COMO DEPUTADO DURANTE A DITADURA MILITAR, EXIGIU QUE FOSSE INVESTIGADA A INFILTRAÇÃO COMUNISTA NA TV CULTURA (PONTO DE PARTIDA DO ASSASSINATO DE VLADIMIR HERZOG) E FOI À TRIBUNA FAZER OS MAIS RASGADOS ELOGIOS AO DELEGADO SÉRGIO FLEURY (O ASSASSINO DO MARIGHELLA). LEIA OS DOIS DISCURSOS DO LAMBE-COTURNOS aqui
COMO ESPORTISTA, ROUBOU ATÉ MEDALHA DE CAMPEÃO DA COPA SÃO PAULO (vide aqui).
COMO CIDADÃO, FEZ “GATO” PARA SURRUPIAR ENERGIA ELÉTRICA DO VIZINHO (vide aqui).
DEIXAREMOS UM MARIN DESSES REPRESENTAR O FUTEBOL BRASILEIRO NUMA COPA DO MUNDO?!
“Indico (…) ao Exmo. Sr. Governador do Estado de São Paulo que determine ao Comando da Polícia Militar a imediata retirada, de sua página virtual, dos elogios ao golpe militar de 64 e à ditadura que a ele se seguiu.”
Este é o teor da indicação nº 1099 de 2011, de autoria do deputado Carlos Giannazi (PSOL), que acaba de ser publicada no Diário Oficial do Estado.
Segundo o regimento interno da Assembléia Legislativa paulista, indicação é uma “proposição pela qual são sugeridas aos poderes do Estado ou da União medidas de interesse público que não caibam em projeto ou moção de iniciativa da Assembléia”.
Vem ao encontro de uma posição que assumi em outubro de 2008 e desde então venho sustentando por meio de artigos, cartas abertas a governadores (José Serra, Alberto Goldman e Geraldo Alckmin), mensagens ao Governo (Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, Casa Civil e Casa Militar) e aos deputados estaduais, uma petição on line, etc.
O deputado Giannazi, que teve sensibilidade e coragem para encampar esta bandeira, também é autor do projeto de lei nº 509, protocolado há duas semanas, com o objetivo de proibir “a denominação de prédios, rodovias e repartições públicas estaduais com nomes de pessoas que tenham praticado ou sido historicamente consideradas como participantes de atos de lesa-humanidade, tortura ou violação de direitos humanos”.
Eis como ele justificou sua indicação:
“Já se passaram 25 anos desde que a ditadura militar foi para o esquecimento da História, mas nada mudou na página virtual do 1º Batalhão de Polícia de Choque – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota).
Tal batalhão orgulha-se de haver outrora ajudado a massacrar os paupérrimos revoltosos de Canudos e a reprimir o heróico levante do Forte de Copacabana.
Pior ainda, faz questão de destacar que esteve presente na “Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, apoiando a sociedade e as Forças Armadas, dando início ao regime militar com o Presidente Castelo Branco“.
E, como se ainda vivêssemos no Brasil de Médici, enxerga sua atuação nos anos de chumbo a partir de um aberrante viés totalitário:
“Sufocado o foco da guerrilha rural no Vale do Ribeira, com a participação ativa do então denominado Primeiro Batalhão Policial Militar ‘TOBIAS DE AGUIAR’, os remanescentes e seguidores, desde 1969, de ‘Lamarca’ e ‘Mariguela’ continuam a implantar o pânico, a intranqüilidade e a insegurança na Capital e Grande São Paulo. Ataques a quartéis e sentinelas, assassinatos de civis e militares, seqüestros, roubos a bancos e ações terroristas. Estava implantado o terror.
Mais uma vez dentro da história, o Primeiro Batalhão Policial Militar ‘TOBIAS DE AGUIAR’, sob o comando do Ten. Cel. SALVADOR D’AQUINO, é chamado a dar seqüência no seu passado heróico, desta vez no combate à Guerrilha Urbana que atormentava o povo paulista”.
Nós, democratas de São Paulo e do Brasil, repudiamos a utilização do portal do governo paulista para manter vivo o culto ao golpismo, ao arbítrio, ao obscurantismo e à barbárie. Os tempos são outros e a história vê, analisa e registra esses episódios sob outro olhar.
Não aceitamos que, tanto tempo depois da volta do País à construção de uma nova ordem democrática e constitucional, ainda continuem no ar esses infames elogios à derrubada de um presidente legítimo e às ações repressivas executadas durante a vigência do terrorismo de estado, marcada por atrocidades, execuções covardes, estupro de prisioneiras, ocultação de cadáveres e o sem-número de outros crimes com que os déspotas intimidavam nosso povo, para mantê-lo subjugado.
A sociedade paulista e brasileira exigem a imediata reciclagem da página da Rota, suprimindo-se os conceitos, valores e juízos incompatíveis com o estado de direito.
A falta de comprometimento com a democracia e a liberdade é uma grave afronta à nossa sociedade, ao movimento democrático que se quer presente, à busca pelo diálogo e participação, contra estupidezes autoritárias quaisquer que sejam, venham de onde vierem.
E conclamamos o governador do Estado, eleito em uma democracia conquistada a duras penas, a dar um fim, de uma vez por todas, a tal entulho autoritário, que envergonha o seu governo e a todos nós“.
PRONUNCIAMENTO NA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA
E aqui estão os trechos principais do pronunciamento com que Giannazi apresentou sua indicação, no último dia 30:
“O nosso mandato acabou de fazer uma indicação para que o Comando Geral da Polícia Militar retire imediatamente do seu site, na parte em que consta a história do batalhão, uma alusão feita ao regime militar.
Há o site da Polícia Militar em que qualquer pessoa pode entrar, e existe o ícone do Histórico do Batalhão da Polícia Militar. É onde conta o seu histórico desde a sua fundação, com alguns episódios que marcaram a história da Polícia Militar, a antiga Força Pública do Estado de São Paulo.
…entre as alusões feitas no site, a Polícia Militar de São Paulo está fazendo apologia, defendendo o golpe militar de 1964, numa página oficial do nosso Estado.
O Brasil já foi redemocratizado e a ditadura militar no nosso país acabou em 1985. E o site não fala nem em golpe, mas em Revolução de 64.
Sabemos que não houve uma revolução, mas um golpe das Forças Armadas que agrediu a Constituição Federal e exilou várias lideranças políticas do nosso país, quando, inclusive, o próprio presidente da República da época foi para o exílio – João Goulart, Jango.
Várias pessoas foram cassadas, mortas, torturadas e perseguidas no nosso país. E agora a Polícia Militar não pode, em nenhuma hipótese, fazer uma alusão como essa, de se vangloriar de ter apoiado o golpe militar de 64! É inconcebível que isso esteja num site oficial de uma instituição como a Polícia Militar.
O massacre dos famélicos de
Canudos lá é motivo de orgulho?!
Nós exigimos que o Comando Geral da Polícia Militar, que o secretário de Segurança Pública tome providências em relação a esse absurdo, e que o governador Geraldo Alckmin tome providências e tome conhecimento, pelo menos, do que vem acontecendo.
Como se não bastasse esse grave erro, inconcebível, sr. presidente, nós temos um outro em relação à Guerra de Canudos, que aconteceu entre 1889 e 1897, no sertão da Bahia. A Polícia Militar também se autoelogia de ter participado do último combate que massacrou crianças, mulheres grávidas e idosos.
Nós conhecemos muito bem a história de Canudos. Foi um movimento de resistência contra as oligarquias. Agora, a Polícia Militar acha o máximo ter participado e ajudado a massacrar mais de 20 mil pessoas, no massacre de Canudos.
É um absurdo que a Polícia Militar de São Paulo se preste a isso. Ela deveria colocar no seu site os fatos mais importantes em relação ao combate ao crime, ao narcotráfico, ao crime organizado, às prisões feitas no Estado de São Paulo.
Agora, se vangloriar, colocando esses episódios históricos, que foram muito importantes, porque a Guerra de Canudos foi um movimento resistência das camadas populares do Brasil contra as oligarquias, em defesa da reforma agrária. E a Polícia Militar ajudou a massacrar essas pessoas e ainda estampa – eles deveriam se envergonhar de ter participado!
É uma vergonha que na época a Força Pública tenha participado do massacre de Canudos, mas eles colocam no site, achando o máximo!
E no final do site, ela também se vangloria de ter participado da campanha, do movimento, da ação que perseguiu um grupo de estudantes no Vale do Ribeira, de pessoas que foram empurradas para a luta armada no Brasil, por conta do Ato Institucional nº 5, o AI-5, decretado em 68 e que acabou de vez com todas as liberdades, com toda a possibilidade de participação política da população no Brasil, empurrando uma parte do movimento progressista para a luta armada.
A Rota destaca sua participação até
no cerco do qual Lamarca escapou…
Nesse caso específico, nós tínhamos um grupo que era liderado pelo capitão do exército que rompeu, porque ele não concordou com o golpe, ele foi digno, rompeu com o regime militar, e foi para a luta armada.
Eu me refiro ao capitão Carlos Lamarca, que é considerado hoje um herói, que lutou contra o regime militar.
Agora, a Polícia Militar no seu site também se vangloria e acha o máximo ter participado do movimento de bloqueio, de ter tentado capturar o capitão Lamarca.
Não conseguiram. Mobilizaram dez mil homens junto com o Exército e Lamarca escapou do Vale do Ribeira. Depois foi morto covardemente no sertão da Bahia, debilitado, sem forças para reagir.
E, no entanto, sr. presidente, está no site do 1º Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Isso tem que ser retirado imediatamente, porque isso agride toda a história do nosso país, que já rejeitou o golpe militar.
Hoje, está no inconsciente coletivo da população brasileira que o golpe militar, o regime militar, que durou de 1964 a 1985, foi nocivo para o Brasil, prejudicou o Brasil, atrasou o Brasil em 50 anos, principalmente com a instalação da doutrina de segurança nacional, com a ideologia de segurança nacional, que abriu espaço para todo tipo de perseguição, sobretudo ao pensamento crítico brasileiro.
O Brasil perdeu muito com o regime militar, com a ditadura militar.
Sei que há as viúvas, as pessoas que defendem o regime militar, que são pessoas, no mínimo, desinformadas.
Agora, repito, Sr. Presidente, é inconcebível que um site público do Governo do Estado de São Paulo faça alusão a esses três episódios: elogiando a ação da Polícia Militar, em apoio ao golpe militar, que foi o regime da tortura, das perseguições, das mortes; que a Polícia Militar tenha apoiado o massacre de Canudos e também a perseguição de pessoas que se opunham ao regime militar.
Então, nós exigimos que o Governador Geraldo Alckmin, que o Secretário Estadual da Educação e o Comando da Polícia Militar tomem providências imediatas, retirando do site esses três tópicos.
Sr. Presidente, gostaria que cópias deste meu pronunciamento fossem enviadas ao governador do Estado, ao secretário de Segurança Pública e ao comandante geral da Polícia Militar“.
No Portal do Governo do Estado de São Paulo, o internauta tem acesso à página virtual do 1º Batalhão de Polícia de Choque – Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar – Rota.
E nesta, clicando em Histórico do BTA, encontrará:
“Marcando, desde a sua criação, a história desta nação, este Batalhão teve seu efetivo presente em inúmeras operações militares, sempre com participação decisiva e influente, demonstrando a galhardia e lealdade de seus homens, podendo ser citadas, dentre outras, as seguintes campanhas de Guerra:
Campanha do Paraná, em 1894…
Questão dos Protocolos, em 1896…
Guerra de Canudos, em 1897 …
Levante do Forte de Copacabana, em 1922…
Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, apoiando a sociedade [os grifos são meus] e as Forças Armadas, dando início ao regime militar com o Presidente Castelo Branco;
Campanha do Vale do Rio Ribeira do Iguape, em 1970, para sufocar a Guerrilha Rural instituída por Carlos Lamarca…“
Depois, em Os Boinas Pretas, lê-se o seguinte:
“Sufocado o foco da guerrilha rural no Vale do Ribeira, com a participação ativa do então denominado Primeiro Batalhão Policial Militar “TOBIAS DE AGUIAR”, os remanescentes e seguidores, desde 1969, de “Lamarca” e “Mariguela” continuam a implantar o pânico, a intranqüilidade e a insegurança na Capital e Grande São Paulo. Ataques a quartéis e sentinelas, assassinatos de civis e militares, seqüestros, roubos a bancos e ações terroristas. Estava implantado o terror.
Mais uma vez dentro da história, o Primeiro Batalhão Policial Militar “TOBIAS DE AGUIAR”, sob o comando do Ten Cel SALVADOR D’AQUINO, é chamado a dar seqüência no seu passado heróico, desta vez no combate à Guerrilha Urbana que atormentava o povo paulista.
Havia a necessidade da criação de um policiamento enérgico, reforçado, com mobilidade e eficácia de ação.
Incumbe-se à 2ª Cia de Segurança do Primeiro Batalhão Policial Militar, exclusivamente de Tropa de Choque, a iniciar o Patrulhamento Ostensivo Motorizado no Centro de São Paulo.
Surge então o embrião da ROTA, a Ronda Bancária, que tinha como missão reprimir e coibir os roubos a bancos e outras ações violentas praticadas por criminosos e por grupos terroristas.
Em 15 de outubro de 1970, este “embrião” passa a denominar-se “RONDAS OSTENSIVAS TOBIAS DE AGUIAR” – ROTA.“
A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR
A indagação que continuarei fazendo enquanto este entulho autoritário não for tirado do ar é: tais conceitos e tal visão da História brasileira são ainda endossados pelo Governo paulista?
Caso contrário, por que o Governo paulista mantém até hoje em seu portal a retórica falaciosa da ditadura militar, apresentando resistentes como transgressores e, implicitamente, uma tirania exercida por golpistas como Poder legítimo?
Foi o que indaguei do então governador José Serra, em carta aberta, no mês de outubro de 2008.
E consegui que lhe fosse perguntado numa sabatina da Folha de S. Paulo em junho de 2010, quando já deixara o governo.
Tendo ele negado que tais aberrações fossem avalizadas pelo Governo paulista, enviei carta a Alberto Goldman, o seu substituto no Palácio dos Bandeirantes (vide comentários do mesmo artigo), que foi recebida, protocolada e, verdadeiramente, não respondida — prometeu-se estudar o caso, e nenhuma outra satisfação me foi dada.
Então, hoje transmito a mesma queixa ao governador Geraldo Alckmin.
Eu e todos que lutamos contra o arbítrio instaurado em 1964 continuamos indignados com os infames elogios à derrubada de um presidente legítimo e a ações repressivas executadas durante a vigência do terrorismo de estado no Brasil, marcada por atrocidades, execuções covardes, estupro de prisioneiras, ocultação de cadáveres e o sem-número de outros crimes e arbitrariedades com que os déspotas intimidavam nosso povo, para mantê-lo subjugado.
Enquanto o governo democrático do Estado de São Paulo não agir como tal, continuarei repetindo esta cobrança.
“Brecht cantou: ‘Feliz
é o povo que não tem
heróis’. Concordo.
Porém nós não
somos um povo feliz.
Por isso precisamos
de heróis. Precisamos
de Tiradentes.”
(Augusto Boal )
Será que os brasileiros sentem mesmo necessidade de heróis, salvo como temas dos intermináveis e intragáveis sambas-enredo? É discutível.
Os heróis são a personificação das virtudes de um povo que alcançou ou está buscando sua afirmação. Encarnam a vontade nacional.
Já os brasileiros, parafraseando o que Marx disse sobre camponeses, constituem tanto um povo quanto as batatas reunidas num saco constituem um saco de batatas…
O traço mais característico da nossa formação é a subserviência face aos poderosos de plantão. Os episódios de resistência à tirania foram isolados e trágicos, já que nunca obtiveram adesões numericamente expressivas.
Demoramos mais de três séculos para nos livrarmos do jugo de uma nação minúscula, como um Gulliver imobilizado por um único liliputiano.
E o fizemos da forma mais vexatória, recorrendo ao príncipe estrangeiro para que tirasse as castanhas do fogo em nosso lugar e à nação economicamente mais poderosa da época para nos proteger de reações dos antigos colonizadores.
Isto depois de assistirmos impassíveis à execução e esquartejamento de nosso maior libertário.
Da mesma forma, o fim da escravidão só se deu por graça palaciana e quando se tornara economicamente desvantajosa.
Antes, os valorosos guerreiros de Palmares haviam sucumbido à guerra de extermínio movida pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que merecidamente passou à História como um dos maiores assassinos do Brasil.
E foi também pela porta dos fundos que nosso país entrou na era republicana e saiu das duas ditaduras do século passado (a de Vargas terminou por pressões estadunidenses e a dos militares, por esgotamento do modelo político-econômico).
Todas as grandes mudanças positivas acabaram se processando via pactos firmados no seio das elites, com a população excluída ou reduzida ao papel de coadjuvante que aplaude.
É verdade que houve fugazes despertares da cidadania:
em 1961, quando a resistência encabeçada por Leonel Brizola conseguiu frustrar o golpe de estado tentado pelas mesmas forças que seriam bem-sucedidas três anos mais tarde;
em 1984, com a inesquecível campanha das diretas-já, infelizmente desmobilizada depois da rejeição da Emenda Dante de Oliveira, com o poder de decisão voltando para os gabinetes e colégios eleitorais; e
em 1992, quando os caras-pintadas foram à luta para forçar o afastamento do presidente Fernando Collor.
Nessas três ocasiões, a vontade das ruas alterou momentaneamente o rumo dos acontecimentos, mas os poderosos realizaram manobras hábeis para retomar o controle da situação. Rupturas abertas, entre nós, só vingaram as negativas.
Vai daí que, em vez de heróis altaneiros, os infantilizados brasileiros são carentes mesmo é de figuras protetoras, dos coronéis nordestinos aos padins Ciços da vida, passando por pais dos pobres tipo Getúlio Vargas.
Então, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Frei Caneca, Carlos Marighella, Carlos Lamarca e outros dessa estirpe jamais serão unanimidade nacional, como Giuseppe Garibaldi na Itália ou Simon Bolívar para os hermanos sul-americanos.
O 21 de abril é um dos menos festejados de nossos feriados. E o próprio conteúdo revolucionário de Tiradentes é escamoteado pela História Oficial, que o apresenta mais como um Cristo (começando pelas imagens falseadas de sua execução, já que não estava barbudo e cabeludo ao marchar para o cadafalso) do que como transformador da realidade.
Então, vale mais uma citação do artigo que Boal escreveu quando do lançamento da antológica peça Arena Conta Tiradentes, em 1967:
“Tiradentes foi revolucionário no seu momento como o seria em outros momentos, inclusive no nosso. Pretendia, ainda que romanticamente, a derrubada de um regime de opressão e desejava substitui-lo por outro, mais capaz de promover a felicidade do seu povo. (…) No entanto, este comportamento essencial ao herói é esbatido e, em seu lugar, prioritariamente, surge o sofrimento na forca, a aceitação da culpa, a singeleza com que beijava o crucifixo na caminhada pelas ruas com baraço e pregação (…) O mito está mistificado”.
Quando o povo brasileiro estiver suficientemente amadurecido para tomar em mãos seu destino, decerto encontrará no revolucionário Tiradentes uma das maiores inspirações.
A “Lei Berlusconi” repete a “Lei Fleury”: casuísmo para manter delinquente poderoso fora das grades.
Quando o grande promotor Hélio Bicudo obteve a condenação do delegado Sérgio Paranhos Fleury pelos crimes cometidos como líder do Esquadrão da Morte de São Paulo — quadrilha de policiais que executava contraventores e, apurou-se depois, era financiada por um grande traficante para eliminar seus concorrentes –, os deputados subservientes à ditadura criaram uma lei com o objetivo exclusivo de evitar que ele ficasse merecidamente atrás das grades.
Apelidada de Lei Fleury, ela alterou a regra segundo a qual os condenados em primeira instância deveriam aguardar presos a sequência do processo. Abriu-se uma exceção para os réus primários, com bons antecedentes e residência fixa.
Foi a retribuição do regime militar a um de seus principais carrascos, responsável pela tocaia contra Carlos Marighella, pela chacina da Lapa, pelo dantesco suplício que antecedeu o assassinato de Eduardo Leite (o Bacuri) e, enfim, por um sem-número de homicídios e torturas.
Em nome do serviço sujo e sanguinário que efetuou a partir de 1968 na repressão política, anistiaram-no informalmente das atividades paralelas que ele antes desenvolvera, ao atuar no radiopatrulhamento de São Paulo.
A introdução de uma lei casuística, para aliviar a situação de um poderoso nos processos que já estavam em curso, é até hoje motivo de opróbrio para o Estado brasileiro — uma das muitas aberrações que marcaram o período 1964/85.
A Itália está prestes a seguir um dos nossos piores passos — e em plena democracia! Não tem sequer a atenuante de serem ilegítimos os seus representantes que propõem tal descalabro.
O Senado italiano aprovou nesta 4ª feira (20) projeto de lei do Executivo alterando o prazo de prescrição dos processos judiciais, de forma que aqueles nos quais premiê Silvio Berlusconi é reu (fraude fiscal e suborno) passem a prescrever em seis anos e meio, ao invés dos dez anos atuais.
Ou seja, o governo Berlusconi propôs uma lei que beneficia Berluconi… e o Senado baliu amém.
Se a Câmara também coonestar essa imundície, o premiê terá conseguido escapar pela tangente de todos os processos que lhe são movidos.
Que dizer de um país que aceita ter como primeiro-ministro não um cidadão inocentado das acusações que lhe foram feitas, mas sim um contraventor favorecido pela prescrição dos seus delitos?! Ainda por cima, utilizando em causa própria os poderes que lhe foram concedidos pelo povo italiano.
Também pela tangente, Berlusconi está conseguindo escapar da condenação a que faria jus por ter dado cobertura política à Cosa Nostra na década passada. Esteve a soldo do chefão responsável pelo assassinato de um juiz e seus cinco seguranças.
Se concretizada, a virada de mesa vai produzir um verdadeiro terremoto na Justiça italiana: o número de processos que prescreverão poderá chegar a 100 mil, incluindo grandes casos de falência fraudulenta, como o da Parmalat.
E o Executivo e o Legislativo, acumpliciados, terão conseguido abortar a cruzada contra a impunidade desenvolvida pelo Judiciário, seguindo a tradição dos heróicos magistrados que ousaram confrontar a Máfia com a Operação Mãos Limpas.
Emblematicamente, é um político que protegia mafiosos o atual pomo da discórdia.
A propaganda enganosa difundida incessantemente na internet pelas viúvas da ditadura bate muito na tecla de que os integrantes das organizações que pegaram em armas contra o regime militar utilizariam o dinheiro expropriado dos bancos para viver como burgueses, entre luxos e orgias.
No último mês de abril, quando de outro estupro do jornalismo cometido pela Folha de S. Paulo (a tentativa de envolver Dilma Rousseff com um sequestro que não era de sua responsabilidade e nem chegou a ser tentado), uma mensagem de leitor do jornal repetiu essa cantilena demagógica:
“Quem se beneficiou do produto dos assaltos, sequestros, guerrilhas e assassinatos cometidos em nome da ideologia? Apenas eles, os ilegais, que hoje estão no poder…”.
Como costumo fazer quando a imundície dos sites fascistas transborda da lixeira, respondi, com o artigo O Dia a dia de quem resistia à ditadura. Dei um testemunho pessoal de como nos beneficiávamos do produto dos assaltos.
Nesta véspera de mais um aniversário da canetada que mergulhou o Brasil no terrorismo de estado extremado, dando sinal verde para atrocidades e genocídios, creio ser pertinente repetir meu depoimento — que só difere em detalhes do de todos os companheiros que travaram a luta desigual e sofrida contra a tirania.
“…ACORDANDO A CADA MANHÃ SEM SABER SE ESTARÍAMOS VIVOS À NOITE…”
Eu militei na VPR entre abril/1969 e abril/1970, quando fui preso pelo DOI-Codi/RJ, sofri torturas que me deixaram à beira de um enfarte aos 19 anos de idade e me causaram uma lesão permanente.
Nesse ano em que me beneficiei do produto dos assaltos praticados pelas organizações de resistência à tirania implantada pelos usurpadores do poder, como foi minha vida de nababo?
Na verdade, recebia o estritamente necessário para subsistir e manter a minha fachada de vendedor autônomo.
No início, fui obrigado a me abrigar em locais precaríssimos, como o porão de um cortiço na rua Tupi, próximo da atual estação do metrô Marechal Deodoro, na capital paulistana. Era só o que eu conseguia pagar com o produto dos assaltos.
Cada quarto era um cubículo mal ventilado. Enxames de pernilongos me atacavam durante o sono. Afastava-os com espirais que mantinha acesos durante a noite inteira… e me faziam sufocar.
O que mudou quando minha organização fez o maior assalto da esquerda brasileira em todos os tempos, apossando-se dos dólares da corrupção política guardados no cofre da ex-amante do governador Adhemar de Barros? Quase nada.
Era dinheiro para a revolução, não para gastos pessoais. Apesar de integrar o comando estadual de São Paulo e depois exercer papel semelhante no Rio de Janeiro, continuei levando existência das mais austeras.
Meu último abrigo foi o quarto alugado no amplo apartamento de uma velha senhora do Rio Comprido (RJ). Fazia tanto calor que eu era obrigado a dormir despido sobre o chão de ladrilhos, que amanhecia ensopado de suor.
Quando tinha de abandonar às pressas um desses abrigos, todos os meus bens cabiam numa mala de médio porte. Vinham-me à lembrança os versos de Brecht, “íamos pela luta de classes, desesperados/ trocando mais de países que de sapatos”.
Havia, sim, um dinheiro extra, que equivaleria a uns R$ 10 mil atuais. Mas, tratava-se do fundo a que recorreríamos caso ficássemos descontatados e tivéssemos de sobreviver ou deixar o país por nossos próprios meios, sem ajuda dos companheiros que já estariam presos ou mortos.
Nenhum de nós gastava essa grana, era ponto de honra. Os fundos de reserva acabaram chegando, intactos, às garras dos rapinantes que nos prendiam e matavam. Nunca prestaram conta disso, nem dos carros, das armas e até das peças de vestuário que nos tomaram.
E, mesmo que tivéssemos dinheiro para esbanjar, como o gastaríamos? Éramos procurados no país inteiro, com nossos nomes e fotos expostos em cartazes falaciosos.
Eu, que nunca fizera mal a uma mosca, aparecia nesses cartazes como “terrorista assassino, foragido depois de roubar e assassinar vários pais de família”. O Estado usava o dinheiro do contribuinte para me fazer acusações mentirosas e difamatórias!
Para manter as aparências, éramos obrigados a sair cedo e voltar no fim do dia. Os contatos com companheiros eram restritos ao tempo estritamente necessário para discutirmos os encaminhamentos em pauta; dificilmente chegavam a uma hora.
Sobravam longos intervalos, com nada para fazermos e a obrigação de ficarmos longe de situações perigosas. Tínhamos de procurar locais discretos, tentando passar despercebidos… por horas a fio. Sujeitos a, em qualquer momento, sermos surpreendidos por uma batida policial.
Vida amorosa? Dificílima. Cada momento que passássemos com uma companheira era um momento em que a estávamos colocando em perigo. Ninguém corria o risco de ir transar em hotéis, sempre visados (e nossa documentação era das mais precárias, passei uns oito meses tendo apenas um título eleitoral falsificado). E as facilidades atuais, como motéis, quase inexistiam.
Aos 18/19 anos, senti imensa atração por duas aliadas, uma em São Paulo e outra, meses mais tarde, no Rio de Janeiro. Com ambas, o sentimento era recíproco. E nos dois casos mal passamos dos beijos apaixonados com que nos cumprimentávamos e despedíamos. Qualquer coisa além disso seria perigosa demais.
Enfim, esta é a vida que levávamos, acordando a cada manhã sem sabermos se estaríamos vivos à noite, passando por freqüentes sustos e perigos, recebendo amiúde a notícia da perda de companheiros queridos (eu até relutava em abrir os jornais, tantas eram as vezes que só me traziam tristeza).
Sobreviver alguns meses já era digno de admiração. Ao completar um ano nessa vida, eu já me considerava (e era considerado pelos companheiros) um veterano. Caí logo em seguida.
Dos tolos que saem repetindo essas ignomínias marteladas dia e noite pela propaganda enganosa da direita, nem um milésimo seria capaz de encarar a barra que encaramos, não pelas motivações ridículas que nos atribuem, mas por não agüentarmos viver, e ver nosso povo vivendo, debaixo das botas dos tiranos!