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Leia o discurso de Lula na íntegra.

Leia o discurso de Lula na íntegra.

“Meus amigos e minhas amigas.

Chegamos ao final de uma das mais importantes eleições da nossa história. Uma eleição que colocou frente a frente dois projetos opostos de país, e que hoje tem um único e grande vencedor: o povo brasileiro.

Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora.

Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais – e não menos democracia.

Deseja mais – e não menos inclusão social e oportunidades para todos. Deseja mais – e não menos respeito e entendimento entre os brasileiros. Em suma, deseja mais – e não menos liberdade, igualdade e fraternidade em nosso país.

O povo brasileiro mostrou hoje que deseja mais do que exercer o direito sagrado de escolher quem vai governar a sua vida. Ele quer participar ativamente das decisões do governo.

O povo brasileiro mostrou hoje que deseja mais do que o direito de apenas protestar que está com fome, que não há emprego, que o seu salário é insuficiente para viver com dignidade, que não tem acesso a saúde e educação, que lhe falta um teto para viver e criar seus filhos em segurança, que não há nenhuma perspectiva de futuro.

O povo brasileiro quer viver bem, comer bem, morar bem. Quer um bom emprego, um salário reajustado sempre acima da inflação, quer ter saúde e educação públicas de qualidade.

Quer liberdade religiosa. Quer livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema, ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta nossa alma.

O povo brasileiro quer ter de volta a esperança.

É assim que eu entendo a democracia. Não apenas como uma palavra bonita inscrita na Lei, mas como algo palpável, que sentimos na pele, e que podemos construir no dia-dia.

Foi essa democracia, no sentido mais amplo do termo, que o povo brasileiro escolheu hoje nas urnas. Foi com essa democracia – real, concreta – que nós assumimos o compromisso ao longo de toda a nossa campanha.

E é essa democracia que nós vamos buscar construir a cada dia do nosso governo. Com crescimento econômico repartido entre toda a população, porque é assim que a economia deve funcionar – como instrumento para melhorar a vida de todos, e não para perpetuar desigualdades.

A roda da economia vai voltar a girar, com geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias que perderam seu poder de compra.

A roda da economia vai voltar a girar com os pobres fazendo parte do orçamento. Com apoio aos pequenos e médios produtores rurais, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas.

Com todos os incentivos possíveis aos micros e pequenos empreendedores, para que eles possam colocar seu extraordinário potencial criativo a serviço do desenvolvimento do país.

É preciso ir além. Fortalecer as políticas de combate à violência contra as mulheres, e garantir que elas ganhem o mesmo salários que os homens no exercício de igual função.

Enfrentar sem tréguas o racismo, o preconceito e a discriminação, para que brancos, negros e indígenas tenham os mesmos direitos e oportunidades.

Só assim seremos capazes de construir um país de todos. Um Brasil igualitário, cuja prioridade sejam as pessoas que mais precisam.

Um Brasil com paz, democracia e oportunidades.

Minhas amigas e meus amigos.

A partir de 1º de janeiro de 2023 vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somo um único país, um único povo, uma grande nação.

Não interessa a ninguém viver numa família onde reina a discórdia. É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio.

A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra.

Este país precisa de paz e de união. Esse povo não quer mais brigar. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído.

É hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido empunhadas. Armas matam. E nós escolhemos a vida.

O desafio é imenso. É preciso reconstruir este país em todas as suas dimensões. Na política, na economia, na gestão pública, na harmonia institucional, nas relações internacionais e, sobretudo, no cuidado com os mais necessitados.

É preciso reconstruir a própria alma deste país. Recuperar a generosidade, a solidariedade, o respeito às diferenças e o amor ao próximo.

Trazer de volta a alegria de sermos brasileiros, e o orgulho que sempre tivemos do verde-amarelo e da bandeira do nosso país. Esse verde-amarelo e essa bandeira que não pertencem a ninguém, a não ser ao povo brasileiro.

Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer, ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário.

Se somos o terceiro maior produtor mundial de alimentos e o primeiro de proteína animal, se temos tecnologia e uma imensidão de terras agricultáveis, se somos capazes de exportar para o mundo inteiro, temos o dever de garantir que todo brasileiro possa tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias.

Este será, novamente, o compromisso número 1 do nosso governo.

Não podemos aceitar como normal que famílias inteiras sejam obrigadas a dormir nas ruas, expostas ao frio, à chuva e à violência.

Por isso, vamos retomar o Minha Casa Minha Vida, com prioridade para as famílias de baixa renda, e trazer de volta os programas de inclusão que tiraram 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza.

O Brasil não pode mais conviver com esse imenso fosso sem fundo, esse muro de concreto e desigualdade que separa o Brasil em partes desiguais que não se reconhecem. Este país precisa se reconhecer. Precisa se reencontrar consigo mesmo.

Para além de combater a extrema pobreza e a fome, vamos restabelecer o diálogo neste país.

É preciso retomar o diálogo com o Legislativo e Judiciário. Sem tentativas de exorbitar, intervir, controlar, cooptar, mas buscando reconstruir a convivência harmoniosa e republicana entre os três poderes.

A normalidade democrática está consagrada na Constituição. É ela que estabelece os direitos e obrigações de cada poder, de cada instituição, das Forças Armadas e de cada um de nós.

A Constituição rege a nossa existência coletiva, e ninguém, absolutamente ninguém, está acima dela, ninguém tem o direito de ignorá-la ou de afrontá-la.

Também é mais do que urgente retomar o diálogo entre o povo e o governo.

Por isso vamos trazer de volta as conferências nacionais. Para que os interessados elejam suas prioridades, e apresentem ao governo sugestões de políticas públicas para cada área: educação, saúde, segurança, direitos da mulher, igualdade racial, juventude, habitação e tantas outras.

Vamos retomar o diálogo com os governadores e os prefeitos, para definirmos juntos as obras prioritárias para cada população.

Não interessa o partido ao qual pertençam o governador e o prefeito. Nosso compromisso será sempre com melhoria de vida da população de cada estado, de cada município deste país.

Vamos também reestabelecer o diálogo entre governo, empresários, trabalhadores e sociedade civil organizada, com a volta do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Ou seja, as grandes decisões políticas que impactem as vidas de 215 milhões de brasileiros não serão tomadas em sigilo, na calada da noite, mas após um amplo diálogo com a sociedade.

Acredito que os principais problemas do Brasil, do mundo, do ser humano, possam ser resolvidos com diálogo, e não com força bruta.

Que ninguém duvide da força da palavra, quando se trata de buscar o entendimento e o bem comum.

Meus amigos e minhas amigas.

Nas minhas viagens internacionais, e nos contatos que tenho mantido com líderes de diversos países, o que mais escuto é que o mundo sente saudade do Brasil.

Saudade daquele Brasil soberano, que falava de igual para igual com os países mais ricos e poderosos. E que ao mesmo tempo contribuía para o desenvolvimento dos países mais pobres.

O Brasil que apoiou o desenvolvimento dos países africanos, por meio de cooperação, investimento e transferência de tecnologia.

Que trabalhou pela integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, que fortaleceu o Mercosul, e ajudou a criar o G-20, a UnaSul, a Celac e os BRICS.

Hoje nós estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta. Que o Brasil é grande demais para ser relegado a esse triste papel de pária do mundo.

Vamos reconquistar a credibilidade, a previsibilidade e a estabilidade do país, para que os investidores – nacionais e estrangeiros – retomem a confiança no Brasil. Para que deixem de enxergar nosso país como fonte de lucro imediato e predatório, e passem a ser nossos parceiros na retomada do crescimento econômico com inclusão social e sustentabilidade ambiental.

Queremos um comércio internacional mais justo. Retomar nossas parcerias com os Estados Unidos e a União Europeia em novas bases. Não nos interessam acordos comerciais que condenem nosso país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria prima.

Vamos re-industrializar o Brasil, investir na economia verde e digital, apoiar a criatividade dos nossos empresários e empreendedores. Queremos exportar também conhecimento.

Vamos lutar novamente por uma nova governança global, com a inclusão de mais países no Conselho de Segurança da ONU e com o fim do direito a veto, que prejudica o equilíbrio entre as nações.

Estamos prontos para nos engajar outra vez no combate à fome e à desigualdade no mundo, e nos esforços para a promoção da paz entre os povos.

O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica.

Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global.

Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia

O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva. Uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, às custas da deterioração da vida na Terra.

Um rio de águas límpidas vale muito mais do que todo o ouro extraído às custas do mercúrio que mata a fauna e coloca em risco a vida humana.

Quando uma criança indígena morre assassinada pela ganância dos predadores do meio ambiente, uma parte da humanidade morre junto com ela.

Por isso, vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal – seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.

Ao mesmo tempo, vamos promover o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na região amazônica. Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente.

Estamos abertos à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania.

Temos compromisso com os povos indígenas, com os demais povos da floresta e com a biodiversidade. Queremos a pacificação ambiental.

Não nos interessa uma guerra pelo meio ambiente, mas estamos prontos para defendê-lo de qualquer ameaça.

Meus amigos e minhas amigas.

O novo Brasil que iremos construir a partir de 1º de janeiro não interessa apenas ao povo brasileiro, mas a todas as pessoas que trabalham pela paz, a solidariedade e a fraternidade, em qualquer parte do mundo.

Na última quarta-feira, o Papa Francisco enviou uma importante mensagem ao Brasil, orando para que o povo brasileiro fique livre do ódio, da intolerância e da violência.

Quero dizer que desejamos o mesmo, e vamos trabalhar sem descanso por um Brasil onde o amor prevaleça sobre o ódio, a verdade vença a mentira, e a esperança seja maior que o medo.

Todos os dias da minha vida eu me lembro do maior ensinamento de Jesus Cristo, que é o amor ao próximo. Por isso, acredito que a mais importante virtude de um bom governante será sempre o amor – pelo seu país e pelo seu povo.

No que depender de nós, não faltará amor neste país. Vamos cuidar com muito carinho do Brasil e do povo brasileiro. Viveremos um novo tempo. De paz, de amor e de esperança.

Um tempo em que o povo brasileiro tenha de novo o direito de sonhar. E as oportunidades para realizar aquilo que sonha.

Para isso, convido a cada brasileiro e cada brasileira, independentemente em que candidato votou nessa eleição. Mais do que nunca, vamos juntos pelo Brasil, olhando mais para aquilo que nos une, do que para nossas diferenças.

Sei a magnitude da missão que a história me reservou, e sei que não poderei cumpri-la sozinho. Vou precisar de todos – partidos políticos, trabalhadores, empresários, parlamentares, govenadores, prefeitos, gente de todas as religiões. Brasileiros e brasileiras que sonham com um Brasil mais desenvolvido, mais justo e mais fraterno.

Volto a dizer aquilo que disse durante toda a campanha. Aquilo que nunca foi uma simples promessa de candidato, mas sim uma profissão de fé, um compromisso de vida:

O Brasil tem jeito. Todos juntos seremos capazes de consertar este país, e construir um Brasil do tamanho dos nossos sonhos – com oportunidades para transformá-los em realidade.

Mais uma vez, renovo minha eterna gratidão ao povo brasileiro. Um grande abraço, e que Deus abençoe nossa jornada.”

(30-10-2022)

Papa: a “cultura do cuidado” para preservar a dignidade humana e o meio ambiente

Por Andresa Collet

O Papa Francisco participou, de forma virtual, da Cúpula Mundial da Ambição Climática deste sábado (12), por ocasião do quinto aniversário do histórico Acordo de Paris. A França organiza o evento on-line, junto com o Reino Unido e a ONU, e colaboração do Chile e da Itália, evento que reúne todos os Estados signatários que são convidados a apresentar planos ambientais atualizados diante do aquecimento global. A cúpula acontece antes da COP 26, a grande conferência das Nações Unidas sobre o clima prevista para novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia.

Na mensagem em vídeo, o Papa começou enaltecendo que a atual pandemia e as mudanças climáticas têm um significado não apenas ambiental, mas ético, social, econômico e político, e afetam, “acima de tudo, a vida dos mais pobres e frágeis”. Por essa razão e reforçando o pedido da Secretaria de Estado do Vaticano pela promoção de “uma cultura do cuidado”, divulgado em mensagem do cardeal Pietro Parolin da última quinta-feira (10), o Papa exortou:

“Desta forma, invocam a nossa responsabilidade de promover, através de um compromisso coletivo e solidário, uma cultura do cuidado que coloque ao centro a dignidade humana e o bem comum.”

O Papa, então, destacou a importância de adotar medidas “que não podem mais ser adiadas”, como “uma estratégia que reduza as emissões líquidas a zero (net-zero emission)”, objetivo que a Santa Sé procura buscar em duas frentes: reduzir as emissões líquidas antes de 2050 e promover uma educação para a ecologia integral.

Redução de emissões líquidas

“O Estado da Cidade do Vaticano se compromete a reduzir a zero as emissões líquidas antes de 2050, intensificando os esforços de gestão ambiental, já em andamento há alguns anos, que permitem o uso racional de recursos naturais como a água e a energia, a eficiência energética, a mobilidade sustentável, o reflorestamento e a economia circular inclusive na gestão dos resíduos.”

Promoção da ecologia integral

Na mensagem em vídeo, o Papa também citou o “Pacto Educativo Global” e a “Economia de Francisco” como duas iniciativas do Vaticano para promover a ecologia integral em escolas e universidades católicas em todos os continentes, e através de jovens economistas e empreendedores que inspirem novos caminhos no cuidado de bens comuns, com o uso apropriado de tecnologias avançadas:

“A Santa Sé se empenha em promover uma educação para a ecologia integral. As medidas políticas e técnicas devem ser combinadas com um processo educacional que favoreça um modelo cultural de desenvolvimento e sustentabilidade centrado na fraternidade e na aliança entre o ser humano e o meio ambiente. […] Chegou a hora de uma mudança de rumo. Não roubemos das novas gerações de esperança em um futuro melhor.”

Fonte: Vatican News

 

Ação pela vida!

Uma morte evoca outras mortes. Assassinatos chamam à memória outros assassinatos. A violência do estado. A violência das empresas.

O mundo não pode continuar nessas mãos sujas de sangue. A vida não é vida para o capital. O fato de que exista no Brasil um governo e um estado à serviço da exploração e da destruição das pessoas e do meio ambiente, não significa que a população deva se resignar a isto.

Antes ao contrário, é um desafio para todos que querem uma vida humana. Somos responsáveis pelas nossas escolhas e decisões.

Há um movimento mundial de revalorização da vida e da economia informal, que é o principal setor do mercado laboral.

Nada nos obriga a continuar calando diante da impunidade com que o estado e a sociedade oligárquica agem. É tempo de despertar e nos movimentarmos.

Não podemos esperar que venha alguém de fora nos salvar. A libertação das pessoas e das comunidades é obra destas mesmas pessoas e comunidades.

Agir é preciso, enquanto é tempo. Cada pessoa e cada comunidade deve se voltar para suas origens, memória, identidade e valores.

Esta é a força capaz de inverter esta situação em que a delinquência no poder parece querer se eternizar. A vida é muito curta. Cabe a nós honrar a vida. Merecer o ar que respiramos.

Ação pela vida

Como sociólogo, como terapeuta comunitário, como cidadão, não posso deixar de partilhar algumas observações que a atual situação política e social do Brasil me suscitam.

O distanciamento, o estranhamento, a dissociação e a oposição entre a esfera do poder público e a cidadania, é total.

A sociedade civil vêm se defendendo da melhor maneira possível, estreitando laços colaborativos entre entidades e organizações que defendem a vida, a educação, a saúde e os demais Direitos Humanos.

A vontade genocida, destrutiva, exterminadora, não é apenas algo evidente da parte de um dos integrantes da esfera do poder, cujo nome é melhor não pronunciar.

O poder público como um todo, isto é: o legislativo e o judiciário, agem em perfeita sintonia com a vontade enlouquecida do tal inominável. A inoperância é cumplicidade. Um fazer de conta que proporciona uma fachada “democrática” para o genocídio

Para destruir um país e o seu povo, basta fazer o que está sendo feito: incentivar as queimadas na Amazônia, destruindo a biodiversidade, não cuidar da saúde da população, debochando das medidas de segurança recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), imprescindível para que não morramos.

Quebrar de cima abaixo o pouco que restava de respeito pelos valores mínimos da existência humana, após o processo de decomposição da cidadania declarado e executado pelo PSDB em 2013, quando perderam as eleições presidenciais que levaram Dilma Roussef (PT) à presidência da República.

O que fazer neste quadro? O que está sendo feito. Refazer a vida de baixo para cima e de dentro para fora. Valorizar a nossa própria pessoa, nossa família e comunidade. Não ceder à pressão desumanizadora do neonazismo atualmente implantado no Brasil

Recuperar a vontade soberana, a capacidade de decisão, além do que a imprensa e o poder disseminam. Recuperar a percepção, a consciência e a responsabilidade. Afinal, já que vamos morrer, já que eu vou morrer, prefiro ser eu mesmo até o fim.

Isto é o que tenho aprendido ao longo da minha trajetória de vida. A vida é até o fim. A atual situação sanitária apenas evidenciou a nossa finitude de maneira mais forte. A morte está mais próxima. Não há mais tempo para fazer de conta que não é conosco.

 

 

Entre pássaros, flores e bibas

Eu vivo em tempos sombrios […] Que tempos são esses em que falar de

 flores é quase um crime, pois significa silenciar sobre tanta injustiça?

(Bertolt Brecht: Aos que virão depois de nós. 1947)  

 

Assumo publicamente: saí do armário. Não foi assim de repente, da noite pro dia, mas devagarzinho, com idas e vindas. Começou na infância quando fiquei enfeitiçado por uma biba no bairro de Aparecida, em Manaus. Mas agora, na velhice, surpreendentemente, um caso tornou definitiva e sem volta a saída do armário: a morte nos últimos dias de milhares de pássaros no Novo México (EUA). Mais de um milhão, calcula a bióloga Martha Desmond em entrevista à BBC:

– “É devastador. Acho que nunca vi nada tão horrível na minha vida”.

Cenas apocalípticas aparecem no vídeo postado pelo jornalista A. Fischer do Sun News. Uma chuva de aves caiu do céu. Ruas, trilhas, veredas e jardins ficaram atapetados por cadáveres de passarinhos, muitos deles com órgãos internos expostos. Alguns foram recolhidos e enviados à Universidade de New México para exames toxicológicos. Os cientistas criaram um banco de dados para pesquisar as causas até hoje desconhecidas, relacionadas talvez a secas recentes ou à frente fria que atingiu a região na semana passada ou ainda à fumaça dos incêndios florestais na Califórnia, que podem ter atingido os pulmões das aves.

No Brasil, a mídia ignorou a tragédia considerada “menor” diante do coronavírus, que já matou quase 140 mil brasileiros. Numa visão antropocêntrica, se alega – para afirmar uma superioridade –  que gente é gente, bicho é bicho. E se fosse para noticiar morte de animais, a prioridade seriam as vítimas de incêndios florestais na Amazônia e no Pantanal. Por isso, uma crônica sobre o número alarmante de andorinhas mortas nos Estados Unidos exige uma justificativa de tal escolha, como fez Gabriel García Márquez, ao expor a relação de bichos com bicha.

Maricón

Na crônica jornalística “Cómo sufrimos las flores” (9/12/1981), o escritor colombiano relatou em sua coluna uma reunião com amigos na qual um deles, que era biólogo, dissertou sobre a alma das plantas que, dentro de casa, passam a fazer parte do núcleo familiar, sofrem com as brigas de casais e podem até morrer aterrorizadas, o que já foi constatado com o uso do galvanômetro – um aparelho que mede a intensidade da corrente elétrica e que, em contato com uma planta, revela suas reações e seus sentimentos mais íntimos.

O escritor afirma aquilo que os índios Guarani já sabem há milênios, fruto da observação e da convivência com bichos e plantas: as flores são gente, elas falam, reagem diante da felicidade, do prazer e da agressão.

– “O centro nervoso das plantas localiza-se na textura das raízes que se dilatam e se contraem como os músculos do coração humano. Além disso, têm memória: são capazes de acumular impressões e de retê-las por longo tempo. Podemos imaginar, portanto, quais recordações históricas armazena uma sequoia, essa árvore fabulosa que chega a crescer até 150 metros e pode viver até três mil anos” – escreveu García Márquez, Gabo para os íntimos.

Ele relata que pesquisadores injetaram em várias plantas forte dose de álcool e, no dia seguinte, elas estavam de ressaca do porre homérico, apresentando quadro de uma “embriaguez triste”. Estudos indicam que a música também interfere no crescimento de seres do reino vegetal – disse seu amigo biólogo na mencionada reunião. No entanto, nem todos os presentes se comoveram com a sensibilidade das plantas e o genocídio das florestas. Dias depois, o escritor recebe telefonema de outro amigo que lhe perguntou qual era o tema da sua próxima crônica.

– Estoy escribiendo sobre el sufrimiento de las plantas y las flores – le contesté. Mi amigo, con una alarma cierta, exclamó:

– Ah, carajo! ¿No te estarás volviendo maricón?

A osga e a bichice

O tal amigo de Garcia Márquez recriminava a crônica sobre flores naquele dezembro de 1981, quando os jornais noticiavam o massacre de mais de 900 camponeses em El Salvador, o golpe de estado na Polônia, ataques de Israel a Bagdá e os ensaios atômicos dos Estados Unidos. Nesse contexto, falar de flores, além de ser “quase um crime”, comprometia a virilidade do autor.

– Florzinha, passarinho, isso é coisa de gayzinho, se levar um couro muda de comportamento – afirmaria também de forma preconceituosa um capitão, desviando o assunto do depósito de 89 mil reais na conta de sua esposa. Tal preconceito, porém, acaba sendo um reconhecimento, ainda que involuntário, da sensibilidade de quem é capaz de compreender o lugar das plantas e bichos no ecossistema e seu papel na reprodução da espécie humana.

Ah! Já ia me esquecendo: e a biba que enfeitiçou minha infância?  Foi assim. Em casa, no Beco da Bosta, bairro de Aparecida, todo mundo dormia em rede, uma colada na outra, parecia barco de recreio lotado. De noite, eu ficava olhando a bibinha, que durante o dia ficava escondida, camuflada e à noite passava se requebrando, se exibindo, ameaçando cair na minha rede. Foi namoro à primeira vista.

A biba – o outro nome que damos à osga ou lagartixa – subia na parede compartilhada com a casa vizinha da dona Zulmira e andava na superfície do telhado de zinco de cabeça pra baixo, em busca de insetos, sem cair. Proeza extraordinária. Ela me olhava com os olhinhos carregados de ternura. Foi assim que minha atração por bibas se estendeu agora aos pássaros, que em todas as culturas simbolizam a paz. Por isso, nos quadros de René Magritte, eles encarnam a humanidade, como no autorretrato “A Clarividência” em que o artista belga pinta um pássaro, usando um ovo como modelo. Lá reside o futuro.

Canário na mina

Até hoje não resisto à agonia do mundo animal, que está no olhar do quati sedento correndo do fogo, no jacaré esturricado ou na dor da onça com as patas queimadas no incêndio do Pantanal. Quem morre com eles é a nossa humanidade. Nas minas de carvão do Reino Unido – me contou um dia o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro – os mineiros tinham o costume, até 1986, de levar com eles para dentro dos socavões um canário em uma gaiola. O bichinho, muito mais sensível que os humanos aos gases tóxicos acumulados dentro dos túneis, começa a agonizar quando o ar fica envenenado. Sua morte é um sinal para os mineiros, um “aviso” de que devem evacuar as galerias. O grito “Canary in the coal mine” virou um sinal de perigo iminente.

A metáfora do canário tem sido empregada por diferentes pesquisadores para discutir o papel da humanidade na extinção de animais, considerada como presságio de desastres ecológicos. Agora, os canários estão morrendo massivamente, nesse socavão que se transformou o planeta e não temos para onde fugir. Este dado concreto me leva a assumir e cultivar o meu lado feminino naquilo que tem de delicado, mas também de forte com a lembrança da figura materna, que protege a fragilidade da cria. Parece que me estoy volviendo maricón, com muito orgulho. Não mudo nem que “leve um couro”. Sim, os pássaros de New México merecem uma crônica, ainda que modesta, neste Diário do Amazonas. Eles somos nós. Nós somos eles.

P.S. Agradeço à doutora em filosofia Déborah Danowski o envio, via tweeter, da notícia sobre os pássaros de New Mexico, tema tão relevante e dramático quanto o incêndio no Pantanal que carbonizou as plantações dos índios Guató, ocasionando a perda de 83% do seu território. Ambos estão intimamente relacionados.

Caboclo Silvestre

Foi quando o vi chorar no Apertado da Hora

Da vez em que desceu a Serra do Teixeira

O abismo se esgueirando a encobrir a flora

Descida brusca, tensa, a quem ousá-la queira

 

Ainda noite escura a esconder a aurora

O gado ele tangeu no rumo à Catingueira

E o mesmo passo lento a caminhar outrora

Levanta noutro tempo essa mesma poeira

 

A mata de Caatinga a ladear a estrada

Exala um forte odor de flor de Marmeleiro

Macaco-prego à vista a guinchar pra boiada

 

O meu avô então seguiu sua viagem

Agora em clima quente aqui nas Espinharas

E nunca mais voltou: tornou-se uma miragem

Refugos do capitalismo

Saquearam seu lugar
O seu lar, o seu abrigo
Seu cordão umbilical
Sua lápide, seu jazigo
Já não possuem função
Nem tampouco utilidade
Ser menos é mais que mais
No front da desigualdade
Esses retalhos humanos
Descartados, antagônicos
Liame não têm num mundo
Globalizado, hegemônico
O tecido social
Sua teia, seu estrato
Foram todos corrompidos
Em transgressão ao contrato
E que agora os desgarrados
Qual reféns, pois, do niilismo
Perambulam pelo mundo
Clã do neoliberalismo