Arquivo da tag: indígenas

Toda a era Bolsonaro é desumana: Como pôde ter vez, em quatro anos?

Genocídio Yanomami é a expressão

Do que é a essência neofacista

 

Como pôde tanta gente apoiá-lo?

Garimpeiros em terras yanomami

 

Garimpeiros aos milhares invadem terra

Um exército do mal a ser banido

 

Desta rede ignóbil de fascistas

Fazem parte “cristãos”contra o Evangelho

 

Muita gente instruída – até “cristãos”

Apoiaram Bolsonaro e suas tropas

 

Deste 8 de Janeiro a culminância

Não se devem olvidar seus precedentes

 

Numerosos sinais nos foram expostos

Da barbárie infligida ao Brasil

 

Dos ataques aos Índios e Quilombolas

Às mulheres e aos homossexuais

 

Um desmonte completo contra o povo

No Trabalho, também da Previdência

 

Sobretudo o Trabalho ”intermitente”

Denuncia o caráter das “reformas”

 

O descaso com o SUS, na pandemia

Implicou vasto números de óbitos

 

O orçamento secreto é um ultraje

Contra o nosso tesouro nacional

 

Os ataques em série de Bolsonaro

Têm apoio de altos generais

 

O direito à História prevalece:

Golpe é golpe, não é democracia

 

Petrobras é riqueza da nação

É urgente combater privataria

https://www.youtube.com/watch?v=WwFIdYzBpbw

 

Caldeirão e Canudos nos ensinam

A jamais desistir de nossas lutas

https://www.youtube.com/watch?v=k1FGhelqkjI

 

Formação popular continuada

Nos ajuda a manter a militância

 

Infeliz quem confia em banqueiros

Pelos frutos se conhece seu trabalho…

https://jornalggn.com.br/coluna-economica/as-licoes-do-golpe-da-americanas-por-luis-nassif/

 

Capital se diz técnico, e apolítico

Vira e mexe, os seus feitos vêm à tona

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-01/banco-central-corrige-dados-cambiais-e-pais-fecha-2022-no-negativo

 

Israel volta à cena do terror

Palestinos seguem sendo as grandes vítimas

https://www.brasil247.com/mundo/acao-genocida-representacao-da-diaspora-palestina-no-brasil-repudia-ataque-israelense-em-jenin

 

João Pessoa, 30 de janeiro de 2023

10 mensagens dos povos indígenas do Brasil para o mundo

Em Brasília, indígenas iluminam nesta terça (25) a Praça dos Três Poderes em apoio ao STF e contra o marco temporal. Imagem: APIB

Do Instituto Humanitas Unisinos

No dia em que o STF retomou o julgamento que pode definir o futuro dos povos indígenas, ecoa uma mensagem para o mundo. A mensagem foi publicada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil  (Abip), na quarta-feira (25).

Nesta quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento do caso Xokleng, que debate a tese do marco temporal. O que está nas mãos dos 11 ministros e ministras do STF é o futuro da demarcação das terras indígenas no Brasil.

Para reforçar a importância deste julgamento e mostrar como os povos indígenas se relacionam com suas terras, a Apib preparou esta lista com 10 mensagens dos povos indígenas do Brasil para o mundo todo:

1) A história dos povos indígenas do Brasil não começa em 1500, nem em 1988

Os povos originários chegaram a esta terra antes mesmo de essa noção de tempo ser inventada. Nós somos herdeiros dos primeiros pés que pisaram nessa terra, e nosso tempo não pode ser medido ou determinado por relógios e calendários que tentam ignorar nossa trajetória ancestral.

2) Nossas terras são nossas vidas, não fonte de lucro

Diferente da forma como os latifundiários, grileiros e exploradores lidam com a terra que eles usurparam e destruíram, nós, povos indígenas, temos uma relação profunda, espiritual e ancestral com nossa terra. Sem terra não há vida, para nós. Nós não exploramos nosso território para lucrar, mas para nos alimentar, manter nossa cultura e preservar nossas tradições e espiritualidade.

3) Nós guardamos as florestas e isso faz bem para todo mundo

Os povos indígenas foram reconhecidos em mais de uma ocasião como os melhores guardiões das florestas. Nossos territórios são preservados. Onde há terra indígena, a floresta permanece em pé, a água pura, a fauna viva. E isso beneficia todo o mundo, principalmente quando as crises climática e ambiental ameaçam a própria sobrevivência da humanidade.

4) Nossa diversidade e nossa ancestralidade nos unem

Os inimigos dos povos indígenas tentam a todo custo construir rupturas e oposições artificiais entre nós. Eles não sabem, no entanto, que nossa ancestralidade é mais forte e mais potente do que qualquer divisão que eles possam tentar nos impor.

5) A maior parte das terras está nas mãos dos latifundiários – e eles as estão destruindo!

O argumento de que existe “muita terra para pouco índio” já se mostrou falacioso mais de uma vez. Na verdade, a maior parte das terras no Brasil já é dedicada à agricultura. Uma parcela reduzida é de terras indígenas, mas as que foram homologadas estão bem preservadas!

6) Nossa luta também é pelo futuro da humanidade

Nós povos indígenas temos uma cultura de alteridade e acolhimento. Nossa luta por nossas terras é também pela preservação ambiental. Temos plena consciência de nosso papel de protetores das florestas e da biodiversidade e estamos dispostos a compartilhar nossos conhecimentos para o bem de todos.

7) Nós indígenas lutamos por nossas vidas há 521, e isso é sinal de que algo está muito errado

Desde que nossas terras foram invadidas, temos de lutar diariamente por sobreviver: às doenças trazidas de fora – como o Covid-19, que matou mais de 1,1 mil parentes, contra o genocídio, contra os ataques. Ainda hoje temos de lutar por nossas vidas, e isso quer dizer que para muita gente, nossas vidas não importam. Isso precisa acabar imediatamente!

8) Nós temos um projeto de mundo e queremos ser ouvidos!

Nós acumulamos tecnologias de produção milenares e isso nos dá condições de pensar um projeto de sociedade sem desigualdades, baseada no bem-viver, no cuidado com a terra e na livre convivência entre os povos. Nosso projeto garante alimento sem veneno, produz sem devastar. E o mundo precisa de um projeto como esse para nos salvar da destruição!

9) Nós estamos aqui e aqui permaneceremos

Sobrevivemos ao ataque colonial, sobrevivemos ao genocídio, sobrevivemos às doenças. Nosso povo é resiliente, e mesmo nas piores condições, soubemos nos proteger e seguir vivos. Permaneceremos vivos e lutando por nossos direitos, e esperamos que cada vez mais o mundo compreenda que nossas vidas importam, e que os povos indígenas querem e precisam e demandam uma vida plena e em paz!

10) O Brasil é terra indígena! A Mãe do Brasil é indígena!

Há 521 anos tentam apagar a ancestralidade indígena desta terra que chamaram de Brasil. Nós pisamos nesse chão antes de todos. Nós cuidamos desse chão, nós moldamos essas florestas, nós cultuamos a ancestralidade milenar desse território. E por mais que tentem esconder, nunca conseguirão, pois somos muitos, e somos fortes e temos orgulho de nossa história!

“O discurso do governo hoje é acabar com a população indígena”. Entrevista com Rosimere Teles, da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira

Os povos indígenas são provavelmente o coletivo que mais tem enfrentado de forma mais clara e direta as políticas do atual governo brasileiro. Em diferentes níveis os povos originários estão dando passos que os levem a garantir os direitos recolhidos na Constituição de 1988, principalmente o território. Nesse contexto, vai acontecer em Brasília de 9 a 13 de agosto, a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, que espera reunir umas duas mil mulheres indígena de todo o Brasil, em volta da temática, “Território: nosso corpo, nosso espírito”.

A entrevista é de Luis Miguel Modino.

Uma das participantes dessa marcha será Rosimere Maria Vieira Teles, que faz parte da coordenação da Rede das Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas – Makira-Êta, e da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – UMIAB. Ela afirma que “o discurso do governo hoje é acabar com a população indígena”, algo que se sustenta nos constantes ataques de um governo ao serviço do capitalismo que mata.

Ela destaca a importância de cuidar da Mãe Natureza e, a menos de dois meses do Sínodo para a Amazônia, destaca a importância do processo de escuta, que a Igreja tenha ouvido os povos indígenas. A líder indígena enfatiza que “a Igreja precisa também colocar nas suas discussões a importância da floresta, do meio ambiente, das mudanças climáticas”, destacando a importância disso ser trabalhado nas igrejas. Tudo isso tendo como base o fato de que “o grande bem comum que Deus nos deixou é a vida, e a vida depende do que a gente cuida”.

Eis a entrevista.

Qual é a motivação da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas?

Nós estamos pensando nessa Marcha das Mulheres Indígenas desde há dois anos atrás, quando a gente começou a perceber e sentir a mudança das ações políticas no contexto nacional, quando se discutia nas campanhas políticas, nas candidaturas, a gente percebeu isso muito claro. Isso nos levou a pensar que nós, mulheres indígenas, apesar de participar das grandes mobilizações anuais, junto com o ATL(Acampamento Terra Livre), que também nós pudéssemos estar levantando a bandeira da luta dos povos indígenas, e em específico das mulheres indígenas.

Todos os direitos que estão sendo atingidos por essa política atual do Brasil, ela afeta diretamente a nossas famílias. Quem está na família sentindo as coisas acontecer, somos nós mulheres. Tudo isso nos trouxe a pensar que estaríamos levantando essa bandeira com o nome de Marcha das Mulheres Indígenas, a gente tem muita coisa a discutir. No ATL deste ano, na plenária das mulheres indígenas, a gente escolheu a temática, “Território: nosso corpo, nosso espírito”. Aproveitando a oportunidade do Dia Internacional dos Povos Indígenas, que acontece todo ano, 9 de agosto, e juntando com a Marcha das Margaridas, nós queremos fortalecer a luta das mulheres indígenas junto com as mulheres do Brasil, de todos os movimentos sociais que gritam pela justiça.

Como se sentem as mulheres indígenas diante das políticas do atual governo em relação aos povos indígenas?

Eu tenho poucas palavras para resumir, nós estamos sendo engolidos pelo governo, tudo o que a gente alcançou, tudo o que a gente idealizou a partir da Constituição de 88, onde a própria Constituição nos garante nossos direitos dentro dos nossos territórios. O discurso do governo hoje é acabar com a população indígena. Quando nega o território, quando não se importa com a exploração mineral ou de riquezas naturais, água, dentro dos territórios indígenas, sem nenhuma preocupação de pensar primeiro em como as políticas vão ser desenvolvidas, em ouvir as populações indígenas.

Não adianta chegar nas capitais, nas sedes dos municípios, entrevista a um, e esse um faz mídia dizendo que quer mineração, que quer garimpo, que quer trabalhar com extração de madeira, com outros recursos naturais que temos. Isso nos demostra que o governo está induzindo o Congresso Nacional e alguns políticos favoráveis. Nós, mulheres indígenas, estamos percebendo que o Brasil está sendo guiado de uma forma pensando na parte econômica, sem se preocupar com a questão social e as diferentes culturas dos povos indígenas. Porque os povos indígenas vem sofrendo essa exploração do próprio governo, esse abuso de poder dos governos ao longo dos 519 anos, desde a chegada dos colonizadores.

Nós estamos acompanhando a mídia, ele falando claramente o que ele prometeu na campanha e o que ele está fazendo. E isso nos preocupa muito, o Brasil vai acabar com os povos indígenas em poucos messes, e já está acabando, usando os próprios índios para facilitar o trabalho dele, e isso é o pior. A gente não aceita o próprio governo massacrar o povo brasileiro, as pessoas carentes, as pessoas humildes, e preferentemente os povos indígenas. Hoje a gente entende um pouco de lei, temos nossos parentes que entendem dessa parte jurídica, nós estamos na luta há décadas, vimos nossos direitos sendo garantidos na Constituição de 88, estamos vendo aqui esses mesmos direitos sendo derrotados, sendo desvalorizados por esse governo que está no poder, que se o povo brasileiro deixar, vai passar os quatro anos acabando com a vida de todo mundo.

A gente vê que a luta dos povos indígenas é uma das lutas mais organizadas, fortes e constantes contra o governo. De fato, essa luta está dando pequenos frutos, como as conquistas alcançadas pelos povos indígenas durante o ATL sobre a saúde ou a não transferência da demarcação dos territórios indígenas para o Ministério de Agricultura, após a resolução do Supremo Tribunal Federal. O que significam essas lutas, essas pequenas vitórias para os povos indígenas?

Como nossa bandeira de luta desde o ano passado, nós colocamos em nossas pautas de discussão, seja em nível local, seja em nível estadual, regional ou nacional, que nós não cansaremos em defender a importância dos territórios para nós povos indígenas, porque enquanto o governo só se preocupa em extrair riquezas de uma forma irresponsável, nós, povos indígenas, a gente convive há décadas, há milênios, em harmonia. Nós dependemos da água, da terra, do solo, da matéria prima, da fauna, da flora, das riquezas naturais. Hoje é necessário, a gente quer participar das políticas públicas de uma forma organizada. Quando o governo pensa em extrair um minério nas terras indígenas, de que forma vai ser investido na educação na minha comunidade, de que forma a saúde vai chegar? O que é saúde, é formação do agente de saúde ou são os nossos filhos indo estudar em faculdades de medicina para a gente ter médico?

A gente não quer dinheiro para luxar, a gente não quer pensar só para hoje, porque se nós pensássemos para cobrir as necessidades de hoje, todos nós do movimento indígena, a gente estaria gritando que na nossa região todos queremos mineração. Porque eu estou sem dinheiro, minha família não tem nada, eu também quero cinquenta mil reais na minha conta. É assim que a gente vai trabalhar? O movimento indígena não pensa assim, o movimento indígena quer bem estar coletivo, a nossa luta do movimento indígena, nossa fala de mulheres indígenas, a minha visão de mulher indígena. Enquanto estou na frente para defender os direitos da população indígena, principalmente das mulheres, a nossa fala é assim, mãe não se vende, mãe se cuida, a Mãe Natureza está no território.

Tudo o que tem no território nos pertence, e esse nosso pertencer, a gente cuida. Mas quem ganha com isso? É a sociedade. Pelo fato de nós estar cuidando da floresta, não destruindo tudo, hoje ainda cai chuva para molhar minha plantação, hoje ainda nós bebemos água. Se a gente for tirar todas as nossas riquezas naturais e minerais, quanto tempo nós vamos beber a água, quanto tempo nós vamos respirar? Podemos ficar ricos, mas sem saúde, com coisa que não presta. Essa é nossa bandeira de luta, vai nascer ainda um governo que vai pensar do jeito que eu estou falando, que vai investir na população. Do jeito que hoje estão as coisas, não tem como índio aceitar. O índio que está pegando o microfone, apoiando o projeto do governo hoje, é porque é pior do que o presidente.

A senhora já falou sobre o tema da Marcha das Mulheres Indígenas. O que significa o território para os povos indígenas?

É o que acabei de falar, porque ao longo da nossa existência, para nós não tem limite. No território a gente tem água, matéria prima para nossa vida do dia-a-dia, nossa madeira para construção das casas, tudo depende da existência de um território. São espaços onde cada povo anda, nós como indígenas entendemos até onde vai o limite da minha casa, da minha pescaria, daqui para lá já é de outro povo, a gente respeita. Se a gente vai entrar no território de outro povo, a gente pede o consentimento, é assim que foi e assim que é. Para nós o território é muito importante, faz parte da nossa vida. Por que é o nosso corpo? Por ele fazer parte da nossa vida, sem o território a gente não existe. A gente vê o território como nosso espírito porque nós, povos indígenas, acreditamos que todo ser tem vida, o lago, o rio, as árvores, existem porque têm vida.

Toda a natureza, ela tem vida, a gente acredita na existência dos encantados, que nossos olhos não vê atualmente, mas na história passada, nossos antepassados, eles viam. As árvores, os animais, falavam, tudo isso a gente acredita, plantas medicinais que a natureza nos oferece. Ela é nosso espírito, ela nos ilumina, tudo o que a gente acredita, ela se transforma para nós, aquilo que a gente valoriza e que ela vai dar a força da nossa identidade. Eu, hoje, mulher indígena, não sei quase de nada, mas meu pai sabe, minha mãe sabe, o que eles sabem, eles me repassam. Assim a gente vai aprendendo, vivendo, acreditando, fazendo nossa história e garantindo a nossa identidade. Para nós é importante isso, tem um significado.

Por isso as mulheres, principalmente nesses dias em que teve a retomada de uns territórios indígenas, as crianças chorando, quem está sofrendo, por conta de quem estão sofrendo? Por conta de um pedaço de chão, que os antepassados moravam aí. Quem acaba sofrendo são as crianças, as mulheres, isso é muito triste. Diante de tudo isso que nós abraçamos, o território representa nosso corpo, representa nosso espírito. Sem ele a gente não vive, a gente vai parar de respirar, a gente não quer respirar o ar poluído, a gente quer respirar um ar saudável, quer viver. A gente não quer acabar que nem o peixe dentro d’água envenenada, a gente não quer passar por isso.

Como se vivencia hoje essa dimensão espiritual entre os povos indígenas?

Eu tenho percebido que essa questão, ela está muito forte. Povos indígenas que uns anos atrás estavam um pouco mais afastados dessa parte espiritual, dessas crenças, eles estão retomando, e isso é muito importante para nós. Os jovens hoje, eles estão também estão tendo interesse, dentro das suas comunidades, de sentar e ouvir. A gente está perdendo muitos anciões sem repassar aos mais novos e a geração não dá continuidade por conta disso. Então os jovens estão buscando os anciões, as mulheres estão buscando as parteiras, conhecedoras de plantas medicinais.

Tudo isso é muito para nós que estamos à frente do movimento indígena, porque isso nos motiva mais para a gente continuar nessa caminhada. Eu como mulher indígena, eu deixo tudo, meus afazeres, eu sou artesã, eu trabalho na roça. Hoje eu moro em Manaus, mas isso eu faço, para poder ter dinheiro no final do mês, eu faço minha farinha e vendo, eu faço meu artesanato e vendo, no dia que eu não fizer, eu não vou ter nada. Quando eu vejo que os jovens estão animados, as meninas, as crianças estão participando, isso me motiva, mesmo eu não tendo remuneração.

Isso me motiva a continuar, eu tenho família lá no interior, lá nas comunidades indígenas, meus irmãos, meus sobrinhos, meus pais, que estão lá e precisam dessa luta, eles estão bem hoje porque alguém que eles nem conhecem, quem está na COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), quem está na APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), quem está na FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), quem está em outras organizações, sejam organizações de mulheres, sejam organizações gerais, lutando junto com seus parceiros, junto com seus aliados. Isso é que motiva, eu estar trabalhando no movimento indígena até hoje. Isso é importante, a valorização dos povos indígenas, dos jovens, das mulheres, a questão da espiritualidade, isso é muito importante. Os jovens estão aprendendo a ouvir mais os anciões, a respeitar mais os anciões, a gente está trabalhando essa parte, a importância de retomar a liderança dentro de suas comunidades.

Eles não sabem muito com as questões indígenas que a gente discute fora das aldeias, mas dentro das aldeias, eles dominam essa parte da espiritualidade, do conhecimento tradicional, de organização interna da sua aldeia, da sua comunidade, e isso é uma troca muito grande, isso é muito importante para nós.

Alguém que está se preocupando com os povos indígenas é o Papa Francisco, que tem convocado o Sínodo para a Amazônia, insistindo em prestar em especial atenção aos povos indígenas. Para vocês como indígenas, o que significa a figura do Papa Francisco?

Aos nove anos eu tive essa experiência de estudar em colégio interno, das freiras. A minha vida de infância e adolescência eu passei no internato. Eu aprendi muita coisa boa, além de aprender as coisas da Igreja, eu tive a educação formal, que na época estava na responsabilidade dos salesianos, lá na minha região. Então, eu sou católica, e posso dizer que o Sínodo, que é puxado através da Igreja e suas parcerias, eu tive essa oportunidade de participar aqui em Manaus. Eu sinto que a Igreja, ela precisa falar não só da parte da espiritualidade referente à Igreja. Dentro da Bíblia, tem uma passagem que diz assim, nem todo aquele que diz, Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, as pessoas tem que praticar as ações boas.

Igreja tem perguntado, além das questões da Igreja, o que ela precisa fazer mais, aí eu respondi, a Igreja precisa também colocar nas suas discussões a importância da floresta, do meio ambiente, das mudanças climáticas. Isso é importante, porque o que nos afeta diretamente no nosso dia é essa falta de informação que a sociedade não tem. O público alvo está nas Igrejas, para ouvir, porque tudo o que alguém diz dentro da Igreja, a maioria está atento para ouvir. É uma aula, é importante trabalhar isso nas igrejas, porque quem sofre com isso somos todos nós, aí não tem igreja. Todo mundo vai morrer, e o que nos leva para a morte precoce? Água, o ar que a gente respira, alimentaçãotudo envenenado. Tudo isso faz parte da educação, que não é dada nas escolas, a Igreja precisa pautar essas temáticas para seu público.

A Igreja não está errada quando ela vem nos consultar para ver o que nós podemos fazer para poder melhorar, para a sociedade viver melhor. Eu acho que cada um, contribuindo um pouquinho de cada coisa, a gente vai fazer com que as coisas melhorem. A gente não pensa só na questão financeira, não pensa só na questão da Igreja, a gente precisa de nos assumir essa responsabilidade para o bem comum, pois o grande bem comum que Deus nos deixou é a vida, e a vida depende do que a gente cuida. Se a gente cuidar da nossa floresta, a gente vai viver bem, vamos tomar uma água boa, nós vamos ter cabeceiras de rios limpos, a gente vai ter chuva para molhar nossas plantas e depois ter frutos, vamos ter peixes saudáveis dentro d’água, nós vamos ter matéria prima, uma economia mais sustentável.

Fonte: IHU – Unisinos

http://www.ihu.unisinos.br/591475-o-discurso-do-governo-hoje-e-acabar-com-a-populacao-indigena-entrevista-com-rosimere-teles-da-uniao-das-mulheres-indigenas-da-amazonia-brasileira

 

UNILA recebe primeira turma de indígenas aldeados, refugiados e portadores de visto humanitário

Grupo de guineenses chegou a Foz do Iguaçu em busca de formação universitária pública e gratuita. Foto: UNILA

Estudantes de 32 nacionalidades chegam a Foz do Iguaçu (PR) nos próximos dias para realizar a matrícula presencial na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

Neste ano, além de alunos da América Latina aprovados no Processo Seletivo Internacional, a Instituição recebe representantes de outros 12 países, incluindo países da África, Ásia e Europa, aprovados em duas novas modalidades de ingresso: a Seleção de Refugiados e Portadores de Visto Humanitário e a Seleção de Indígenas Aldeados. As matrículas dos alunos estrangeiros prosseguem até o dia 1º de março, e o ano letivo se inicia no dia 7.

Wayne Karter, nativo de Guiné-Bissau, é um dos calouros do curso de Ciências Biológicas da UNILA em 2019. Ele chegou a Foz do Iguaçu junto de mais três conterrâneos, todos em busca de uma formação universitária pública e gratuita. “Soubemos que a UNILA também é uma universidade com vocação internacional, de acesso universal e de qualidade”, relata Wayne, um dos aprovados no edital voltado a refugiados e portadores de visto humanitário.

No total, 24 estudantes devem ingressar na UNILA nesta modalidade. Além dos guineenses, a Universidade também vai receber representantes de Angola, Barbados, Benin, Congo, Gana, Haiti, Costa do Marfim, Paquistão, República Democrática do Congo, Rússia, Senegal, Síria e Venezuela.

Também de Guiné-Bissau, Valdir Marques Vieira matriculou-se no curso de Saúde Coletiva, com o sonho de ajudar o seu país de origem, onde, segundo ele, a saúde pública é problemática, assim como o ensino público, com falta de laboratórios e bibliotecas. “Escolhi o curso porque o profissional dessa área tem mais capacidade para sensibilizar e ajudar a população com prevenção e acesso à saúde”, diz o aluno, que já tem formação em técnico de enfermagem.

As matrículas dos alunos estrangeiros prosseguem até o dia 1º de março

Oportunidade também para indígenas aldeados

Outra nova modalidade de ingresso, também válida a partir deste primeiro semestre letivo de 2019, é destinada a estudantes oriundos de povos indígenas aldeados do Brasil e de outros nove países da América do Sul (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Uruguai, Venezuela, Paraguai, Equador e Peru). O primeiro indígena nessa condição a se matricular na UNILA, Ananias Fidelis Félix, pertence à tribo Tikuna. Ele optou pelo curso de Engenharia de Energia.

“Desde criança, quando estava no ensino médio, sonhei em entrar na Universidade. E escolhi o curso porque acredito que minha comunidade está precisando muito de engenheiros”, diz o discente, que conheceu a UNILA pela internet. Ananias fez um longo percurso até Foz do Iguaçu, saindo do Amazonas, onde residia na comunidade indígena Feijoal, localizada no município de Benjamin Constant. Os Tikuna habitam na tríplice fronteira entre o Brasil, o Peru e a Colômbia.

A Universidade instituiu uma comissão permanente para facilitação de acesso e acompanhamento dos novos estudantes indígenas, formada por servidores ligados a projetos que envolvem questões indígenas. O objetivo é contribuir para a ambientação dos novos estudantes na UNILA e na cidade de Foz do Iguaçu.

(Da assessoria de comunicação da UNILA)

“Medidas sobre demarcações indígenas são racistas”, diz relatora da ONU

Em entrevista à Deutsche Welle, relatora especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas critica a decisão de Bolsonaro de transferir atribuições à pasta da Agricultura. “É um retrocesso”, diz Victoria Tauli-Corpuz.

Em abril de 2018, protesto de indígenas em Brasília pediu respeito à demarcação de terras

A transferência da responsabilidade pela demarcação de terras indígenas e quilombolas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura é vista como um retrocesso pela relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz.

A decisão do presidente Jair Bolsonaro é parte de uma medida provisória publicada na quarta-feira (02/01), dia seguinte à posse. Pelo Twitter, o chefe de Estado defendeu que é preciso “integrar” os povos indígenas à sociedade brasileira e que “menos de um milhão de pessoas vivem nesses lugares isolados do Brasil, exploradas e manipuladas por ONGs”.

Em entrevista à DW, Tauli-Corpuz classificou as declarações do presidente de “racistas e discriminatórias” e alertou: “Entrar em territórios onde indígenas vivem em isolamento voluntário pode levar ao desaparecimento ou ao genocídio desses povos.”

Para a ativista filipina, tais ações representam um descumprimento de compromissos internacionais por parte do Brasil, o que pode comprometer inclusive o futuro da Floresta Amazônica. “A demarcação de terras indígenas que incluem florestas é uma das formas mais efetivas de salvar essas florestas e a biodiversidade remanescentes do planeta”, observou.

DW Brasil: Em 1º de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória que transfere a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura. Qual é a sua opinião sobre essa medida?

Victoria Tauli-Corpuz: Eu considero isso um retrocesso, já que o Ministério da Agricultura é a pasta que apoia a expansão de áreas de produção de safras agrícolas para exportação e para criação de gado. A transferência de competências anteriormente da Funai para um órgão que tem a função de expandir a agricultura, inclusive para territórios indígenas, terá o potencial de minar o mandato da Funai, que é o de proteger os direitos dos povos indígenas às suas terras e territórios. O que pode acontecer é que o mandato da Funai seja mudado e seus recursos e poderes sejam reduzidos de forma significativa, o que a tornará muita fraca em relação ao desempenho do seu papel de proteger os direitos dos povos indígenas.

Qual deve ser o impacto dessa medida para o futuro da Floresta Amazônica?

Victoria Tauli-Corpuz: Como a Amazônia está entre as áreas com potencial para a expansão agrícola, essa medida significará um aumento não só do desmatamento, mas também do deslocamento dos povos indígenas da Amazônia e das violações dos seus direitos. Isso também vai significar uma redução da capacidade de mitigação da Amazônia contra as mudanças climáticas.

Pelo Twitter, Jair Bolsonaro defendeu que é necessário “integrar” os povos indígenas à sociedade brasileira para permitir a exploração dos recursos naturais de territórios isolados por razões econômicas. O que pensa sobre essa declaração?

Victoria Tauli-Corpuz: Essa é uma declaração discriminatória e racista que não está em conformidade com as obrigações legais do Brasil segundo leis e padrões internacionais de direitos humanos. A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas afirmam categoricamente que os povos indígenas têm o direito de decidir se desejam ser integrados à sociedade dominante ou manter suas próprias culturas e identidades. O Brasil também aprovou as Diretrizes do Alto Comissariado da ONU para Povos Indígenas em Isolamento Voluntário, que estipulam o direito desses povos de permanecer isolados e não serem contatados. Entrar nos territórios onde os povos indígenas vivem em isolamento voluntário pode levar ao desaparecimento ou ao genocídio desses povos.

Durante a campanha presidencial, Bolsonaro afirmou que, se assumisse o poder, “índio não terá mais um centímetro de terra”. Como você vê a deterioração crescente dos direitos dos povos indígenas no Brasil?

Victoria Tauli-Corpuz: Novamente, pronunciamentos como esse violam os direitos dos povos indígenas. Eu seguramente espero que o presidente não faça isso.

Isso demonstra uma atitude discriminatória contra os indígenas?

Victoria Tauli-Corpuz: Os povos indígenas não têm direitos especiais. São direitos garantidos, precisamente, devido à história de marginalização, discriminação e colonização que eles sofreram. Não é nada especial. Estamos apenas fazendo o que é socialmente justo. Eu não compro o argumento de que os indígenas têm direitos especiais, afinal eles são os que sempre estiveram no território brasileiro. Portanto, eles devem ter a possibilidade de continuar a viver nas terras demarcadas e praticar suas culturas.

A tentativa é sempre colocar os indígenas numa posição inferior, e fazê-los esquecer quem eles são. Isso é moralmente inaceitável. Todas as pessoas devem ter seus direitos humanos respeitados. Por que indígenas deveriam ser privados de viver em suas tribos?

A raiz da tentativa de ruralistas de tomar as terras indígenas é o racismo e a discriminação. Pensar que indígenas não merecem continuar vivendo da forma que vivem e que devem ser incorporados na cultura dominante é negar reconhecer que esses povos sempre estiveram nesses territórios, têm suas próprias comunidades e deveriam continuar a existir lado a lado com o restante da população. A raiz do problema é o interesse das elites políticas no Brasil de tomar os recursos econômicos que ainda existem nos territórios indígenas. Isso tem gerado muita violência, é inaceitável e deve ser condenado.

Seu estudo publicado em julho do ano passado, “Encurralados por áreas protegidas”, mostra que os povos indígenas têm um papel fundamental na proteção das florestas e da biodiversidade no mundo. Qual é a importância da demarcação legal de terras indígenas?

Victoria Tauli-Corpuz: As pesquisas feitas nos últimos anos mostram que, quando as terras dos povos indígenas são demarcadas e os direitos deles a esses territórios são respeitados, a integridade das florestas e da biodiversidade é mantida com mais eficácia. A demarcação de terras indígenas que incluem florestas é uma das formas mais efetivas de salvar as florestas e a biodiversidade remanescentes do planeta. Respeitar e proteger o direito à terra, ao território e aos seus recursos é fundamental para atingir os objetivos das convenções globais em biodiversidade e mudança climática.

‘Em nosso Brasil, os povos indígenas continuam sendo flagelados e crucificados’

Durante a 54ª Assembleia Geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que ocorre entre os dias 6 e 15 de abril em Aparecida (SP), dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho (RO), fez um comunicado sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. “Em nosso Brasil, os povos indígenas continuam sendo flagelados e crucificados”, afirmou dom Roque.

No comunicado, o arcebispo afirma que a alegria trazida pela Constituição de 1988 durou pouco. “Os setores político econômicos anti-indígenas atuam fortemente no âmbito dos Três Poderes da República e pretendem implementar ações estruturantes e sistemáticas contra os povos”, diz o comunicado.

O informe aos bispos dá conta de que grupos ligados a interesses do agronegócio, das mineradoras e de empreiteiras buscam, por um lado, impedir o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionais atualmente invadidas, sob posse de não índios, e, por outro, “invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos”.

Citando os projetos legislativos que visam a retirar os direitos indígenas, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e o Projeto de Lei (PL) 1610, que permitiria a mineração em terras indígenas, e o clima de criminalização que impera no Poder Legislativo brasileiro, Dom Roque Paloschi considera que “é altamente preocupante o aumento de manifestações de preconceito, discriminação e ameaças aos povos”.

Em seu comunicado, dom Roque também alerta para as interpretações restritivas do artigo 231 da Constituição Federal feitas pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), as quais acabam por descaracterizar o dispositivo que garante aos povos indígenas a demarcação de seus territórios tradicionalmente ocupados, reduzindo sua efetividade apenas às terras sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988.

Tal interpretação já resultou na anulação de atos administrativos de demarcação de três terras indígenas: Guyraroká, do povo Guarani-Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso do Sul, e Porquinhos, do povo Canela-Apãniekra, no Maranhão.

“A 2ª. Turma do STF, especialmente na pessoa do Ministro Gilmar Mendes, também tem insistido em negar o direito fundamental de acesso à justiça aos povos indígenas, suas lideranças e comunidades”, destaca o comunicado de dom Roque. “Os povos, suas comunidades e suas organizações nunca foram intimados e não são parte em qualquer dos processos judiciais que resultaram na anulação de atos administrativos de demarcação das três terras indígenas acima citadas, mesmo tendo seus direitos frontalmente atingidos no âmbito desses processos”.

Dom Roque aponta ainda a “omissão como decisão de governo”, falando sobre a paralisação das demarcações de terras indígenas por parte do governo federal, e “o Retorno aos ‘anos de chumbo’”, afirmando que “os povos e seus aliados voltam a ser tratados da mesma forma que o eram nos chamados ‘anos de chumbo’ do período ditatorial”, com o aumento de perseguições, criminalizações, prisões, assassinatos e expulsões com uso de força bélica estatal e paraestatal.

O presidente do Cimi também informou aos bispos da CNBB sobre os processos de criminalização que os indígenas e seus aliados vem sofrendo, a exemplo do próprio Cimi, que tem sido mencionado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra e enfrenta uma CPI com a finalidade específica de criminalizar a entidade, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul (MS), e na qual o próprio dom Roque depôs na última terça-feira (13).

“As perseguições, as ameaças, os ataques que o Cimi e nossos missionários sofrem cotidianamente mostram que estamos trilhando o caminho certo, pois o próprio Senhor Jesus chamou de bem-aventurados ‘os que são perseguidos por causa da justiça’”, conclui dom Roque, que terminou seu comunicado lembrando aos bispos o recente pedido de perdão feito pelo Papa Francisco, em nome da Igreja Católica, aos povos indígenas em Chiapas, no México.

Fonte: CIMI
http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8661&action=read

Barbárie no sul da Bahia: Jagunços incendeiam 28 casas e espancam indígenas

Por Patrícia Bonilha, de Brasília, para o Cimi
Mais um episódio de extrema violência envolvendo a disputa de terras ocupadas pelo povo Tupinambá ocorreu na Bahia. Desta vez, a cena dos crimes foi o município de Itapebi, localizado no extremo sul do estado, há cerca de 600 km da capital Salvador. Na última sexta-feira (7 de março), por volta das 9h, dezoito jagunços – dentre eles dois ex-policiais – fortemente armados circularam a aldeia Encanto da Patioba, renderam três homens, duas mulheres e duas crianças, espancaram dois idosos e um casal, mataram animais domésticos e de criação, roubaram bens, ameaçaram estuprar uma das mulheres e incendiaram todas as 28 casas da aldeia.
“Foi um massacre. Queimaram tudo o que estava dentro das casas: roupa, comida, documentos, tudo. E o que não queimaram, eles roubaram: motosserra, rádio, fogão, celular, motor de farinheira (que gera energia) e um ralador. Mataram cachorro a facão. Atiraram nos perus. Acabaram com nossas galinhas, a gente tinha pra mais de 400 galinhas na comunidade toda. Destruíram nosso canavial. Cataram nossas roças, nossas abóboras. Não sobrou nada”, se indigna o cacique Astério Ferreira do Porto, de 63 anos.

Foto: Cimi

Mostrando as marcas da violência deixadas em seu próprio corpo, ele relata que foi jogado no chão e algemado pelos jagunços. Em seguida, apanhou muito, e de todo jeito: paulada, chute, pano de facão, “até de chapéu de couro… também xingaram muito a gente. Tudo pra gente entregar onde estavam as outras lideranças que eles estavam procurando”.
Ele conta que os jagunços chegaram de uma vez. A maior parte da comunidade conseguiu fugir para o mato porque foram avisados minutos antes que eles estavam “descendo pra aldeia”. “Seu” Astério, “seu” Preto, de 73 anos, Robinho, “dona” Eliete, 45 anos, e uma mulher, mãe de duas crianças (uma de cinco anos e outra de sete meses) não conseguiram correr a tempo.
Continuam o relato, afirmando que com armas apontadas para as suas cabeças, os jagunços portavam pistola 765, espingardas 44 e 12, rifle calibre 38, pistola 380, facão na cintura e até dois fuzis “que talvez sejam R15”. “Eram 18 jagunços e não tinha nenhum desarmado”, afirma Astério, ainda sentindo as fortes dores na perna esquerda, no dorso e na região abdominal.
Também com vários hematomas no corpo, principalmente nas costas e braços, Eliete de Jesus Queiroz relata que levou um tapa tão forte no ouvido esquerdo que quatro dias depois do atentado ainda sente tonturas e muita dor. “Eles chegaram a ameaçar que iam estuprar nós. Nossa sorte é que, depois que viram as crianças, eles pararam de bater em nós duas. Mas as crianças ficaram traumatizadas e logo depois o menino vomitou bastante”, relata. Seu Preto, considerado um ancião, e Robinho também foram vítimas da violência dos jagunços e pistoleiros.
Após usarem 25 litros de gasolina para incendiarem as 28 casas da Patioba, destruindo completamente a aldeia, os jagunços colocaram os indígenas à força dentro de seus carros e os dois ex-policiais os levaram para a delegacia de Itapebi porque – inacreditavelmente – queriam denunciá-los pelo porte de uma espingarda velha usada para caçar tatu, paca, gavião, “mas que nem prestar muito tava prestando mais, porque tava sem espoleta”, conta Astério.
Como o delegado não estava, foram levados para o município de Eunápolis. Mas o delegado local não quis recebê-los, pois se tratava de um fato da jurisdição de Itapebi, para onde voltaram e registraram um boletim de ocorrência, onde os indígenas aproveitaram e relataram toda a barbárie a que haviam sido submetidos. No entanto, absolutamente nada aconteceu com os jagunços. Como mencionado nesta matéria, dois deles são ex-policiais. Somente por volta das 19h, os Tupinambá foram liberados – dos jagunços e pela delegacia.
A Polícia Federal, de Porto Seguro, e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram informadas sobre as extremas violências e violações a que foram submetidos os Tupinambá, mas até o fechamento desta matéria ainda não tinham ido à aldeia da Patioba, segundo os indígenas.
Na segunda-feira (10), Eliete e Astério, após apresentarem denúncia no Ministério Público Federal (MPF), fizeram exame de corpo delito no Instituto Médico Legal (IML) de Brasília. Na terça, após atendimento médico em hospitais, fizeram a denúncia ao Ministério da Justiça e na manhã desta quarta-feira (12) denunciam a barbárie a que foram submetidos ao Procurador Geral da República (PGR), Rodrigo Janot. À tarde fazem o mesmo na Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
Não se trata de uma mera coincidência
Cabe aqui ressaltar que a reunião na PGR havia sido agendada antes deste atentado ter acontecido na aldeia Patioba. Solicitada por organizações indígenas e indigenistas, a proposta é justamente denunciar a crescente violência contra os povos indígenas em várias regiões do Brasil e associá-la a políticos da bancada ruralista que vêm incitando esta violência.
Em fevereiro, estas organizações entraram com uma representação na PGR contra os deputados federais Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) por terem feito afirmações, gravadas em vídeo e veiculadas amplamente nas redes sociais, carregadas de preconceitos e incentivos à violência como solução para os conflitos agrários com os indígenas.
Inimigos mais que conhecidos
“O que a gente percebe é que falta vontade mesmo do governo e da polícia de fazer justiça. Aqui, não precisa investigar nada. A gente sabe quem foi que fez isso com o nosso povo. Eles não se escondem. O próprio José Gastão falou pra gente a lista das pessoas que eles querem matar”, afirma José Moreira Campos, o Juquira, uma das lideranças indígenas ameaçadas de morte, que não estava na Patioba quando os jagunços chegaram.
De acordo com os depoimentos feitos pelos Tupinambá ao MPF e na PGR, os dois ex-policiais, que também são fazendeiros, Gilmar (cujo verdadeiro nome seria Teodomiro) e José Maciel estavam entre os jagunços e, inclusive, foram os que os levaram para as delegacias. Outros responsáveis pela barbárie apontados pelos indígenas aos órgãos federais são o fazendeiro Peba, Juarez da Silva Oliveira, ex vereador e candidato derrotado do PP à prefeitura de Itapebi na última eleição, e o gerente da fazenda Lombardia, José Gastão. Após a invasão e destruição da aldeia, de acordo com os Tupinambá, a grande maioria dos jagunços se encaminhou para a fazenda Condomínio. “Nós vimos eles entrando na fazenda”, afirma Astério.
Além de Juquira e Astério, outros cinco Tupinambá da aldeia Patioba estão ameaçados de morte: o cacique Roberto, o vice cacique Carlos, o ex cacique Jovenal, a liderança Adauto e Jefinho, filho de uma liderança. Juquira conta que eles precisam se retirar da aldeia de tempos em tempos e vivem sempre preocupados com a possibilidade de que as promessas de morte sejam cumpridas.
“Eles querem nos matar porque sabem que a gente não vai sair da terra que é nossa. Meu bisavô morreu aqui, meu avô morreu aqui, meu tio morreu aqui. Os parentes da Eliete morreram aqui. Só que a gente não tinha documento da terra. Índio não tinha mesmo documento da terra, mas nós não vamos negociar a nossa terra”, garante Astério.
A disputa pela terra
Segundo Astério, Juquira e Eliete, o governo federal e a Funai têm uma grande responsabilidade sobre as violências e violações contra os Tupinambá porque não fazem nada em relação à área reivindicada pelo povo como tradicional. “A Funai foi lá em 2005, 2006. Mas é só promessa. Daí, os fazendeiros vão se apossando de terra que é terra indígena e do Estado, vão nos ameaçando e nos matando. O ancião Salomão foi assassinado na Aldeia Patioba há cinco anos, e isso fez com que muitos de nós ficassem com medo e desistissem da terra”, rememora Astério.
Os três moravam desde 2002 na aldeia Vereme, mas tiveram que deixar a área por conta de uma reintegração de posse realizada em 2012. “Chegaram a usar até os sem terra contra a gente. Mas depois o fazendeiro da São Brás, mesmo dono da fazenda Lombardia, entrou com liminar contra eles também”, conta Juquira.
Após as 35 famílias saírem escoltadas da área pela Polícia Militar e pela Funai, parte da aldeia se dispersou. Apenas alguns foram para a aldeia Patioba, localizada há seis km de distância. A família de Astério e mais duas ficaram por seis meses dentro da sede da Funai e, posteriormente, foram encaminhadas pela própria Funai também para Patioba.
De acordo com Astério, o dono das fazendas São Brás e Lombardia se considera dono da área de três alqueires que os Tupinambá ocupam – tanto na extinta aldeia Vereme como na recém destruída Encanto da Patioba, que contava com 31 famílias. “Esta terra está, inclusive, penhorada há mais de 30 anos. Acho que pelo Banco do Brasil”, afirma o cacique.
Método antigo: a violência
O aumento da violência contra os povos indígenas na Bahia é evidente e remete aos tempos da ditadura e ao auge do coronelismo no estado, ocorrido nas décadas de 1970 e 1980.
Segundo os Tupinambá de Olivença, que moram na região de Buerarema e Ilhéus, desde o início deste ano, vários indígenas foram mortos. Três jovens morreram depois da implantação de uma base do Exército dentro da área já identificada como território tradicionalmente indígena em fevereiro. “Nós não queremos o Exército em nossa terra. Eles nos tratam como bandidos. O que precisa ser feito é a demarcação de nossa terra para que possamos viver em paz”, afirmou ontem a cacique Valdelice, da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, em reunião no Ministério da Justiça.
Na área da aldeia Patioba, o mais recente ataque havia ocorrido apenas há cerca de 15 dias, quando o carro de um dos indígenas deixado no porto em Itapebi foi incendiado.
Sem casa, suas roças e animais, móveis, roupas, comida e, muitos sem documento, desde o dia 7 de março, os parentes de “Seu” Astério, “dona” Eliete e Juquira dispersaram-se em Eunápolis. “Somos indígenas, mas agora estamos como indigentes”, concluiu com tristeza o cacique.
Apesar de viverem no estado onde os colonizadores portugueses chegaram há 514 anos e terem seu histórico, modo de vida e incontáveis processos de resistência registrados em extensa bibliografia, o povo Tupinambá não tem ainda terras homologadas na Bahia. “Até quando será assim?”, parecia a pergunta nos olhos pequenos e sofridos de “seu” Astério.