Iriam rir, pensou. Enviara duas fotos repetidas, com os mesmos buracos na mesma calçada. A terceira foto, que era da calçada para o outro lado da rua, estava titulada em espanhol. Era a calçada da Toca do Cajú. Melhor fazer e errar, do que não fazer.
É penosíssimo caminhar por muitas das calçadas de Tambaú, de fato. Melhor reclamar do que ficar calado. Afinal, sou eu quem pago. Somos nós que pagamos. Mas não é somente porque pagamos, que temos direito de caminhar por calçadas transitáveis. É porque somos humanos.
Lembrara do dia anterior, de muitos dias anteriores. Um livro de Comblin que folheara agora há pouco, na sala. Vocação para a liberdade. Buscamos algo que está além do nosso eu que se identifica com papéis sociais.
O eu profundo, que se identifica com Deus, que não pode ser definido com palavras. Que não se alcança com o discurso. O hinduísmo afirma que eu sou Aquilo, que cada um de nós é Deus, o Absoluto. Devemos ser. Há algo em nós que é ilimitado.
Não se restringe ao que somos superficialmente, ou de maneira aplicada. Posso ser professor, pintor, escritor, esposo, amigo, mas nada disso esgota o meu ser profundo. Nem o teu, não é só de mim que estou falando.
Lembrava dessas jornadas construindo a página do congresso da Terapia Comunitária. Cansaço. Mutirão. Ufa! Quase pronta. Juntando esforços, criatividade, contribuições. Via os rostos, as reuniões passadas e esta última. As colegas vindas de Recife, Olinda. Fazia sentido.
Lembranças dos tempos das ditaduras, brasileira e argentina. Os Kirchner, não digas esse nome. Francisco, o papa. A ida à rodoviária e a volta. A viagem próxima. Formigas. Lembrara de Dom Fragoso. Formigas. Trabalhos minúsculos, de grande impacto. Invisíveis.
Paulo Freire, na Pedagogia do oprimido. Ser no mundo, se ler no mundo. Respirava fundo. Era muito bom, é muito bom estar vivo. Mesmo que numa manhã de segunda-feira, não saibas muito bem o que fazer. Já estás fazendo isto, te comunicando, escrevendo. É alguma coisa.
Foto: Avenida Nossa Senhora dos Navegantes, esq. c/ rua Profa Maria Helena Meira Lima
Doutor em sociologia (USP). Terapeuta Comunitário. Escritor. Membro do MISC-PB Movimento Integrado de Saúde Comunitária da Paraíba. Autor de “Max Weber: ciência e valores” (São Paulo: Cortez Editora, 2001. Publicado em espanhol pela Editora Homo Sapiens. Buenos Aires, 2005), Mosaico (João Pessoa: Editora da UFPB, 2003), Resurrección, (2009). Vários dos meus livros estão disponíveis on line gratuitamente: https://consciencia.net/mis-libros-on-line-meus-livros/