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A indústria cultural também deveria estar no banco dos réus


Você tem alguma discordância com relação ao texto jornalístico abaixo, ou ele descreve corretamente o ambiente criado na véspera do julgamento? Leia com atenção:

O julgamento de Cesare Battisti pelo Supremo Tribunal Federal é desnecessário. Entre a insinuação mal disfarçada e a condenação explícita, a massa de reportagens e comentários lançados agora, sobre o italiano, contém uma evidência condenatória que equivale à dispensa dos magistrados e das leis a que devem servir os seus saberes.

Os trabalhos jornalísticos com esforço de equilíbrio estão em minoria quase comovente.

Na hipótese mais complacente com a imprensa, aí considerados também o rádio e a TV, o sentido e a massa de reportagens e comentários resulta em pressão forte, com duas direções.

Uma, sobre o Supremo. Sobre a liberdade dos magistrados de exercerem sua concepção de justiça, sem influências, inconscientes mesmo, de fatores externos ao julgamento, qualquer que seja.

Essa é a condição que os regimes autoritários negam aos magistrados e a democracia lhes oferece.

Dicotomia que permite pesar e medir o quanto há de apego à democracia em determinados modos de tratar o julgamento de Battisti e até o papel da defesa.

O outro rumo da pressão é, claro, a opinião pública que se forma sob as influências do que lhe ofereçam os meios de comunicação.

Se há indução de animosidade contra o réu, na hora de um julgamento, a resposta prevista só pode ser a expectativa de condenação e, no resultado alternativo, decepção exaltada.

Não, a análise é impecável: a grande imprensa condenou explicitamente Battisti, com uma massa de reportagens e comentários tendenciosos ao extremo, culminando nos editoriais dos jornalões que, no dia mesmo do julgamento, pressionaram escandalosamente os ministros do STF a fazerem a vontade de Berlusconi. As revistas Época e IstoÉ, com seu esforço de equilíbrio, ficaram em minoria quase comovente.

Só que, na verdade, a citação não se refere ao julgamento de Battisti, mas sim ao do  mensalão: é o início do artigo de Jânio de Freitas na Folha de S. Paulo desta 3ª feira, 31 (veja a íntegra aqui), com umas poucas adequações .

Tais rolos compressores midiáticos –o do Caso Battisti, o do julgamento do  mensalão  e tantos outros– comprovam o acerto da previsão de Herbert Marcuse e da Escola de Frankfurt, feita meio século atrás:

  • a consolidação da indústria cultural desfigurou mesmo a democracia, esvaziando-a em essência;
  • a indústria cultural está mesmo exercendo uma influência massacrante e intrinsecamente totalitária sobre seus públicos, ao apresentar os valores e interesses burgueses como os únicos razoáveis, e todos os enfoques alternativos como inconsequentes;
  • e o pior é que, ao atingir por meio da  persuasão  os resultados antes obtidos pela força, a indústria cultural consegue manter as aparências, de forma que suas vítimas têm atualmente dificuldade bem maior para perceberem a dominação que lhes é imposta e aquilatarem sua amplitude.

Por último: não me esquivarei do assunto da moda, embora o considere pra lá de superdimensionado.

O grande erro do PT foi o de, traindo seus compromissos e sua história, haver incidido nas práticas que antes execrava: comprou o apoio de parlamentares fisiológicos com recursos públicos, pois acreditou que só assim conseguiria ter seus projetos mais importantes aprovados no verdadeiro balcão de trocas em que se transformou o Congresso.

A queda dos anjos provocou orgasmos de júbilo naqueles que sempre foram demônios.

Então, tendo vindo à tona o  mensalão, a apuração dessas práticas corriqueiras da política crapulosa foi feita, desta vez, com empenho obsessivo, inaudito; nunca havia sido colocada tamanha profusão de holofotes sobre os muitos casos IDÊNTICOS denunciados, só que referentes aos partidos mais à direita.

Então, no que diz respeito a este processo em particular, a condenação procederá.

Mas, vai implicar o estupro de um princípio fundamental das democracias: a igualdade de todos perante a lei.

Pois, pelos mesmíssimos motivos, todos os outros partidos que presidiram o Brasil desde a redemocratização deveriam ser também condenados.

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As causas LGBT, a intolerância, o capitalismo e a revolução

Estive neste sábado (9) num ato-debate sobre casamento civil igualitário que teve lugar num hotel do centro velho de SP, reunindo porta-vozes das causas LGBT, o deputado federal Jean Wyllys, o deputado estadual Carlos Giannazi e o presidente do diretório paulistano do PSOL, Maurício Costa.

No final, para minha surpresa, Giannazi se referiu a Wylly como o  ovo da serpente  (relativamente aos interesses por ela representados) que a TV Globo incubou no seu detestável  reality show  Big Brother Brasil: “Não sabiam quem estavam promovendo”…

A ficha me caiu: sim, eu lembrava vagamente de sua participação no BBB, por haver sido, vez por outra, obrigado a assistir ao programa quando visitava parentes. Mas, minha aversão pelo BBB sempre foi profunda, daí nunca ter fixado aquelas figuras geralmente patéticas que a Globo pinça para transformar em fugazes Cinderelas.

[Afora as óbvias restrições ideológicas que faço ao BBB e à Globo, há outro aspecto envolvido: tenho grande apreço pelos –e enorme saudade dos– ídolos artísticos que abriam seu caminho à base da raça e do talento, como os da MPB dos anos 60 e os roqueiros das chamadas três primeiras gerações do rock. Aproveitando uma brecha histórica, eles conseguiram impor-se à indústria cultural, que teve de os engolir. Depois, o sistema readquiriu o controle e voltou a impingir cascalhos como pedras preciosas a bel-prazer, afirmando seu poder de eleger quem se tornará celebridade  graças tão-somente a produção e holofotes, enquanto condena muitos diamantes brutos a nunca virarem brilhantes.]

Menos mau que, dentre duas centenas de sapos tocados pela vara de condão global, um haja se revelado príncipe.

Wyllys é autor da proposta de emenda constitucional que equipara o casamento homossexual ao heterossexual. [Uma bela frase que encontrei num blogue de cinema: “O casamento é um direito dos humanos, não um privilégio dos heterossexuais”.]

Ele, Giannazi e Costa defenderam convincentemente a bandeira. Falaram também uns 20 representantes de coletivos e/ou expoentes LGBT.

O mestre de cerimônias não sentiu-se obrigado a respeitar a ordem de inscrição das intervenções individuais: primeiro da lista, fui preterido. Houve, claro, profusão de  mais do mesmo  e ninguém tocou nos pontos que eu abordaria.

Eu teria falado em nome da geração 68, meu grande referencial até hoje.

Lembraria que foi quando todos os  outsiders  marchamos juntos, braços dados ou não, irmanados na rejeição à ditadura militar e à própria ordem burguesa que ela representava, tabus sexuais inclusos.

Que sofremos terrível derrota e, nas décadas seguintes, a mágica união se desfez e cada grupo passou a perseguir seus objetivos por si, com maior ou menor êxito.

Que há, sim, mais tolerância à diversidade atualmente; e também muitos objetivos ainda por conquistar.

Mas, que nenhuma conquista será definitiva enquanto não mudarmos as relações de poder na sociedade.

A tortura é proibida, mas o pau canta adoidado em nossas delegacias e presídios.

Turbas lincharem cidadãos às escâncaras é impensável, mas isto ocorre amiúde na mesma Avenida Paulista que é palco neste domingo da Parada de Orgulho LGBT.

A presença de tropas de choque num campus é aberração característica dos tempos nefandos de Hitler e Médici, mas voltou a existir na principal universidade brasileira.

Nosso país não extradita perseguidos políticos, mas tivemos de suar sangue para evitar a extradição de Cesare Battisti.

Salta aos olhos que os nostálgicos da ditadura militar e seus pupilos tramam o retrocesso, testando com seus balões de ensaio (barbárie no Pinheirinho, blitzkrieg na Cracolândia, tropas de elite  nos morros cariocas…) a resistência da sociedade ao totalitarismo.

Então, é preciso termos clareza quanto ao verdadeiro inimigo.

Sofremos todos as consequências de uma ordem econômica e social alicerçada na ganância e no estímulo à diferenciação, que permanentemente coloca as pessoas umas contra as outras, em competição tão inútil quanto insana e canibalesca:  o inimigo são os outros, o  inferno são os outros.

E existem os que nos propomos a direcionar os frutos do trabalho humano para o bem comum, somando forças e coordenando esforços para todos termos o necessário para uma existência digna e a podermos desfrutar plenamente, em comunhão com a coletividade e em harmonia com a natureza.

A intolerância, com seus avanços e retrocessos, perdurará enquanto existir o capitalismo.

A tolerância só se consolidará irreversivelmente quando cada ser humano tiver nos outros seres humanos seus parceiros e irmãos, não mais seus adversários.

Daí a importância das tentativas que fazemos de reatar os fios da revolução, voltando a unir as tendências e vertentes que estavam juntas em 1968 e precisam juntar-se de novo para a edificação de uma sociedade na qual  nunca mais viceje a cultura do ódio.

Isto eu gostaria de haver dito. E estarei sempre pronto para dizer aos que quiserem ouvir algo além da reiteração daquilo que já é ponto pacífico.

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Rescaldo de um atentado debilóide

O filósofo Vladimir Safatle continua sendo responsável por alguns dos fugazes lampejos de vida inteligente que ainda encontram brecha no  inferno pamonha engendrado pela indústria cultural.

 

No artigo Um fantasma na Europa, ele disseca o atentado norueguês com base nas leituras que Theodor Adorno e Max Horkheimer fizeram do totalitarismo contemporâneo, acertando na mosca:

…o fascismo conseguira se colocar como um modelo de forma de vida. No caso, uma forma de vida constituída através da transformação de comportamentos patológicos em norma social, de temáticas que normalmente aparecem em delírios paranoicos no conteúdo de discursos políticos tacitamente aceitos.

 

Assim, delírios de perseguição se normalizavam por meio da crença de que um elemento estranho estava infectando a bela totalidade de nosso corpo social. Elemento que destruiria, com o beneplácito de cosmopolitas ingênuos, nosso caráter nacional naquilo que ele teria de mais especial.

 

Força e disciplina eram convocadas para restaurar esse corpo quase moribundo separado de seu solo, mesmo que tal solo seja hoje uma fazenda de produtos orgânicos.

 

Por sua vez, delírios de grandeza animavam discursos que pregavam a amplidão redentora da nação. A identidade era, assim, elevada à condição de sistema defensivo ameaçado, e, por isso, compulsivamente afirmado.

 

Não por acaso, palavras como ‘limite’, ‘fronteira’, ‘território’ tornavam-se os significantes centrais do discurso político. A defesa da identidade se tornava uma patologia.

Lembrar isso, após o massacre em que um norueguês islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita matou dezenas de jovens do Partido Trabalhista, é só uma forma de insistir como alguns não aprendem nada com a história.

Tal como o direitista americano que, meses atrás, atirou contra uma deputada democrata em Tucson contrária a leis mais duras contra a imigração, o que temos aqui é simplesmente alguém que quer realizar tal forma de vida fascista com as próprias mãos.

Eles não querem esperar os partidos xenófobos ganharem para ‘eliminar’ os imigrantes. Preferem passar ao ato, literalizando o discurso que ouvem todos os dias.

Vou além: a tralha que a indústria cultural despeja nas telinhas e telonas, pura lavagem cerebral, martela o tempo todo a noção de que a ameaça aos  bons, aos  normais e saudáveis, são os  maus, os  aberrantesdoentios que vêm ameaçar o status quo, principalmente o  terrorista e o  serial killer.

 

Enquanto o capitalismo solapa as próprias bases da existência humana, suas patéticas vítimas são tangidas a  sentirem a sociedade como um  bem a ser preservado das investidas de vilãos mefistofélicos que vêm de fora para a destruir, com o apoio de alguns traidores de dentro.

 

Então, não há motivo para estranharmos que o debilóide norueguês tenha levado às últimas consequências  aquilo que vem sendo plantado na sua cabeça dodói desde criancinha — é, p. ex., o que se vê na série Harry Potter, o mundinho paradisíaco da escola de bruxaria ameaçado pelo caos que um Bin Laden de nariz achatado personifica.

 

A escola destruída no episódio (por enquanto…) final não se confunde, no imaginário dos videotas, com as lembranças traumáticas do WTC posto abaixo?

 

anulação do diferente é a mensagem que os meios propagam sem parar, tangendo as pessoas à defesa obsessiva de um status quo que, ele sim, é a verdadeira ameaça à paz, à felicidade e à própria sobrevivência da espécie humana; e  imunizando-as contra o antídoto oferecido pelos que, via transformação da sociedade, as tentam salvar.

Nenês viram atração de reality show

Uma estadunidense da California deu à luz oito nenês em janeiro. Acaba de autorizar a participação da filharada num reality show.
Além dos gêmeos, atuarão também os demais rebentos da fulana: seis, todos com idade inferior a nove anos.

A justiça foi acionada. Por incrível que pareça, não defendeu a privacidade dos 14 menores, nem mandou prender quem transforma criancinhas em fonte de renda. Apenas indicou um guardião para zelar pelos interesses financeiros dos óctuplos.

Que efeito terá sobre eles essa exposição tão precoce à repulsiva bisbilhotice da indústria cultural?

Não preciso de nenhuma bola de cristal para antecipar: o pior possível.

Estarão dia e noite expostos como curiosidades num aquário.

Não vão criar laços normais e sadios com as outras crianças.

Serão levados a crer que se tratam de pessoas especiais, diferentes, únicas.

Como consequência, tendem a tornar-se adultos encruados, malresolvidos, como Michael Jackson.

Se o Sérgio Porto estivesse vivo, certamente encontraria uma definição mais acachapante ainda para a TV. Máquina de fazer doido é pouco.

Se o Paulo Francis estivesse vivo, provavelmente concluiria que, além de pamonha, o inferno agora é também monstruoso, de tão desumano que ficou.

Quanto mais se acentua a decadência capitalista, mais a indústria cultural cumpre o papel de emporcalhar tudo que há de belo e digno na existência humana. Nem as crianças respeita mais.

Faz-me lembrar o declínio do Império Romano. Sociedades que conseguem impedir a revolução necessária, como Roma fez com a revolta dos gladiadores, condenam-se ao lento apodrecimento.

Ao invés de avançarem para um estágio superior de civilização, desintegram-se, perdendo todas as suas referências — inclusive as morais. E acabam preparando o advento da barbárie.

É para onde nos conduzem os malditos inutilities shows.

Fonte: BBC Brasil.