:
“Após declarar-se pelo financiamento privado e pela reordenação dos cursos segundo o mercado, o reitor vem instituindo o terror por intermédio de inquéritos administrativos apoiados em um instrumento da ditadura (dec. nº 52.906/ 1972), pelos quais pretende a eliminação de 24 alunos.
Quanto aos servidores, impôs, em 2010, a quebra da isonomia salarial, instituída desde 1991, e, para inibir o direito de greve, suspendeu o pagamento de salários, desrespeitando praxe institucionalizada há muito na USP.
Agora, em 2011, determinou o ‘desligamento’ de 271 servidores, sem prévio aviso e sem consulta a diretores de unidades e superiores dos ‘desligados’. Não houve avaliação de desempenho. Nenhum desses servidores possuía qualquer ocorrência negativa. As demissões atingiram técnicos na maioria com mais de 20 anos de serviços prestados à universidade.
O ato imotivado e, portanto, discriminatório, visou, unicamente, retaliar e aterrorizar o sindicato (Sintusp), principal obstáculo à privatização da USP…“
A indignação foi tamanha que Rodas recebeu (e esnobou!) convite para prestar esclarecimentos na Assembléia Legislativa de São Paulo. Fez-se representar por um subalterno escolhido à sua imagem e semelhança: sem ter como justificar as medidas arbitrárias, ele abandonou intempestivamente a sessão, deixando de prestar os esclarecimentos solicitados.
A CONVENIÊNCIA POLÍTICA PESOU MAIS DO QUE A AFINIDADE IDEOLÓGICA
Se estivéssemos numa ditadura, Alckmin poderia tranquilamente optar pelo favorito de Rodas, Wanderley Messias, com o qual certamente tem grande afinidade ideológica. Não precisaria levar em conta o fato de o colégio eleitoral (formado por membros do Conselho Universitário, dos conselhos centrais e das congregações das unidades, dos conselhos deliberativos de museus e institutos especializados) tê-lo relegado ao terceiro lugar, com apenas 462 votos.
Já na nossa (ainda que imperfeita) democracia, um valor mais alto se alevantou, determinando sua decisão: o fato de a permanência do PSDB no Palácio dos Bandeirantes estar seriamente ameaçada. Então, tratou de eliminar um foco de permanente tensão, que poderia lhe ser muito prejudicial na eleição de 2014.
Optou, portanto, pelo candidato que não só venceu amplamente a disputa no colégio eleitoral (obtendo 1.206 votos, enquanto os concorrentes, somados, totalizaram 960), como também foi o preferido numa consulta aberta na universidade, em que 14 mil pessoas indicaram seu predileto.
Vai daí que, no próximo dia 25, a USP voltará a ter um reitor de verdade, após as péssimas e turbulentas gestões de Suely Vilela Sampaio e Rodas.
Com isto, o processo de fascistização da USP -paradoxalmente iniciado por um ex-presidente da UNE- vai ser, enfim, detido. Alvíssaras!
Caberá ao médico Marco Antonio Zago, que se define como um apaziguador, a missão de eliminar todos os resquícios da praça de guerra em que a USP foi transformada ultimamente.
Começando pela imediata extinção do convênio com a PM, uma vergonha para qualquer instituição de ensino superior em qualquer país do mundo.
É tão exemplar e fundamental para a democracia brasileira a resolução nº 6 do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República), que abaixo reproduzirei na íntegra seus 10 artigos, destacando os trechos que considero mais importantes.
Bravo, ministra Maria do Rosário!
Mas, não basta sua publicação no Diário Oficial da União (em 19/06/2013) e a comunicação, por ofício, aos “órgãos federais e estaduais com atribuições afetas às recomendações constantes”.
Será necessária uma postura incisiva do Governo Federal, para que a brutalidade policial deixe de ser praticada impunemente por Polícias Militares como a paulista, que atuou como incendiária e não como bombeira na quarta e decisiva manifestação do MPL, quando suas agressões covardes provocaram imensa repulsa no País e no exterior; a carioca, que logo em seguida agiu com idêntica bestialidade; e a mineira, que agora ameaça impor a “tolerância zero” aos manifestantes.
Se o Governo Dilma Rousseff fizer com que seja respeitada esta resolução do CDDPH, retirarei alegremente as críticas que fiz (vide aqui) à presidenta da República, por não haver mencionado a truculência dos agentes da (des)ordem em sua mensagem à Nação.
Como não sou mesquinho nem derrotista, abro-lhe mais este crédito de confiança, torcendo para que a palavra da ministra Maria do Rosário seja mesmo a voz do Planalto. Se for, aplaudirei em pé.
Pois, de todos os direitos em xeque neste momento, são os humanos os que mais importam e os que com maior empenho têm de ser defendidos.
RESOLUÇÃO Nº 6, DE 18 DE JUNHO DE 2013
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS
CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA
Dispõe sobre recomendações do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana para garantia de direitos humanos e aplicação do princípio da não violência no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.
A MINISTRA DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, na qualidade de PRESIDENTA DO CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA, no uso das atribuições que lhe são conferidas pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, dando cumprimento à deliberação unânime do Colegiado do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, realizada em sua 218ª reunião ordinária (…), recomenda:
Art. 1º – Esta Resolução dispõe sobre a garantia de direitos humanos e aplicação do princípio da não violência no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.
Paragrafo único – A atuação do Poder Público deverá assegurar a proteção da vida, da incolumidade das pessoas e os direitos humanos de livre manifestação do pensamento e de reunião essenciais ao exercício da democracia, bem como deve estar em consonância com o contido nesta Resolução.
Art. 2º – Nas manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse, os agentes do Poder Público devem orientar a sua atuação por meios não violentos.
Art. 3º – Não devem ser utilizadas armas de fogo em manifestações e eventos públicos, nem na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.
Art. 4º – O uso de armas de baixa letalidade somente é aceitável quando comprovadamente necessário para resguardar a integridade física do agente do Poder Público ou de terceiros, ou em situações extremas em que o uso da força é comprovadamente o único meio possível de conter ações violentas
§ 1º – Para os fins desta Resolução, armas de baixa letalidade são entendidas como as projetadas especificamente para conter temporariamente pessoas, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões corporais permanentes.
§ 2º – Não deverão, em nenhuma hipótese, ser utilizadas por agentes do Poder Público armas contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos.
Art. 5º – As atividades exercidas por repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação são essenciais para o efetivo respeito ao direito humano à liberdade de expressão, no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na cobertura da execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.
Parágrafo único – Os repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação devem gozar de especial proteção no exercício de sua profissão, sendo vedado qualquer óbice à sua atuação, em especial mediante uso da força.
Art. 6º – Os responsáveis pela atuação dos agentes do poder público deverão equipá-los com meios que permitam o exercício de sua legítima defesa, a fim de se garantir sua integridade física e reduzir a necessidade do emprego de armas de qualquer espécie.
Art. 7º – O Poder Público da União e de todas as unidades da federação deverá assegurar a formação continuada de seus agentes, voltada à a proteção de direitos humanos e a solução pacífica dos conflitos.
Art. 8º – O Poder Público federal deverá priorizar a elaboração, tramitação e análise de normas que versem sobre o uso da força e, em especial, sobre a utilização de armas de baixa letalidade, considerando os princípios de direitos humanos.
Art. 9º – O CDDPH oficiará os órgãos federais e estaduais com atribuições afetas às recomendações constantes desta Resolução dando-lhes ciência de seu inteiro teor.
Paragrafo único – O CDDPH instalará Grupo de Trabalho sobre Regulamentação de Uso da Força e de Armas de Baixa Letalidade com atribuição específica para aprofundar ações de estudo e monitoramento relacionados ao objeto desta Resolução.
Art. 10 – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.