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O legado de Lula: uma terra arrasada e uma esquerda mais arrasada ainda

A comédia dos erros terminou melancolicamente.

Sem surpresa nenhuma o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi declarado inelegível pela Justiça Eleitoral, pois é isto que determina a Lei da Ficha Limpa

Se sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro foi justa ou injusta, é algo a ser resolvido na esfera da Justiça Criminal, cujas decisões o Tribunal Superior Eleitoral não tem poder para questionar.

Se sua exclusão do pleito deveria se dar após uma sentença de 2ª ou 3ª instância, é algo a ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal, cujas decisões o TSE não tem poder para questionar. O certo é que, desde 2010, a condenação em 2ª instância vem sendo considerada suficiente.

E todas as decisões do TRF-4, do STJ e do STF foram no sentido de que nem a sentença do Lula seria cancelada, nem a inelegibilidade após a 2ª instância revista neste momento. O que vimos nesta 6ª feira (31) foi apenas a confirmação da derrota anunciada – e pelo acachapante placar de 6×1!

Então, por que o PT insistiu tanto em manter um candidato a presidente ilusório até cinco semanas antes do 1º turno? Cabe aqui uma recapitulação.

De Gaulle teria dito que o PT não é um partido sério…

Mesmo tendo o partido sido gerado em plena ditadura militar, seus fundadores não deixaram de colocar no manifesto de fundação, aprovado em fevereiro de 1980, que teria como objetivos supremos o fim da exploração capitalista e a construção de uma sociedade igualitária e livre:

…As riquezas naturais, que até hoje só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional, deverão ser postas a serviço do bem-estar da coletividade.  

Para isso é preciso que as decisões sobre a economia se submetam aos interesses populares. Mas esses interesses não prevalecerão enquanto o poder político não expressar uma real representação popular, fundada nas organizações de base, para que se efetive o poder de decisão dos trabalhadores sobre a economia e os demais níveis da sociedade

É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos…  

…O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores…

Mas, logo na sua primeira década de existência o PT já desistiu informalmente da meta revolucionária, expurgou as tendências internas que a priorizavam e passou a objetivar apenas a conquista de posições de poder dentro do capitalismo, não mais para construir uma sociedade igualitária, mas sim para proporcionar pequenas melhoras aos trabalhadores. 

Eis, enfim, o real candidato do PT: o ciclista Haddad. Terá ele… 

As eleições foram significando cada vez mais para o PT, enquanto a participação nas lutas sociais ia passando para segundo e até terceiro plano. 

As consequências de sua furtiva guinada ideológica não se tornaram tão evidentes no século passado (porque estava na oposição), nem durante os dois mandatos presidenciais de Lula (porque o bom desempenho das commodities brasileiras lhe permitia cumprir a promessa de botar um pouco mais de pão na mesa dos trabalhadores, embora sem retirá-lo da esbórnia dos privilegiados, tanto que nossa escandalosa desigualdade econômica não diminuiu em momento nenhum).

Quando a crise capitalista se aguçou sobremaneira na presente década, contudo, o cobertor foi ficando cada vez mais curto para cobrir tanto a cabeça de uns quanto os pés dos outros. A política de conciliação de classe foi colocada em xeque, pois numa fase de vacas magras já não era mais possível continuar mascarando a existência de uma contradição fundamental entre os interesses de explorados e exploradores. 


A presidente Dilma Rousseff, que há muito se desencantara com a luta de classes e passara a crer que contradições insolúveis pudessem ser resolvidas com soluções tecnoburocráticas (superestimando desmedida e alucinadamente seu próprio papel como gerentona), tentou uma jogada arriscada para impedir o castelo de cartas de desabar. Era preciso fazer a economia crescer o suficiente para os bancos continuarem comemorando recordes de faturamento a cada mês e para os pobres seguirem deslumbrados com o maravilhoso mundo do consumo ao qual haviam obtido limitado e endividado acesso!

Dilma retirou do baú de velharias as fórmulas desenvolvimentistas de seis décadas antes, com a esperança de fazer o carro da economia pegar no tranco graças aos investimentos estatais. Mas, como o relógio da História não anda para trás, o que ela conseguiu foi colocar a economia brasileira no rumo de uma formidável recessão.

…mais sorte do que a Dilma das pedaladas fiscais?

A hora da verdade chegou em 2014, quando fatalmente não conseguiria reeleger-se a partir dos resultados entregues por seu primeiro governo e de esperanças que ainda fosse capaz de despertar. E o quadro pioraria ainda mais caso o distinto público se desse conta da tempestade que se formava.

Então, como tábua de salvação, ocultou dos eleitores (por meio das famosas pedaladas fiscais) o estado calamitoso das finanças públicas; satanizou adversários exagerando verdades e espalhando as mais cabeludas mentiras; e praticou um ignóbil estelionato eleitoral ao prometer salvar os brasileiros das reformas neoliberais que seus rivais estariam tramando na calada da noite, ao passo que ela, a angelical, jamais cometeria tamanha maldade…

Desde então, o PT passou cada vez mais a sobreviver politicamente à custa de fantasias e embromações.

Depois de cumprir uma por uma todas as etapas do ritual do impeachment e ser derrotado em todas, passou a atribuir o defenestramento de Dilma a um diabólico golpe… que, na verdade, nada mais foi do que a secular prevalência, nos momentos críticos, das necessidades e interesses da classe dominante, pois está é a lógica do sistema. Só ingênuos esperavam que sucedesse o contrário. 

Com isto mais o Fora Temer, o PT conseguiu desviar a atenção dos terríveis erros por ele cometidos, que possibilitaram a derrubada de Dilma mediante um mero piparote parlamentar; e da óbvia constatação de que não adiantava mais eleger presidentes, já que eles seriam deseleitos pelo poder econômico quando este bem entendesse. 

Mas, conseguindo espertamente evitar  um processo de autocrítica do qual sairiam bem menores do que entraram, os dirigentes petistas ao mesmo tempo abortaram a definição de novas linhas mestras para a atuação partidária, já que as anteriores haviam implodido espetacularmente. A salvação dos ineptos se deu à custa de sacrificar-se o futuro: que mágica besta!  

Que dilúvio nos legará esse outro Luís?

O certo é que, para que se consumassem os desastres recentes do PT, concorreu mesmo a adoção de dois pesos e duas medidas: pecados idênticos, cometidos por outros partidos e políticos, foram tratados como venais e os petistas, como mortais. 

Mas as alegações de inocência, tanto no impeachment quanto nos processos por corrupção, nunca passaram de lorotas inverossímeis; o mar de lama existiu mesmo e as práticas que teoricamente ensejariam cassação de mandatos, idem.

Aos olhos dos cidadãos com um mínimo de espírito crítico, o PT, ao incidir nas mesmas práticas e recorrer às mesmas desculpas esfarrapadas quando apanhado com a boca na botija, igualou-se às agremiações convencionais, perdendo o status de partido diferenciado e confiável. Acreditar nele passou a ser um ato de fé; e não é com fanáticos que se constrói uma sociedade emancipada.

Para reforçar a narrativa do golpe e a narrativa do preso político, criou-se o roteiro de um espetáculo de mafuá: a farsa do candidato fantasma, que só serviu para travar a campanha eleitoral e oxigenar o representante do DOI-Codi no pleito presidencial (o truculento candidato que explora, da forma mais grotesca e obtusa, os filões do anticomunismo e do antipetismo) .

Quem disse depois de mim, o dilúvio foi o rei francês Luís XV, e a profecia se cumpriria com seu neto Luís XVI sendo guilhotinado na Grande Revolução Francesa.

Que dilúvio nos legará esse outro Luís? Uma coisa é certa: ele sai de cena deixando atrás de si uma terra arrasada e uma esquerda mais arrasada ainda.

Itália continua caçando Battisti, hoje um sexagenário pacato e combalido, com esposa e filho brasileiros.

Notícia desta 2ª feira, 25, do jornal O Globo:

Condenado à prisão perpétua na Itália e mantido no Brasil após decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu último dia de governo em 2010, o italiano Cesare Battisti corre o risco de perder o direito de permanecer no país. 
 

Em sigilo, o governo da Itália apresentou pedido para que o presidente Michel Temer reveja a decisão de Lula que garantira a Battisti residência em território brasileiro, evitando uma extradição para cumprir a pena em seu país de origem.

 

O pedido está no Palácio do Planalto, e já foi submetido a uma primeira análise técnica. Agora, cabe à consultoria jurídica da Presidência da República emitir um parecer. Até agora a gestão de Temer não encontrou problemas jurídicos que impeçam uma nova decisão sobre o caso.

 

Segundo integrantes do governo, dois ministros já teriam dado sinal verde para um ato de Temer a favor do pedido italiano: o ministro da Justiça, Torquato Jardim, primeiro a analisar a demanda do governo estrangeiro; e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, por considerar o ato como um gesto importante diplomaticamente.

 

Do ponto de vista jurídico, o governo já encontrou uma fundamentação em súmula do Supremo Tribunal Federal de 1969, tradicionalmente citada por especialistas em direito administrativo. Essa súmula, que resume o entendimento da Corte sobre tema específico, diz que “a administração pode anular seus próprios atos” quando houver vícios ou revogá-los “por motivo de conveniência ou oportunidade”. Ou seja, um ato de Lula pode ser revisto por Temer.

Mas, por enquanto, o presidente prefere ficar longe do tema. E, neste momento, não deve haver decisão, apesar das pressões. Oficialmente, o governo é ainda mais cauteloso. Procurada pelo Globo, a presidência da República disse que o assunto não está sendo tratado no Palácio do Planalto. O Globo  confirmou, no entanto, que o pedido formal foi feito pelas autoridades italianas e o processo remetido ao governo brasileiro.

As tratativas para a extradição de Battisti começaram no ano passado. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi chegou a declarar publicamente que esperava por uma mudança de posição brasileira sobre Battisti na gestão de Temer. Na época, Renzi evitou confirmar se sua administração pretendia tomar a iniciativa de pedir a revisão da decisão de Lula. O assunto passou a ser tratado, então, com discrição pelas autoridades.

Primeiro, o pedido foi levado por representantes do governo italiano ao então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. O caso voltou a ser tratado com o sucessor dele na pasta, o deputado Osmar Serraglio.

Cesare, o 1º da esq. p/ a dir., ao ser julgado na Itália.

O porta-voz do pedido junto ao governo brasileiro foi o embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini. Ele teve uma série de reuniões com autoridades brasileiras. Procurado pelo Globo o embaixador não quis falar sobre o assunto.


A divulgação do pedido italiano antes de Temer tomar a decisão preocupa as autoridades daquele país. Há receio de que Battisti acione sua rede de proteção no Brasil e tente travar, pela via judicial, um eventual novo ato que o presidente da República pode tomar.

A preocupação das autoridades italianas é baseada na conduta do próprio Battisti. Logo após Renzi declarar que gostaria de ver uma mudança de posição do governo brasileiro na gestão Temer, o italiano, condenado pelo assassinato de quatro pessoas em seu país entre 1977 e 1979, recorreu ao Supremo Tribunal Federal.

Em setembro, o ministro Luiz Fux rejeitou o pedido feito pela defesa de Battisti para que fosse concedido um habeas corpus preventivo. Fux alegou que não havia nada de concreto na ocasião que justificasse o temor do italiano. 
 

Na decisão, o ministro do STF lembrou, entretanto, que o presidente da República tem poder para tomar decisões relacionadas à presença de estrangeiros no país. Fux citou o julgamento do próprio STF em 2009, quando, após uma grande polêmica e numa votação apertada, os ministros entenderam que Battisti deveria ser extraditado para a Itália, mas caberia ao presidente da República decidir se iria ou não executar a extradição.

Lançando livro na França, em 2004.

Lula passou quase um ano para decidir o que fazer. No último dia de seu segundo mandato, em 31 de dezembro de 2010, uma edição extra do Diário Oficial publicou a decisão: parecer da Advocacia Geral da União dizia que a extradição não precisaria ser obrigatoriamente cumprida, e Lula deixou Battisti viver no Brasil.

Após a negativa de Fux ano passado, a defesa de Battisti recorreu de novo. O processo tramitou no plenário virtual do STF, um sistema em que cada ministro apresenta seu voto por computador. Os advogados do italiano ainda tentaram argumentar que o caso era polêmico e merecia ser levado a julgamento no plenário tradicional em que as sessões são transmitidas pela TV Justiça. O pedido foi rejeitado.

Em maio deste ano, a maioria dos ministros, no plenário virtual, seguiu voto de Fux, e entendeu que não havia motivos para conceder um salvo-conduto a Battisti. O processo foi arquivado na semana passada.
 

…A última notícia que se tem dele é que estaria morando na cidade de Rio Preto, no interior de São Paulo, onde fez tratamento pelo SUS contra hepatite C. No último recurso que enviou ao STF, o italiano informou ter se casado com a brasileira Joice Passos dos Santos, em 2015. A Justiça de São Paulo reconheceu que o italiano é pai de um menino, nascido em novembro de 2015…

Com seu costumeiro viés reacionário, O Globo chega ao absurdo de continuar desinformando os leitores sobre a segunda condenação italiana de Cesare Battisti, inteiramente lastreada em declarações mentirosas de delatores premiados que tranquilamente descarregaram sobre ele as próprias culpas, supondo que estivesse a salvo da vendetta italiana graças à solene promessa do premiê François Mitterrand (este assegurara aos perseguidos políticos da Itália o direito de viverem e trabalharem em paz na França, desde que não retomassem a militância política).

Casamento de Battisti com Joice Lima em junho de 2015

Assim como agora, a Itália aproveitou a troca de mandatário para tentar obter o troféu há muito ambicionado pelos conservadores e pelos neofascistas de lá: a extradição do escritor que denunciava as arbitrariedades policiais e as farsas jurídicas dos anos de chumbo na Itália, para poder silenciá-lo, trancafiando-o numa masmorra sob regime carcerário extremamente desumano, causador de um sem-número de suicídios de contestadores políticos.


Quanto à desinformação a que aludo acima, trata-se da referência a QUATRO assassinatos. Era a fábula que constava inicialmente da acusação, mas a defesa de Battisti demonstrou a inexistência de tempo hábil para ele locomover-se entre duas cidades distantes onde o grupo Proletários Armados pelo Comunismo desenvolveu duas ações praticamente simultâneas. 

Como o processo era grotesco e burlesco, os promotores simplesmente deram o dito por não-dito, passando a inculpar Battisti por responsabilidade direita em três homicídios e autoria intelectual do quarto (embora jamais tivesse ficado estabelecido que ele fosse o planejador de ações do PAC; na verdade, já deixara este agrupamento quando os fatos ocorreram).
 

E, no Brasil, o tendenciosíssimo relator do processo de extradição no Supremo, Cezar Peluso (um fanático defensor dos dogmas do catolicismo medieval), preferiu adotar a versão derrubada e alterada do que ser fiel aos autos italianos; no que foi caninamente seguido pela grande imprensa brasileira, apesar da infinidade de didáticos desmentidos que Carlos Lungarzo, Rui Martins e eu lhe encaminhamos, todos olimpicamente ignorados.

Finalmente: uma mudança de posição do governo brasileiro hoje atingiria um sexagenário que, vivendo em liberdade há mais de seis anos, jamais infringiu as leis brasileiras nem hostilizou a Itália; manteve-se ativo como escritor, ganhando honestamente seu sustento; constituiu família, tendo agora esposa brasileira e filho brasileiro; tornou-se idoso (está com 62 anos) e faz tratamento de saúde.

Torçamos para que Michel Temer, apesar dos maus conselhos do ex-guerrilheiro Aloysio Nunes Ferreira Filho (um esquerdista que se tornou ultradireitista, como Carlos Lacerda), não queira para si o opróbrio de Getúlio Vargas, que entregou Olga Benário aos nazistas. 

E para que o STF garanta proteção legal ao Cesare, não fazendo do seu filho uma nova Anita Leocádia Prestes, privada de um dos pais devido a uma decisão atroz da Justiça brasileira. 
 

E o motivo para tanto é óbvio e inequívoco: a súmula do Supremo que veda a expulsão de estrangeiro casado com brasileira ou que tenha filho brasileiro. (por Celso Lungaretti)

Rodrigo Janot quer porque quer escancarar as portas do inferno!

Há muita torcida nas redes sociais pela queda de Temer. E há um empenho desmedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disposto a fazer de tudo para satisfazer a galera. A insensatez e as vaidades desmedidas reinam.

Janot já pisou feio na bola ao armar uma arapuca óbvia para o presidente, cheia de ilegalidades que o ministro Edson Fachin abençoou (mesmo não tendo o direito de fazê-lo, pois estava obrigado a declarar-se impedido de intervir na delação premiada do grupo J&F, em função de haver mantido com o dito cujo notórias ligações perigosas).

A ação concertada com as Organizações Globo teria resultado caso Temer renunciasse ou se a Justiça Eleitoral cassasse o seu mandato. E o que teria então acontecido?

Eis o quadro bem realista que o veterano jornalista Clóvis Rossi nos expõe:

Se Temer tivesse seu mandato cassado pelo TSE, a crise política estaria encerrada? Óbvio que não.

Primeiro porque caberia recurso e sabe-se lá por quanto tempo se arrastaria o processo, mantendo-se na Presidência um cidadão notoriamente inadequado para o cargo. 

…[mas] digamos que a tal vox populi fosse ouvida pelo TSE e Temer caísse. Fim da crise? Não.

Haveria, de um lado, o desejo da maioria dos congressistas de manter o privilégio de escolherem eles, e não o eleitorado, o novo presidente. Do outro lado, a pressão de grande parte do público por eleição direta, o que demandaria uma emenda constitucional de tramitação demorada, em meio a uma situação econômico-social desastrosa.

Considerados o poder da rua e o poder dos grandes interesses envolvidos, a lógica elementar diria que a eleição seria mesmo indireta. 

Aí, o risco seria (…) a eleição de Rodrigo Maia, apontado como favorito de seus pares. 

É outra mediocridade como Temer, mas com menos experiência.

Temer com seu substituto legal, Rodrigo Maia: e se a montanha parir um rato?

Será que o Brasil aguentaria três governantes medíocres em sequência? Não dá para esquecer que Dilma Rousseff conduziu o país à mais profunda e prolongada recessão de sua história – prova factual de seu despreparo para o cargo.

PRESTES A DEIXAR O CARGO, JANOT NADA TEM A PERDER: “DEPOIS DE MIM, O DILÚVIO!”

O pior é que Janot, o grande responsável pelo prolongamento inútil de uma recessão que começava a perder força, quer infernizar de vez a vida dos brasileiros, apresentando uma denúncia de corrupção contra Temer. Não leva em conta que, via TSE, a substituição de Temer poderia ser razoavelmente rápida, ao passo que, com um impeachment, o desenlace ficaria para bem depois, só no ano que vem. 


Como a abertura do processo exige a aprovação da Câmara Federal e do plenário do Supremo Tribunal Federal, bota uns dois meses nisso (no mínimo!). 

Vamos supor que, vencidas estas duas barreiras, Temer seja afastado provisoriamente em agosto, com Rodrigo Maia herdando a cadeira e a caneta presidencial (Deus nos acuda!). Aí, mesmo que o processo não consuma os 180 dias de prazo-limite, só estaria concluído lá pelo final do ano. 

Marcada uma eleição indireta para 30 dias depois (com o adiamento do recesso dos parlamentares), poderíamos ter um novo presidente em fevereiro, para governar no máximo 11 meses. Mas, governo efetivo mesmo, só até agosto, quando a campanha presidencial ferve e passa a ser a prioridade nº 1 dos políticos profissionais. 

Tudo considerado, a tendência seria de que as incertezas se prolongassem, afugentando investimentos, até a posse do novo presidente, no dia 1º de janeiro de 2019. Ou seja, o que Janot quer é que tenhamos pela frente mais um ano e meio com a situação econômica tão ruim como está agora, ou pior ainda.

É inacreditável que uma autoridade supostamente responsável tudo faça para nos impor tal pesadelo! Não terá consideração nenhuma pelo povo sofrido, indefeso, massacrado, que anda matando cachorro a grito desde 2015?! 


E, quanto aos que se dizem esquerdistas mas se mostram fanaticamente empenhados em propiciar o caos, só me resta lembrar-lhes que quem pretende servir à causa do povo não pode fazer política movido pela bílis. Precisa ter idealismo, clareza de raciocínio e. mais do que tudo, identificação com os humildes e disposição solidária para atenuar suas desditas..

Três características extremamente escassas hoje em dia.

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A CRISE É DE TODO O SISTEMA. AGONIZAM O CAPITAL, O ESTADO E SEUS REPRESENTANTES POLÍTICOS DA DIREITA E DA ESQUERDA.

A blitzkrieg do Janot atolou no pântano de Brasília

Se a toga fosse maior, daria para ocultar também a cara…

Deu a lógica: Michel Temer continua como presidente, tendo sobrevivido a uma das mais estapafúrdias e destrambelhadas tramoias da política brasileira em todos os tempos. 

Espera-se que, agora, a sociedade apresente a conta aos conspiradores trapalhões, por terem virado o País de pernas pro ar a troco de nada, prolongando por mais alguns meses a agonia em que se debatem os brasileiros desde 2015, quando se iniciou a fase mais aguda da recessão atual.

O processo na Justiça Eleitoral não passava de um Plano B, uma garantia adicional de que Dilma Rousseff seria privada do seu mandato presidencial, mesmo que ocorresse algum acidente de percurso com o impeachment. 

Como o Plano A resolveu a questão, o B perdeu sua razão de ser, reduzido a um estorvo; mas, noblesse oblige,  era necessário manter em pé as ilusões jurídicas da democracia burguesa. Assim, não havendo mais como evitar a realização do julgamento, ele deveria terminar com a absolvição da chapa Dilma-Temer.

Ao iniciar-se a terceira semana de maio, já se sabia até qual seria o placar da absolvição: 5×2. De repente, no dia 17, o jornal O Globo desencadeou uma verdadeira blitzkrieg contra Temer, publicando peças da delação premiada do Grupo J&F que deveriam estar sob sigilo de Justiça. 

E o relator dos processos ligados à Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, fez o inusitado: como parte do material havia supostamente vazado, resolveu levantar o sigilo do todo. Agiu como um general que, informado de que o inimigo matara 20 dos seus comandados e 80 estavam feridos, ordenasse: bom, então vamos matar logo os outros 80 também

O vencedor: Gilmar Mendes. Com muita cotovelada, chute na virilha e dedo no olho…

O pandemônio se instalou no noticiário, nos mercados e nos partidos políticos, enquanto movimentos sociais ligados ao petismo providenciaram um badernaço em Brasília, culminando no incêndio de Ministérios. A impressão de caos e descontrole era fundamental para forçar Temer a uma renúncia imediata. Tal ocorrendo, a guerra relâmpago teria sido coroada de êxito.

Mas, Temer resistiu. O grande capital, para o qual o importante mesmo é a continuidade do programa de reformas neoliberais, começou a trabalhar em seu favor, por falta de opção melhor (nenhum dos cogitados substitutos de Temer se mostrava especialmente apto para o papel). 

Enquanto isto, jornalões concorrentes passaram a mostrar o outro lado do furo d’O Globo:

— o fato de que a gravação ilegal da conversa de Joesley Batista com Temer fora precedida de uma aula a espiões amadores, ministrada por pessoal da Lava-Jato, embora ainda não estivesse decidido se seria ou não aceita a delação premiada de tais criminosos (isto dependeria do resultado da gravação);

— o caráter inconclusivo das intervenções de Temer no diálogo, ficando evidente para qualquer pessoa isenta que a interpretação dada pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot não era a única possível, mas sim a única que servia para incriminar o presidente;

As regalias do Joesley colocaram em xeque as delações 

— as fortes suspeitas de que a gravação havia sido editada;

— a sofreguidão de Janot, tão ansioso por tocar os procedimentos adiante que nem se preocupou em pedir aos peritos federais que verificassem se a gravação cumpria os requisitos legais para servir como prova;

— a desatenção de Fachin, não só passando batido pelo fato de que a gravação deixara de ser periciada, como também por sua evidente ilegalidade (não houvera autorização judicial para que Joesley a fizesse) e pelos vários indícios de que Temer fora vítima de uma armadilha judicial;

— as regalias e privilégios repulsivos que os irmãos bandidos obtiveram com a delação, os maiores até agora concedidos a qualquer réu da Lava-Jato.

.O RESCALDO DA TRAPALHADA

Os conspiradores não conseguiram tanger Temer à renúncia, nem fazer com que perdesse o mandato no julgamento do TSE. Ou seja, não conseguiram nada. Entraram como leões, saíram como cães.

O desvio de finalidade cometido por autoridades ligadas à Lava-Jato, ao direcionarem sua atuação para um objetivo flagrantemente político (a derrubada de um presidente) ao invés de se manterem no terreno do combate à corrupção, servirá, em muito, como munição para os políticos encalacrados unidos desfecharem um contra-ataque, movidos pelo instinto de sobrevivência. Tiro no pé.


Também começam a avolumar-se os questionamentos de arbitrariedades e excessos cometidos ou autorizados por policiais, promotores e procuradores. Reforça-se a suspeita de que se trata de uma devastadora cruzada moralista para destruir o status quo ante, sem clareza quanto ao que deva substituí-lo, assim como era carente de um objetivo maior o tenentismo de outrora (daí já estarem sendo chamados de tenentes togados). 

Nem os Irmãos Marx dariam um golpe tão bagunçado

E seus abusos, característicos de estados policiais, inspiram comparações com  os jacobinos da Grande Revolução Francesa. É bem capaz de a História repetir-se, com o pântano finalmente criando coragem para reagir contra o terror que Curitiba lhe inspira.

As Organizações Globo conseguiram reeditar um dos seus piores momentos, o escândalo Proconsult, tanto em termos de armação canhestra, quanto de resultados desastrosos. A demonstração de fraqueza que deu deverá custar-lhe caro, em termos de saúde financeira e de influência. 

Janot ficou com a credibilidade em frangalhos. Se antes sonhava com voos mais altos, agora terá de dar-se por feliz se conseguir permanecer no cargo atual até setembro, conforme estipulado. Terá ele sensibilidade suficiente para perceber quão exausta a sociedade brasileira está depois de tantos sobressaltos e de período tão longo de rigores, querendo acima de tudo sair do sufoco, sem mais paciência com relação a quem faz tempestades em copo d’água?  

Fachin até agora não desmentiu que Joesley Batista tenha colocado sua influência e poderio econômico a serviço da campanha dele, Fachin, para tornar-se ministro do Supremo. Se aceitou tomar decisões sobre a delação super-premiada de Joesley, não se declarando impossibilitado de atuar neste caso por dever um enorme favor a uma parte, pode perder não só a relatoria, como a própria condição de ministro. Tem de torcer muito para que Charles De Gaulle estivesse certo ao dizer que o Brasil não era um país sério.

Finalmente, parte da esquerda, ainda presa à narrativa do golpe, embarcou ingenuamente no derruba Temer!, sem sequer perguntar-se o que estava fazendo quando atendeu ao chamado da Globo. Respondo eu: colocando azeitona na empada alheia, ao aceitar servir como força auxiliar numa disputa de poder entre facções burguesas.

A esquerda precisa desistir das mordomias palacianas e reencontrar o caminho das ruas

A lição de casa continua por fazer: 

— uma profunda autocrítica do papel que tem desempenhado nos últimos anos, culminando na derrota acachapante em que se constituiu o impedimento da Dilma; e

— a retomada da tarefa primordial de organizar o povo para o combate cotidiano ao capitalismo, como etapa necessária no sentido de acumular força para voos maiores.

Para recuperar o protagonismo, precisa ampliar e enrijecer suas fileiras – e muito! A participação destacada nas lutas sociais é bem mais importante para a esquerda neste momento do que vencer quaisquer eleições, inclusive a de presidente da República.

Quanto à derrubada de presidentes, só faz sentido quando se tem um programa alternativo verdadeiramente de esquerda para colocar em prática e as massas organizadas para darem sustentação ao governo popular. 

Como os dois requisitos inexistem neste instante, do ponto de vista de uma esquerda consequente, tentar fazê-lo mesmo assim seria, no mínimo, uma leviandade; afora o risco de fortalecer o inimigo, dando-lhe ensejo para trocar um presidente fraco por um bem mais competente, como decerto seria, p. ex., o FHC.

Hoje a política convencional é um beco sem saída

O Brasil que a Lava-Jato escancarou: um inferno!

O Brasil está no fundo do poço, tendo os partidos e figurões da política convencional se desqualificado, tanto quanto os próprios (podres) Poderes da República, para contribuírem na construção de um futuro melhor. Deles doravante só podemos esperar o pior.

Vale a ressalva de que a ciranda infernal de recessão econômica e mar de lama político ainda pode ser, digamos, atenuada

Mesmo combalido como está, o capitalismo globalizado continua tendo poder de fogo suficiente para aliviar, um pouco e por pouco tempo, a penúria dos brasileiros, em momentos estratégicos. Já fez isto nos anos do chamado milagre brasileiro, evitando que a guerrilha tivesse terreno fértil para crescer e se multiplicar. O meu palpite é de que não estaremos com os bolsos tão vazios e a corda tão apertada no pescoço quando formos às urnas em outubro de 2018…

E, de tanto procurarem, os políticos ameaçados — ou seja, quase todos! — acabarão encontrando um jeito de enquadrarem a Operação Lava-Jato, evitando o surgimento de novas denúncias bombásticas, enquanto os já réus continuarão se beneficiando da exasperante lerdeza do nosso Judiciário.

Mas não vislumbramos recuperação duradoura, apenas uma pequena trégua entre a intempérie atual e a(s) outra(s) que virá(ão) até a tempestade definitiva. 

Daí minhas frequentes exortações, no sentido de que as soluções passem a ser buscadas fora do capitalismo e contra o capitalismo, pois ele e o arcabouço institucional que lhe dá sustentação já esgotaram seu papel histórico positivo e doravante vão se tornar cada vez mais nocivos, arrastando-nos para o retrocesso e a barbárie.

Para muitos esquerdistas desvirtuados, contudo, a conquista e manutenção de nacos de poder sob o capitalismo se tornou um modo de vida, daí hoje estarem iludindo os explorados com promessas irrealizáveis de redenção a partir do resultado da próxima eleição presidencial (mesmo estando carecas de saber que atualmente não há mais condições de serem igualadas nem mesmo as tímidas melhoras registradas no primeiro governo do Lula!).

Então, é alentador que já encontremos jornalistas de esquerda analisando o lodaçal brasileiro sem as ilusões maniqueístas de outrora. 

Carla Jiménez: caíram as máscaras.

Caso de Carla Jiménez, editora-chefe da edição brasileira do jornal global El País, que, parafraseando Ivan Lins, mostrou serem todos iguais nesta noite da Lava-Jato

Em seu contundente artigo-desabafo (este aqui), ela apresenta como integrantes da mesma “elite hipócrita, amoral e mesquinha”, além de “criminosa”, personagens que antes eram tidos como — e tudo faziam para parecerem ser — antagônicos: Aécio Neves, Antônio Anastásia, Delcídio do Amaral, Eduardo Cunha, Eunício Oliveira, Geraldo Alckmin, Graça Foster, Guido Mantega, João Dória Jr., Michel Temer, Renan Calheiros e… Lula!

Sim, o populista que jamais almejou nada além de obter algumas concessões dos patrões para mostrar serviço a seus representados e perpetuar-se no poder, conforme fazem tantos sindicalistas, agora passa a ser visto sem condescendência, como o entrave que sempre representou à verdadeira e única solução para as agruras brasileiras: o fim do capitalismo (o resto não passa de paliativos!).

“Com que moral vai falar com seus eleitores?”

Eis como Lula começa a ser, correta e finalmente, avaliado:

…mais do que os crimes a que responde, feriu de golpe a esquerda no Brasil. Ajudou a segregá-la, a estigmatizar suas bandeiras sociais e contribuiu diretamente para o crescimento do que há de pior na direita brasileira.

Se embebedou com o poder. Arvorou-se da defesa dos pobres como álibi para deixar tudo correr solto e deixou-se cegar. Martelou o discurso de ricos contra pobres, mas tinha seu bilionário de estimação. Nada contra essa amizade. Mas com que moral vai falar com seus eleitores?.

Se houver contribuído para a derrubada dos ídolos de pés de barro, desimpedindo o caminho para a gestação e a afirmação de uma esquerda de verdade no Brasil, o nosso grande revés de 2016 (o pior desde o golpe de 1964!) não terá sido em vão.

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Dilma e o PT já travam a guerra da partilha dos bens

Quando tinha o jornalismo como profissão, ouvia uma campainha soando em minha mente nos momentos em que um entrevistado tentava me manipular. Então, não levava em conta apenas o que ele estava dizendo, mas refletia sobre qual seria o porquê de ele dizer tal coisa. Alterar o comportamento dos mercados em favor de alguém? Detonar algum adversário nas escaramuças de bastidores? Desviar as atenções de um erro ou falcatrua em que estivesse envolvido?

Se há algo de que me orgulho na minha carreira é nunca ter sido ingênuo e jamais haver deixado que algum me(r)dalhão da política ou das finanças me usasse como correia de transmissão de versões que tentava plantar na imprensa. E também recusava as propostas indecentes que me eram feitas abertamente. Preferi dormir bem do que desfrutar as vantagens e regalias que obteria se fosse mais flexível. Cada um sabe o que quer na vida.

A campainha tocou quando o PT lançou uma declaração oficial de que não estava abandonando Dilma Rousseff. Ora, por mais gritantes que sejam as evidências de que seu afastamento não terá volta, caberia ao partido, noblesse oblige, apoiá-la até o fim, afundando junto com a capitã. Se vem a público declarar que está fazendo o que nada seria além de sua obrigação… é porque, obviamente, não o está fazendo. 

Enquanto isto, Dilma solta os cachorros em cima do partido na entrevista que concedeu à revista Fórum. Está lá:

Eu acredito que o PT precisa passar por uma grande transformação. Primeiro, uma grande transformação em que se reconheçam todos os erros que cometeu do ponto de vista da questão ética e da condução de todos os processos de uso de verbas públicas.

Ou seja, está sendo impichada por crime de responsabilidade e insinua que a total responsabilidade cabe ao partido, que prevaricava enquanto ela tocava harpa com os anjos. É o mesmo que dizer: “As acusações procedem, mas não contra mim. Foi o partido que cometeu todos os deslizes do meu governo”.

Ela também aponta sua metralhadora giratória em várias outras direções, menos numa: a sua. Pois, embora o modelo de governo adotado nas duas gestões do Lula estivesse esgotado, foi a Dilma quem chutou o pau da barraca.

Tornara-se impossível proporcionar recordes de faturamento mês após mês para os grandes bancos e, ao mesmo tempo, ir aumentando homeopaticamente a quota de migalhas para os andares de baixo. 

Se a Dilma mantivesse a política econômica do Lula, haveria recessão, mas muito menos aguda do que aquela que acabou ocorrendo.

Se ela se mirasse no exemplo da Wanda, romperia a aliança com o grande capital e apostaria as suas fichas nos explorados. 

[Aumentando, p. ex., substancialmente a tributação das grandes fortunas, que sempre foi ridícula (de tão irrisória!) no Brasil. Precisaria, é claro, organizar as massas para que estas lhes dessem sustentação, uma lição de casa que deixou de ser feita nos oito anos do Lula. Mas, teria levado as lutas políticas e sociais do Brasil a um novo patamar e, ainda que fosse derrubada, o seria como titã (a exemplo do Allende) e não enxotada por um piparote do Congresso.]

Em vez disso, ela preferiu ir buscar no fundo do baú o nacional-desenvolvimentismo da década de 1950, tentando alavancar o crescimento econômico com investimentos estatais. Se isto não funcionou com o Getúlio Vargas, cuja estatura política era infinitamente maior e que tinha muito mais apoio dos trabalhadores, como poderia dar certo em plena época de globalização dos mercados e com timoneira tão medíocre? Não deu outra: ela afundou de vez a economia e praticamente quebrou a Petrobrás.

O segundo maior motivo do impeachment decorreu do primeiro: quando lhe caiu a ficha das lambanças que cometera e da terrível recessão que incubara para o mandato seguinte, ela quis a todo custo se reeleger, na esperança de consertar os estragos e salvar sua imagem.

Recorreu ao pior estelionato eleitoral de todos os tempos no Brasil, obteve sua vitória de Pirro e… simplesmente, não soube o que fazer com ela! Passou 16 meses sem conseguir tomar as rédeas da situação e imprimir um rumo à economia. Como a natureza e a política abominam o vácuo, o sistema tratou de preenchê-lo com o Temer. 

De resto, o subtexto das últimas movimentações do PT e da Dilma é este: o casamento está rompido e os antigos cônjuges já começaram a disputar encarniçadamente os bens outrora comuns.

Os grãos petistas estão carecas de saber que o mandato presidencial daqui a algumas semanas virará cinzas e, retórica de conveniência à parte, querem mais é descolar a imagem do partido da de Dilma. Sabe-se que vários candidatos do PT às eleições municipais estão preferindo ter no seu palanque o Demo com chifre e rabo do que a afastada… 

Na guerra da partilha dos bens, aposto no PT. Dilma se tornará irrelevante instantaneamente, no exato momento em que a despejarem do Palácio da Alvorada, enquanto o partido definhará aos poucos, conforme novas forças forem emergindo na esquerda, com propostas mais ousadas… e revolucionárias! 

Sucessora de Fausto, Dilma quis flexibilizar o pacto com Mefistófeles…

Serenidade” de um lado, “falas desconexas” do outro.

O jornalista e historiador Elio Gaspari é um homem de esquerda formado na cultura do velho PCB. Como tal, manteve-se bem distante das ilusões armadas e hoje não crê nem mesmo nas ilusões desarmadas. Move-o, contudo, um elogiável sentimento de compaixão e solidariedade para com o povo sofrido, daí ter assumido posição contrária ao Governo Dilma, principalmente no catastrófico segundo mandato.

Em artigo recém-publicado, ele compara com sapiência e sarcasmo os estilos pessoais:

Antes mesmo de completar cem dias, Michel Temer conseguiu dar estabilidade ao seu governo. Começou da pior maneira possível, com um ministério pífio e contaminado, cercado de suspeitas e de ligações inconvenientes. A mágica tem um nome: calma, sangue frio ou mesmo serenidade.

…A estabilidade trazida pela mágica da calma foi ajudada pela esperança que a blindagem de Henrique Meirelles levou para o Ministério da Fazenda. Por enquanto, na panela da ekipekonomica há muito pirão e pouca carne. Felizmente, o mercado compra esperança e o novo governo mostrou que, com o afastamento dos pedalantes, pior a coisa não fica.

 …Temer também teve sorte. O PT ainda não acordou da pancada do início do processo de impedimento e Dilma Rousseff percorre plateias amigas cada vez menores, com falas cada vez mais desconexas. Na última, comparou o seu infortúnio aos acontecimentos da Turquia.

Meirelles: Lula gostava, Dilma enxotou, Temer foi buscar.

No fundo, para quem analisa a política oficial sem antolhos ideológicos, boa parte do que ele escreveu é o chamado óbvio ululante, começando pelo fato que que, nos moldes da democracia burguesa, Michel Temer governa muito melhor do que Dilma Rousseff.

Afinal, durante os 16 meses do seu segundo mandato ela nem sequer conseguiu governar. Quando estava nos estertores, desistiu até de tentar. Foi ultrapassada pelos acontecimentos e acabou deixando o país e a economia à deriva, enquanto se dedicava, exclusiva e obsessivamente, à defesa vã do seu mandato.

Quanto à gradativa melhora das perspectivas econômicas desde que ela foi afastada, é um fato. Não apenas em razão da incompetência abissal de Dilma, que deu significativa contribuição para atingirmos o terrível patamar de 11 milhões de brasileiros na rua da amargura (desemprego elevado haveria de qualquer maneira, mas os erros bisonhos de política econômica o maximizaram), como também porque o modelo populista encarnado no PT estava esgotado, cá como noutros países sul-americanos.

Todos coincidiram no ponto de partida: a tomada de governos pela via eleitoral. Depois, alguns foram mais longe na tentativa de tomada progressiva do estado, outros acabaram detidos no meio do caminho.

O certo é que não houve uma revolução clássica em nenhum deles. Os explorados não se organizaram para exercer o poder, foram organizados para apoiar governantes caudilhescos. Marx sempre quis torná-los protagonistas da História, não vê-los relegados ao papel de objetos de homens providenciais, servindo de peões no tabuleiro do seu jogo, cujo objetivo final nunca foi o xeque-mate, mas sim a mera perpetuação no poder.

Dez anos depois, só Morales continua no poder.

Como a História cansa de ensinar, regimes caudilhescos podem até prosperar durante a vida física dos caudilhos, mas não sobrevivem a eles. Primeiramente, porque não estimulam o povo a pensar e agir de forma autônoma, preferindo mantê-lo sempre sob controle, daí sua incapacidade de reação quando fica órfão do paizão.

Depois, porque o grande homem costuma temer a sombra de um sucessor e geralmente favorece o mais medíocre dos seus cortesãos, o que acaba colocando cavalgaduras como Maduro numa posição à qual jamais deveriam ser alçados.

No Brasil, o governo petista nasceu atrelado aos compromissos que assumiu em 2002 com o poder econômico, de submeter-se a ele na tomada de decisões macroeconômicas, contentando-se em administrar as miudezas do varejo.

Enquanto a conjuntura internacional favorecia as commodities brasileiras, a receita funcionou. O grande capital continuou com a parte do leão (sem um mínimo de simancol, Lula se vangloriava de que os banqueiros nunca haviam lucrado tanto quanto nos seus governos!!!) e ainda sobrava uma graninha para aumentar a quota de migalhas dos explorados, por meio do bolsa-família e outros mecanismos de transferência ínfima de renda para os pobres.

Quando a maré virou no exterior e o cobertor ficou curto para continuar cobrindo tanto as cabeças garbosas da burguesia quanto os pés sofridos dos coitadezas, Dilma resolveu desconsiderar em certa medida o pacto firmado por seu padrinho com Mefistófeles e tentar fazer a economia pegar no tranco, seguindo o figurino do velho nacional-desenvolvimentismo (ou seja, com os investimentos estatais a empurrando), de forma a manter e talvez ampliar as conquistas sociais das duas gestões anteriores.

A esquerda já deveria ter começado a mudar em 2013

Sua soberba a cegou: não percebeu que era um passo maior do que suas pernas, impossível de ser dado sem o apoio incondicional do Lula, pois era ele quem mandava (e continua mandando) no PT.

Os capitalistas também não gostaram da brincadeira e, como quem manda no capitalismo são eles, despacharam Dilma com um piparote, fazendo-a desabar no chão do Palácio da Alvorada, do qual será também despejada no mês que vem.

Não lamento, porque é difícil enxergarmos alguma vantagem em ser petista quem gerencia o capitalismo para os capitalistas, ajudando a mistificar os explorados. Mil vezes melhor a esquerda permanecer fora do poder, lutando para conquistá-lo de forma digna; ou seja, sem abdicar de sua verdadeira identidade, nem trocá-la por uma versão light e, muito menos, negociar a alma em acordos podres!

Então, enquanto muitos (principalmente os que perderam suas escandalosas boquinhas) veem a queda de Dilma como uma desgraça, eu a vejo como mais uma oportunidade para construirmos uma esquerda de verdade, revolucionária, no Brasil. Aquela que deveríamos ter começado a forjar tão logo terminou a ditadura de 1930-1945, e depois a de 1964-1985.

Agora que o populismo de esquerda desmoronou e se desmoralizou por completo, temos uma terceira chance para fazer direito a lição de casa, quiçá a última, pois a alternativa para nós neste instante é retomada revolucionária ou marcha para a irrelevância.

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A VOLTA DO DINHEIRO SEM VALOR E O RISCO DE MARCHARMOS PARA A BARBÁRIE

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MAIS CENSURA: LEWANDOWSKI VETOU A DIVULGAÇÃO DOS VALORES QUE MEMBROS DO JUDICIÁRIO RECEBEM POR

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PEDRO CARDOSO: “CPMF, NUNCA MAIS!”

CPMF: REQUIESCAT IN INFERNUM.

Ferreira Gullar e seu verso de pé quebrado sobre a Dilma

Gullar: visão distorcida da guerrilha.

O poeta, crítico de arte e cronista Ferreira Gullar, um dos papas do neoconcretismo, fez uma análise polêmica da personalidade de Dilma Rousseff, no seu artigo dominical intitulado Hora da Verdade:

Atrevo-me a pensar que ela tem dificuldade em se ligar objetivamente com o mundo real. A sua participação num grupo guerrilheiro, que assaltava bancos para, com o dinheiro roubado, financiar a guerrilha, não é propriamente sinal de bom senso. Não pretendo, ao dizer isso, desconhecer a generosidade e a coragem dos que se atreveram a tal proeza, mas, a meu juízo –e como os fatos mesmos comprovaram–, tal opção estava longe da sensatez e da objetividade.

Pois bem, minha tese é que a Dilma que optou pela guerrilha ainda está presente na Dilma de agora. Certamente não pretende desencadear um movimento armado contra o governo de Michel Temer, embora o tom de seus discursos, ao deixar o palácio do Planalto, desse a entender que sairá às ruas com seus seguidores para defender a democracia.

E isso é que é preocupante, uma vez que a nossa democracia não está ameaçada e, sim, longe disso, funcionando plenamente, a ponto de pôr na cadeia altas figuras do mundo empresarial, acusadas de corrupção. Como a guerrilheira do passado, Dilma prefere a bravata a encarar a realidade.

Os defensores de Dilma certamente optarão pelo caminho fácil de desqualificá-lo, disparando-lhe insultos e até falsidades. É o que faz a parcela intolerante e preguiçosa da esquerda, infelizmente majoritária. Eu prefiro aprofundar a questão.

Primeiramente, lembrarei que Gullar não é nenhum reacionário empedernido ou escriba vendido à burguesia. Foi mais longe e sofreu maiores contratempos pelos ideais de esquerda do que a grande maioria dos que hoje o desprezam.

CPC da UNE encenando peça num sindicato

Em 1963, já intelectual eminente, presidiu o Centro Popular de Cultura da UNE, um marco do engajamento artístico às lutas políticas e sociais no Brasil.

Depois, indignado com o golpe de 1964, filiou-se imediatamente ao Partido Comunista. E fundou o lendário Grupo Opinião, juntamente com Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e outros.

Em 1965 começou a sofrer prisões intimidatórias. E, em 13 de dezembro de 1968 –ou seja, no próprio dia da assinatura do AI-5–, foi um dos escolhidos para servir como exemplo do tratamento que aguardava aqueles que não se conformassem com a nova ordem. Ele, Paulo Francis, Caetano Veloso e Gilberto Gil [os dois últimos me antecederam na PE da Vila Militar e, mesmo não sofrendo torturas propriamente ditas, foram submetidos a grotescas humilhações, que os carcereiros faziam questão de relembrar amiúde].

Libertado, quando lhe chegaram informações dos bastidores militares, no sentido de que nova prisão era iminente, preferiu esconder-se na casa de parentes e amigos. Depois de quase um ano na clandestinidade, rumou em 1971 para a União Soviética.

O exílio durou até 1979. Ele esteve também em Santiago, em Lima e em Buenos Aires. Foi demais. Desencantou-se com a revolução traída na URSS, com a revolução massacrada no Chile de Allende, com o projeto nacionalista que não vingou no Peru e com o peronismo agonizante na Argentina.

Mas, o desengajamento da esquerda não o atirou nos braços do inimigo. Permaneceu um observador lúcido das mazelas brasileiras, criticando os que considera merecedores dos disparos quase sempre certeiros do seu teclado.

Caetano teve seu cabelo raspado a zero no quartel

 Parafraseando-o, atrevo-me a pensar que a derrocada do peronismo sob Isabelita Perón o preparou para antecipar e entender como poucos a derrocada do petismo sob Dilma. Os dois movimentos dependiam demais dos seus homens providenciais, Perón (que morreu) e Lula (cujo poste ganhou vida própria depois de eleita e passou a desconstruir o edifício que ele, o criador, tinha em mente).

No entanto, mesmo tendo feito, o tempo todo, enormes restrições a Dilma (as mesmas que agora os principais dirigentes do PT lhe fazem para consumo interno), vou discordar desses três parágrafos melindrosos do Gullar.

O PCB combateu virulentamente a opção pela luta armada, pois significou, na prática, a pá de cal na sua condição de força hegemônica da esquerda. Proibiu seus quadros de prestarem auxílio solidário a guerrilheiros em dificuldade e chegou até a publicar no seu principal jornal calúnias contra Carlos Lamarca, acusando-o de provocador a serviço da CIA.

Acredito que Gullar não tenha se deixado envolver por essa corrente de intolerância oportunística, a ponto de nos ver como inimigos objetivos da revolução. Só os fanáticos e os primários chegaram a tal extremo. Mas, como ninguém é totalmente imune a tais rolos compressores, então são ecos da postura do partidão que se percebem em sua caracterização de guerrilheira como uma pessoa carente de bom senso, com dificuldade em se ligar objetivamente com o mundo real e dada a bravatas.

Fala de Moreira Alves passara despercebida

 Ora, percebe-se na sua biografia que ele não conheceu verdadeiramente o objeto de sua avaliação negativa: a partir do AI-5, quando a guerrilha se tornou a frente principal de luta contra a ditadura, ele andou preso, depois escondendo-se, depois exilado.

Então, salta aos olhos que o perfil por ele composto não passa uma visão de quem estava fora do universo da guerrilha e, como o PCB, via na luta armada apenas um estorvo (estaria servindo para radicalizar a ditadura, como se a direita mais brucutu não estivesse disposta a tudo para atingir tal objetivo –o pretexto para o AI-5, vale lembrar, não foi nenhuma expropriação ou atentado, mas sim um discurso proferido por Márcio Moreira Alves apenas para constar na ata, durante uma sessão esvaziada da Câmara Federal).

Gullar, que atuava apenas no front cultural, aderiu ao partidão por causa da ira sagrada que a quartelada lhe causou. Outros, igualmente pouco politizados, tiveram a mesma atitude. Mas, o movimento predominante foi no sentido contrário, de militantes que abandonavam o PCB porque este capitulara sem resistência significativa a uma quartelada anunciada (todo mundo sabia que estava prestes a ocorrer).

 Entre 1964 e 1968, a esquerda fervilhou: críticas e autocríticas, lutas internas, ruptura de dirigentes, debandada de quadros, criação de novas forças, desmembramentos e reagrupamentos, redefinições estratégicas e táticas, etc.

Até então, havia uma força principal (o PCB, de linha soviética), uma secundária (o PCdoB, de linha chinesa) e grupúsculos como a Polop, a Ala Vermelha do PCdoB, etc. Depois, o estilhaçamento do partidão deu origem a dezenas de siglas que tinham algum peso (regional, principalmente); a maioria delas propondo-se a enfrentar a ditadura com mais contundência do que os  ditos burocratas do PCB o faziam.

Notáveis nas passeata dos 100 mil

Em 1968, isto se corporificou num movimento de massas capaz de grandes mobilizações como a passeata dos 100 mil e de ações mais radicais como a tomada de fábricas em Osasco, SP. E algumas ações guerrilheiras já eram desenvolvidas pela VPR e ALN, mas sem grande vulto nem real importância; os combatentes e aliados de ambas totalizariam algumas centenas e a inexperiência levou a alguns desatinos que foram depois fartamente explorados pelos serviços de guerra psicológica das Forças Armadas.

O quadro mudou quando a truculência da ditadura contra os movimentos de massa e seus líderes foi sendo levado ao paroxismo, com a tortura se generalizando e bestializando, assassinatos pipocando, ações de paramilitares fascistas grassando soltas. A escalada de radicalização foi claramente favorecida e impulsionada pela chamada linha dura da caserna, que apostava no fechamento total, enquanto parte dos golpistas civis (incluindo alguns governadores) defendiam a volta à democracia com algumas salvaguardas.

Então, quando o AI-5 tornou a resistência pacífica extremamente arriscada (se tentada a sério) ou simplesmente inócua (quando os militantes se limitavam a ações tímidas como a de deixarem em banheiros públicos panfletos que os cidadãos comuns tinham medo de apanhar), os militantes que não se resignaram a abdicar da luta foram engrossar as fileiras da luta armada. Não por falta de bom senso, aturdimento ou voluntarismo desmedido, mas sim por ser a alternativa que restava para os que não se conformavam em viver debaixo das botas, à espera de dias melhores que sabia-se lá se e quando chegariam.

Dilma: vocação para tecnoburocrata.

sensatez e a objetividade levaram Gullar ao exílio. Como não tinha perfil de combatente, é quase certo que sua permanência por aqui de pouco nos serviria, sendo mais uma preocupação do que uma ajuda. Deveria, contudo, demonstrar mais respeito por aqueles que ficaram, lutaram, sofreram e morreram.

Quando penso nos muitos companheiros valorosos que entregaram a vida pela causa e em outros tantos que até hoje carregam graves sequelas físicas e emocionais, é revoltante ler suas elucubrações a respeito de um ambiente que jamais conheceu.

Mesmo porque, se assim não fosse, saberia que Dilma não era a personificação da guerrilheira e sim uma militante mais afeita às lutas pacíficas, tanto que, no racha da VAR-Palmares, posicionou-se frontalmente contra a tendência que, com Lamarca à frente, conferia máxima prioridade à guerrilha.

E, no poder, deu para percebermos claramente que ela agiu muito mais em consonância com as teses do nacional-desenvolvimentismo da década de 1950 (que privilegiava o papel do Estado como indutor do desenvolvimento, cumprindo o papel que antes competia à chamada burguesia nacional) do que com a luta de classes marxista. Daí ter sido tão refratária à organização autônoma do povo e favorecer tanto a cooptação de líderes e satelização dos movimentos por parte do Executivo.

Para quem participou intensamente da efervescência de 1968 e estava no turbilhão dos anos de chumbo, o que ocorreu com a Dilma não constituiu novidade nenhuma: foram muitos os idealistas nos quais o espírito da época baixou e que fizeram então o que nunca mais fariam.

A criatura destruiria o criador. Shelley explica.

Assumiram posições e ingressaram em organizações radicais demais para seu temperamento; depois, com a volta à calmaria, foram encontrando seus verdadeiros nichos.

A vocação de Dilma, p. ex., era a de ser uma tecnoburocrata, tanto que aí acabou chegando; melhor Lula faria se a tivesse deixado permanecer na sua praia.

Ele cometeu um crasso erro de avaliação, que foi catastrófico para si próprio, para o PT, para a esquerda brasileira e para o nosso povo sofrido.

Dilma descarta renúncia. Temer nada mais tem a temer.

A presidente Dilma Rousseff negou nesta 3ª feira (3) que pretenda renunciar, repetindo o besteirol de sempre: que a renúncia interessaria apenas àqueles que defendem seu afastamento, que a democracia brasileira “sofre um assalto”, etc. Eis duas frase completas, as outras são mais do mesmo:

Muitas vezes, não foi uma, nem duas, eles pediram que eu renunciasse, porque se eu renunciar se esconde para debaixo do tapete esse impeachment sem base legal, portanto, esse golpe.

É extremamente confortável para os golpistas que a vítima desapareça, que a injustiça não seja visível. Pois eu quero dizer para vocês: a injustiça vai continuar visível, bem visível.

Noves fora, o que realmente importa é: graças à constrangedora miopia política e a total falta de grandeza de Dilma, estamos definitivamente condenados a passar os próximos 32 meses governados por Michel Temer (só ingênuos supõem que ela possa retornar ao poder ao final do processo de impeachment). Pobres de nós!

A renúncia, Dilma saberia se tivesse a mais remota noção do que está acontecendo neste país, interessa apenas e tão somente àqueles que estamos dispostos a travar uma luta desesperada para que haja uma nova eleição presidencial. Pois, começando tão tarde tal mobilização, nossa única chance seria obtermos o apoio integral e irrestrito de todas as forças políticas que querem bloquear Temer.

Mas, se o próprio PT entraria dividido nessa parada (pois ainda estaria sonhando com salvar o mandato de Dilma quando, no 4º trimestre, o Senado deliberar sobre a perda definitiva ou não do dito cujo), qual é a chance de formarmos tal frente com uma mínima possibilidade de êxito? Nenhuma!

Então, sem a renúncia, de nada adianta mandar a PEC da nova diretas já para o Congresso, pois cairá no vazio. Vai ser apenas mais jogo de cena, para dar a impressão de que está resistindo enquanto promove o enterro da nossa última quimera.

Outra coisa: os que querem o afastamento de Dilma não estão nem aí para ela renunciar ou não. Já venceram em toda linha e agora estão se deliciando com o espetáculo. Provavelmente, preferirão vê-la humilhada e escorraçada, protagonizando ao vivo e em cores sua derrota acachapante e se avacalhando com a monocórdia repetição do seu único e falacioso refrão: “é golpe!”, “é golpe”, “é golpe!”.

E quem vai desaparecer não é vítima nenhuma, mas, apenas, uma presidente que se elegeu pela esquerda e governou para a direita, acabando por decepcionar uns por abandonar suas mais sagradas bandeiras e outros por não haver tido competência sequer para entregar-lhes o que prometeu (o ajuste fiscal de odiosas características neoliberais).

Ela se proclama vítima, mas as verdadeiras vítimas são os 11 milhões de desempregados e todos os brasileiros que comem o pão que o diabo amassou sob a pior recessão que este país já conheceu.

Enquanto chora suas mágoas por estar sendo afastada de um cargo que há 16 meses não conseguia verdadeiramente exercer, nenhuma palavra diz sobre os trabalhadores, os explorados, os excluídos, os coitadezas. Era para eles que deveria governar. Mas, com suas estrepolias econômicas, conduziu-os ao inferno.