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José Comblin como educador popular

Notas em torno da II Jornada Comunitária da XIII Semana Teológica Pe.José Comblin, realizada no CEDHOR, em Santa Rita-PB.

 

Neste sábado, dia 15/07, foi vivenciada a Segunda Jornada Comunitária da XIII STPJC. Com a fraterna acolhida da Comunidade Comboniana, mantenedora do Centro de Direitos Humanos Oscar Romero, bem como de vários projetos em defesa dos direitos dos pobres daquela comunidade, e com a participação de membros dos grupos organizadores da XIII STPJC.

 

Calorosamente acolhidas por Gabriela Brito, Coordenadora do CEDHOR, foram chegando diversas pessoas da comunidade local e de outros lugares: de Café do Vento (Pe.Hermínio Canova), Elenilson, ambos integrantes do grupo José Comblin, de João Pessoa: Tania, da CPT, Elinaide, do Coletivo Feminista; Irmã Rita, da Comunidade Comboniana; Odete, Fátima, Fábio, Lia, Elson da Comunidade local; Pe.Wanderlan (vigário paroquial da Conceição, em João Pessoa), Flávio , Marcelo, integrantes do CECAHE; Salene, Eraldo, Alder, membros do Kairós, além da presença de Vera Lucia.

 

De início, tivemos o acolhimento feito por Gabriela que, após dar as boas vindas aos participantes e desejando bom êxito nos trabalhos, cuidou de explicar a ação missionária dos Combonianos, em Santa Rita, em especial descrevem os principais projetos em curso, inclusive o CEDHOR .

 

Pe. Hermínio cuidou de contextualizar os trabalhos da XIII da STJPC, focando suas palavras  especialmente no tema geral da XIII STPJC – sublinhando o objetivo de homenagear José Comblin, profeta da liberdade em seu centenário. Coube, em seguida, a Elinaide,f azer uma apresentação de Alder Júlio, como convidado a provocar uma reflexão para o diálogo entre os presentes  sobre a dimensão de educador popular presente em todo o legado de Comblin.

 

Por sua vez, Alder destacou o sentido de sua fala como uma provocação aos presentes, acerca da Pedagogia combliniana, ao mesmo tempo em que advertiu sobre o caráter compósito do legado de José Comblin, que articula bem sua condição de Teólogo a outras tantas dimensões: a de profeta, a de missionário itinerante, a de historiador, a de antropólogo, a de sociólogo a de Educador.

 

Chamado a fazer uma exposição sobre o tema da segunda jornada comunitária, Alder Júlio iniciou fazendo algumas observações antes da abordagem do tema. Mostrou-se sensibilizado por estar de volta àquele espaço do Centro dos Direitos Humanos Dom Oscar Romero, rememorando-o dia de sua inauguração, há 20 anos. Neste dia, conduzida pelo Pe.Severino, com a participação do Pe.Vicente e de diversos grupos e lideranças comunitárias, seguiu-se  uma procissão  até a  sede  do CEDHOR, que também eu tive a alegria de acompanhar.

 

Desde então, seja pela coordenação do Padre Severino, seja pela coordenação de irmão Chico, e de outras pessoas, o CEDHOR segue desenvolvendo projetos comunitários em defesa dos direitos das crianças e adolescentes (projeto Legal), de defesa das mulheres vítimas de violência, ou ainda pela-atuação e atendimento jurídico à Comunidade.

 

Alder desenvolveu em três momentos sua fala. Começou por refletir o sentido da educação popular trabalhado por José Comblin. Trata-se do processo formativo, continuado e protagonizado por educadores e educandos, tendo como objetivo a leitura crítica da realidade e sua transformação. Sua concepção de educação se mostra próxima a de Paulo Freire.

 

Não por acaso, em meados dos anos 1980, José Comblin convida Paulo Freire a dialogar com Jovens do Centro de Formação Missionária, em Serra Redonda – PB, durante vários dias. Educação Popular, na perspectiva de José Comblin, consiste em fomentar de modo contínuo, um processo formativo baseado no compromisso de educadores e educandos, buscando aprimorar sua consciência crítico – transformadora de realidades e das relações sociais e pessoais, a partir de uma busca de desenvolver de forma coerente as cinco dimensões fundamentais do processo de humanização: a dimensão afetiva (sentir), a dimensão cognitiva (pensar), a dimensão volitiva (querer), a dimensão práxica (agir), a dimensão comunicativa, como também trabalha o Educador Ivandro da Costa Sales .

 

Buscando contrapor-se a uma tendência esquizofrênica pessoal, social, observável sobretudo na sociedade capitalista, e demais sociedades de classes, por meio de distintos aparelhos ideológicos, uma tendência a dicotomizar essas dimensões, de modo a levar as pessoas a sentirem uma coisa, a pensarem uma segunda, a quererem uma terceira, a fazerem uma quarta, e falarem uma quinta coisa.

 

Aí começa também a dimensão metodológica da pedagogia Combliniana: Trata-se de tornar comunidades e pessoas, que busquem coerência de vida, tendo como horizonte o Seguimento de Jesus, que se realiza tanto no plano comunitário como no plano pessoal. Um exemplo ilustrativo dessa perspectiva metodológica podemos observar na formação que Comblin inspirou para o “Curso da Árvore”, uma proposta formativa vivenciada em meados dos anos 1990, tanto nas periferias urbanas (Santa Rita, Bayeux, João Pessoa), como junto às comunidades rurais (Serra Redonda, Mogeiro, entre outras), inclusive em Campina Grande, essa experiência formativa se desenvolveu bastante.

 

O Primeiro ano deste curso (de duração de 5 anos), era chamado de curso básico.

Vale a pena destacar seus pontos principais. Tinha a duração de um ano, era oferecido à jovens do meio popular do campo e da cidade, durante um ano em um final de semana por mês. Os jovens chegavam na sexta feira e o curso prosseguia até o domingo. Seguia-se uma proposta bem entrosada, tanto do ponto de vista dos conteúdos propostos, quanto do ponto de vista metodológico. Eram oferecidos, ao longo do ano, sete temas para estudos: Igreja – comunidade, o mundo dos pobres, vocação, missão, oração, ministérios, povo de Deus, cada um trabalhado em um final de semana por mês, tendo a animação de um educador ou educadora que não agia como “professor”, mas como animador, sempre insistindo no protagonismo de todos.

 

Outra novidade significativa deste curso residia no método de trabalho.

O objetivo era o de articular dinamicamente conteúdos e metodologia, razão por que, em cada final de semana, para o desenvolvimento de cada tema, eram vivenciados oito passos: Oração inicial, motivação, troca de-experiência, caixa de retratos, vida de um santo, documento da igreja, nossa-ação, celebração final. Importa rememorar que cada um destes passos, tinha como objetivo enfatizar o tema especifico de cada mês: Por exemplo, no tema comunidade, buscava-se, desde a motivação, rememorar a importância da comunidade no seguimento de Jesus, seja do ponto de vista bíblico, seja do ponto de vista da vida de um santo ou santa, seja ainda do ponto de vista de algum documento importante da igreja, naquela conjuntura.

O terceiro tópico desenvolvido por Alder tratou de ilustrar os frutos dessa experiência, a grande maioria das quais persiste nos dias de hoje. Cuidou, então, de rememorar as experiências: Seminário Rural (no Avarzeado em Pilões  – PB), que funcionou de 1981 a 1982, tendo sido fechado por Roma, no início do papado de João Paulo II.

 

O centro de formação missionária, em Serra Redonda deu sequência, e com ganhos  significativos, em relação à experiência anterior, na medida em que o CFM abriu suas portas a jovens de todo o Nordeste, oferecendo-lhes a oportunidade e as condições de terem uma formação missionária comprometida com a vida dos camponeses. Pouco depois, graças às demandas, foi fundada também a versão feminina do centro de formação missionária, desta vez em Mogeiro-PB, em 1987.

Outra experiência relevante, inspirada na pedagogia combliniana, foi a da formação da associação dos missionários e missionárias do campo (AMC), que ainda hoje continua realizando suas assembleias anuais de avaliação e planejamento. Além da AMC, cumpre destacar a AMINE (associação dos missionários e missionárias do Nordeste), que atua principalmente nas periferias urbanas do Nordeste. A Pedagogia combliniana se mostra aberta ao Sopro do espírito, de modo a atender as aspirações mais diversas, inclusive a vocação contemplativa sentida pelos jovens, razão pela qual, em meados dos anos 1990, também se cria a fraternidade do Discípulo Amado, reunindo jovens e adultos (homens e mulheres, construindo um mosteiro de leigos e leigas) chamados a uma vida contemplativa, em uma experiência vivenciada no Sítio Catita, no município de Colônia Leopoldina em Alagoas.

 

O curso da árvore, como acima lembrado, constituiu mais uma iniciativa pedagógica inspirada por Comblin. Ainda em meados dos anos 1980, por iniciativa de algumas lideranças jovens, a exemplo de Artur Peregrino, foi criado o movimento de peregrinos e Peregrinas do Nordeste, realizando peregrinações anuais com algumas dezenas de participantes, por diversas regiões do Nordeste, dando sequência a uma tradição de peregrinos da região, como é o caso de jovens como Valdo e José, membros da fraternidade do Discípulo amado.

Uma das mais fecundas dessas experiências pedagógicas também inspirada em José Comblin, se faz presente ainda hoje, nas Escolas de Formação Missionária, a primeira das quais foi fundada em Juazeiro – BA em 1989, sendo seguida, nos anos posteriores, pelas escolas de Formação Missionária em Santa Fé (Solânea – PB), em Esperantina – PI, em Floresta – PE, em Barra – BA e em São Felix do Araguaia – MT.

Em 1998, hoje completando 25 anos, foi iniciado o grupo Kairós: Nós Também Somos Igreja, nascido no contexto de reuniões mensais, na residência do Padre José Comblin, com o objetivo de refletir sobre a conjuntura sócio eclesial. Mais recentemente, graças a iniciativa do Padre Hermínio Canova e outros, vem atuando o grupo José Comblin, com sede no Centro de Formação José Comblin, em Café do Vento, município de Sobrado – PB.

Em sequência à exposição de Alder, abriram-se, sob a coordenação de Elinaide, algumas rodadas de intervenções. A primeira teve como foco a questão sobre a posição de Comblin em relação às mulheres. Concluiu-se que embora o tema feminismo não fosse abordado na obra de Comblin, todos reconhecem sua sensibilidade refinada as lutas das mulheres, de ontem e de hoje, haja vista, por exemplo, o espaço que ele concebe as mulheres do Medievo, (as místicas e sábias da Idade Média), em seu livro “Vocação para a liberdade” (Paulus, 1998), bem como suas profética carta aberta em defesa da presidente Dilma, quando alvo de críticas pela direita eclesiástica, acusando-a de defensora do aborto.

Seguiram-se outras rodadas de questões: alguns enaltecendo a espiritualidade de José Comblin, inclusive observável em seu prefácio ao livro “Oração do Peregrino Russo”, tema de leitura semanal na livraria Paulus, por algumas das pessoas presentes. Outros sublinharam alguns elementos da pedagogia de José Comblin, a exemplo da ênfase que dava à presencialidade no processo formativo. Outros, por sua vez, destacaram a preocupação constante do educador José Comblin com o compromisso pela transformação social, em busca da construção processual de uma nova sociedade.

Já por volta do meio-dia, encerrando os trabalhos, coube ao Padre Hermínio, propor um momento de oração final, após o que todos foram convidados a compartilhar uma merenda suculenta, na sala vizinha ao auditório.

Grupos organizadores da XIII Semana Teológica Pe. José Comblin: Kairós-Nós Também Somos Igreja, Grupo José Comblin, CPT, Coletivo Feminista, CECAHE, CEDHOR.

João Pessoa, 19 de julho de 2023

Foto. Pe. José Comblin

 

Por que as Semanas Teológicas Padre José Comblin?

Buscando reconhecer a fecundidade do legado do teólogo padre Jose Comblin e ao mesmo tempo, compartilha-lo, alguns amigos e amigas do padre José Comblin, decidiram organizar, já no primeiro ano de sua páscoa definitiva (2011), as semanas teólogicas padre José Comblin (STPJC). Para tanto, vários grupos vem se comprometendo em preparar e realizar, anualmente, a STPJC, atualmente em sua XIII edição. Vale lembrar que as STPJC, se realizam durante o ano, nas jornadas comunitárias, organizadas no campo e nas cidades, concluindo com a sessão de encerramento.

 

A XIII STPJC tem como objetivo principal, celebrar o centenário do padre José Comblin, de modo a focar traços básicos de sua trajetória existencial, sua densa formação teológica e sobretudo, sua frutuosa atuação missionária na América Latina (Brasil, Chile, Equador), destacando suas marcas centrais: O perfil de um profeta da liberdade, de um missionário itinerante, de um pedagogo e de um sociólogo com forte fundamentação histórica, entre outros traços que o caracterizam.

No dia 15 de Julho de 2023, foi realizada a segunda Jornada Comunitária, dessa STPJC, no CEDHOR, Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero, no município de Santa Rita/PB, mais precisamente em Tibiri – II, na rua jornalista Roberto Marinho, 23, a partir das 8:30 horas. O tema desta jornada foi “Comblin e a educação popular ”. Assista no nosso canal do Youtube:

https://www.youtube.com/watch?v=QUlN9RxcK_E

 

Próxima jornada (virtual) amanhã, dia 19 de julho:

“O legado histórico e teológico de José Comblin”

https://youtube.com/live/1kKSJlLsyng?feature=share9

 

Grupo Kairós-Nós Também Somos Igreja

Pátria

“Pátria não é lá ou cá, é onde você está, ou em lugar nenhum.” Hermann Hesse, in: Caminhada.

Lembro hoje, dia pátrio na Argentina, de toda a minha trajetória.

Fiz desta terra o meu país.

Nordestinizado, sem nunca deixar de mendocinar.

Uma terra só. É onde estou.

Sentido de los límites

¿Qué hago? ¿Qué estoy haciendo? ¿Qué sentido tiene que yo esté aquí? Estas preguntas me las hago para evitar la acción desconexa. Me integra cuando me alineo con los ejes de mi vivir.

Estaba el sábado pasado en el sitio São João, en Campina Grande. Música a todo volúmen. Me dije a mí mismo que yo no estaba allí para escuchar música a todo volúmen, ni para incomodarme por ella. Estaba por otro motivo.

Sabía cuál era el motivo. Entonces me puse a mirar el baile de una quadrilha. Me dí cuenta de que era algo significativo. Esa gente estaba bailando movida por algo que contagiaba. Los movimientos tenían una rara belleza.

Me absorbí de tal manera que me sorprendí. Veía las caras, los colores de los vestidos, los trajes. Me llené de alegría. Estábamos hospedados en casa de una familia amiga. Gente atenta. Amigable. Reconforta estar en mundos así. Seguiría contando cosas que me integran.

Saber que es el amor lo que me anida. Es algo definido y determinado. Puedo confiar. No necesito violentarme. Al contrario, puedo fluir, y fluyo. No necesito forzarme más allá de mis límites. Siempre admiré el poema “Límites,” de Jorge Luis Borges.

Hoy me toca habitarlos. La edad me ayuda. El trayecto recorrido también. Puedo superar los límites cuando es necesario, pero no me impongo vivir al límite. La vida ya es un límite. Es un borde. Allí encontré y sigo encontrando Jesús. Agradezco el amor que me acoge y envuelve.

La confianza no me hace omnipotente, más bien al contrario, me ayuda a aceptar humildemente mi condición. Por ahí cuesta, porque parece que nos implantan lo ilimitado, o no sé si es parte de la condición humana creer que podemos estar en todas partes.

Pero el hecho de que pueda ir aprendiendo a vivir dentro de mis límites, me alivia. Me tranquiliza. El camino se hace placentero. Un color que ví esta tarde me trajo esa sensación de paz y placer. No sé si era un lila, azul cobalto o magenta.

Sé el efecto que me trajo, y que vuelve ahora. Tranquilidad, paz, placer, serenidad. Sensaciones afines. Sentimiento y sentido. Todo converge. La limitación se hace camino de integración.

Foto: Jorge Luis Borges

Construção coletiva

“Juntos(as) podemos resolver todos nossos problemas”.

A frase estava escrita na louça na sala da Associação de Moradores do Bairro dos Ambulantes, em Mangabeira.

Eu estava ali em busca de uma saída para a depressão em que me encontrava. Anos de distintas terapias, e nada. Não saía do lugar.

Cada vez mais estava afundando dentro de uma desesperança. Falei do que me levava à roda de Terapia Comunitária Integrativa.

Saí dali com uma sensação de alívio. Senti que tinha um rumo. Uma possibilidade. Uma perspectiva. Passaram-se quase 20 anos desse episódio.

Tornei-me terapeuta comunitário e sigo voltando para a roda, em busca de esperança. Confiança. Saber que se pode. Preparo agora um livro sobre a mirada poética.

O que vejo de mim e do mundo quando vejo limpamente. Sem condenação nem preconceitos. Sem julgar. Não se trata de que não julguemos ou não condenemos. Isto é necessário.

O contrário seria pretender que inexiste a ética. Nada disso. Mas no dia a dia posso ser eu mesmo. Não preciso viver à defensiva. Preso dentro de mim mesmo. Como se tudo fosse perigoso. Não é.

Posso ser eu mesmo e viver confiante. Há um lugar para mim que refaço quando me reintegro no agir comunitário. Aqui a fé. Aqui a alegria. Aqui a esperança.

Me quedó una tarea cotidiana

Restablecer la confianza

Saber que no hay amenazas ni agresiones alrededor

No preciso defenderme de quien me ama

Quien me ama no me agrede

El cuerpo no lo sabe

Pero yo sí

Tengo que irme enseñándome con infinita paciencia

La guerra acabó

El engranaje de la violencia puede ser desactivado

No necesito atacar constantemente

La guerra acabó

¿Podré acostumbrarme a esto?

Humildemente lloro y me dispongo a mejorar

Un día por vez

Otra vez y siempre.

Me propuse a ser el que era antes de la dictadura

Antes de la correccional

Antes de la violencia familiar

Antes de todo

Y fui volviendo

Viendo que sigo yo en algún lugar de mí

Algo de mí está sano y salvo

Salvo que de vez en cuando tropiezo

Y empieza todo de nuevo.

Y no tengo más remedio que darme otra vez un voto de confianza

Decirme con infinita paciencia que yo no hice nada

Yo no tuve la culpa

Culpa de nada

Puedo ser amado y soy amado

Soy como soy y esto es bueno

Mi niño lo sabe y me sabe

Me lo hace saber por interpósita persona

Y directamente.

20 años atrás, exactamente

Nacía Mosaico, mi libro de memorias y crónicas

Cantos y cuentos que, les cuento

Man in colors

Un libro amarillo

Un arco-iris en el cielo

Todos los colores

Ahora viene la continuación

La mirada poética

El cielo adentro, no el infierno

Amarillo y rojo.

Fazendo memória de dois movimentos populares: Caldeirão e as  Ligas Camponesas

Neste 02 de abril, data do assassinato de João Pedro Teixeira, ocorrido em 02 de abril de 1962 em Sapé, aconteceu mais uma manifestação popular, em memória de João Pedro Teixeira e de vários companheiros e companheiras de luta, membros da gloriosa Liga Camponesa de Sapé, considerada das mais combativas do Nordeste.

Como de hábito, esta data é comemorada na Sede do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, situada na Comunidade de Barra de Antas, em Sapé – PB.

Há 61 anos, quando João Pedro retornava de João Pessoa, aonde havia ido tratar de assuntos relativos a liga, após descer do ônibus, na entrada de Sapé, ao caminhar cerca de 3 quilômetros, sofreu uma emboscada, cometida a mando de grandes latifundiários pertencentes ao chamados Grupo da Várzea. Com o vigoroso ascenso das Ligas camponesas na região, sendo a de Sapé a mais atuante, da qual João Pedro era a principal referência, sucessivas ameaças de morte – não bastassem recentes assassinatos de outras lideranças camponesas de Sapé (dentre as quais João Alfredo Dias – Nego Fuba – e Pedro Inácio de Araújo – Pedro Fazendeiro -) -, resultaram no assassinato de João Pedro Teixeira, que trazia consigo livros e cadernos para os filhos.

Importa também destacar o protagonismo de Elizabeth Teixeira, sua esposa. Com uma tarefa árdua – a de cuidar de seus 11 filhos -, não restava muito tempo a Elizabeth para dedicar-se com mais afinco aos trabalhos da Liga, ao lado de seu marido. Por outro lado, em face das crescentes ameaças feitas ao seu marido, João Pedro externava a Elizabeth seu pressentimento de que iria ser assassinado. Em entrevista, Elizabeth conta que, a certa altura, todas as noites João Pedro ia se despedir de cada filho, enquanto, por mais de uma vez, perguntou a Elizabeth se ela daria continuidade a sua luta. Reticente, ela desconversa, até que, ao encontrar o marido estirado em uma pedra no hospital, já morto, toma sua mão, e diz: “João Pedro, eu marcharei na tua luta”. Desde então, mesmo tendo que cuidar de seus 10 filhos – pois a mais velha, pressentindo o clima de terror, vem a suididar-se -, passa a enfrentar firmemente a luta Camponesa na região, até que, com a sobrevida do Golpe de 64, ela é obrigada a refugiar-se em São Rafael no Rio Grande do Norte, trazendo apenas seu filho de braço, e tendo que deixar os outros filhos a cargo da família, resultando em enorme trauma pra mãe e filhos. Acerca do legado da Liga de Sapé, convém acessar o site:

 

https://www.ligascamponesas.org.br/

 

Importante igualmente aprofundar o conhecimento deste tema por meio da leitura, seja pessoalmente, seja em grupo, de livros e documentários sobre as Ligas Camponesas, no Nordeste, desde a Liga do Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão – PE, onde está seu berço. O filme “Cabra marcado pra morrer”, de Eduardo Coutinho, constitui um clássico sobre as lutas camponesas, no Nordeste. Digno de nota, a este respeito, é que, enquanto João Pedro se tornou conhecido pelo título do filme “Cabra marcado para morrer”, Elizabeth Teixeira, sua esposa, hoje com seus 98 anos, é conhecida como “Mulher marcada para viver”.

 

Não foram em vão as lutas travadas pelas Ligas Camponesas, inclusive a de Sapé: tornaram-se sementes das quais brotaram, no campo e na cidade, outros Movimentos Populares, a exemplo do MST e do MTST.

A Caminho do Memorial, na companhia de Frei Roberto e Eraldo, tivemos o cuidado de nos deter, por alguns minutos, à frente da capelinha em memória de João Pedro Teixeira, onde, comovidos, fizemos oração por João Pedro e todos os mártires das Ligas Camponesas.

 

O Movimento de Caldeirão, que se deu entre 1926 a 1936, na área rural situada no Município de Crato – CE, constitui um  relevante capítulo da nossa história de resistência popular, no Nordeste. Sobre ele, há diversos textos e documentários disponibilizados.  Claudio Aguiar, por exemplo, é autor de um romance “Caldeirão” (José Olympio Editora, RJ) bem conhecido sobre o tema, em 1982, tema sobre o qual o mesmo autor elaborou mais recentemente “Caldeirão, a guerra dos Beatos” (2013). Em um texto intitulado “Movimentos e Lutas Sociais no Nordeste”, dedicamos um breve estudo sobre o mesmo tema em 1982. Após os anos 2000, foram produzidos vários documentários sobre o Movimento Caldeirão, dos quais nos permitimos destacar o seguinte: https://www.youtube.com/watch?v=k1FGhelqkjI

 

O Beato José Lourenço, de origem paraibana, mudou-se para Juazeiro, atraído pelos feitos do Pe. Cícero Romão, de quem se aproximou, a ponto de gozar de sua confiança. Sua primeira experiência de trabalho foi no Sítio Baixa Dantas, no Cariri Cearense, Sítio em que protagonizou, juntamente com outros trabalhadores da região, uma experiência de produção agrícola, especialmente no campo da fruticultura, cuja produtividade logo atrairia os maus olhares de gente poderosa da região, sobre o pretexto de que aquela comunidade apresentava um modelo organizativo estranho ao regime dominante. Não demorou muito, e a experiência resultou destroçada pelos poderosos da região.

 

Surgiu, então, uma nova oportunidade para o Beato José Lourenço e sua comunidade: a de se instalarem em outra área conhecida como “Caldeirão dos Jesuítas”, fazendo assim renascer, de modo ainda mais fecundo, uma experiência comunitária de trabalho e oração. Com efeito, diversas fontes dão conta do compromisso da comunidade de Caldeirão, animada pelo Beato José Lourenço e por figuras tais como o Beato Severino Tavares, com a construção de uma comunidade de trabalho e de partilha, bem ao modo do que se encontra no Livro Atos dos Apóstolos, cap.4, 34-35 “Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuem segundo a necessidade de cada um”. Ou seja, orientando-se pelo princípio mais característico de uma experiência comunista: “De cada um conforme suas possibilidades, para cada um, segundo suas necessidades”. Especificamente sobre a relação Cristianismo – Comunismo, vale a pena conferir o recente estudo feito por Eduardo Hoornaert, acessando seu blog: textos de Eduardo Hoornaert.

 

O movimento de caldeirão, aos olhos dos setores escravistas daquela região, trazia de volta o fantasma da Comunidade de Canudos, em sua semelhante experiência de trabalho, partilha e oração, sob a animação de Antônio Conselheiro, tal como interpretou o poeta-repentista Ivanildo Vila Nova:

 

“Num deserto profundo e sem ter fonte

Já surgiu um regime igualitário

Onde um justo já sexagenario

Fez erguer a cidade de Belo Monte

Para então vislumbrar um horizonte

Sem maldade, sem crime, sem dinheiro

Sem bordel, sem fiscal, sem carcereiro

Mais, foi morto e tombado por selvagens

A história fará sua homenagem

A figura de Antônio Conselheiro “

 

Importa notar que, apesar e para além dos massacres sofridos, os poderosos não conseguiram (nem conseguirão) aniquilar as lutas camponesas do movimento de Caldeirão (nem de outros movimentos populares). Disto é prova certa continuidade do movimento de Caldeirão pela comunidade de Pau de Colher (Bahia), animada pelo beato José Senhorinho.

Tal como a Comunidade de Canudos foi destroçada pelo Exército brasileiro, em nome da classe dominante, a Comunidade de Caldeirão foi também massacrada por forças militares do Ceará. Exercitar a memória histórica representa, para os de baixo, uma condição necessária para o seu processo de libertação. Assim como o Memorial das Ligas e Lutas Camponesas da Paraíba segue fazendo, os movimentos populares são igualmente chamados a fazerem memória de suas lutas.

 

Eis por que, justamente nesta semana, a CPT do Nordeste II incluiu em seu programa de  formação um estudo especial sobre o movimento de Caldeirão, em Café do Vento, tendo convidado Frei Roberto Eufrásio de Oliveira, na companhia de Pe. Hermínio Canova, para ministrar este curso.

 

João pessoa, 06 de Abril de 2023