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Marxistas e libertários juntos, na luta contra o Capital, são mais fortes

Considerações a propósito da conferência proferida por Michael Löwy, por ocasião das comemorações dos 150 anos da AIT

Para além das dissonâncias e das tensões entre Marxistas e Anarquistas, é possível constatar entre essas duas forças revolucionárias, traços e experiências de entendimentos, de convergências e de ações comuns? Em que momentos e circunstâncias é possível comprovar tal cooperação? Foi a partir de questões como estas, que, convidado por coordenadores cariocas da AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida como a I Internacional), Michael Löwy refletiu sobre esta questão.

Não são segredo as tensões e conflitos que cercaram Marxistas (desde Marx) e Anarquistas (desde Bakunin), durante um século e meio de convivência. Isto é por demais, e não raramente, superestimado, de parte a parte. Sua proposta, contudo, ousava algo novo: sem negar tais diferenças, tratava de enfatizar múltiplos elementos de convergência, de solidariedade e de ações unitárias.

A irrupção das lutas operárias protagonizadas pelo Socialismo Marxista ou de caráter libertário se darão especialmente a partir da segunda metade do século XIX em plena evolução da Revolução Industrial, seja pela inspiração de figuras tais como Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), Mikhail Bakunin (1814-1876), Marx, Engels, entre outras.

As ideias de Proudhon gozavam, à época, de entusiástico apoio de operários. Seu pensamento já era partilhado tanto por uma ala reformista, mesmo à direita das ideias de Proudhon, seja por um outro segmento radicalizado, que, posteriormente, passaria a integrar os quadros revolucionários da Comuna de Paris, Mikhail Bakunin se tornaria a figura mais notável dos Anarquistas. Em célebre fuga da prisão (em que havia sido condenado à prisão perpétua, Bakunin comete a aventura de, em um barco, dar quase uma volta ao mundo, tendo passado até pelos Estados Unidos, até chegar à Inglaterra. Em Londres, por volta de 1865, conhece pessoalmente a Marx, cujas ideias respeitava, sem abrir mão de sua posição libertária.

Em sua memorável conferência, Michael Löwy lista e analisa uma série de episódios marcantes envolvendo Marxistas e Anarquistas, em franca cooperação e unidade de ação.

Não é desprezível, por exemplo, a iniciativa de Marx de confiar a Bakunin um exemplar do seu então recém-publicado primeiro volume de O Capital, de modo a atestar a atenção e o respeito intelectual que nutria por Bakunin, a despeito dessas diferenças. Bakunin, por sua vez, em resposta a Marx, fez questão de reconhecer de público a genialidade de Marx, no que tange aos estudos e pesquisas desenvolvidos por Marx, com profunda acuidade, de modo a desmascarar como ninguém antes dele, as estratégias vulpinas do Capital.

A situação de crescente penúria a que o Capital Industrial vinha sujeitando a Classe Trabalhadora na Inglaterra, como a justo título, o denunciara Engels, em 1845, em seu livro extraordinário “A situação da classe trabalhadora, na Inglaterra” – só agudizava a luta de classes para além da Inglaterra. Cabia aos trabalhadores de todo o mundo avançarem em seu combate, buscando sempre conjugar três fatores decisivos e axiais de toda perspectiva marxista e libertária, como costuma sublinhar Michael Löwy: Luta de classes, Internacionalismo e Revolução. Foi assim que se deu um substancioso salto de qualidade, na luta de Trabalhadores e Trabalhadoras: a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT, também conhecida como a I Internacional), em 1864. Tratava-se de uma organização plural, composta por diferentes correntes de trabalhadores, em especial por Marxistas e Anarquistas. Encontros que se sucederam à fundação  da AIT, tendo como característica fundamental a pluralidade de correntes, com destaque para Marxistas e Anarquistas. Mantiveram-se também algumas rusgas, alternadas com momentos de cooperação solidária. Em um desses encontros – que se realizou na Suiça (Basiléia), na segunda metade da década de 1860, ficou célebre uma votação em que os Anarquistas foram amplamente favorecidos, suscitando a ira e nova dissidência dos Marxistas. Estes trataram de organizar, em uma de suas seções, do qual resultou a expulsão dos Anarquistas, os quais, não aceitando o fato, decidiram ignorar a expulsão, reivindicando seu direito de protagonizarem a continuidade da AIT.

Não obstante tal dissidência, importa realçar novo encontro de Marxistas e Anarquistas, desta vez, na participação conjunta como Comissários da Comuna de Paris, um processo revolucionário dos mais relevantes da história contemporânea.

Um outro episódio sublinhado na fala de Michael Löwy tem a ver com um documento resultante da fundação, pelos Marxistas alemães, do Partido Social-Democrático Alemão, em que se defendia, contra o entendimento de Marx e Engels, a expressão “Volkstaat” (Estado popular), contundentemente criticada pelos Anarquistas, atribuindo-a injustificadamente a Marx. Tal episódio obrigou a Marx e a Engels a criticarem fortemente os dirigentes do Partido , por conta deste entendimento, pelo qual ele estava sendo injustamente cobrado pelos Anarquistas. Mais uma vez, fica clara a posição de Marx e Engels, quanto à figura do Estado, que, na nova Sociedade, precisa ser extinto.

A “Crítica do Programa de Gotha”, lembra Michael Löwy, constitui um escrito luminoso, de autoria de Marx, datado de 1875, do qual transparecem pontos fulcrais comuns a Marxistas e Libertários, dos quais vale a pena citar esta afirmação primorosa: “A emancipação da classe trabalhadora tem de ser obra dos próprios trabalhadores”. Acerca do Programa de Gotha, entretanto, de autoria de Marx, e diversos pontos conexos, inclusive cartas, há uma contribuição marcante de Michael Lowy, ao prefaciar esta obra, editada pela Boitempo (2012). Importa ainda, a esse respeito, mencionar a relevante contribuição de Michael Lowy e Oliver Besancenot em seu livro Afinidades  revolucionárias:nossas estrelas  vermelhas  e  negras  –  Por  uma solidariedade  entre  marxistas  e  libertários. São Paulo: Editora da UNESP.

Eis, pois, um breve resumo da memorável conferência da qual recolhi pontos que entendi mais relevante. Antes de concluir estas breves linhas, tenho três registros a fazer, por me parecerem pertinentes. Um primeiro registro refere-se a própria figura de Michael Lowy, sublinhando meu reconhecimento e minha gratidão pelo seu denso legado ético-político, tendo tido eu a oportunidade de tê-lo como Orientador (no período de 1987 a 1991, na Universidade de Paris-8), de minha tese sobre a contribuição política das CEBs, no Brasil, especialmente no Nordeste, durante os anos 80, pelo que lhe sou muito grato.

Um segundo registro dirige-se aos jovens do Meio Popular (do campo e da cidade) especialmente no Nordeste brasileiro, que durante décadas, vem constantemente sendo o alvo preferencial de minha interlocução, e destinatário de meus escritos (Cf. textosdealdercalado.blogspot.com), enquanto Sociólogo e Educador Popular.

Um terceiro registro tem por objetivo lembrar aos mesmos interlocutores e interlocutoras que, como havia antes prometido, este breve texto tem o objetivo de introduzir o instigante artigo de Ivonaldo Leite, acerca da contribuição dos Anarquistas à Educação Popular, no Brasil. Artigo entitulado “O insubmisso fio sócio-histórico autogestionário:  o lugar da educação popular libertária na história brasileirav” (Revista Espaço Acadêmico, n. 234, mai./jun. 2022) do qual passo a me ocupar, nos próximos dias.

 

João Pessoa, 17 de maio de 2022.