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Caleidoscopia

Uma revista é um espaço de acolhimento e crescimento

Não de encolhimento

Essa tem sido a nossa razão de ser e continua a ser

Nos dias de hoje, no entanto, entretanto

Prevalece muitas vezes um certo medo ao contato

Fato agora em retirada

A democracia de volta no Brasil

Atreva-se, venha nos enriquecer com as suas experiências!

Ciência e arte, vida

Mutirão de todo dia!

Tempos estranhos

Tempos estranhos estes

Nem sei se tão estranhos quanto outros tempos

Tempo de não termos tempo para nada

Embora possamos ter todo o tempo do mundo

O instante parece que se nos escapa

Acuado por medos e hiperinformação

Sobredose de tudo ou falta de quase tudo

Menos a sensibilidade que nos lembra

Que somos águas

Chuvas que passam

Rios que seguem

Vento que vai e vem sobre o mar

E uma voz antiga sussurra

É agora, este minuto, esse rosto, essa voz, esse amor

Essa mão, essa luz que te guia desde dentro e ao redor

Acatando a nossa humanidade venceremos, talvez

Ou com certeza

A insânia de um sistema que vive da morte

A imperfeição que nos lembra que somos criaturas nas mãos de Deus

Um Deus que nos quis e nos quer irmãos, irmãs

Mutirão de afetos na direção da terra prometida

O próprio coração

Recuperar a inocência do tempo eterno que nos habita e rodeia

Tudo isto já passou e continuará a passar.

O que não passa é o amor que nos habita e contém.

Por que persistir?

Muitas vezes me pergunto que razões me movem a insistir neste espaço. Não são poucas. Acredito nos esforços a longo prazo. A resistência que se nutre da expectativa de uma vida melhor. Mais justa e amorosa.

Acredito no trabalho colaborativo. Na soma das diferenças. Na síntese do diverso. Na pluralidade que nos enriquece. Na nossa multiplicidade interior que nos resgata da uniformidade. A luta pela preservação da minha própria identidade é a bússola que direciona todos meus passos. Por isso insisto.

Aqui se veiculam ações e visões de mundo que potenciam a esperança. Não somos um movimento de massa. Somos uma iniciativa que valoriza a arte, a poesia, a educação.

A construção coletiva que dá significado ao existir. Por isso resisto. Sem reflexão, sem apropriação da história pessoal, seriamos meros objetos manipuláveis.

Humanização dá trabalho. É um trabalho prazeroso. E eu me atrevo a dizer que é inevitável. A alternativa seria a robotização, a alienação, a perda da vida. A morte em vida. Não há alternativa. Humanização ou humanização.

José Comblin

In memoriam (27-03-2011)

Escrever sobre José Comblin é mexer com algo que se tornou muito vivo na minha vida. Uma espiritualidade ancorada no social, uma busca de Deus além do intelecto, ou, melhor dizendo, com uma razão iluminada por uma atitude interior de amorosidade e solidariedade.

Encontrei em Comblin uma figura que parecia vinda de algum outro mundo. Uma pessoa profunda e simples. Parecia que uma luz irradiava da sua presença. Nisto lembrava muito de Dom Fragoso. Essa mesma áurea de uma pessoa profundamente humilde, embora possuísse vastíssimo conhecimento. Dom Fragoso e José Comblin.

Adalberto Barreto, outro teólogo da libertação. Não poderia deixar de juntá-los nesta evocação, uma vez que sinto que os três são como encarnações de um mesmo espírito. Uma prática concreta de partilhar saberes normalmente privatizados pelas classes mais favorecidas, com as pessoas mais pobres.

Uma partilha vinda de um sentimento de que todos necessitamos uns dos outros. Não há libertação isolada, de pequenos grupos. A humanidade é uma unidade. Posso dizer que no contato com estas pessoas, e com outras semelhantes no seu espírito de serviço e de transformação desde o amor que estende as mãos para um resgate solidário, fui me tendo de volta.

Pude ir saindo da minha depressão e das marcas de um isolamento em que me encontrava. Pude ir me vendo como rede, em comunidade. Este processo prossegue. A lembrança de Comblin e a minha prática no seio da Terapia Comunitária Integrativa criada por Adalberto Barreto, foram mudando a minha visão de mundo.

Fui me reconhecendo em uma humanidade pobre materialmente, mas rica em solidariedade e em sabedoria popular.

A pessoa vai se recuperando na medida em que se sente acolhida pelos seus semelhantes. Isto aconteceu comigo, não apenas no seio desta rede de base, solidária, que no entanto é o foco principal da minha recuperação e reconstrução constante como ser humano, como na vida diária, na medida em que foi se dissolvendo a barreira invisível mas muito efetiva da alienação que me separava de mim mesmo e dos meus semelhantes.

Fui recuperando um sentido de viver que se faz nas pequenas coisas, no dia a dia vivido com a admiração de quem se descobre maravilhado por estar vivo, por fazer parte desta maravilha que é a vida.

Foto: Pe. José Comblin