Já pensou ter dia e hora marcados para sair à força de sua casa? Faltando alguns dias para o Natal, quando se celebra o nascimento do menino Jesus, pisca-piscas brilham e decoram árvores coloridas, aproximando toda a família no aconchego do lar. Mas as 300 famílias do Acampamento Hugo Chávez, no Pará, com seus 150 meninos e meninas, serão arrancadas de suas casas devido a uma liminar de despejo e jogadas em alguma beira de estrada, sem casa, comida ou acesso à escola.
Assim como no Acampamento Hugo Chávez, nesta região de Marabá, desde o final do mês de outubro de 2017, cerca de 8 mil homens, mulheres e crianças convivem, diariamente, com essa triste expectativa. Serão expulsas e expulsos de suas casas, com plantações destruídas, escolas vindo abaixo, assim como os sonhos de ter um lugar para viver.
As liminares de despejo foram expedidas pela Vara Agrária de Marabá e pelo Tribunal de Justiça do Estado. Para despejar essas famílias, o Governo do Estado do Pará ordenou que cerca de 115 policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar permaneçam na região por tempo indeterminado para cumprir liminares em 20 fazendas localizadas nos municípios próximos de Marabá. (Obs: No documento abaixo, você entenderá melhor a situação jurídica de algumas dessas áreas)
No mês de novembro deste ano, para manifestar apoio aos camponeses e camponesas do Pará, a Missão Ecumênica Pau d´Arco, formada por líderes religiosos, representantes de movimentos populares, e organizações de direitos humanos, visitou os acampamentos Jane Júlia e Hugo Chávez, ambos na lista de despejos.
“A história da concentração de terras, de riqueza e de poder nas mãos de pouca gente deixa um rastro de sangue e miséria nas terras do Sul e Sudeste do Pará há muitos anos”, concluíram, em documento divulgado após a Missão, os membros da comitiva. Clique aqui e veja a carta na íntegra.
Crianças, jovens, adultos, e idosos: todos e todas clamaram para que os membros da Missão Ecumênica ajudassem as famílias a “não serem jogadas fora na beira da estrada”, como ressaltou uma professora e acampada do Hugo Chávez. Diante disso, faz-se necessário e urgente que nos mobilizemos para que milhares de pessoas não sejam tiradas à força de seus lares.
A Campanha #DespejosDeNatal tem como objetivo mobilizar a sociedade civil brasileira e a comunidade internacional a sensibilizar e pressionar as autoridades públicas do estado do Pará a suspender o despejo de cerca de 300 famílias (e em torno de 150 crianças) do Acampamento Hugo Chávez, que já têm data certa para acontecer: no dia 13 de dezembro, às vésperas do Natal!
AJUDE A EVITAR OS #DespejosDeNatal! ENVIE MENSAGENS AO GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, À VARA AGRÁRIA E AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ.
OS CARTÕES DE NATAL PERSONALIZADOS (EM PORTUGUÊS E INGLÊS) ESTÃO DISPONÍVEIS AQUI: https://goo.gl/9LwNPZ
Mais de 2 mil famílias perderão suas casas e plantações em operação de despejo autorizada pela Vara Agrária de Marabá (PA)
Em Nota Pública divulgada no dia 1º de novembro de 2017, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denunciam que “cerca de de 8 mil pessoas entre homens, mulheres e crianças, estão sendo expulsas de suas casas e tendo suas plantações destruídas em decorrência de uma operação de despejo”. Confira o documento na íntegra e entenda o caso:
Cerca de 8 mil pessoas entre homens, mulheres e crianças, estão sendo expulsas de suas casas e tendo suas plantações destruídas em decorrência de uma operação de despejo iniciada em Marabá na semana passada [última semana de outubro]. Por ordem do Governo do Estado, 115 policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Pará permanecerão na região por tempo indeterminado, para cumprir liminares em 20 fazendas localizadas nos municípios próximos de Marabá. As liminares foram expedidas pelo juízo da Vara Agrária de Marabá e pelo Tribunal de Justiça do Estado. A operação atende aos pedidos dos fazendeiros que nos últimos meses vem exigindo do Governo do Estado e do Juiz da Vara Agrária de Marabá o cumprimento das liminares e o despejo das famílias.
Três das fazendas (Cedro, Maria Bonita e Fortaleza) em que as famílias serão despejadas pertencem ao grupo Santa Bárbara, do Banqueiro Daniel Dantas. Essas três fazendas estão ocupadas desde 2009 por 850 famílias ligadas ao MST. Na fazenda Maria Bonita 212 dessas famílias já estão na posse da terra há 4 anos. Cada uma reside em seu lote, tem sua casa com energia instalada e uma vasta produção de alimentos. Há 06 anos que o Grupo Santa Bárbara fechou um acordo de venda dessas fazendas para o INCRA. O processo está na fase final para pagamento. A Santa Bárbara não exerce atividade em nenhuma dessas fazendas. A pergunta que os movimentos fazem é: se o INCRA está comprando os imóveis, porque o Justiça vai mandar despejar essas famílias?
A Fazenda Fortaleza, com áreas de 2.900 hectares, é resultado de uma fraude grosseira, na verdade, conforme informações do próprio INCRA, a área a sua totalidade é composta de terra pública federal, devidamente arrecadada e matriculada em nome da União. Criminosamente, foi utilizado um título “voador”, expedido pelo Estado do Pará, para outra área, a mais de 150 km do local, localizada no município de Água Azul do Norte.
O Grupo Santa Bárbara comprou essas áreas da família Mutran. São antigos castanhais que foram destruídos e sua finalidade desviada para a formação de pastagem e criação de gado. As liminares foram conseguidas no ano de 2010 num processo nebuloso, envolvendo uma juíza de Marabá. Em pleno funcionamento da Vara Agrária, a juíza recebeu os pedidos de reintegração de posse em um plantão de fim de semana, ignorou todos os procedimentos obrigatórios da Vara Agrária e deferiu as liminares no mesmo dia. Na segunda-feira seguinte, a juíza titular da Vara Agrária cassou todas as liminares e marcou audiência para ouvir as partes e os órgãos de terra. O grupo Santa Bárbara recorreu da decisão e o Tribunal confirmou a decisão da juíza do plantão. Há 7 anos que essas liminares se arrastam e agora o juiz da Vara Agrária determinou o seu cumprimento.
Outro imóvel ocupado por 200 famílias do MST é a Fazenda Santa Tereza. Um antigo castanhal, destruído e transformado em pastagem pela família Mutran. O último comprador do aforamento foi o empresário Rafael Saldanha. Mesmo sabendo dos crimes ambientais praticados no interior do imóvel e de uma decisão da Vara Agrária de Marabá que confirmava a propriedade do castanhal como sendo do Estado do Pará, o ITERPA, numa operação definida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará como fraudulenta, titulou definitivamente o imóvel em nome do Empresário. De posse do título, Rafael Saldanha requereu o despejo das famílias.
As outras áreas onde as famílias já estão sendo despejadas envolvem grupos menores e são ligadas a outros movimentos sociais. Algumas delas incidem em terras públicas e as famílias já residem e produzem no local há anos, mesmo assim, estão sendo despejadas. Os despejos ocorrem no momento em que inicia o período chuvoso e as famílias já estão plantando suas roças. Despejadas, as famílias não terão para onde ir. A situação é de desespero e indignação.
Apenas nas fazendas Maria Bonita e Santa Tereza, são 255 crianças que atualmente estão matriculadas e frequentando a sala de aula no local. O despejo das famílias significará a perda do ano letivo para todas elas.
Para proteger o interesse de uma meia dúzia de latifundiários, o Estado e o Poder Judiciário dão as costas para mais de 2 mil famílias que só querem terra para morar e produzir.
Organizações envolvidas
A Campanha #DespejosDeNatal é uma realização das organizações envolvidas na Missão Ecumênica: Realização do Fórum Ecumênico Brasil (FeBrasil), Processo de Articulação e Diálogo Internacional (PAD). Organização do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), Diocese de Marabá, Conceição do Araguaia e Xinguara. E apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e das agências internacionais Misereor, Brot für die Welt, Christian Aid, Heks Eper e Fundação Ford.
Além das organizações realizadoras, participaram ativamente da Missão e construção da Campanha representações da Igreja Presbiteriana Independente, Igreja Presbiteriana Unida, Igreja Católica, Aliança de Batistas do Brasil, Paróquia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, e Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST).
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Após 14 anos de luta, foi condenado pelo Tribunal do Júri do Pará o mandante do assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho. O fazendeiro e madeireiro Décio José Barroso Nunes, o Delsão, foi sentenciado a 12 anos de prisão por crime de homicídio duplamente qualificado. Esse resultado foi possível graças à coragem de testemunhas que mesmo ameaçadas, concordaram em contribuir com a Justiça. A decisão do júri fortalece o enfrentamento aos crimes praticados contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais, especialmente no Estado do Pará.
O Sindicalista Dezinho foi assassinado em 21 de novembro de 2000. Welington, autor dos disparos, foi preso em flagrante por populares logo após o crime. Foi condenado a 27 anos de prisão, mas, autorizado a passar um feriado de final de ano em casa, nunca mais retornou para cumprir a pena. Os intermediários do crime Igoismar Mariano e Rogério Dias tiveram suas prisões decretadas, mas nunca houve interesse da polícia em prendê-los. No ano passado, dois outros acusados de terem participação no crime (intermediário e mandante) foram julgados mas foram absolvidos.
Ao longo dos anos a tramitação do processo, sempre foi marcada por situações nebulosas e mal explicadas que favoreceram o poderoso madeireiro e fazendeiro Delsão. Quando foi preso preventivamente em 30 de novembro de 2000, Delsão passou apenas 14 dias na prisão, pois foi beneficiado por uma liminar do então Desembargador Otávio Maciel, numa situação inusitada. Quando os advogados de Delsão ingressaram com o pedido, o HC foi distribuído para a Desembargadora Yvone Santiago. Estranhamente, os advogados desistiram daquele HC e protocolaram um segundo HC que desta vez foi distribuído para o desembargador Otávio Maciel. O desembargador, contrariando a sistemática do Tribunal, deferiu o pedido de liminar sem solicitar informações da juíza de Rondon que tinha decretado a prisão preventiva do fazendeiro. Graças a esse artifício, Delsão foi colocado em liberdade apenas 14 dias após ter sido preso.
Na conclusão da instrução do processo, a então promotora do caso Lucinere Helena, que respondia temporariamente pelo MP em Rondon requereu a impronúncia de Delsão, mesmo com provas contundentes de participação de Delção no crime. Acompanhando este absurdo posicionamento, o então juiz da Comarca, Haroldo da Fonseca, impronunciou o acusado Delsão. A assistência de acusação ingressou com recurso e o Tribunal de Justiça do Pará cassou a decisão do juiz e determinou que o fazendeiro fosse julgado pelo tribunal do júri.
Com o desaforamento do processo da comarca de Rondon para a comarca de Belém, foi então marcado o julgamento. Mais uma vez fomos surpreendidos pela decisão de vários promotores de se negarem a fazer a acusação do fazendeiro no julgamento. Após as sucessivas e injustificáveis recusas a escolha do promotor que concordou em assumir o processo só ocorreu 15 dias antes do julgamento, na véspera de um feriadão. Um processo complexo, com quase 4 mil páginas. Felizmente o promotor indicado, apesar do curto espaço de tempo, cumpriu sua missão na condenação do fazendeiro.
Durante a seção do tribunal do júri, no dia 29/04, o Juiz Moisés Flexa, que coordenou os trabalhos, tentou durante todo o tempo desqualificar o trabalho do promotor, da assistência e o depoimento das testemunhas de acusação. Mesmo frente a essa situação constrangedora, os jurados, por 4 votos a 3 decidiram pela condenação do fazendeiro. Após a leitura da sentença, o juiz, mais uma vez, surpreendeu e indignou a todos os presentes: a condenação foi por homicídio duplamente qualificado, o qual a pena mínima é de 12 anos e máxima de 30 anos. Inexplicavelmente, o juiz definiu a pena em 12 anos e ignorou as qualificadoras.
Lamentamos ainda que o Sr. Juiz do feito, no julgamento anterior do fazendeiro Perrucha e no Julgamento de Delção, tenha afrontado os advogados assistentes de acusação Dr. Marco Apolo e Fernando Prioste (da SDDH e entidade de Direitos Humanos Terra de Direitos respectivamente), criticando indevidamente e colocando em dúvida a atuação profissional e conhecimento técnico destes advogados. Ao afirmar por exemplo, que todas as perguntas feitas à Viúva de Dezinho eram periféricas, o Sr. Juiz desqualificou não só as perguntas, mas também as respostas de uma testemunha ocular do crime e que por anos tem buscado justiça mesmo sob constantes ameaças.
Na verdade, afora os acontecimentos inusitados deste caso específico, está colocado o desafio de buscar o fim da impunidade em uma história marcada por uma questionável ligação de parcela do Estado Brasileiro e de suas instituições com o poder do latifúndio. O poder judiciário, O Ministério Público, e os órgãos do sistema de segurança pública ainda devem respostas efetivas às centenas de crimes cometidos contra trabalhadores rurais e suas lideranças, cujos processos, inacreditavelmente, muitas vezes são extintos pela prescrição e não pela prestação jurisdicional.
Conclamamos ainda as instituições competentes a investigar os outros crimes relatados descritos nos depoimentos prestados nessa última sessão do Júri que tratam de execuções contra ex-trabalhadores das fazendas do fazendeiro condenado.
A história do Pará e do Brasil envolve centenas de personagens, como os mais de oitocentos trabalhadores rurais assassinados em nosso Estado nos últimos trinta e cinco anos. Mesmo com tudo isso, a condenação do mandante da morte do sindicalista Dezinho é uma vitória contra a violência e a impunidade no campo.
Belém/Rondon do Pará, 30 de abril de 2014. Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará – FETAGRI
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Sociedade Paraense de Direitos Humanos – SDDH
Comitê Dorothy
Justiça Global
Terra de Direitos
Jornal O Globo de 29 de janeiro de 1929 Por Gustavo Barreto O jornal O Globo de 29 de janeiro de 1929 anuncia, sem quaisquer comentários adicionais – exceto uma leve desconfiança –, o início das operações da Companhia Nipônica de Plantações do Brasil na Amazônia, mais especificamente no Pará.
“Já se acha desde alguns dias archivada na Junta Commercial a escriptura da Companhia Nipponica de Plantações do Brasil. A empresa japoneza está apenas no inicio do seu estabelecimento, e ainda se afigura muito cedo para julgar das vantagens que pôde trazer ao desenvolvimento economico do Estado. A espectativa paraense a seu respeito é, por assim dizer, neutral”, diz a nota. O objetivo da empresa estrangeira, informa o jornal, é trazer famílias de imigrantes japoneses para produzir arroz, tabaco, algodão, cacau, além de criar gado em larga escala e estabelecer fábricas de produtos agrícolas, florestais e minerais. O estatuto da empresa, continua o diário carioca, incluía ainda “vender, comprar e transaccionar com o publico, construir e explorar estradas de ferro, estabelecer outros meios de transporte possíveis em terra e agua, explorar estabelecimentos bancarios, fundar escolas e hospitaes, construir edificios para fins religiosos e beneficentes, etc”. O capital inicial, comenta o jornal, era de 4 mil contos, que “será oportunamente augmentado, de conformidade com o proprio incremento da immigração japoneza e o desenvolvimento dos negocios que vae iniciar”. Um dos lugares para onde os japoneses se dirigiram, segundo os relatos históricos, foi a pequena vila de Tomé-Açú, no nordeste do Estado. Um grupo de cientistas identificou como produtivas para a agricultura áreas no Estado do Amazonas e Pará. Segundo registra a Revista Planeta em abril de 2013, citando a historiadora Fusako Tsunoda, o governo japonês preparou a primeira missão técnica à região em 1926, nos Estados Unidos. “Na biblioteca de Nova York, os pesquisadores encontraram a mais completa documentação existente a respeito do clima, do solo, da geografia, da mineralogia, da botânica e das doenças da Amazônia. Nesse mesmo ano, Henry Ford iniciara uma grande plantação de seringueiras na maior floresta tropical do mundo, perto de Santarém (PA)”, afirma a publicação. A primeira colônia – 189 pessoas em 42 famílias1 – chegou em Tomé-Açu justamente no ano de 1929. Além de arroz e hortaliças, eles passaram a produzir pimenta-do-reino – com incríveis 5 mil toneladas colhidas por ano no final dos anos 1940, após a Segunda Guerra Mundial. A cidade se tornou nada mais nada menos que o maior produtor mundial da especiaria, neste período – e foram os próprios japoneses que a trouxe, de Cingapura.2 O primeiro grupo de imigrantes, em 1929 (Foto via Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) É curiosa a vinda da pimenta-do-reino para o interior do Pará. A caminho do Brasil – registra a reportagem do Globo Rural em abril de 2008 –, um navio de imigrantes japoneses teve que aportar em Cingapura, depois da morte de uma passageira. O chefe da embarcação comprou em Cingapura 20 mudas de pimenta-do-reino – também conhecida como pimenta-redonda ou pimenta-preta – daí seu apelido de “diamante negro”. Apenas duas destas mudas vingaram e transformaram Tomé-Açu no maior produtor mundial da especiaria. A descrição da Revista Planeta em sua edição de abril de 2013 faz o acontecimento soar quase que como um milagre: “Em Tomé-Açu, as mudas foram plantadas na Estação Experimental de Açaizal e esquecidas. Apenas duas sobreviveram e foram replantadas, em 1947, cada uma por um agricultor japonês. As sementes dessas plantas formaram outras, e em dez anos tapetes verdes de pimenta-do-reino se estendiam sobre Tomé-Açu”3. Os japoneses foram surpreendidos pela fusariose, uma doença causada por um fungo, mas não desistiram do produto. Acabaram, no entanto, por diversificar a produção: passaram a investir também no cultivo de frutas tropicais, especialmente no açaí. Os japoneses também produziam acerola, cacau e açaí, entre outros produtos. Hoje, o município deve aos japoneses seu apelido: a “Terra da Pimenta”. Plantação de pimenta-do-reino na década de 1950. (Foto via Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) Desde o final do século 20 e início do 21, no período das grandes migrações para a América Latina, era grande o número de japoneses que foram para o Peru. Alguns deles desceram os Andes e dirigiram-se para a Amazônia, atraídos pela notícia da prosperidade da borracha.
“Apesar de o Censo Demográfico de 1920 registrar a presença de 26 japoneses no Acre, é possível que houvesse um número bem maior, considerando a clandestinidade dos imigrantes nipo-peruanos naquela região. Em 1929, houve uma intensificação na migração para a Amazônia, justificada pelo contexto histórico da época, para a colonização do novo mundo. As motivações dos japoneses também fazem parte desse contexto e eram de ordem econômica e social”4. Os empreendedores citados pelo diário carioca O Globo de 29 de janeiro de 1929 conseguiram atrair muitos japoneses que, segundo a imigrante e pesquisadora Reiko Muto, da Universidade Federal do Pará, “sonhavam adquirir e desbravar extensas terras planas, lugares de animais selvagens e plantas exóticas”. A formação das primeiras colônias no Estado foi iniciativa das Indústrias Kanebo (Nantaku) – cujo nome comercial, conforme registro d’O Globo em 1929, era Companhia Nipônica de Plantação do Brasil –, com apoio do governo do Pará diante do aparente êxito dos imigrantes japoneses em São Paulo. “Acertou-se que cada imigrante receberia 25 hectares de terra”, registra a Revista Planeta, que acrescenta: “A Nantaku se comprometia a ajudar com material para a construção de casas de madeira e a fornecer ferramentas para derrubar a mata. Também foram construídos um hospital e um armazém de abastecimento de produtos de primeira necessidade.” Entre 1929 e 1937 chegaram em Tomé-Açu mais de 2 mil pessoas, em 405 famílias, segundo Reiko Muto. Um processo parecido aconteceu no Amazonas, principalmente em Parintins.
“Outro grupo comandado pelo político japonês Uyetsuka trouxe 248 alunos da Escola Superior de Kokushikan e mais 270 agregados para Vila Amazônia, em Parintins, no Amazonas, entre os anos de 1930 e 1937. Nesse mesmo período, um terceiro grupo de, aproximadamente, cinquenta imigrantes entrou em Maués, também no Estado do Amazonas”, aponta um registro de Reiko Muto. Uma das casas dos primeiros imigrantes. (Foto via Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) Em um segundo período – a chamada “Nova Imigração”, após a Segunda Guerra Mundial –, os imigrantes chegaram a partir de 1953, para as colônias dos Estados do Amazonas, Pará e uma pequena parcela para os antigos territórios federais do Amapá, Rondônia, Roraima e Acre. De acordo com Reiko Muto, entre 1953 e 1976 entraram 6.375 imigrantes na região Norte do Brasil, indo 69% deles para o Pará. As dificuldades com o clima, a infraestrutura deficitária e o idioma foram em parte superadas com o apoio mútuo entre a população local e os japoneses. “Do resultado dessa integração com a comunidade local, os imigrantes remanescentes de Parintins e Maués tiveram grandes sucessos com a plantação de juta, e os imigrantes de Tomé-Açu, com o cultivo da pimenta-do-reino. Dois produtos de grande relevância na pauta de exportação do Estado do Pará, nas décadas de 1950 a 1970”, aponta o registro de Reiko.5 Muitos, no entanto, acabaram não resistindo à malária – “que sempre aparece dois ou três anos depois que se abre a mata”, registra a revista National Geographic de julho de 2007, citando um imigrante – e outras doenças, devido à precariedade dos serviços e da pouca mobilidade.6 Tomé-Açu passou a ser conhecida como “o inferno da Amazônia”, e muitas famílias mudaram-se para Belém e São Paulo “simplesmente para escapar da morte”. Os imigrantes sofriam mais do que os nativos pois “sua dieta pobre em proteínas deixava-os mais vulneráveis à doença”7. Além disso, escoar a produção era um outro desafio importante, conforme registro de uma imigrante, Hajime Yamada, um senhor de 86 anos que chegou na primeira leva de imigrantes em Tomé-Açu, aos dois anos de idade, acompanhado dos pais e três irmãos: “Nós gastávamos quatro horas de viagem para levar produto daqui até chegar ao porto de Tomé-Açu para fazer o embarque. E gastava mais 15 ou 20 horas para chegar à capital. Muito chegava na capital e não tinha o comércio para vender tudo. Muitas vezes, jogamos até no rio”.8 Pioneiros dos imigrantes de Tomé-Açu. Foto do acervo de Reiko Muto (UFPA)
“Nossa grande sorte foi não entrar em aventuras. Enquanto muita gente veio para a Amazônia atrás de ouro e madeira, nós sempre estivemos mais preocupados em cultivar a terra e manter nossas tradições”, disse Shujui Tsonoda, presidente da Associação Cultural de Tomé-Açu, um imigrante do pós-guerra.9 Em agosto de 1993, segundo um registro da revista Veja publicado no portal do projeto de 100 anos da imigração japonesa (1908-2008), moravam em Tomé-Açu 274 famílias de japoneses, com a última chegada ocorrendo em 1978.
“A colônia deu certo porque ficou aqui sessenta anos e se manteve muito unida”, disse o presidente da Associação Cultural, que fornece 800 fitas de vídeo japonesas para a comunidade, promove festas e administra a escola de língua japonesa.
“Na comunidade nipônica de Tomé-Açu não existe um analfabeto sequer. Nem todos sabem ler e escrever em português. Mas todos sabem japonês. A maior estrela nas escolas locais é Shigenori Moritomo, um professor aposentado de 60 anos, que está há seis meses no Brasil, enviado especialmente pelo Ministério da Educação do Japão. Moritomo não fala nem entende uma palavra de português, dá aulas de Geografia, História e Música Japonesa, tem casa e o salário mensal de mil dólares pagos pelo governo do Japão. Ele é um professor itinerante. Foi contratado pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica) para uma temporada de dois anos no interior do Pará, depois de passar outros dois em Teerã, no Irã, ensinando a língua”, aponta o registro na Veja de 18 de agosto de 1993.
“É surpreendente como essa comunidade se manteve unida em um lugar tão isolado. Encontrei aqui hábitos e costumes que há muito tempo não existem no próprio Japão”, disse o professor Moritomo à época, citado na reportagem da revista semanal. O senhor segurando uma pimenta é Noburo Sakaguchi, que segundo apurou a National Geographic é um dos pioneiros das chamadas “agroflorestas” – plantações, como as de acerola, que crescem em simbiose com áreas reflorestadas. “Noburo, que chegou ao norte do Pará em 1956 com 14 dólares no bolso, é um exemplo de sucesso: hoje dá palestras explicando como é possível melhorar a produtividade da terra e preservar o ambiente”, comemora a revista. A filosofia dos japoneses de Tomé-Açu – passada de geração em geração desde 1929 – é baseada num tripé, aponta a publicação: trabalho em comunidade, austeridade econômica e cooperativismo. Com base nela, em 1985 a colônia se reuniu, criou a Companhia de Eletrificação Rural de Tomé-Açu e “foi à luta”. Diz a publicação: “Conseguiu que o Japão financiasse dois terços dos 3,6 milhões de dólares necessários para a construção de 192 quilômetros de eletrificação, que beneficia uma área de 50 mil hectares onde estão japoneses e brasileiros. A mesma receita serviu para a instalação de 140 telefones celulares para a comunidade rural”. O prefeito à época atesta: “Foram eles que idealizaram tudo e buscaram o financiamento para tocar as obras”. Há também em Tomé-Açu descendentes dos imigrantes que voltam ao Japão para buscar oportunidades de trabalho – e mostram que a identidade “étnica” ou “nacional” ainda é um elemento sem uma definição exata. Aponta a revista que, em 1993, dos 1.362 descendentes de japoneses do município, 400 estavam no Japão. E cita a Veja: “É o caso de Humberto Kato, de 29 anos, e Sonia Izumi Kato, de 23. Eles passaram três anos trabalhando no Japão, tiveram lá dois filhos e conseguiram economizar 52 mil dólares. Com esse dinheiro, acabam de comprar uma fazenda de 500 hectares em Tomé-Açu, uma caminhonete e uma casa em Belém.”
“Meu Japão é aqui”, afirma Humberto, citado pela revista. Naquele ano, dois cultivos que os japoneses conhecem muito bem – acerola e maracujá – davam ânimo contra tempos turbulentos. “A produção de acerola passou de 115 toneladas em 1991 para uma previsão de 855 toneladas neste ano [1993]. A de maracujá deu um salto de 449 toneladas para 1.270 neste ano”. Descendentes de japoneses em uma confraternização nas águas claras do igarapé mais famoso da região (Foto: National Geographic, 2007) A filosofia japonesa parecia mesmo estar viva: “Não podemos simplesmente esperar a crise nos pegar. A cooperativa não é nossa, é da colônia”, disse Kozaburo Mineshita, presidente da Cooperativa Mista de Tomé-Açu, a “C.A.M.T.A”, criada em 1929. A cooperativa registra em sua página na Internet que “tornou-se a primeira produtora e exportadora de pimenta-do-reino no Brasil, cuja mudas foram trazidas para Amazônia da Ásia em 1933”. A sua primeira atividade foi o comércio de hortaliças. “Era um desafio, até porque os habitantes em Belém, maior e mais próximo mercado da C.A.M.T.A na década de 30, não tinham o hábito de consumir hortaliça. Esta introdução de hortaliça foi uma pequena contribuição que estes imigrantes e a C.A.M.T.A realizaram”, registra a cooperativa em sua página10. Comerciantes locais registraram, em 2008, que são exportadas de 1,3 mil a 1,5 mil toneladas por ano em polpa congelada. “O Japão e os Estados Unidos são os maiores compradores”, disse Francisco Sakaguchi ao “Globo Rural”, que registra que neste ano Tomé-Açú tinha 500 famílias de descendentes – um número muito maior do que o registrado por “Veja” em 1993, destaca-se –, com a Associação Cultural permanecendo extremamente atuante. A Revista Planeta registra, em 2013, que a cidade planta “cacau, banana, dendê, açaí, cupuaçu, maracujá, acerola e muitas frutas (…) plantadas à sombra de árvores nativas”. Uma turma atual de alunos brasileiros descendentes de japoneses da Escola Nikkei de Tomé-Açu. (Foto de Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) Diz a reportagem de Globo Rural em abril de 2008, ano de centenário da imigração japonesa: “É difícil é acreditar que em Tome-Açú exista um time de baseball, formado por famílias de agricultores. O esporte é tradicional. Exige dedicação e união. Qualidades que os japoneses da Amazônia têm de sobra”. Uma matéria da revista National Geographic de julho de 2007 registra a colônia japonesa em Tomé-Açu como uma “uma floresta diferente”, onde “se joga golfe e beisebol” e “se cultiva sem agredir”. Um campo de golfe, peculiaridade da região, que conta também com um time de beisebol (Foto: National Geographic, 2007) Os costumes dão o tom da reportagem: “Em que outra cidade do mundo, por exemplo, alguém provaria um genuíno jantar nipo-amazônico (entrada: sashimi de peixes de água doce; prato principal: caldeirada de pescados com tucupi e jambu)? Nas varandas, pares de sapato aguardam por seus donos, que, seguindo o costume japonês, só entram descalços em seus lares. Ao visitante recém-chegado logo é oferecido suco de mangustão, fruta do sudeste asiático cujo sabor raro lhe conferiu a fama de ‘rainha de todas as frutas’. Também curiosas são as bolinhas de golfe espalhadas pelo gramado em frente às casas. Como se o golfe fosse um esporte típico do interior do Pará.”11 O número dado pela National Geographic é um pouco diferente do Globo Rural: seriam 300 famílias “descendentes da segunda onda de colonização japonesa no Brasil”. Sobre a pimenta-do-reino, a National registra que os japoneses “ainda hoje [em 2007] estão na vanguarda da atividade, praticando uma agricultura sustentável em plantações que mais parecem matas nativas”.
“Os brasileiros da região só desmatam, abrem pastos e acabam com a terra e os igarapés. Nós plantamos pimenta e cacau em harmonia com a floresta”, diz o fazendeiro Tomio Sasahara, de 67 anos, citado pela revista mensal. A matéria da National Geographic cita novamente a Companhia Nipônica de Plantação do Brasil, segundo a revista criada em 1928 e subsidiária da japonesa Nantaku, ambas idealizadas para organizar a imigração. Um caminhão de toras passando por Tomé-Açu – segundo a publicação, os japoneses têm problemas com os madeireiros ilegais que invadem suas áreas de cultivo (Foto: National Geographic, 2007)
“Um ano depois, um navio com 43 famílias aportou em Belém. O governo do Pará havia doado 1 milhão de hectares para a companhia, que no princípio tinha como objetivo cultivar cacau”, registra a revista. “Minha família era de Hiroshima. Se meus pais não tivessem vindo para cá, eu provavelmente estaria morto”, diz o pioneiro Hajime Yamada, de 80 anos [à época, em 2007], que “chegou em 1929 nos braços da mãe”. Nos seis primeiros anos mais de 600 famílias estabeleceram-se em Tomé-Açu – diz a National, pouco mais dos 405 registrados entre 1929 e 1937 pela pesquisadora da UFPA –, mas o cultivo extensivo de cacau não deu certo, pois “os japoneses não sabiam que a árvore precisa de proteção contra o vento”. Dedicaram-se ao arroz e às verduras, revendidos em Belém. “Chamavam nossa turma de ‘nabos’, pois a gente só comia nabo mesmo”, lembra-se Yamada, citado pela National. O pesadelo da Segunda Guerra Mundial Durante a Segunda Guerra Mundial, Tomé-Açu registra um dos mais terríveis episódios ocorridos no Brasil: a vila foi transformada em um campo de concentração para isolar imigrantes do Japão, da Alemanha e da Itália, países do Eixo que lutaram contra o Brasil. Getúlio Vargas declarou guerra ao Eixo no dia 22 de agosto de 1942. No mesmo dia, os japoneses de Belém tiveram suas casas queimadas e a Cooperativa dos Agricultores de Tomé-Açu, fundada em 1939, foi confiscada. Segundo registra a Revista Planeta, o município tornou-se o centro de confinamento de todos os japoneses do Norte do Brasil. Os detalhes são contados na obra “Por terra, céu & mar: Histórias e memórias da Segunda Guerra Mundial na Amazônia”, lançado em janeiro de 2013 pela editora Paka-Tatu, e em um documentário de mesmo nome12. Pelo menos 480 famílias japonesas, 32 alemãs e algumas poucas italianas foram levadas do Pará e do Amazonas para Tomé-Açu, segundo os documentos. “A viagem de Belém até a vila, que ficava na Ilha de Aracá, era feita de barco a vapor e durava de 15 a 18 horas. Muitos imigrantes desejavam ir para o campo, que funcionou entre 1943 e 1945, para se livrarem da depredação de suas casas e lojas, promovida por brasileiros que se autointitulavam patriotas”, registra o jornal O Globo de 8 de fevereiro de 2014. Outras pessoas foram, no entanto, consideradas “colaboradoras de países inimigos”. Sua detenção ocorria ao mesmo tempo em que a Força Aérea dos EUA instalou uma base aeronaval em Belém, de onde os aliados partiam para Europa, Ásia e África, registra O Globo13. O pequeno museu da Associação Cultural, onde estão expostos objetos trazidos pelos primeiros imigrantes, entre os quais se inclui Kumao Hayashi, de 95 anos, na foto de bengala (Foto: National Geographic, 2007) Segundo o jornal O Estado do Pará, a colônia de Tomé-Açu servia como “campo de concentração dos eixistas nocivos à segurança nacional”. O agricultor japonês Hajime Yamada, de 86 anos, que emigrou para o Brasil em 1931 e que era vizinho do campo de concentração, lembra a repressão: “Se três de nós estivéssemos juntos, já vinha alguém para repreender. Minha família foi uma das poucas que não teve alguém detido, porque minha mãe era comunicativa e conseguia se entender com quem nos perseguia”. Segundo os registros, em Tomé-Açu a repressão não era tão intensa quanto em Belém: “Apesar das muitas restrições, as instalações da ilha paraense, erguidas em uma área onde funcionava a Companhia Nipônica de Plantação do Brasil, em nada lembravam o cenário de horror dos campos nazistas. No Pará, os imigrantes detidos chamavam a residência geral de hospedaria. O oficial responsável por levar-lhes alimentos foi apelidado de Tenente Felicidade. E a proibição às reuniões coletivas era temporariamente derrubada para que os imigrantes jogassem futebol.” A Revista Planeta também faz um registro do “Tenente Felicidade” e de um outro militar, a partir do testemunho da nissei Tomiko Sawada, de 82 anos, que foi a “primeira japonesa a nascer na Amazônia”, embora tenha sido “fabricada” no Japão, como ela própria gosta de dizer. “Meus pais morreram de malária anos antes, e eu vivia com seis irmãos. Tínhamos muito medo, pois estávamos sendo maltratados pelos policiais. As coisas só melhoraram quando a colônia ficou sob as ordens dos tenentes Mauricio e Felicidade. Eles tratavam bem de nós, gostavam das crianças, nos ensinaram a jogar voleibol e inventavam muitas brincadeiras. Talvez por ser criança na época, não tenho lembrança triste daqueles tempos”, recorda Tomiko. Já na capital paraense, registra O Globo citando os relatos do livro, “os brasileiros queimaram e saquearam as lojas dos japoneses e de pessoas de outros países”. Assim como ocorria em outras partes do país durante a Segunda Guerra Mundial, ser estrangeiro no Pará – ou mesmo parente ou descendente – era sinônimo de alerta. O jornal O Estado do Pará registra nota no início de 1942: “José Olivar, nascido na Itália, mas residente no Brasil desde o ano de 1903 (…) vem declarar por este meio não ter relações algumas com países do ‘Eixo’, e tanto ele como seus filhos estão dispostos a servirem (sic) a pátria brasileira que o declarante acolheu como sua”. Um sansei dançando com uma garota brasileira em um baile brega, ritmo típico paraense. (Foto: National Geographic, 2007) Após a guerra, os japoneses procuraram áreas rurais do Brasil, como Tomé-Açu, por não terem onde plantar em seu país, arrasado pelo ataque dos EUA. Mas a vila foi marcada pela tragédia dos anos da guerra, conforme registro da Revista Planeta: “Dos 2.104 imigrantes que chegaram antes da guerra, 77% morreram ou abandonaram a colônia, ou seja, 1.621 pessoas”. Hajime Yamada – que é natural de Hiroshima e aparentemente é a mesma fonte ouvida pelo Globo Rural e pela Revista Planeta nas reportagens citadas anteriormente –, ouviu pelo rádio a notícia do lançamento de uma bomba atômica sobre sua cidade, no dia 6 de agosto de 1945. Lá, conta O Globo, moravam duas de suas irmãs. Traumatizado com a guerra, o agricultor só foi visitá-las 46 anos depois, em 1991, relata o diário carioca. “O Japão demorou um bom tempo para se reerguer. Muita gente veio para Tomé-Açu em busca de oportunidades. Nunca mais queremos ver uma guerra”, acrescentou Yamada.14 Referências
Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.
Jornal O Globo de 29 de janeiro de 1929 O jornal O Globo de 29 de janeiro de 1929 anuncia, sem quaisquer comentários adicionais – exceto uma leve desconfiança –, o início das operações da Companhia Nipônica de Plantações do Brasil na Amazônia, mais especificamente no Pará.
“Já se acha desde alguns dias archivada na Junta Commercial a escriptura da Companhia Nipponica de Plantações do Brasil. A empresa japoneza está apenas no inicio do seu estabelecimento, e ainda se afigura muito cedo para julgar das vantagens que pôde trazer ao desenvolvimento economico do Estado. A espectativa paraense a seu respeito é, por assim dizer, neutral”, diz a nota. O objetivo da empresa estrangeira, informa o jornal, é trazer famílias de imigrantes japoneses para produzir arroz, tabaco, algodão, cacau, além de criar gado em larga escala e estabelecer fábricas de produtos agrícolas, florestais e minerais. O estatuto da empresa, continua o diário carioca, incluía ainda “vender, comprar e transaccionar com o publico, construir e explorar estradas de ferro, estabelecer outros meios de transporte possíveis em terra e agua, explorar estabelecimentos bancarios, fundar escolas e hospitaes, construir edificios para fins religiosos e beneficentes, etc”. O capital inicial, comenta o jornal, era de 4 mil contos, que “será oportunamente augmentado, de conformidade com o proprio incremento da immigração japoneza e o desenvolvimento dos negocios que vae iniciar”. Um dos lugares para onde os japoneses se dirigiram, segundo os relatos históricos, foi a pequena vila de Tomé-Açú, no nordeste do Estado. Um grupo de cientistas identificou como produtivas para a agricultura áreas no Estado do Amazonas e Pará. Segundo registra a Revista Planeta em abril de 2013, citando a historiadora Fusako Tsunoda, o governo japonês preparou a primeira missão técnica à região em 1926, nos Estados Unidos. “Na biblioteca de Nova York, os pesquisadores encontraram a mais completa documentação existente a respeito do clima, do solo, da geografia, da mineralogia, da botânica e das doenças da Amazônia. Nesse mesmo ano, Henry Ford iniciara uma grande plantação de seringueiras na maior floresta tropical do mundo, perto de Santarém (PA)”, afirma a publicação. A primeira colônia – 189 pessoas em 42 famílias1 – chegou em Tomé-Açu justamente no ano de 1929. Além de arroz e hortaliças, eles passaram a produzir pimenta-do-reino – com incríveis 5 mil toneladas colhidas por ano no final dos anos 1940, após a Segunda Guerra Mundial. A cidade se tornou nada mais nada menos que o maior produtor mundial da especiaria, neste período – e foram os próprios japoneses que a trouxe, de Cingapura.2 O primeiro grupo de imigrantes, em 1929 (Foto via Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) É curiosa a vinda da pimenta-do-reino para o interior do Pará. A caminho do Brasil – registra a reportagem do Globo Rural em abril de 2008 –, um navio de imigrantes japoneses teve que aportar em Cingapura, depois da morte de uma passageira. O chefe da embarcação comprou em Cingapura 20 mudas de pimenta-do-reino – também conhecida como pimenta-redonda ou pimenta-preta – daí seu apelido de “diamante negro”. Apenas duas destas mudas vingaram e transformaram Tomé-Açu no maior produtor mundial da especiaria. A descrição da Revista Planeta em sua edição de abril de 2013 faz o acontecimento soar quase que como um milagre: “Em Tomé-Açu, as mudas foram plantadas na Estação Experimental de Açaizal e esquecidas. Apenas duas sobreviveram e foram replantadas, em 1947, cada uma por um agricultor japonês. As sementes dessas plantas formaram outras, e em dez anos tapetes verdes de pimenta-do-reino se estendiam sobre Tomé-Açu”3. Os japoneses foram surpreendidos pela fusariose, uma doença causada por um fungo, mas não desistiram do produto. Acabaram, no entanto, por diversificar a produção: passaram a investir também no cultivo de frutas tropicais, especialmente no açaí. Os japoneses também produziam acerola, cacau e açaí, entre outros produtos. Hoje, o município deve aos japoneses seu apelido: a “Terra da Pimenta”. Plantação de pimenta-do-reino na década de 1950. (Foto via Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) Desde o final do século 20 e início do 21, no período das grandes migrações para a América Latina, era grande o número de japoneses que foram para o Peru. Alguns deles desceram os Andes e dirigiram-se para a Amazônia, atraídos pela notícia da prosperidade da borracha.
“Apesar de o Censo Demográfico de 1920 registrar a presença de 26 japoneses no Acre, é possível que houvesse um número bem maior, considerando a clandestinidade dos imigrantes nipo-peruanos naquela região. Em 1929, houve uma intensificação na migração para a Amazônia, justificada pelo contexto histórico da época, para a colonização do novo mundo. As motivações dos japoneses também fazem parte desse contexto e eram de ordem econômica e social”4. Os empreendedores citados pelo diário carioca O Globo de 29 de janeiro de 1929 conseguiram atrair muitos japoneses que, segundo a imigrante e pesquisadora Reiko Muto, da Universidade Federal do Pará, “sonhavam adquirir e desbravar extensas terras planas, lugares de animais selvagens e plantas exóticas”. A formação das primeiras colônias no Estado foi iniciativa das Indústrias Kanebo (Nantaku) – cujo nome comercial, conforme registro d’O Globo em 1929, era Companhia Nipônica de Plantação do Brasil –, com apoio do governo do Pará diante do aparente êxito dos imigrantes japoneses em São Paulo. “Acertou-se que cada imigrante receberia 25 hectares de terra”, registra a Revista Planeta, que acrescenta: “A Nantaku se comprometia a ajudar com material para a construção de casas de madeira e a fornecer ferramentas para derrubar a mata. Também foram construídos um hospital e um armazém de abastecimento de produtos de primeira necessidade.” Entre 1929 e 1937 chegaram em Tomé-Açu mais de 2 mil pessoas, em 405 famílias, segundo Reiko Muto. Um processo parecido aconteceu no Amazonas, principalmente em Parintins.
“Outro grupo comandado pelo político japonês Uyetsuka trouxe 248 alunos da Escola Superior de Kokushikan e mais 270 agregados para Vila Amazônia, em Parintins, no Amazonas, entre os anos de 1930 e 1937. Nesse mesmo período, um terceiro grupo de, aproximadamente, cinquenta imigrantes entrou em Maués, também no Estado do Amazonas”, aponta um registro de Reiko Muto. Uma das casas dos primeiros imigrantes. (Foto via Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) Em um segundo período – a chamada “Nova Imigração”, após a Segunda Guerra Mundial –, os imigrantes chegaram a partir de 1953, para as colônias dos Estados do Amazonas, Pará e uma pequena parcela para os antigos territórios federais do Amapá, Rondônia, Roraima e Acre. De acordo com Reiko Muto, entre 1953 e 1976 entraram 6.375 imigrantes na região Norte do Brasil, indo 69% deles para o Pará. As dificuldades com o clima, a infraestrutura deficitária e o idioma foram em parte superadas com o apoio mútuo entre a população local e os japoneses. “Do resultado dessa integração com a comunidade local, os imigrantes remanescentes de Parintins e Maués tiveram grandes sucessos com a plantação de juta, e os imigrantes de Tomé-Açu, com o cultivo da pimenta-do-reino. Dois produtos de grande relevância na pauta de exportação do Estado do Pará, nas décadas de 1950 a 1970”, aponta o registro de Reiko.5 Muitos, no entanto, acabaram não resistindo à malária – “que sempre aparece dois ou três anos depois que se abre a mata”, registra a revista National Geographic de julho de 2007, citando um imigrante – e outras doenças, devido à precariedade dos serviços e da pouca mobilidade.6 Tomé-Açu passou a ser conhecida como “o inferno da Amazônia”, e muitas famílias mudaram-se para Belém e São Paulo “simplesmente para escapar da morte”. Os imigrantes sofriam mais do que os nativos pois “sua dieta pobre em proteínas deixava-os mais vulneráveis à doença”7. Além disso, escoar a produção era um outro desafio importante, conforme registro de uma imigrante, Hajime Yamada, um senhor de 86 anos que chegou na primeira leva de imigrantes em Tomé-Açu, aos dois anos de idade, acompanhado dos pais e três irmãos: “Nós gastávamos quatro horas de viagem para levar produto daqui até chegar ao porto de Tomé-Açu para fazer o embarque. E gastava mais 15 ou 20 horas para chegar à capital. Muito chegava na capital e não tinha o comércio para vender tudo. Muitas vezes, jogamos até no rio”.8 Pioneiros dos imigrantes de Tomé-Açu. Foto do acervo de Reiko Muto (UFPA)
“Nossa grande sorte foi não entrar em aventuras. Enquanto muita gente veio para a Amazônia atrás de ouro e madeira, nós sempre estivemos mais preocupados em cultivar a terra e manter nossas tradições”, disse Shujui Tsonoda, presidente da Associação Cultural de Tomé-Açu, um imigrante do pós-guerra.9 Em agosto de 1993, segundo um registro da revista Veja publicado no portal do projeto de 100 anos da imigração japonesa (1908-2008), moravam em Tomé-Açu 274 famílias de japoneses, com a última chegada ocorrendo em 1978.
“A colônia deu certo porque ficou aqui sessenta anos e se manteve muito unida”, disse o presidente da Associação Cultural, que fornece 800 fitas de vídeo japonesas para a comunidade, promove festas e administra a escola de língua japonesa.
“Na comunidade nipônica de Tomé-Açu não existe um analfabeto sequer. Nem todos sabem ler e escrever em português. Mas todos sabem japonês. A maior estrela nas escolas locais é Shigenori Moritomo, um professor aposentado de 60 anos, que está há seis meses no Brasil, enviado especialmente pelo Ministério da Educação do Japão. Moritomo não fala nem entende uma palavra de português, dá aulas de Geografia, História e Música Japonesa, tem casa e o salário mensal de mil dólares pagos pelo governo do Japão. Ele é um professor itinerante. Foi contratado pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica) para uma temporada de dois anos no interior do Pará, depois de passar outros dois em Teerã, no Irã, ensinando a língua”, aponta o registro na Veja de 18 de agosto de 1993.
“É surpreendente como essa comunidade se manteve unida em um lugar tão isolado. Encontrei aqui hábitos e costumes que há muito tempo não existem no próprio Japão”, disse o professor Moritomo à época, citado na reportagem da revista semanal. O senhor segurando uma pimenta é Noburo Sakaguchi, que segundo apurou a National Geographic é um dos pioneiros das chamadas “agroflorestas” – plantações, como as de acerola, que crescem em simbiose com áreas reflorestadas. “Noburo, que chegou ao norte do Pará em 1956 com 14 dólares no bolso, é um exemplo de sucesso: hoje dá palestras explicando como é possível melhorar a produtividade da terra e preservar o ambiente”, comemora a revista. A filosofia dos japoneses de Tomé-Açu – passada de geração em geração desde 1929 – é baseada num tripé, aponta a publicação: trabalho em comunidade, austeridade econômica e cooperativismo. Com base nela, em 1985 a colônia se reuniu, criou a Companhia de Eletrificação Rural de Tomé-Açu e “foi à luta”. Diz a publicação: “Conseguiu que o Japão financiasse dois terços dos 3,6 milhões de dólares necessários para a construção de 192 quilômetros de eletrificação, que beneficia uma área de 50 mil hectares onde estão japoneses e brasileiros. A mesma receita serviu para a instalação de 140 telefones celulares para a comunidade rural”. O prefeito à época atesta: “Foram eles que idealizaram tudo e buscaram o financiamento para tocar as obras”. Há também em Tomé-Açu descendentes dos imigrantes que voltam ao Japão para buscar oportunidades de trabalho – e mostram que a identidade “étnica” ou “nacional” ainda é um elemento sem uma definição exata. Aponta a revista que, em 1993, dos 1.362 descendentes de japoneses do município, 400 estavam no Japão. E cita a Veja: “É o caso de Humberto Kato, de 29 anos, e Sonia Izumi Kato, de 23. Eles passaram três anos trabalhando no Japão, tiveram lá dois filhos e conseguiram economizar 52 mil dólares. Com esse dinheiro, acabam de comprar uma fazenda de 500 hectares em Tomé-Açu, uma caminhonete e uma casa em Belém.”
“Meu Japão é aqui”, afirma Humberto, citado pela revista. Naquele ano, dois cultivos que os japoneses conhecem muito bem – acerola e maracujá – davam ânimo contra tempos turbulentos. “A produção de acerola passou de 115 toneladas em 1991 para uma previsão de 855 toneladas neste ano [1993]. A de maracujá deu um salto de 449 toneladas para 1.270 neste ano”. Descendentes de japoneses em uma confraternização nas águas claras do igarapé mais famoso da região (Foto: National Geographic, 2007) A filosofia japonesa parecia mesmo estar viva: “Não podemos simplesmente esperar a crise nos pegar. A cooperativa não é nossa, é da colônia”, disse Kozaburo Mineshita, presidente da Cooperativa Mista de Tomé-Açu, a “C.A.M.T.A”, criada em 1929. A cooperativa registra em sua página na Internet que “tornou-se a primeira produtora e exportadora de pimenta-do-reino no Brasil, cuja mudas foram trazidas para Amazônia da Ásia em 1933”. A sua primeira atividade foi o comércio de hortaliças. “Era um desafio, até porque os habitantes em Belém, maior e mais próximo mercado da C.A.M.T.A na década de 30, não tinham o hábito de consumir hortaliça. Esta introdução de hortaliça foi uma pequena contribuição que estes imigrantes e a C.A.M.T.A realizaram”, registra a cooperativa em sua página10. Comerciantes locais registraram, em 2008, que são exportadas de 1,3 mil a 1,5 mil toneladas por ano em polpa congelada. “O Japão e os Estados Unidos são os maiores compradores”, disse Francisco Sakaguchi ao “Globo Rural”, que registra que neste ano Tomé-Açú tinha 500 famílias de descendentes – um número muito maior do que o registrado por “Veja” em 1993, destaca-se –, com a Associação Cultural permanecendo extremamente atuante. A Revista Planeta registra, em 2013, que a cidade planta “cacau, banana, dendê, açaí, cupuaçu, maracujá, acerola e muitas frutas (…) plantadas à sombra de árvores nativas”. Uma turma atual de alunos brasileiros descendentes de japoneses da Escola Nikkei de Tomé-Açu. (Foto de Heitor e Silvia Reali/Revista Planeta) Diz a reportagem de Globo Rural em abril de 2008, ano de centenário da imigração japonesa: “É difícil é acreditar que em Tome-Açú exista um time de baseball, formado por famílias de agricultores. O esporte é tradicional. Exige dedicação e união. Qualidades que os japoneses da Amazônia têm de sobra”. Uma matéria da revista National Geographic de julho de 2007 registra a colônia japonesa em Tomé-Açu como uma “uma floresta diferente”, onde “se joga golfe e beisebol” e “se cultiva sem agredir”. Um campo de golfe, peculiaridade da região, que conta também com um time de beisebol (Foto: National Geographic, 2007) Os costumes dão o tom da reportagem: “Em que outra cidade do mundo, por exemplo, alguém provaria um genuíno jantar nipo-amazônico (entrada: sashimi de peixes de água doce; prato principal: caldeirada de pescados com tucupi e jambu)? Nas varandas, pares de sapato aguardam por seus donos, que, seguindo o costume japonês, só entram descalços em seus lares. Ao visitante recém-chegado logo é oferecido suco de mangustão, fruta do sudeste asiático cujo sabor raro lhe conferiu a fama de ‘rainha de todas as frutas’. Também curiosas são as bolinhas de golfe espalhadas pelo gramado em frente às casas. Como se o golfe fosse um esporte típico do interior do Pará.”11 O número dado pela National Geographic é um pouco diferente do Globo Rural: seriam 300 famílias “descendentes da segunda onda de colonização japonesa no Brasil”. Sobre a pimenta-do-reino, a National registra que os japoneses “ainda hoje [em 2007] estão na vanguarda da atividade, praticando uma agricultura sustentável em plantações que mais parecem matas nativas”.
“Os brasileiros da região só desmatam, abrem pastos e acabam com a terra e os igarapés. Nós plantamos pimenta e cacau em harmonia com a floresta”, diz o fazendeiro Tomio Sasahara, de 67 anos, citado pela revista mensal. A matéria da National Geographic cita novamente a Companhia Nipônica de Plantação do Brasil, segundo a revista criada em 1928 e subsidiária da japonesa Nantaku, ambas idealizadas para organizar a imigração. Um caminhão de toras passando por Tomé-Açu – segundo a publicação, os japoneses têm problemas com os madeireiros ilegais que invadem suas áreas de cultivo (Foto: National Geographic, 2007)
“Um ano depois, um navio com 43 famílias aportou em Belém. O governo do Pará havia doado 1 milhão de hectares para a companhia, que no princípio tinha como objetivo cultivar cacau”, registra a revista. “Minha família era de Hiroshima. Se meus pais não tivessem vindo para cá, eu provavelmente estaria morto”, diz o pioneiro Hajime Yamada, de 80 anos [à época, em 2007], que “chegou em 1929 nos braços da mãe”. Nos seis primeiros anos mais de 600 famílias estabeleceram-se em Tomé-Açu – diz a National, pouco mais dos 405 registrados entre 1929 e 1937 pela pesquisadora da UFPA –, mas o cultivo extensivo de cacau não deu certo, pois “os japoneses não sabiam que a árvore precisa de proteção contra o vento”. Dedicaram-se ao arroz e às verduras, revendidos em Belém. “Chamavam nossa turma de ‘nabos’, pois a gente só comia nabo mesmo”, lembra-se Yamada, citado pela National. O pesadelo da Segunda Guerra Mundial Durante a Segunda Guerra Mundial, Tomé-Açu registra um dos mais terríveis episódios ocorridos no Brasil: a vila foi transformada em um campo de concentração para isolar imigrantes do Japão, da Alemanha e da Itália, países do Eixo que lutaram contra o Brasil. Getúlio Vargas declarou guerra ao Eixo no dia 22 de agosto de 1942. No mesmo dia, os japoneses de Belém tiveram suas casas queimadas e a Cooperativa dos Agricultores de Tomé-Açu, fundada em 1939, foi confiscada. Segundo registra a Revista Planeta, o município tornou-se o centro de confinamento de todos os japoneses do Norte do Brasil. Os detalhes são contados na obra “Por terra, céu & mar: Histórias e memórias da Segunda Guerra Mundial na Amazônia”, lançado em janeiro de 2013 pela editora Paka-Tatu, e em um documentário de mesmo nome12. Pelo menos 480 famílias japonesas, 32 alemãs e algumas poucas italianas foram levadas do Pará e do Amazonas para Tomé-Açu, segundo os documentos. “A viagem de Belém até a vila, que ficava na Ilha de Aracá, era feita de barco a vapor e durava de 15 a 18 horas. Muitos imigrantes desejavam ir para o campo, que funcionou entre 1943 e 1945, para se livrarem da depredação de suas casas e lojas, promovida por brasileiros que se autointitulavam patriotas”, registra o jornal O Globo de 8 de fevereiro de 2014. Outras pessoas foram, no entanto, consideradas “colaboradoras de países inimigos”. Sua detenção ocorria ao mesmo tempo em que a Força Aérea dos EUA instalou uma base aeronaval em Belém, de onde os aliados partiam para Europa, Ásia e África, registra O Globo13. Segundo o jornal O Estado do Pará, a colônia de Tomé-Açu servia como “campo de concentração dos eixistas nocivos à segurança nacional”. O agricultor japonês Hajime Yamada, de 86 anos, que emigrou para o Brasil em 1931 e que era vizinho do campo de concentração, lembra a repressão: “Se três de nós estivéssemos juntos, já vinha alguém para repreender. Minha família foi uma das poucas que não teve alguém detido, porque minha mãe era comunicativa e conseguia se entender com quem nos perseguia”. Segundo os registros, em Tomé-Açu a repressão não era tão intensa quanto em Belém: “Apesar das muitas restrições, as instalações da ilha paraense, erguidas em uma área onde funcionava a Companhia Nipônica de Plantação do Brasil, em nada lembravam o cenário de horror dos campos nazistas. No Pará, os imigrantes detidos chamavam a residência geral de hospedaria. O oficial responsável por levar-lhes alimentos foi apelidado de Tenente Felicidade. E a proibição às reuniões coletivas era temporariamente derrubada para que os imigrantes jogassem futebol.” A Revista Planeta também faz um registro do “Tenente Felicidade” e de um outro militar, a partir do testemunho da nissei Tomiko Sawada, de 82 anos, que foi a “primeira japonesa a nascer na Amazônia”, embora tenha sido “fabricada” no Japão, como ela própria gosta de dizer. “Meus pais morreram de malária anos antes, e eu vivia com seis irmãos. Tínhamos muito medo, pois estávamos sendo maltratados pelos policiais. As coisas só melhoraram quando a colônia ficou sob as ordens dos tenentes Mauricio e Felicidade. Eles tratavam bem de nós, gostavam das crianças, nos ensinaram a jogar voleibol e inventavam muitas brincadeiras. Talvez por ser criança na época, não tenho lembrança triste daqueles tempos”, recorda Tomiko. O pequeno museu da Associação Cultural, onde estão expostos objetos trazidos pelos primeiros imigrantes, entre os quais se inclui Kumao Hayashi, de 95 anos, na foto de bengala (Foto: National Geographic, 2007) Já na capital paraense, registra O Globo citando os relatos do livro, “os brasileiros queimaram e saquearam as lojas dos japoneses e de pessoas de outros países”. Assim como ocorria em outras partes do país durante a Segunda Guerra Mundial, ser estrangeiro no Pará – ou mesmo parente ou descendente – era sinônimo de alerta. O jornal O Estado do Pará registra nota no início de 1942: “José Olivar, nascido na Itália, mas residente no Brasil desde o ano de 1903 (…) vem declarar por este meio não ter relações algumas com países do ‘Eixo’, e tanto ele como seus filhos estão dispostos a servirem (sic) a pátria brasileira que o declarante acolheu como sua”. Um sansei dançando com uma garota brasileira em um baile brega, ritmo típico paraense. (Foto: National Geographic, 2007) Após a guerra, os japoneses procuraram áreas rurais do Brasil, como Tomé-Açu, por não terem onde plantar em seu país, arrasado pelo ataque dos EUA. Mas a vila foi marcada pela tragédia dos anos da guerra, conforme registro da Revista Planeta: “Dos 2.104 imigrantes que chegaram antes da guerra, 77% morreram ou abandonaram a colônia, ou seja, 1.621 pessoas”. Hajime Yamada – que é natural de Hiroshima e aparentemente é a mesma fonte ouvida pelo Globo Rural e pela Revista Planeta nas reportagens citadas anteriormente –, ouviu pelo rádio a notícia do lançamento de uma bomba atômica sobre sua cidade, no dia 6 de agosto de 1945. Lá, conta O Globo, moravam duas de suas irmãs. Traumatizado com a guerra, o agricultor só foi visitá-las 46 anos depois, em 1991, relata o diário carioca. “O Japão demorou um bom tempo para se reerguer. Muita gente veio para Tomé-Açu em busca de oportunidades. Nunca mais queremos ver uma guerra”, acrescentou Yamada.14 Referências
Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.
Propaganda da canadense Colossus para investidores. Imagem: reprodução
A mensagem do título é o que você, grande investidor e representante do capital internacional, pode encontrar no site da empresa canadense CSI — a Colossus Minerals Inc. (clique aqui)
A “empresa”, na verdade, só apresenta um único projeto em seu site: Serra Pelada, em Curionópolis, no Estado do Pará, supostamente no Brasil. Sem ele, a Colossus provavelmente não existiria. As primeiras licenças brasileiras foram obtidas em 2010 e a produção deve começar no início de 2014.
A Colossus vai levar grande parte dos recursos, contratualmente, com denúncias porém de um desvio adicional de 54 milhões de reais, em um escândalo envolvendo antigos diretores da Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) — e até hoje sem solução. O resultado: violações flagrantes dos direitos humanos, incluindo assassinatos e ameaças frequentes de morte a lideranças sociais.
“A gente trabalha a vida toda e agora ficamos sem nada. Os grandes tomaram conta”, diz um senhor da região na excelente reportagem especial da TV Record.
A Colossus tinha inicialmente 51% do negócio, mas após a passagem de uma direção corrupta pela cooperativa — com evidente compra das lideranças envolvendo grandes quantias de dinheiro –, a empresa detém 75% e, desta forma, buscará enriquecer investidores estrangeiros. (acesse aqui a promessa da empresa para enriquecer o capital estrangeiro)
“Pelo relatório do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) nós percebemos que o dinheiro era canalizado primeiro para a conta de diretores (anteriores), e depois pulverizado. Além de haver saques na boca do caixa de até dois milhões de reais, o que é indicativo bem claro de lavagem de dinheiro”, disse um promotor do Ministério Público do Pará.
Com o projeto da Colossus próximo da conclusão, em agosto deste ano os garimpeiros contrários ao acordo entre a Coomigasp e a Colossus entraram em conflito com a polícia, que reagiu com balas de borracha e gás lacrimogêneo. Neste vídeo é possível ver os diversos feridos da ação.
Após o conflito, a Coomigasp foi alvo de intervenção decretada pela Justiça. As lideranças reivindicam: a cooperativa é dos trabalhadores e tem de ser devolvida aos garimpeiros.
O interventor apontado pelo Ministério Público, Marcos Alexandre, é considerado por muitos garimpeiros como um “laranja” da Colossus.
Foto: arnaldojordy23.blogspot.com.br
Vitor Albarado, que estava à frente da cooperativa antes da intervenção, e defende o interesse real dos garimpeiros, anda com colete à prova de balas e proteção armada 24 horas por dia.
Eles querem a anulação do contrato feito em condições suspeitas e acusam o interventor de defender o mesmo na imprensa apenas para ganhar tempo, pois não há qualquer pedido sobre isso atualmente.
Atualmente, os garimpeiros se reúnem na Associação de Defesa do Patrimônio dos Garimpeiros Sócios da Coomigasp, conhecida pela sigla ADEPAG, que declarou, sobre a proposta do interventor feita na imprensa: “A ADEPAG desafia o interventor embromador a fazer o que diz”.
Os ataques covardes da polícia em agosto, em Serra Pelada. Foto: folhadobico.com.br
A associação dos garimpeiros explica: “A Colossus “cavou” a intervenção na cooperativa para arrancar de lá uma diretoria eleita e sem mácula pelo simples fato de a mesma estar determinada a ajuizar uma ação na justiça visando a anulação do contrato de parceria feita com a empresa canadense pelos mesmos motivos, bem como exigir também na justiça a retomada dos 700 hectares de propriedade da cooperativa.”
A liderança dos garimpeiros, que classifica os empresários como “mafiosos quadrilheiros canadenses”, acrescenta: “Como se observa, o anúncio feito por Marcos Alexandre não passa de uma tremenda lorota para enganar os tolos. Ele acha que o povo garimpeiro é composto por imbecis”.
Entre outras humilhações e atos autoritários, a associação denuncia que os garimpeiros não podem mais entrar na nova sede — a mudança foi determinada pelo interventor Marcos Alexandre — sem a autorização prévia do próprio interventor.
“Como pouco ele aparece para dar expediente na sede administrativa da cooperativa, a regra é cumprida por uma mulher de nome Eliane e pelo advogado Fernando.” A asssociação denuncia que recentemente um garimpeiro que esteve na cooperativa para reivindicar uma rescisão contratual pelo trabalho de vigia foi humilhado pelos dois.
Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.
Propaganda da canadense Colossus para investidores. Imagem: reprodução
A mensagem do título é o que você, grande investidor e representante do capital internacional, pode encontrar no site da empresa canadense CSI — a Colossus Minerals Inc. (clique aqui)
A “empresa”, na verdade, só apresenta um único projeto em seu site: Serra Pelada, em Curionópolis, no Estado do Pará, supostamente no Brasil. Sem ele, a Colossus provavelmente não existiria. As primeiras licenças brasileiras foram obtidas em 2010 e a produção deve começar no início de 2014.
A Colossus vai levar grande parte dos recursos, contratualmente, com denúncias porém de um desvio adicional de 54 milhões de reais, em um escândalo envolvendo antigos diretores da Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) — e até hoje sem solução. O resultado: violações flagrantes dos direitos humanos, incluindo assassinatos e ameaças frequentes de morte a lideranças sociais.
“A gente trabalha a vida toda e agora ficamos sem nada. Os grandes tomaram conta”, diz um senhor da região na excelente reportagem especial da TV Record.
A Colossus tinha inicialmente 51% do negócio, mas após a passagem de uma direção corrupta pela cooperativa — com evidente compra das lideranças envolvendo grandes quantias de dinheiro –, a empresa detém 75% e, desta forma, buscará enriquecer investidores estrangeiros. (acesse aqui a promessa da empresa para enriquecer o capital estrangeiro)
“Pelo relatório do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) nós percebemos que o dinheiro era canalizado primeiro para a conta de diretores (anteriores), e depois pulverizado. Além de haver saques na boca do caixa de até dois milhões de reais, o que é indicativo bem claro de lavagem de dinheiro”, disse um promotor do Ministério Público do Pará.
Com o projeto da Colossus próximo da conclusão, em agosto deste ano os garimpeiros contrários ao acordo entre a Coomigasp e a Colossus entraram em conflito com a polícia, que reagiu com balas de borracha e gás lacrimogêneo. Neste vídeo é possível ver os diversos feridos da ação.
Após o conflito, a Coomigasp foi alvo de intervenção decretada pela Justiça. As lideranças reivindicam: a cooperativa é dos trabalhadores e tem de ser devolvida aos garimpeiros.
O interventor apontado pelo Ministério Público, Marcos Alexandre, é considerado por muitos garimpeiros como um “laranja” da Colossus.
Foto: arnaldojordy23.blogspot.com.br
Vitor Albarado, que estava à frente da cooperativa antes da intervenção, e defende o interesse real dos garimpeiros, anda com colete à prova de balas e proteção armada 24 horas por dia.
Eles querem a anulação do contrato feito em condições suspeitas e acusam o interventor de defender o mesmo na imprensa apenas para ganhar tempo, pois não há qualquer pedido sobre isso atualmente.
Atualmente, os garimpeiros se reúnem na Associação de Defesa do Patrimônio dos Garimpeiros Sócios da Coomigasp, conhecida pela sigla ADEPAG, que declarou, sobre a proposta do interventor feita na imprensa: “A ADEPAG desafia o interventor embromador a fazer o que diz”.
Os ataques covardes da polícia em agosto, em Serra Pelada. Foto: folhadobico.com.br
A associação dos garimpeiros explica: “A Colossus “cavou” a intervenção na cooperativa para arrancar de lá uma diretoria eleita e sem mácula pelo simples fato de a mesma estar determinada a ajuizar uma ação na justiça visando a anulação do contrato de parceria feita com a empresa canadense pelos mesmos motivos, bem como exigir também na justiça a retomada dos 700 hectares de propriedade da cooperativa.”
A liderança dos garimpeiros, que classifica os empresários como “mafiosos quadrilheiros canadenses”, acrescenta: “Como se observa, o anúncio feito por Marcos Alexandre não passa de uma tremenda lorota para enganar os tolos. Ele acha que o povo garimpeiro é composto por imbecis”.
Entre outras humilhações e atos autoritários, a associação denuncia que os garimpeiros não podem mais entrar na nova sede — a mudança foi determinada pelo interventor Marcos Alexandre — sem a autorização prévia do próprio interventor.
“Como pouco ele aparece para dar expediente na sede administrativa da cooperativa, a regra é cumprida por uma mulher de nome Eliane e pelo advogado Fernando.” A asssociação denuncia que recentemente um garimpeiro que esteve na cooperativa para reivindicar uma rescisão contratual pelo trabalho de vigia foi humilhado pelos dois.
Jornalista, 40, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.