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Educação Popular como práxis nas práticas pastorais da Igreja Católica, na Arquidiocese da Paraíba (1966-1985)

Registros de memória acerca da sessão de exame de tese apresentada por Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira, ao PPGE/UFPB, em 24/11/2017

A convite de Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira, comparecemos, na sexta-feira p.p., à tarde, à Sala Multimídia do CCSA/UFPB, para a densa sessão de apresentação e avaliação de sua Tese de Doutorado, pelo Programa de Pós-graduação em Educação, da UFPB, sob a Orientação do Prof. Afonso Scocuglia, e com a avaliação dos membros da Banca Examinadora composta pelo Prof. Romero Venâncio Júnior (Filosofia, UFSE), Prof. Paulo Giovani Antonino Nunes (História, UFPB), Prof. Luiz Gonzaga Gonçalves (Educação/UFPB) e Severino Silva (Educação/UFPB).

De que trata a pesquisa realizada por Vanderlan Paulo de Oliveira Pereira? Cuida de apontar e de analisar de que modo a Educação Popular se acha presente nas práticas pastorais da Arquidiocese da Paraíba (é o nome oficial da Arquidiocese sediada em João Pessoa – PB), no período compreendido entre 1966 e 1985. O início deste período coincide com a chegada à Arquidiocese da Paraíba, para assumir suas funções de arcebispo, de Dom José Maria Pires (1966-1995), enquanto o ano de 1985 marca o final do período da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Sua pesquisa versa, portanto, sobre o que se passou, neste período, na citada Arquidiocese, no tocante a práticas pastorais portadoras, de alguma maneira, de Educação Popular, não apenas no que concerne a práticas efetivas, como também em relação à visão de Educação Popular então circulante, na área e no período estudados.

Com o propósito de compartilhar com muita gente desejosa de uma notícia sobre o trabalho apresentado por Vanderlan, empenho-me a seguir, em fazer, de memória (falha!), registros do que me foi possível entender, de imediato.

O tema da tese é algo recorrente, na trajetória do autor. Desde sua graduação (História), tem perseguido temas semelhantes. Desta vez, escolheu focar a Educação Popular como práxis da dinâmica pastoral da Igreja Católica, na Arquidiocese da Paraíba, durante o período da ditadura civil-militar. A partir de 1966, apenas um ano após o encerramento do Concílio Vaticano II (1962-1965), começou a pairar, com crescente força, um espírito de renovação pastoral. O novo arcebispo, que havia participado de todas as sessões conciliares, empenhava-se em fazer ressoar, junto aos fiéis de então, as conclusões do Vaticano II. Cercou-se, para tanto, de uma equipe de assessores e assessoras de reconhecido compromisso social e competência técnica. Entre tais figuras, constam nomes de leigos e leigas (Dona Anunciada, Isaac, Genaro e Gláucia Ieno, apenas para mencionar 4 nomes), de religiosos (Frei Hermano, Frei Anastácio, Padre Carlos Avanzi, Dario Vaona…) e religiosas (Irmã Agostinha, Irmã Almeidinha, Irmã Marlene, Irmã Tonny, Irmã Diane…), bem como de padres (Padre Everaldo Peixoto, Padre Alfredinho Barbosa, Padre José Comblin, Padre João Maria Cauchi, Padre Luiz Couto…), além de figuras tais como Vanderlei Caixe, dentre tantas outras. Tratava-se de agentes de pastoral envolvidos na animação de densas experiências pastorais, inspiradas no espírito de renovação pastoral, não apenas do Vaticano II, mas sobretudo no espírito da Conferência Episcopal de Medellín (1968):

Igreja Viva, fecunda iniciativa de evangelização espalhada por várias comunidades rurais e urbanas da Arquidiocese, nas quais os círculos bíblicos constituíam uma valiosa forma de trabalho organizativo e formativo, em mutirão;
– Equipe de Promoção Humana, a desenvolver atividades de solidariedade às vítimas de opressão;
– Pastoral da Mulher: com ousadas iniciativas de apoio e promoção humana, junto às vítimas de prostituição;
– Pastoral da Terra (aqui funcionando, como no âmbito do Nordeste II, como Pastoral Rural): até hoje, uma das mais combativas e comprometidas equipes de acompanhamento e solidariedade aos trabalhadores e trabalhadoras do campo;
– Centro de Defesa de Direitos Humanos: uma das marcas fortes da atuação pastoral da Arquidiocese da Paraíba, com repercussão em várias outras dioceses do Regional Nordeste II (inclusive na Diocese de Pesqueira – PE);
– as Pequenas Comunidades de Religiosas Inseridas no Meio Popular – as PCIs, talvez a presença mais enraizante junto ao povo dos pobres, com reconhecida incidência missionária e educativa, na perspectiva da Educação Popular;
– o Seminário Rural (1981-1982), seguido pelo Centro de Formação Missionária – CFM, em Serra Redonda (várias outras experiências de inspiração na pedagogia comblinina tiveram lugar, após o período estudado)… Importa ter presente que estas são apenas algumas ilustrações de experiências pastorais e missionárias de grande alcance também no terreno da Educação Popular, neste período e para além dele.

O propósito da pesquisa foi o de indicar, nessas experiências qual a Educação Popular subjacente. E o resultado é alvissareiro, pelo menos com relação à Educação Popular, de referÊncia Freireana. Pelo autor foram apontados diversos sinais de uma práxis de Educação Popular. Tratava-se, em grande medida, de práticas e concepções pastorais vividas sob a égide da horizontalidade dos participantes: não havia lugar para o mandonismo, para as imposições hierárquicas; antes, apostava-se no diálogo entre irmãos e irmãs. Não era à-toa que as comunidades costumavam reunir-se em forma de círculos.

Outro aspecto a ressaltar, na forma de organização e de formação de tais experiências, prende-se ao reconhecido grau de compromisso dos participantes com a causa libertadora dos empobrecidos, bem como o enraizamento no tecido comunitário de atuar, especialmente em tempos de cruel perseguição de não poucos desses agentes, pelo regime ditatorial.

Tratou-se de um período enormemente fecundo, mesmo numa conjuntura tenebrosa, chamando a atenção pelos bons frutos formativos então recolhidos. A essas práticas pastorais estava vinculada uma práxis educativa libertadora, numa perspectiva freireana, caracterizada pela horizontalidade dos participantes, pela tomada de decisões de baixo para cima, pelo protagonismo do conjunto de participantes, pelo compromisso com a causa dos oprimidos, pela mística revolucionária, pela forte ação comunitária, entre outras marcas.

Vários pontos de avaliação do trabalho foram compartilhados por cada um dos Examinadores e pelo Orientador. Aqui destacamos apenas o seguintes:
– Trata-se de uma pesquisa que encerra densa contribuição a ser compartilhada, para além da Academia;
– O Autor analisa com base num referencial teórico, conjugando autores de referência da Educação Popular com autores de referência no campo da História;
– Recorre a diversos instrumentos de pesquisa, inclusive fotografias especiais e entrevistas com agentes de Pastoral e outros, de reconhecido conhecimento e contribuição;
– Sugeriu-se, ao final, a organização de um seminário com um público mais amplo, para aprofundar o debate trazido pelo autor.

João Pessoa, 27 de Novembro de 2017.

Carta aberta à sociedade brasileira – Conselho Pastoral dos Pescadores

“Vocês, de manhã, administrem a justiça e libertem o oprimido da mão do opressor…” Jr.21,12b
Nós, agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), estivemos reunidos em assembleia nacional com a participação de representantes do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e de outras organizações que atuam na defesa dos direitos dos povos e das populações tradicionais, no período de 10 a 14 de março/2014, em Olinda/Pernambuco. Na ocasião, avaliamos as ações do CPP junto aos pescadores/as artesanais; construímos estratégias coletivas visando fortalecer o protagonismo dos pescadores/as na luta pela garantia dos seus direitos.
Diante da conjuntura avaliada, constatamos o acirramento da situação de negação de direitos em que vivem as pescadoras e os pescadores artesanais do país submetidos à política desenvolvimentista adotada pelo Estado. A ação do governo ignora o modo de vida destas comunidades objetivando a abertura de espaços para o avanço dos grandes projetos, do turismo predatório, da mineração, da privatização das águas, da especulação imobiliária, da Aquicultura empresarial dentre outros investimentos que, incentivados de forma desordenada, ameaçam a vida destas populações tradicionais. Ao discutirmos sobre tais questões agigantou-se nossa indignação frente ao modo desprezível com que o Estado e as empresas privadas tratam as famílias e comunidades do pescadores/as artesanais. Estas se encontram entre as comunidades mais discriminadas pelo governo e pela sociedade.
Indignados com esta realidade de opressão e exclusão, comprometidos/as o Deus do Povo e com o Povo de Deus, reafirmamos nosso compromisso com as comunidades tradicionais pesqueiras na luta pela garantia dos seus direitos, bem como na luta pela permanência e retomada dos seus territórios. Da mesma forma,
DENUNCIAMOS:
A privatização dos corpos das águas públicas, bem de uso comum do povo brasileiro e que já tem inúmeras comunidades que tradicionalmente utilizam essas áreas, através de várias estratégias dentre elas os editais para repassar o controle a empresas e pessoas físicas, impedindo o acesso, a cultura e o trabalho das comunidades tradicionais pesqueiras;
A dificuldade, principalmente das mulheres, em acessar atendimento de saúde adequado e de qualidade, bem como o não reconhecimento das doenças ocupacionais específicas dos trabalhadores/as da pesca artesanal, junto à Previdência Social;
A manobra do governo aliado às organizações burocratas que dificultam e até mesmo negam o acesso aos direitos conquistados;
O acordo de cooperação firmado entre o MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) e CNPA (Confederação Nacional da Pesca e Aquicultura) que fere direitos constitucionais e sindicais, como a livre associação e a autonomia sindical, com o propósito de manter os pescadores/as atrelados à esse sistema de organização que os mantém reféns;
A burocratização do MPA que dificulta o acesso e a manutenção do Registro Geral da Pesca (RGP). Muitos homens e mulheres das águas não conseguem ter seus registros; são obrigados a se recadastrarem anualmente e mesmo assim não tem o RGP reconhecido pelos próprios órgãos do governo ao acessar direitos;
A terceirização dos serviços de responsabilidade do MPA aos pescadores/as que, ao serem repassados à outras organizações cria um circulo vicioso de domínio político, econômico e uso eleitoral;
As constantes ameaças sofridas pelas comunidades tradicionais pesqueiras em luta pelo direito de permanecerem em seus territórios. Diversas tentativas de expulsão as levam à situações de violação dos direitos humanos. Um exemplo emblemático é o caso da comunidade do Cumbe/Aracati, no Ceará, que sofre com a violenta ação da justiça que atua para retirá-la do seu espaço, em benefício de um grupo de empresários da carcinicultura.
O que está acontecendo com as comunidades tradicionais pesqueiras trata-se de um verdadeiro genocídio cultural incentivado pelo Estado. Conclamamos a sociedade brasileira para que conheça e apoie a luta das comunidades pesqueiras afim de que seja preservada sua cultura, sua tradição e o seu modo de vida. Estas comunidades cumprem um papel fundamental na conservação do meio ambiente e na garantia da distribuição de uma alimentação saudável para o povo brasileiro.
Solicitamos da mesma sociedade um gesto concreto em prol desta causa: que se empenhe com todas as forças na Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras. Esta campanha propõe um projeto de lei de iniciativa popular sobre o reconhecimento, proteção e garantia do direito ao território dos pescadores e pescadoras artesanais. Os povos das águas são dignos de representar a luta por um país com menos desigualdades e onde a preservação dos direitos de todo ser humano seja respeitado. Estamos na luta pela preservação do modo de vida, da cultura, do meio ambiente e contra o modelo predatório de crescimento capitalista. Propomos a toda sociedade brasileira a construção de um novo modelo societário: a cultura do Bem Viver.
Quanto às comunidades Tradicionais Pesqueiras, nesta luta, resta-nos dizer, que esse povo resiste! É como bem expressa o profeta bíblico:
“Vejam! Esse povo chega veloz e ligeiro. No meio dele, ninguém cansa, ninguém tropeça, ninguém tem sono, ninguém cochila, ninguém desaperta o cinturão… Suas flechas estão afiadas, e todos os arcos bem esticados; os cascos de seus cavalos parecem de pedra e as rodas de seus carros são como furação. Seu rugido é como da leoa, ruge como leão novo.”
– Is. 5, 26b-30
Nas águas da organização pescando vida e dignidade!
Participantes da assembleia Nacional do CPP
Olinda/PE, 14 de Março de 2014