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Por um efetivo marco regulatório da mídia no Brasil

Valério Cruz Brittos e Anderson D. Gomes dos Santos, do Observatório do Direito à Comunicação

Para modificar uma legislação de 1962, totalmente defasada em termos políticos, econômicos, tecnológicos e culturais, quando nem a líder do oligopólio midiático existia, movimentos sociais e pesquisadores vêm travando há algumas décadas batalhas por mais espaço para discussões. A luta, materializada na busca da substituição do Código Brasileiro de Telecomunicações (já revogado quanto à telefonia), visa, ao menos, a uma difusão de informações pelo espectro eletromagnético de modo mais parecido com uma verdadeira comunicação: algo dialógico que permita a pluralidade de tipos de conteúdo e uma maior participação social na produção e distribuição, considerando a diversidade do país.

Após muita espera e mobilização, quase no apagar das luzes de sua gestão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a criação da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Mesmo com vários problemas, a iniciativa permitiu discussões municipais e estaduais, com o ápice ocorrido em Brasília, na realização da I Confecom, realizada em dezembro de 2009. Foram aprovadas mais de 600 propostas, que deveriam ser discutidas no Congresso Nacional, balizando a construção de um marco regulatório para as comunicações no Brasil, sintonizado com os princípios democráticos.

Quase dois anos depois, o atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, demonstra ter esquecido disso. Em reunião realizada em outubro último, com entidades sociais que trazem como uma de suas principais bandeiras a democratização da comunicação, ele prometeu abrir em consulta pública o novo marco regulatório da mídia eletrônica ainda em dezembro deste ano. O que poderia ser visto como um avanço sinaliza a discussão apenas de pontos específicos da proposta, evitando ao máximo um maior confronto com os grandes grupos midiáticos. As entidades apresentaram a Bernardo 20 pontos principais, que foram construídos em consulta pública através do site http://www.comunicacaodemocratica.org.br.

Construir propostas específicas

Questiona-se aqui a falta de interesse em se reivindicar a apresentação das discussões sobre as propostas da Confecom e, além disso, o próprio formato de consulta pública. Quantas pessoas têm acesso a discussões sobre o assunto para além de alguns setores da academia e de determinados movimentos sociais? Quantas pessoas têm acesso à internet e, além disso, como poderiam saber sobre esta consulta e sobre a situação atual da comunicação? Vale lembrar que o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), prioridade do governo federal, reflete a necessidade de um maior acesso à internet. Porém, não há um planejamento sobre como se deve dar este acesso para que o uso da rede vá além do simples entretenimento, com o ambiente digital servindo para conscientizações sobre assuntos que não passam na grade mídia ou que poucas vezes geram repercussão nas redes sociais.

Não se discorda da existência desta consulta pública sobre os determinados pontos – por mais que se saiba como elas (não) funcionam no Brasil. Mas se houve uma Conferência Nacional de Comunicação, que estabeleceu uma série de propostas aprovadas em diferentes níveis da “sociedade civil”, por que construir outro documento que, além do mais, reduz as necessidades do setor? Toda consulta e iniciativa de abertura ao diálogo é válida; não obstante, maior consulta foi a própria Confecom que, de forma descentralizada, permitiu que todos os setores interessados se manifestassem sobre a temática. Lamentavelmente, isso se deu sem a presença de grande parte dos radiodifusores, a começar pelas Organizações Globo, mas isto não chega a ser novidade, já que via de regra esses grupos negam-se a participar de espaços abertos, preferindo a negociação de bastidor.

O Ministério das Comunicações, sob a gestão de Paulo Bernardo, conseguiu dar celeridade na liberação de algumas informações sobre as concessões, como a lista dos congressistas sócios de rádios e TVs. Porém, está apagando de vez qualquer conquista da Confecom e se propõe a construir propostas específicas, que não avancem tanto. Mesmo dentre estas poucas que ele aceite colocar em consulta pública, se não houver concordância dos grandes meios, o governo não parece que vai tensionar, tendo em vista sua dependência da aprovação das indústrias midiáticas, na falta de um sistema alternativo, que permita uma aproximação mais franca com os diversos setores sociais.

Aproveitar as brechas

Como o ministro sempre deixa claro em suas entrevistas, ele sabe que um marco regulatório atualizado é necessário. Entretanto, a regra é que o auge do processo fique só na consulta em si, na qual o governo abre espaço, entrando verdadeiramente no conflito os movimentos sociais com preocupação no setor, mais ao estilo Davi X Golias. Afinal, há uma imensa força político-institucional contrária à regulamentação, liderada pelos grandes grupos comunicacionais, inclusive com alguns deputados federais e senadores legislando em causa própria, por serem donos de TVs e rádios. O PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer e do presidente do Senado José Sarney – dono de muitos meios de comunicação no Maranhão –, já deixou claro que é contra qualquer regulação no setor.

Enfim, o foco deste texto não é desestimular os movimentos que lutam em prol de uma democratização da comunicação, mas destacar questões importantes sobre o assunto. Não se pode esquecer tratar-se da terceira gestão de um partido que ainda pouco fez para efetivamente mudar a realidade do setor em prol de uma comunicação pública. Se o espaço for dado, o interessante é observar os pontos pedidos por estes movimentos que participaram da reunião, confrontando-os de forma criteriosa com o que foi aprovado na Confecom. Devem-se aproveitar todas as brechas até esta nova consulta pública, mas com a consciência sobre possíveis limites no debate. Afinal, se a sociedade já disse o que quer, não seria a hora de implementar tais projetos e não seguir insistindo em perguntas que já foram respondidas?

Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, e mestrando no mesmo programa.

Pré-sal: O falso nacionalismo do governo Lula

Desde o anúncio oficial da descoberta do campo de Tupi em 2007 o governo promete ao povo brasileiro transformar o nosso país na terra prometida utilizando para este fim o poder econômico concedido pelo petróleo. Para concretizar este novo tempo de fartura o presidente Lula encarregou os ministérios chefiados por Dilma Rousseff e Lobão de elaborarem a nova legislação para tornar realidade suas palavras proféticas. Deste modo os obedientes ministros reuniram os sábios disponíveis e trancaram-se nos templos de Brasília durante dois anos decifrando os diferentes sinais considerados, por eles, divinos e emitindo outros para testar a reação das ruas.

Nestes dois anos de clausura os ministros apresentaram diferentes versões dos mesmos sinais primeiro acusando a Petrobrás de inimiga da pátria, uma espécie de quinta coluna, cujo controle estaria em mãos estrangeiras tornando necessária a criação de uma nova empresa para controlar o petróleo do pré-sal tirando de cena a empresa traidora. Coube ao presidente da ANP, Haroldo Lima, divulgar esta profecia e para tentar concretizá-la decretou, através dos jornais, o surgimento de um novo tempo para o setor petrolífero no qual não havia espaço para os oligopólios internacionais reduzidos a peças de museu. Este ensaio de mandamento chegou a ser repetido por estudantes (chefiados por Haroldo Lima?) e certa liderança estudantil afirmou ter a Petrobrás cumprido o seu papel histórico, agora era o momento de aposentar o modelo, concluía.

Apesar do esforço do governo, ANP e seus liderados a população não aceitou a satanização da Petrobrás criando um novo problema para o governo, pois era preciso criar os mandamentos do pré-sal afinal os sinais eram claros e diariamente os sábios do Planalto traduziam, para o português, novas exigências “divinas”. A estratégia de satanizar a empresa nacional de petróleo também gerou questionamentos e muitos passaram a suspeitar da qualidade ou mesmo da origem dos sinais recebidos nos gabinetes de Brasília.

A solução encontrada foi substituir o discurso anti-Petrobrás por sua defesa e para este fim recebem uma ajudazinha do PSDB/DEM desejosos por criar mais uma CPI de holofotes fato oficialmente condenado pelo governo, mas aprovado com votos de sua base. Concluída com sucesso a estratégia os governistas apresentaram um novo rosto e diziam-se agora defensores dos interesses nacionais e assim resgataram a frase “o petróleo é nosso”, movimentaram os liderados da ANP (estes, certamente em nome da revolução, rapidamente mudaram o discurso do fim da história.) e inundaram os jornais com frases de efeito. Isso para o público, pois internamente continuavam elaborando um plano de acordo com os sinais – agora sabemos – nada divinos.

Apesar do barulho na imprensa o trabalho dos sábios continuava em segredo e, regularmente, membros do governo viajavam aos Estados Unidos para discutir o tema enquanto no Brasil divulgavam-se notas desconexas e contraditórias para confundir a população quanto as verdadeiras intenções palacianas. Quando finalmente a proposta para o pré-sal foi levada ao presidente Lula constatou-se, diante das concessões aos oligopólios internacionais do petróleo, a necessidade de cercar o seu anuncio de forte publicidade oficial e recorrer à tradicional legitimação do PSDB/DEM através do desgastado discurso fundamentalista liberal repetidos por estes partidos.

O documento governamental precisa mesmo de muito apoio publicitário, pois nasceu contraditório afirmando que o atual marco regulatório foi “fundamentado nas premissas que levaram à promulgação da Emenda Constitucional nº 9, de 1995.” E continua: “O referido marco legal foi concebido a contemplar as condições vigentes naquela época.” Observe que o governo condena, inicialmente, a citada emenda entendo sua motivação como ultrapassada, mas não encaminha uma proposta de reforma constitucional e sim altera pontos da legislação (lei 9478/97) criada a partir da reforma de 1995.

Descontado todo esforço mediático e após dois anos de mistério o governo, na realidade, encaminhou ao Congresso um projeto de reforma da lei 9478/97 adaptando esta a nova fase do liberalismo internacional pós-crise no qual o Estado é utilizado não somente para abrir o mercado através das privatizações, mas financia, com dinheiro do povo, diretamente os grupos econômicos. Neste modelo o papel da Petrobrás fica evidente quando recebe a condição de operadora, ou seja, controlando somente 30% da participação nos blocos será “responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção”. As outras empresas – e quantas apresentam condições de atuar no pré-sal? – formam um consórcio ganham o leilão pegam o petróleo e vendem como bem entender sem risco, pois o gasto maior ficou com a Petrobrás.

Outro ponto apresentado como aumento da presença do Estado no setor petrolífero encontra-se na criação de um novo modelo de contrato erroneamente chamado de partilha da produção. Nesta modalidade vencerá o leilão a empresa que destinar a maior quantidade de petróleo à União, entretanto esta “maior quantidade” não tem um piso determinado e fica ao critério da empresa transferindo para a iniciativa privada – e neste caso aos oligopólios internacionais – a quantidade de óleo em poder do Estado brasileiro e, por conseqüência, o desenvolvimento das políticas sociais associadas à utilização do poder econômico resultante de sua comercialização.

O governo do México – que busca desesperadamente uma forma diminuir a importância da oficial PEMEX – anunciou a disposição de adotar o agora modelo brasileiro o presidente da Galp elogiou o marco regulatório do pré-sal afirmando que este oferecerá a independência energética de Portugal, José Sérgio Gabrielle afirma no Valor Econômico que os 30% da Petrobrás podem não remunerar a empresa de forma suficiente e ainda consideram estatizante a proposta do governo para o petróleo do pré-sal.