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Caso Battisti será debatido 3ª feira, no Sindicato dos Jornalistas de SP

Serei um dos participantes do debate Cesare morto? CESARE LIVRE!, organizado pelo Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti, que terá lugar no auditório do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (rua Rego Freitas, 530 – sobreloja), terça-feira (24), às 18h30.

Aberto aos jornalistas e ao público em geral, o debate será transmitido ao vivo no Passa Palavra.

Além do Caso Battisti em si, estará em discussão a abordagem inacreditavelmente parcial e tendenciosa que lhe deu a grande imprensa brasileira e o papel que a internet começa a desempenhar, de alternativa para quem busca informação completa.

Se levasse em conta as boas práticas jornalísticas, a imprensa deveria oferecer espaço para o outro lado e conceder direito de resposta. Atualmente, ou ignora completamente as solicitações de ambos, ou as burla com expedientes matreiros.

P. ex., quando de um artigo tendenciosíssimo da Folha de S. Paulo, a que eu tinha total direito de responder como um dos personagens mais ligados ao tema em questão, o jornal encontrou a seguinte escapatória para negar-me espaço sem dar muito na vista: pinçou uma professora de uma universidade do interior, sem nenhuma vinculação real com aquele debate, para escrever um texto chôcho, nem sim, nem não, muito pelo contrário…

Minha resposta seria devastadora. A dela foi uma mera elocubração teórica, nem sequer apontando as falácias evidentes do artigo questionado.

Como as próprias votações no Supremo Tribunal Federal evidenciaram, o Caso Battisti é um dos mais polêmicos das últimas décadas. No entanto, quem o acompanha pela grande imprensa, fica com a imprensa de não haver dúvida nenhuma a respeito: o terrorista italiano matou quatro cidadãos angelicais e agora está sendo protegido pelos terroristas do Governo Lula. Fim de papo.

Deixa-se de informar aos leitores que, na sentença de 1979, Battisti (então réu presente) não foi condenado por nada disso, apenas por subversão contra o Estado.

Que o processo foi reaberto em 1987, a partir das delações premiadas do chefe do grupúsculo a que Battisti pertenceu, o Proletários Armados para o Comunismo.

Que o tal Mutti atirou sobre Battisti a culpa por crimes que ele próprio praticou, uma prática quase sempre impugnada pela Justiça.

Que só corroboraram as acusações de Mutti outros réus interessados nos favores da Justiça italiana.

Que os promotores, dando total crédito às fantasias interesseiras de Mutti (o qual, noutro processo, seria repreendido nas atas por um magistrado, pelas sucessivas mentiras desmascaradas), passaram pelo vexame de serem confrontados com a impossibilidade física de Battisti ser responsável por duas mortes a ele atribuídas, já que ocorreram com intervalo de duas horas em localidades que distavam 500 quilômetros. Então, simplesmente reescreveram a acusação, mantendo-o como autor direto de um dos homicídios e atribuindo-lhe autoria intelectual do outro (o do joalheiro Torregiani).

Que a acusação ousou apresentar testemunhas menores de idade e uma que evidenciava problemas mentais. Mesmo assim, foram acolhidas.

Que não foram feitas ou não foram apresentadas ao tribunal perícias obrigatórias num caso desses.

Que os defensores de Battisti já comprovaram, de forma irrefutável (laudo de respeitadíssima perita francesa), ter sido ele representado nesse julgamento por advogado que utilizou procuração adulterada e com quem ele tinha conflito de interesses.

Que, portanto, seu direito de defesa foi escamoteado, pois, foragido, não há prova real nenhuma de que Battisti tenha sequer tomado conhecimento da realização desse julgamento (a que foi aceita pelo tribunal, comprovou-se depois não passar de uma tosca falsificação).

Que, no julgamento de 1987, Battisti foi enquadrado numa lei instituída para combater a subversão contra o Estado e por ela condenado, o que a sentença cita nada menos do que 34 vezes, não havendo a mais remota alusão a crimes comuns (aliás, se fosse este o caso, cada um dos homicídios atribuídos a Battisti deveria julgado à parte, não os quatro de uma vez).

Que a Itália não combateu nem julgou de forma democrática os grupos de ultraesquerda, pois as torturas e as distorções jurídicas estão fartamente documentadas, inclusive em sucessivos relatórios da Anistia internacional.

Que a pena cujo cumprimento a Itália reclama já prescreveu, o que o ministro Marco Aurélio de Mello, em seu voto no STF, estabeleceu de forma definitiva.

Que os serviços secretos italianos tramaram o sequestro de Battisti em 2004, buscando mercenários para executarem a tarefa, mas estes acabaram recusando-a por discordarem do preço do “serviço” (e tudo acabou vazando para a imprensa);

Que membros de associação de carcereiros prometeram retaliar Battisti caso ele caia nas suas garras.

Que o ministro italiano da Defesa, Ignazio La Russa, neofascista notório (chegou a discursar em homenagem aos fascistas da República de Saló que enfrentaram as tropas aliadas), é inimigo pessoal de Battisti, pois se enfrentaram cara a cara em conflitos de rua da década de 1970, e agora dá declarações dúbias, insinuando, também, retaliações.

Tudo isto foi omitido dos leitores da grande imprensa, ou apresentado com ínfimo destaque.

Da mesma forma, a mídia esconde que, entre os juristas brasileiros (inclusive os luminares do Direito), a tendência predominante é favorável a Battisti.

Que a Lei do Refúgio brasileira é essenciamente humanitária, daí conter vários preceitos que impunham o reconhecimento de Battisti como tal, obrigando o relator Cezar Peluso a grotescas distorções factuais e malabarismos jurídicos para negar seu enquadramento em cada uma das situações que o beneficiavam.

Que as comissões respectivas da Câmara Federal e do Senado são contrárias à extradição.

Que, longe de serem apenas uma “ruidosa minoria”, os defensores de Battisti são maioria entre quem tem acesso às versões dos dois lados – caso, p. ex., dos internautas.

Finalizando, quero citar um dos exemplos mais emblemáticos do viés tendencioso da grande imprensa.

A greve de fome de Battisti só foi noticiada perifericamente pela Folha de S. Paulo que, entretanto, escancarou espaço enorme para a greve de fome bufônica de um dirigente de associação de vítimas da ultraesquerda, exatamente como resposta à de Battisti.

Enquanto isso, ignorou olimpicamente o apelo de Anita Leocadia ao presidente Lula, no sentido de que não seja repetido o vergonhoso episódio da entrega de sua mãe, Olga Benário, para a morte nos cárceres nazistas, por decisão do STF e com a omissão de Getúlio Vargas (que não lhe concedeu clemência).

Assim como não deu uma linha sequer para o posicionamento de João Vicente Goulart, filho do presidente João Goulart, acusando o Supremo de colocar “o Brasil de joelhos diante da Itália”.

Para qualquer pauteiro isento de uma imprensa de verdade, seria matéria obrigatória esta comparação entre o Caso Battisti e outros tão marcantes do passado, suscitada por personagens indiscutivelmente qualificados para os abordar.

Para a Folha, o que vale mesmo são os factóides italianos…

STF decide que desperdiçou 10 meses

No primeiro julgamento, o Supremo Tribunal Federal decidiu não respeitar a decisão do Governo Federal, que já concedera refúgio humanitário a Cesare Battisti.

Ao invés de arquivar o processo de extradição italiano, como ditava a Lei do Refúgio e balizava a jurisprudência, resolveu mandar ambas para o espaço e meter o bedelho em prerrogativa do Executivo.

No segundo julgamento, também por 5×4, aprovou o pedido de extradição formulado pelo Governo da Itália.

No terceiro julgamente, ainda por 5×4, decidiu que lhe cabe apenas verificar se há empecilhos para a extradição, cabendo a decisão final ao presidente da República.

Ou seja, o STF dá sinal verde para a extradição, mas quem bate ou não o martelo é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No meio de tanto blablablá empolado, parece ter escapado aos ministros do Supremo que, na prática, a terceira decisão anulou a primeira.

Pois, se é Lula quem decide, ele já decidiu, ao respaldar a decisão do ministro da Justiça Tarso Genro.

Tudo que aconteceu depois foi inútil. E um perseguido político ficou mais dez meses na prisão à toa, por obra e graça de alguns ministros do Supremo, justiceiros no mau sentido.

Isto, claro, supondo-se que Lula se mantenha coerente com a posição assumida em janeiro, quando defendeu seu ministro da devastadora pressão da Itália e da imprensa entreguista brasileira (que escreveu, neste episódio, uma de suas páginas mais infames, tudo fazendo para colocar o Brasil na condição de capacho da Itália).

Em boa hora Anita Leocádia, com sua dignidade exemplar, enviou mensagem a Lula, “na qualidade de filha de Olga Benário Prestes, extraditada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, para ser sacrificada numa câmera de gás”.

Ela subscreveu a carta de Carlos Lungarzo, membro da Anistia Internacional dos EUA, qualificando de “linchamento” a perseguição rancorosa a Battisti em dois continentes, mobilizando recursos astronômicos e, no caso brasileiro, com ostensivo desrespeito à nossa soberania.

E é mesmo linchamento o único termo cabível nessas circunstâncias.

No julgamento desta quarta-feira (18), os linchadores não se conformaram com a derrota final e tudo fizeram para virar a mesa e embaralhar as cartas. Queriam porque queriam atrelar Lula ao tratado de extradição com a Itália.

Mas, a firmeza dos ministros Eros Grau e Marco Aurélio de Mello (principalmente) frustrou a chiadeira típica de maus perdedores.

O primeiro, inclusive, desabafou: o presidente pode até descumprir ou denunciar o tratado, se assim decidir. Responderá por seus atos.

O que não pode é o STF querer aprisionar Lula numa camisa de força, pois isto transformaria o Judiciário num Super-Poder, acima do próprio Executivo.

De resto, fica a esperança de que o voto do ministro Carlos Ayres de Britto tenha feito desabar toda a estratégia dos linchadores.

Pois a decisão apertadíssima dá todo direito a Lula de não seguir uma maioria formada unica e tão somente por causa de puslimanidade do ministro Dias Toffoli.

Vale abrir um parêntesis.

Na véspera do segundo julgamento, os senadores Eduardo Suplicy e Inácio Arruda, o Carlos Lungarzo e eu estivemos no STF para entregar a cada ministro um memorial do Lungarzo, comprovando com fartura de provas que a Itália praticara torturas e incidira em aberrações jurídicas nos anos de chumbo.

No caso dos demais ministros, preferi ficar quieto. Não tinha afinidade com eles, no máximo simpatia pessoal pelo Joaquim Barbosa e o Marco Aurélio.

Quando chegou a vez de Toffoli, resolvi falar-lhe como companheiro, dizendo que, na luta contra a ditadura, aprendera a conhecer processos como o de Battisti, meras montagens que as autoridades elaboravam e faziam presos políticos corroborarem.

Percebendo a expressão de tédio do Toffoli, conclui que não era companheiro nem cultuava os valores de um companheiro. Não passava de um carreirista em busca do sucesso.

Não deu outra.

E agora, graças à sua omissão, o presidente Lula será obrigado a desagradar um dos lados, com evidente prejuízo político.

Mas, dando o merecido chute no traseiro italiano, apenas repetirá o que Sarkozy fez, sem que o mundo desabasse sobre ele.

Se resolver sacrificar um injustiçado à razão de Estado, vai provocar uma cisão no seu partido, que poderá ser fatal para quem tem como candidata à sucessão uma ex-militante da luta armada.

Além de ver voltada contra si a metáfora que recentemente fez sobre Judas.

Prefiro acreditar que ele tomará a única decisão digna neste caso.

Mensagem de um cidadão brasileiro aos ministros do STF

DE: CELSO LUNGARETTI

PARA OS SRS. MINISTROS:
CARLOS BRITTO (gcarlosbritto@stf.gov.br)
CELSO DE MELLO (mcelso@stf.gov.br)
CEZAR PELUSO (carlak@stf.gov.br, macpeluso@stf.gov.br)
DIAS TOFFOLI (gabmtoffoli@stf.jus.br)
ELLEN GRACIE (ellengracie@stf.gov.br)
GILMAR MENDES (mgilmar@stf.gov.br)
RICARDO LEWANDOWSKI (gabinete-lewandowski@stf.gov.br)

C/C DOS SRS. MINISTROS:
CARMEM LÚCIA (clarocha@stf.gov.br,anavt@stf.gov.br)
EROS GRAU (egrau@stf.gov.br, gaberosgrau@stf.gov.br)
JOAQUIM BARBOSA (mjbarbosa@stf.gov.br, gabminjoaquim@stf.gov.br)
MARCO AURÉLIO DE MELLO (mmarco@stf.gov.br, marcoaurelio@stf.gov.br)

EM: 16/11/2009

Prezado Senhor(a) Ministro(a):

Sou apenas um cidadão brasileiro — um daqueles sujeitos na esquina que, como já foi dito, não detêm doutos conhecimentos para meter o bedelho na augusta discussão de assuntos jurídicos, só servindo para pagar os impostos que sustentam as sapientes cortes.

Mesmo assim, acredito ter algo relevante a dizer sobre o pedido de extradição do escritor italiano Cesare Battisti; e o farei, correndo o risco de ser achincalhado em excelsas declarações à imprensa.

É que, na esquina, estou bem próximo do povo sofrido deste país. E sei que, por mais que tentem incutir-nos rancor e ânimo vingativo, os brasileiros continuamos, no fundo de nossa alma, generosos e compassivos.

Somos conhecidos e estimados no mundo inteiro por nossa cordialidade. E fizemos por merecer esta boa imagem, acolhendo em nosso território, sem preconceitos e mesquinharias, os estrangeiros que aqui vieram para construir uma nova vida ou para escapar de perseguições que sofriam.

Nunca discriminamos ninguém, nem mesmo ditadores e torturadores. Talvez porque, como cristãos que a maioria de nós somos, não nos sentíssemos sem pecado para atirar a primeira pedra em outros pecadores.

Então, muito me surpreende que os Senhores, por ação ou omissão, estejam prestes a mudar nossa tradição, que é e sempre foi humanitária.

Pior: num caso em que até um mísero sujeito na esquina como eu percebe haver enormes dúvidas. Aliás, até vossas votações de luminares têm ficado bem longe da unanimidade.

Nós, os humildes, sabemos qual é o lado em que a corda sempre arrebenta, então aprendemos a desconfiar das razões de Estado. Quando vemos os poderosos moverem uma perseguição tão encarniçada contra alguém, desconfiamos que não seja por espírito de Justiça – pois, para os senhores do mundo, esta é sempre a última das motivações.

Então, a prepotência com que a Itália tenta impor sua vontade ao Brasil, forçando-nos a fazer o que nunca fizemos nem é de nosso feitio fazer, sinceramente nos ofende.

Mais ainda quando percebemos que Cesare Battisti pode ter sido vítima de um julgamento de cartas marcadas, como os que ocorriam nas ditaduras que aqui existiram no século passado, para nossa imensa vergonha.

Também nos parece imensamente injusto causar sofrimento a um ser humano por acontecimentos obscuros de mais de trinta anos atrás. Nosso senso comum nos faz concluir que tais delitos já estejam prescritos, pouco nos importando as filigranas jurídicas com que se tente dilatar o tempo das punições.

Um de nossos grandes artistas disse: “Você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão”. E é por dizer coisas como esta que conquistou o respeito e a admiração da gente brasileira. Pensem nisso, Srs. ministros.

Battisti vem sendo, há muito tempo, um indivíduo pacato e produtivo. Nada tem feito que inspire receios quanto a suas ações, caso os Srs. lhe devolvam a liberdade, para residir e trabalhar no Brasil.

Então, entre acusações duvidosas, pressões arrogantes de um governo desmoralizado e a certeza de que será um cidadão que nenhum mal nos causará, nós, os sujeitos na esquina, não temos dúvidas em pedir-lhes que confirmem o refúgio já concedido a Cesare Battisti.

E, sem abusar da vossa paciência, suplicamos: façam-no o quanto antes, pois nunca se sabe quanto um indivíduo resistirá a uma greve de fome.

Já nos basta suportar o opróbrio da entrega de Olga Benário para a morte nos cárceres nazistas. Não tomem, em nosso nome, uma decisão que muito provavelmente causará a morte de Cesare Battisti no país que ele escolheu para viver.

Pois, não há motivo para descrermos de sua afirmação de que preferirá morrer entre nós do que servir de troféu para seus carrascos da Itália.

E por ser um caso de vida ou morte, nós vos rogamos, Srs. Ministros: coloquem seus sentimentos à frente da vaidade, não se vexando de mudarem votos que se comprovaram incorretos nem de alterarem decisões que vos faria passarem à História como omissos e indiferentes ao destino de um injustiçado.

Os que forem cristãos, levem em conta que a vaidade é um pecado capital. E os demais, que a compaixão e o amor ao próximo são um ensinamento comum da maioria das religiões.

É o que vos tenho a dizer, Srs. Ministros, na esperança de que lhes sirvam de algo as ponderações de um sujeito na esquina – humilde, sim, mas que acredita ser dotado do espírito de justiça inerente, segundo Platão, a todo ser humano.

E é em nome do espírito de Justiça que deixo esta palavra final: salvem a vida e restituam a liberdade de Cesare Battisti! Ele já sofreu demais e merece viver em paz.

Respeitosamente,

CELSO LUNGARETTI

Battisti vai viver ou morrer no Brasil. Daqui não sairá.

Terminada a segunda sessão do julgamento do pedido de extradição de Cesare Battisti no Supremo Tribunal Federal, batalhões de jornalistas colhiam as impressões dos personagens do Brasil oficial à porta da lei (kafkiana como nunca!).

Mas, quem fazia a melhor avaliação dos acontecimentos era o jovem orador que, com seu megafone, falava a algumas dezenas de outros jovens, localizados a uns 300 metros de distância, no Brasil real: “Já não existe mais Supremo Tribunal Federal. Isso aí agora é uma delegacia de polícia”.

Só faltou acrescentar: dos tempos da ditadura militar. Uma delegacia como o distrito policial que servia de fachada para os carrascos da Operação Bandeirantes.

Quem passava pela rua Tutóia, no bairro paulistano do Paraíso (!!!), só via as instalações de uma instituição dedicada a proteger os cidadãos.

Nos fundos, sorrateiramente, infiltraram-se os efetivos de uma instituição infernal, dedicados a atentar contra a liberdade, a integridade física e a própria vida dos cidadãos.

Também o STF tem efetivos dedicados a tal faina.

Já atentaram contra a liberdade do escritor e perseguido político Cesare Battisti, ordenando sua discutível detenção e mantendo-o sequestrado depois que o Governo brasileiro lhe concedeu refúgio humanitário, há dez meses.

Também atentaram contra sua integridade física: a ansiedade e a mágoa por estar sendo tão injustiçado o reduziram a um trapo.

E tramam contra sua vida, pois — prestem muita atenção no que afirmo! — Cesare Battisti jamais será extraditado para a Itália. Vai viver ou morrer no Brasil, dependendo da decisão das autoridades brasileiras. Daqui não sairá.

Na 5ª feira em que o ministro Marco Aurélio Mello honrou as calças que veste, vocês-sabem-quem se comportou como um garoto assustado: molhou-as e preferiu não aparecer em público, pensando que assim evitaria o vexame.

Em vão: seu papel neste drama jamais será esquecido. Ou vai buscar sua dignidade onde a atirou, ou passará à História com o estigma da infâmia e da cumplicidade num assassinato.

Pois, repito: Cesare Battisti não será extraditado para a Itália. Vai viver ou morrer no Brasil. Daqui não sairá.

Falo o que dele ouvi e tenho absoluta certeza de que cumprirá o que disse, pois pertence à classe dos homens, não à dos garotinhos mijões.

Marco Aurélio não apenas votou, mas fez o verdadeiro relatório do Caso Battisti, reduzindo a pó o papelucho de César Peluso.

Provou, sem deixar sombra de dúvida, que o STF não tem direito de rever o refúgio concedido a Battisti.

Está apenas usurpando prerrogativa de outro Poder, o que implica burlar uma lei e ignorar a jurisprudência firmada nos casos congêneres por ele próprio apreciados anteriormente.

Provou que a sentença que a Itália quer ver aplicada contra Battisti especifica claramente (34 vezes!) que os delitos cometidos pelos Proletários Armados para o Comunismo constituíam subversão contra o poder do Estado.

O pobre Tarso Genro, por proclamar esta obviedade, foi fulminado como juridicamente ignorante pela engrenagem de comunicação a serviço dos juridicamente matreiros e juridicamente delinquentes.

Provou que os delitos falsamente imputados a Battisti estão, ademais, prescritos.

E provou a má fé dos que, depois de ouvirem a verdade cristalina, não modificaram seu voto, para agirem como verdadeiros juristas.

Por enquanto, não passam de vis linchadores, da mesma laia daqueles que entregaram Olga Benário aos nazistas (pois foi o STF quem decidiu tal ignomínia, tendo Getúlio Vargas apenas lavado as mãos, ao ignorar o pedido de clemência).

E serão definitivamente linchadores se desperdiçarem a última oportunidade, na próxima 4ª feira (18), para salvarem sua reputação e sua honra, evitando acumplicar-se com um assassinato.

Pois, a minha última palavra é também a definitiva de Cesare Battisti: ele vai viver ou morrer no Brasil. Daqui não sairá.

Nova vítima do Caso Battisti: Eliane Catênhede morre para o jornalismo

É com imenso pesar que comunico a morte jornalística de Eliane Catênhede, que, com sua coluna de 08/11 na Folha de S. Paulo (O Julgamento), somou-se à horda de linchadores midiáticos empenhados em fazer prevalecer a posição italiana no Caso Battisti.

Seu texto é uma mal disfarçada tentativa de influenciar um acontecimento, ao invés de apresentar aos leitores um quadro interpretativo tão isento quanto possível.

Se engana os incautos, um malabarismo desses evidencia-se de forma gritante para quem é do ramo. Constitui mero exercício de lobby. Não é jornalismo. Nunca será jornalismo.

Começa dizendo que “tudo indica que o Supremo acatará, nesta quinta, o pedido de extradição do ex-guerrilheiro Cesare Battisti para a Itália, onde foi condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos”.

Tudo indica por quê? Quais as informações que respaldam a informação? Se as tem, por que não as repartiu com os leitores? Se não as tem, por que trombeteia o que terá sido apenas um desejo de torcedora?

Se um Juca Kfouri afirma tudo indicar que o Corinthians do seu coração vá derrotar, digamos, o Real Madri, cairá no ridículo. Cabe-lhe fazer análises, não colocar seus textos a reboque de suas paixões. E é em igual ridículo que acaba de desabar Catênhede.

Depois, ela trata, preconceituosamente, Battisti como “ex-guerrilheiro”, o que ele foi há mais de trinta anos, e não como o escritor ou o perseguido politico que ele é hoje. O viés negativo salta aos olhos.

Diz que ele foi condenado por quatro assassinatos, mas “esquece” de dizer que, depois dos promotores italianos acatarem as denúncias interesseiras do delator premiado Pietro Mutti como se fossem a tábua dos dez mandamentos, os defensores de Battisti lembraram o singelo detalhe de que ele não possuia o dom da ubiquidade, o que impossibilitava sua presença física em dois assassinatos quase simultâneos ocorridos em localidades cuja distância era intransponível no intervalo de tempo transcorrido.

Daí a farsesca acusação ter sido ridiculamente remendada, ao invés de jogada no lixo, como deveria ter sido: os promotores passaram a imputar a Battisti a autoria direta de três assassinatos e a autoria intelectual do quarto.

Só este procedimento caricato já seria suficiente para desqualificar todo o castelo de cartas que os promotores armaram unicamente a partir das declarações interesseiras de quem pretendia favores da justiça (redução/extinção de suas penas) ou do Estado (indenizações) italiano, sem testemunhas isentas, sem provas materiais, sem as perícias que se impunham e sem que o acusado tivesse sido sequer informado do processo e defendido por advogado de sua escolha.

Continua tendenciosa Catênhede no inacreditável parágrafo seguinte:

“Os defensores políticos de Battisti visaram a opinião pública, via imprensa e internet, tentando levar a questão para a seara humanitária e lapidar seu perfil atual como pacato escritor e pai de família. Já os advogados do governo italiano foram direto ao alvo: concentraram-se no STF e nos meandros jurídicos”.

De que caso ela está falando, afinal? No Caso Battisti, é um descalabro reduzir seu leque de apoiadores à categoria de “defensores políticos”, quando ele tem a seu lado tantos juristas inatacáveis como Dalmo de Abreu Dallari, tantos cidadãos com espírito de justiça como o cineasta Silvio Tendler, além da provável totalidade das associações e entidades dedicadas à defesa dos direitos humanos, inclusive as comissões respectivas da Câmara Federal e do Senado.

Alinhada com a retórica italiana, ela quer passar a impressão de que são apenas os antigos guerrilheiros que defendem Battisti! Maquiavelismo inábil se volta sempre contra os aprendizes de feiticeiro…

Também é crassa deturpação dizer que conquistamos maioria esmagadora na internet levando “a questão para a seara humanitária” e lapidando (a ironia evidencia claramente o partido que ela toma no caso) seu “perfil atual como pacato escritor e pai de família”.

Ora, os advogados Luiz Eduardo Greenhalgh e Luiz Roberto Barroso, a escritora Fred Vargas e o respeitadíssimo membro brasileiro da Anistia Internacional dos Estados Unidos Carlos Lungarzo simplesmente pulverizaram a sentença italiana de 1987 e o pleito eivado de irregularidades que a Itália apresentou ao Brasil, contrapondo-lhes argumentação jurídica irrepreensível e, ouso afirmar, incontestável.

O fato é que a racionália extremamente mais débil do lado italiano é a única destacada pela grande imprensa, que sonega sistematicamente do seus leitores o outro lado, além de mandar às urtigas o direito de resposta (que eu mesmo tantas vezes reivindiquei em vão!).

E outro fato é que Catênhede, à qual eu mesmo tenho enviado sistematicamente documentação fundamentada sobre as aberrações jurídicas que envolvem este caso, prefere fazer coro à desinformação programada.

Por que não diz aos leitores da Folha que a escritora Fred Vargas e Carlos Lungarzo (da Anistia Internacional) dissecaram exaustivamente o relatório tendenciosíssimo do ministro Cesar Peluso, expondo um rosário de incorreções factuais e heresias jurídicas?

Simplesmente porque ela trocou o compromisso jornalístico com o resgate e disponibilização da verdade pela faina de encobri-la a serviço de certos interesses – por nenhuma coincidência os dominantes.

Novo parágrafo, nova falácia:

“A primeira derrota de Battisti foi a recusa do refúgio – até porque seria esdrúxulo, senão inédito, classificar como refugiado um estrangeiro que entrou clandestinamente no Brasil e foi preso anos depois sem jamais pedir socorro e acolhimento às autoridades do país. Ao contrário, fugindo delas”.

O que levou Catênhede a concluir que o refúgio foi recusado? O STF, na primeira votação, apenas decidiu jogar no lixo a Lei brasileira e a jurisprudência que ele próprio firmou com todas as suas decisões anteriores, no sentido de que a concessão do refúgio por parte de quem estava habilitado a concedê-lo (o ministro da Justiça) vedava o prosseguimento do processo de extradição.

No entanto, se for feita justiça na 5ª feira, o refúgio concedido pelo Governo brasileiro, que o STF desta vez decidiu apreciar, será confirmado.

E estes não são meros detalhes semânticos. No caso de jornalistas, cada pequeno deslize costuma embutir uma intenção.

No mais, é patético ela afirmar que quem busca o refúgio são apenas os que chegaram abertamente ao Brasil! Também aqui não dá para acreditarmos que ela realmente ignore a este ponto as agruras dos perseguidos políticos…

E tal tese oportunística e tortuosa não teve absolutamente nada a ver com a decisão do Conselho Nacional para Refugiados.

Se Catênhede lesse atentamente o jornal no qual ela própria trabalha, saberia que a decisão do Conare se deveu, isto sim, à vontade do ministro Tarso Genro de decidir pessoalmente esse processo polêmico, daí ter recomendado ao secretário-geral do colegiado Luiz Paulo Barreto que, em caso de empate, desempatasse contra Battisti, para o caso passar à alçada dele, Tarso.

Finalmente, Catênhede comenta as tendências de voto dos ministros restantes, com indisfarçável empenho de intimidar José Carlos Toffoli (para que se abstenha de votar) e Ayres Britto (para não rever seu surpreendente voto anterior, já que não costuma colocar razões de Estado à frente do espírito de Justiça e dos valores humanitários).

Ela novamente se mostra torcedora, e não analista política: se o arquirreacionário Gilmar Mendes puder mandar Battisti “de volta para casa – e para a cadeia italiana”, alvissarás!; se Toffoli ou Britto impedirem essa crassa injustiça e essa terrível ignomínia, comparável à entrega de Olga Benário aos nazistas, estarão incidindo num “vexame”.

Lamento, Catênhede, mas seu time vai perder na quinta-feira. E sua reputação jornalística perdeu na véspera, de goleada. Ficou em frangalhos.

Toffoli confirmado, direita derrotada. É uma luz no fim do túnel?

Desta vez não houve alteração suspeita de práticas consagradas, como no julgamento da extradição de Cesare Battisti, quando o Supremo Tribunal Federal passou por cima da lei e da jurisprudência para intrometer-se em caso já decidido, numa forçação de barra somente explicável pela índole reacionária do seu presidente e de seu escudeiro de ocasião, e pela índole servil de outros ministros.

Nesta quarte-feira o Senado aprovou, como sempre e por ampla maioria, aquele que o Governo indicou para assumir uma cadeira no STF.

Deu com os burros n’água a abrangente campanha orquestrada na mídia e nos arraiais da extrema-direita contra a indicação de José Antonio Toffoli.

De nada adiantou uma mão misteriosa plantar nos principais jornais e revistas brasileiros, com a obrigatoriedade de todos publicarem-na no mesmo dia, a informação de que o escritório de advocacia de Toffoli está sendo acusado de práticas ilícitas no Amapá.

Nem a tentativa desesperada da Folha de S. Paulo em produzir, no dia marcado para a apreciação da indicação de Toffoli pelo Senado, um factóide a partir de gravação da Polícia Federal que deve ter caído do céu e pousado diretamente na mesa do editor de Política.

Muito menos a profusão de textos anti-Toffoli divulgados nos sites fascistas, com direito a abaixo-assinados largamente difundidos na Internet e a ridículo alarmismo nas correntes de e-mails das viúvas da ditadura. Como se a atuação do Supremo estivesse sendo exemplar e um novo ministro pudesse vir a comprometer sua excelência…

Aproveitando o bordão do Lula, podemos dizer que nunca antes neste país houve tanto empenho em barrar um candidato ao STF.

Então, temos todos os motivos para comemorar que o Titanic das forças mais retrógradas da política brasileira tenha ido a pique. Sua máquina de manipulação nem sempre direciona os acontecimentos como elas gostariam. Desta vez, os métodos de Goebbels não resultaram.

Também considero altamente positivo que não tenha vingado a tese de que só são aptos para o STF os juristas com brilhantes mestrados e doutorados. Pois precisamos é de ministros com equilíbrio, bom senso e espírito de Justiça, não de sofisticados profissionais da enrolação.

De que valeu o doutorado do Cezar Peluso, se ele produziu para o Caso Battisti um dos relatórios mais parciais e aberrantes da história do STF, conforme demonstraram, irrefutavelmente, Celso Bandeira de Mello, Fred Vargas e Carlos Lungarzo?

Então, se alguns daqueles que possuem notório saber jurídico o utilizam apenas para embaralhar os fatos e dar verniz de legalidade a crassas injustiças, não vejo motivo nenhum para vedar o acesso de uma ave de outra plumagem. O estranho no ninho poderá ser mais benéfico à causa da verdadeira Justiça do que tais pavões…

Só lamento mesmo é que o voto de Toffoli possa vir a ser decisivo para evitar que o STF cometa sua decisão mais iníqua desde que determinou a entrega de Olga Benário aos nazistas.

Foi vergonhosa a primeira votação, por meio da qual o Supremo anulou, com uma penada, a própria essência da Lei do Refúgio, usurpando uma prerrogativa do Executivo.

E a segunda votação, sobre o estapafúrdio e inaceitável pedido de extradição da Itália, deveria consagrar por ampla maioria o repúdio às cascatas que o 1º mundo tenta nos impingir (ao, p. ex., maquilar como crimes comuns os que foram enquadrados como políticos na sentença italiana).

O mussolinesco Berlusconi e sua gangue nos tomam por cordeirinhos que tremem de medo diante dos uivos da Loba Romana e por otários que engolem qualquer balela.

Caberia ao STF fazer valer as leis deste país e fazer respeitar a soberania nacional.

Se a liberdade de Battisti vier a ser assegurada por apenas um voto, só se terá, tortuosamente, evitado o pior.

Ele merece mesmo residir e trabalhar em paz, neste país que sempre acolheu bem os perseguidos políticos de outras nações.

Quanto a nós, merecemos uma corte suprema bem melhor do que essa que temos.