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A desumanidade é global sob o capitalismo

Fiquei chocado com esta notícia tão sucinta da Folha de S. Paulo deste domingo (22):

O governo espanhol aprovou anteontem uma lei que restringe o atendimento médico público a imigrantes ilegais, que terão acesso apenas aos serviços básicos: emergência, maternidade e atendimento médico infantil.

 Com a medida, o governo espera deixar de gastar € 500 mil neste ano. Desde 2000, o país não vive uma mudança tão radical na política sanitária, quando uma reforma na lei dava acesso às especialidades médicas somente aos imigrantes empregados.

Enquanto o jornalão paulista noticiou de forma telegráfica, a maioria dos veículos passou batida. Nem sequer na busca virtual encontrei grande coisa.

 Quem ainda é capaz de raciocinar e sentir como ser humano leu assim:

O governo espanhol, para não despender um punhado de euros, decidiu entregar à morte pessoas (gente como a gente, pouco importando em qual país nasceram!), que têm doenças graves e requerem tratamento médico continuado.

Eu, que nunca tive condições financeiras para fazer as viagens com as quais sonhava, recebo uma melancólica compensação: fortíssimos motivos para concluir que não teriam valiado a pena.

 

Caso dos crimes impunes e dos deboches escancarados de Berlusconi, de seus pogroms contra imigrantes, da indiferença ou anuência do cidadão comum italiano face à perseguição infame contra Battisti. A Itália foi um afeto que se encerrou para mim nos últimos anos. Pensava nela como um país repleto de compassivos Mastroiannis; percebi não ter sido por acaso que se prostrou a Mussolini.

 Agora é a Espanha que desfaz minhas ilusões, tratando os fugitivos da miséria como lixo, tal qual outras nações vitimadas pelas crises cíclicas do capitalismo. Na hora de sacrificar gente para salvar bancos, os estrangeiros são sempre alvos preferenciais; e, mais ainda, os imigrantes ilegais. “Primeiro os meus” é a lógica da xenofobia ignóbil, da mesquinhez e da pequenez.

 Nem sequer na heróica Catalunha, que em outras posturas difere do restante da Espanha, parece vicejar a solidariedade para com os coitadezas do mundo.

 Como cantou Vandré, “a vida não mudava/ mudando só de lugar”.

 A desumanidade é global sob o capitalismo. Não há oásis. O que existe são, aqui e ali, pessoas ainda movidas pela solidariedade e compaixão, lutando para evitar que o homem seja o lobo do homem.

 Estas pessoas carregam as esperanças de (e da) humanidade.

LEIA TAMBÉM, NO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir): É DEFINITIVO: TENTAREI ABRIR UMA NOVA FRENTE DE ATUAÇÃO

Imigrantes fazem manifestação em São Paulo por mais direitos

Imigrantes que vivem em São Paulo, incluindo bolivianos, peruanos, paraguaios, chilenos, haitianos, colombianos, italianos e representantes de países Africanos (Senegal e Moçambique) realizaram uma linda manifestação, no centro da cidade de São Paulo, no início da tarde deste domingo, dia 04 de dezembro de 2011, na 5ª Marcha dos Imigrantes, cujo tema foi “Por Nenhum Direito a Menos – voto já!”.

Com faixas, cartazes, bandeiras dos vários países da América Latina e a ajuda de um carro de som, entidades, associações de migrantes, ONGs, pastorais e imigrantes defenderam mudanças na Constituição Federal e no Estatuto do Estrangeiro a fim de que possam participarem da vida política, como qualquer cidadão, com direito ao voto, além das seguintes bandeiras de luta: por uma nova Lei de imigração; pela ratificação da Convenção Internacional sobre proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e seus familiares; por uma cidadania sul-americana, com livre trânsito e direito de permanência; pelo acesso ao trabalho decente e políticas de fomento a regulamentação das microempresas; pelo combate ao trabalho escravo, tráfico de pessoas; pelo acesso à justiça gratuita e às políticas públicas de educação, saúde; pelo cumprimento dos acordos políticos em matéria de migração em âmbito bilateral e multilateral; pela integração dos povos; por um mundo sem fronteiras; por uma cidadania universal; por igualdade de gênero e contra toda discriminação e xenofobia.

A caminhada partiu da Praça da República, esquina com a Rua Barão de Itapetininga, centro da capital, e seguiu rumo à praça da Sé, com músicas de protesto, danças e nas paradas houve momentos de reflexão e leitura de um manifesto na calçada do viaduto do Chá, diante do prédio da prefeitura. Centrais sindicais, como Central Única dos Trabalhadores (CUT) e UGT, enviaram seus representantes para apoiar a luta dos trabalhadores imigrantes.

“Estamos em campanha em vários locais para mostrar que o imigrante tem de sair da invisibilidade para conquistar os seus direitos. Não é só vir para o Brasil trabalhar e conquistar simplesmente um cartão de residência. Tem de buscar melhores condições de saúde, educação e o direito de voto, de cidadania completa”, disse o coordenador do Centro de Apoio ao Migrantes, Roque Pattussi. Ele afirmou que as reivindicações serão encaminhadas a representantes dos governos municipal, estadual e federal. No manifesto, os imigrantes justificaram que o momento de “crise do capitalismo e da precarização do trabalho” é oportuno para mudar o conceito da “criminalização das migrações pelo paradigma dos direitos humanos, cidadania plena e integração dos povos”.

De acordo com estimativas, há no Brasil cerca de l,5 milhão de imigrantes; desses, vivem, em São Paulo, cerca de 250 mil bolivianos, 80 mil paraguaios e 50 mil peruanos e um número menor de pessoas vindas de outras nações. O ato faz parte das comemorações alusivas ao Dia Mundial dos Imigrantes e ao 21° aniversário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e de Suas Famílias. Também está associado ao Dia da Ação Global Contra o Racismo e Xenofobia, pelos Direitos dos Migrantes e Refugiados.

Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM / CAMI)

Brasil passa a conceder visto a vítimas de tráfico de pessoas

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog

Com atraso, o Brasil passa a conceder visto permanente ou de permanência para trabalhadores estrangeiros que foram vítimas de tráfico de pessoas e de trabalho escravo, mesmo que estejam em situação irregular no país. A decisão, tomada pelo Conselho Nacional de Imigração, passa a valer a partir de hoje, data de publicação de sua Resolução Normativa número 93 no Diário Oficial da União (seção 1, página 160). Com isso, o país passa a cumprir um dos compromissos que assinou em acordos internacionais sobre o tema.

Alguns pontos presentes na resolução:

– A concessão do visto poderá ser estendida ao cônjuge ou companheiro, familiares diretos e dependentes que tenham comprovada convivência habitual com a vítima;

– Para fins da resolução, será considerado tráfico de pessoas, conforme definido no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças: “O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração” (incluindo aqui exploração sexual, trabalho escravo, tráfico de órgãos, entre outros);

– Se estiver em situação regular, o pedido de visto deve ser encaminhado Ministério da Justiça a partir das autoridades policial ou judicial ou do Ministério Público que tenham a seu cargo uma persecução criminal em que o estrangeiro seja vítima. Nos casos de situação migratória irregular, o Ministério da Justiça atuará junto ao Ministério das Relações Exteriores para a concessão do respectivo visto no Brasil;

– Os órgãos públicos envolvidos no atendimento às vítimas de tráfico de pessoas poderão encaminhar parecer técnico ao Ministério da Justiça recomendando a concessão de visto permanente ou permanência;

(Elementos que serão considerados para a concessão: que o estrangeiro esteja numa situação de vulnerabilidade social ou econômica ou psicológica, dentre outras, que, no seu país de origem, possibilite uma revitimização, independentemente de colaborar com a investigação ou processo criminal; que o estrangeiro, na condição de vítima do crime de tráfico de pessoas, esteja coagido ou exposto a grave ameaça em razão de colaborar com a investigação ou processo criminal no Brasil ou em outro país; que, em virtude da violência sofrida, necessita de assistência de um dos serviços prestados no Brasil, independentemente de colaborar com a investigação ou processo criminal.)

– Para o pedido, deverão ser juntados os seguintes documentos: passaporte ou documento de viagem válido (ou equivalente para Estados membros ou associados ao Mercosul); declaração sob as penas da lei de que não responde a processo nem possui condenação penal no Brasil nem no exterior; declaração de dependentes.

Organizações que atuam no combate ao tráfico de seres humanos afirmam que já há candidatos aos primeiros vistos emitidos pela resolução, trabalhadores libertados de oficinas de costura na capital paulista, por exemplo.

Direito ao Visto, Direito à Visibilidade

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O fato das migrações constituírem, hoje, uma questão central na maioria das ciências sociais e humanas é revelador quanto à sua importância no cenário político, econômico e social contemporâneo. E não por menos. São mais de 200 milhões de migrantes no mundo. Uma população maior de que todo o Brasil. 20 vezes a população de Portugal. Só no Brasil são quase 1 milhão e meio de migrantes regulares (a população do Recife) e mais de meio milhão de indocumentados (mais de que a população de Florianópolis). No total, o número de migrantes residentes em nosso país gira em torno de 2 milhões. O equivalente à população do estado de Sergipe.

Ou seja, uns 1% da população brasileira – considerando a dinâmica contínua de naturalização de residentes regulares. Ou, ainda, mais ou menos o mesmo número de brasileiros residentes (legal ou ilegalmente) no exterior – estimativas incertas que oscilam entre 2 e 3 milhões de pessoas! Em todo caso, são números bastante modestos se considerarmos que os Estados-Unidos recebem quase 2 milhões de imigrantes por ano e que o número de indocumentados naquele país gira em torno de 12 milhões. Nossos vizinhos argentinos, com uma população de 36 a 37 milhões de habitantes, contam com um contingente de um milhão e meio de imigrantes.

Porém, se a mídia e/ou a opinião pública se mostram bastante sensíveis ao destino de nossos compatriotas em terras estrangeiras – beirando muitas vezes a comoção nacional quando se assiste a episódios esporádicos de expulsões injustificadas ou situações constrangedoras onde, com certeza, são reveladas atitudes preconceituosas e mentalidades racistas (da Europa e América do Norte), há de concordar que o sentimento geral desses mesmos brasileiros para com o devir de homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, sujeitos em busca de oportunidades de sucesso, ascensão social ou, simplesmente, de sobrevivência, é na maioria das vezes de indiferença quase total. Lembremos, por exemplo, que na mesma época que o governo brasileiro reagia veementemente à proibição de entrada de brasileiros na Espanha, mais de 50 bolivianos eram barrados na fronteira brasileira!

O histórico brasileiro e o discurso social que veicula a este respeito, por exemplo, é bastante peculiar. Primeiro, ao contrário de que se imagina, não há excesso populacional no Brasil. A título de comparação, os Estados-Unidos com um território de um pouco mais de 9 milhões de quilômetros quadrados, contam com uma população de mais de 300 milhões de habitantes. Enquanto o Brasil, com seus 8 milhões e meio de quilômetros quadrados não chega a 200 milhões de habitantes. Ou seja, em termos proporcionais, Brasil teria um evidente déficit populacional – mais flagrante ainda se considerarmos a tendência ao envelhecimento populacional e a cada vez mais baixa taxa de natalidade. Dito de outra maneira, a emigração (para cá) constitui uma solução e não um problema – um motivo de alívio e não de preocupação.

Porém, ao contrário de muitos outros países comparáveis ao nosso, o Brasil nunca se dotou de algumaestrutura séria de imigração. Fora o conhecido episódio de imigração européia e (em menor grau) asiática (mais um reflexo racista do desejo de embranquecimento da população de que alguma atitude racional de gestão populacional), o Brasil sempre foi dominado por uma mentalidade de panelinha, onde as oligarquias simplesmente se recusavam e se recusam a dividir o pedaço (latifúndio rural ou monopólio comercial e industrial urbano) com os recém chegados ou com os subalternos em geral.

No episódio da imigração do início do século XX, por exemplo, a emigração semita (de árabes e judeus) era combatida (tanto na imprensa como no parlamento) por não ser produtiva (rural camponesa – substituta da ordem escravatória), mas sim comercial e urbana (que, segundo a lógica oligárquica da época, só se aproveitava do fruto de trabalho e da boa fé dos cidadãos brasileiros). Não é surpresa, portanto que, até hoje, ao contrário dos Estados-Unidos, Canadá, Austrália ou até Argentina, não existe no Brasil alguma instância de imigração.

Parece surreal, mas ao contrário dos países acima citados, não existe alguma via formal e oficial de solicitação de imigração para o Brasil! Pior ainda, uma vez aqui (oficialmente enquanto turista), o labirinto burocrático para a regularização desta situação parece ter sido escrito pelo próprio Kafka. Apenas caricaturando: Quer uma autorização de trabalho? Precisa do visto permanente. Quer o visto permanente? Precisa de uma autorização de trabalho? Círculo vicioso que, infelizmente, muitas vezes leva a alternativas nada honrosas.

É dentro deste contexto social e político que deve ser apreendida a atual anistia migratória. Não é apenas uma questão de compaixão, mas sim de justiça social e de respeito aos direitos humanos mais básicos. E o fato de o Brasil ser ao mesmo um país emissor e receptor de migrantes nos fornece uma oportunidade histórica única para experimentar e conferir a solidez de nossa vocação humanista e humanitária. Temos a obrigação moral e dever ético de tratar os migrantes aqui estabelecidos do mesmo modo que desejamos que nossos conterrâneos fossem tratados em outros países. E não reproduzir os mesmos padrões mentais e sociais injustos e racistas praticados por aqueles mesmos que se autoproclamam defensores dos direitos humanos e valores da Civilização. Além do fato que, em termos econômicos, as migrações são comprovadamente um fator de crescimento e prosperidade e não algum peso social que se agüentar. Por todos esses motivos só podemos saudar e aplaudir a iniciativa brasileira de fazer justiça a todos aqueles que aqui vivem, trabalham e inspiram a um mundo melhor.

De fato, a lei da Anistia Migratória brasileira se destaca pela maneira favorável e em sintonia com o desejo de ampliação e acolhimento ao estrangeiro que passa a viver no Brasil, distanciando-se de outros contextos onde a migração pode vir a assumir um caráter de contravenção ou criminalidade. O objetivo da regularização foi trazer para a legalidade e garantir cidadania para os migrantes, que passam a ter direito, por exemplo, aos documentos de identidade e habilitação, carteira de trabalho, saúde pública e educação gratuita.

A anistia concedida aos migrantes pelo governo coloca o Brasil numa posição de vanguarda e converge, inclusive, para com as conclusões publicadas no Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que se destinou a desmontar vários mitos sobre a presença de migrantes, e enfatiza a necessidade de os governos perceberem as vantagens dos trabalhadores vindos de fora, especialmente em um momento de crise econômica e desemprego.

Esta é a quarta vez que o Brasil concede o benefício a estrangeiros que já moram no país – houve anistias em 1980, 1988 e na última, em 1998, quase 40 mil pessoas foram legalizadas. No entanto, a disposição de regularizar os estrangeiros que chegaram ao Brasil até fevereiro de 2009 não garante a solução dos problemas enfrentados pelos migrantes. Há outros obstáculos de ordem documental (a necessidade de comprovar a entrada antes da data estabelecida), econômica (a dificuldade de pagar as exigidas para a regularização), de (falta de) informação e outras.

Aliás, não se deve esquecer que a regularização em questão é apenas temporária e não definitiva. A obtenção do visto de residência permanente é condicionada ao estatuto profissional do candidato. Ora, a atual realidade do mercado de trabalho não é exatamente marcada pela formalidade e a carteira assinada; principalmente dentre os migrantes mais vulneráveis, geralmente concentrados no comércio ambulante e informal. O que, infelizmente, só reforça a sensação de que a legalização definitiva não passa de uma miragem no caminho de dezenas de milhares de trabalhadores indocumentados. A mobilização, portanto, não deve ser pontual e se limitar ao objetivo imediato de regularização dos migrantes aqui estabelecidos, mas sim almejar uma maior informação e sensibilização de toda a sociedade em torno desta causa nobre e legítima.

O PET/LACOSA (Programa de Educação Tutorial e Laboratório de Comunicação Social Aplicada), ao organizar este II Fórum de Imigração, aposta, justamente, na importância de reunir no mesmo os três segmentos sociais que fomentam o debate em torna da questão migratória: a parte institucional (Legislativo, ministério da Justiça, Polícia Federal, etc..), a parte associativa (representantes dos imigrantes e organizações que trabalham junto a eles) e a parte acadêmica (pesquisadores e estudiosos da problemática).

PET/LACOSA já tem a seu ativo a organização do I Fórum de Imigração do Rio de Janeiro e o Observatório de Acompanhamento e Análise da Mídia Étnica das Comunidades de Imigrantes estabelecidas no Brasil. Atualmente o Laboratório investiga o Papel da Mídia Comunitária Étnica Nacional na Consolidação da Identidade Transnacional dos Grupos Imigrantes no Estado do Rio de Janeiro.

Os organizadores

Confira a programação:

Anistia Migratória: Visto aos Invisíveis
II Fórum de Imigração do Rio de Janeiro
31 de maio de 2010 (10:00 – 18:00)
Auditório do CFCH – UFRJ. Praia Vermelha, Av. Pasteur. Urca. Rio de Janeiro
Contato: 21-81099792

Mesa #1
Helion Póvoa Neto – UFRJ
Renato Zerbini – CONARE
Paulo Illes – CAMI
Pedro David Mireles – Consulado Geral do Peru
Mediação: Mohammed ElHajji – UFRJ

Mesa #2
Denise Cogo – UNISINOS
Danilo Borges – UCB
Grover Calderón – ANEIB
Daniel Colque – Representante da Comunidade Boliviana
Merced de Lemos Urtubia – Representante da Comunidade Chilena
Johnny Vidal – Representante da Comunidade Equatoriana
Mediação: Mohammed ElHajji – UFRJ

Mesa #3
William Cesar – IMDH
Fabrício Toledo – CARITAS
Cesare Cicere – Apostolado do Mar
Kossi Tana – Representante da Comunidade Angolana
Jeancy – Representante da Comunidade Congolesa
Margarita Fayan – Representante da Comunidade Peruana
Mediação: Mohammed ElHajji – UFRJ

A Itália, entre Mussolini e Dante

Como meu sobrenome deixa evidente, sou de ascendência italiana (por parte do avô paterno e do bisavô materno).

Mas, os dois ramos já haviam se dissociado desse passado quando eu começava a entender as coisas.

Uma lembrança remota da minha meninice foi a do meu pai e meu tio comentando a morte de um ancestral famoso: Angelo Lungaretti. Circulava de mão em mão a notícia publicada no jornal italiano Corrieri della Sera.

Atraído pelas promessas dos fazendeiros brasileiros, que mandavam recrutadores à Itália oferecendo viagem gratuita, Angelo Lungaretti veio trabalhar na lavoura cafeeira.

Raul Salles, filho do fazendeiro Diogo Eugênio Salles, assediou a irmã de Angelo. Este tentou transferir-se com a família para outra fazenda, mas Raul fez com que fossem rejeitados. E ainda persuadiu o delegado de Analândia a prender Angelo por embriaguez.

Quando o soltaram, no dia 3 de outubro de 1900, Diogo e Raul tentaram expulsar os Lungaretti da fazenda, sem pagar-lhes os 2.000 réis a que faziam jus por seu trabalho. O velho Francisco, pai de Angelo, disse que não sairiam. Diogo agarrou-o, sacudiu-o e atirou-o no chão.

Angelo, vendo o pai desmaiado, supôs que estivesse morto. Com uma velha e enferrujada garrucha, disparou contra Diogo, ferindo-o mortalmente.

Seguiu-se uma série de descalabros, como as torturas sofridas por habitantes de Analândia para que depusessem contra Angelo.

No processo, não foi levada em conta a minoridade do réu (Angelo ainda não completara 21 anos) nem se providenciou tradutor para ele e as testemunhas da defesa que não falavam bem o português, além de se relevarem várias contradições dos acusadores.

O falecido era irmão do presidente Campos Sales, que cogitou até a instauração da pena de morte, com efeito retroativo, para que pudesse ser aplicada nesse caso; foi dissuadido pela Inglaterra.

O governo italiano, supondo tratar-se de mais um anarquista, não deu a mínima. Angelo foi, entretanto, fortemente apoiado pela colônia, que até se cotizou para pagar-lhe um advogado famoso. Isto não impediu sua condenação a 21 anos de reclusão.

Finalmente, numa mudança de governo, foi libertado depois de cumprir sete anos e meio da pena. Voltou à Itália, onde levou vida tranqüila até a morte, em 1960.

Mas, esta história familiar não me interessou muito na época. Só fui lhe dar valor muito tempo depois, em função do rumo que minha própria vida tomou.

O que me predispôs mesmo a valorizar meu sangue latino foram os livros do primeiro autor que me fez a cabeça: Monteiro Lobato, com sua verdadeira veneração pelo legado greco-romano.

Graças a ele, passei a identificar a Itália com o humanismo, o equilíbrio, a sensatez. Não com o fascismo que só a derrota na II Guerra Mundial conseguiu apear do poder.

E foi ainda a arte reforçou minha admiração pela Itália: desde os fundamentais escritores Dante Alighieri, Alberto Moravia e Italo Calvino até os maravilhosos filmes de Federico Fellini, Ettore Scola, Mario Monicelli e tantos outros.

O AFETO QUE SE ENCERRA

Sem nunca ter podido conhecer a pátria dos meus antepassados, eu a imaginava como um contraponto ao sôfrego e calculista american way of life: uma terra aprazível, com um povo compassivo, que sabia viver. Pensava em cada italiano como um Marcello Mastroianni e em cada italiana como uma Sofia Loren.

E, embora estivesse ciente dos excessos com que foram combatidos os militantes da ultraesquerda na década de 1980, não os associava ao povo italiano. Para mim, a culpa toda era do PCI, que aliara-se ao partido da burguesia facinorosa (a Democracia-Cristã) contra os verdadeiros revolucionários, tangendo-os ao desespero e a atitudes insensatas como a execução de Aldo Moro.

O Caso Battisti desfez rudemente minhas ilusões: percebi que muitos italianos comuns, a exemplo do que ocorria durante o fascismo, continuam se deixando tanger por lideranças demagógicas e rancorosas.

Assim como os brasileiros foram levados pela mídia a quase trucidarem os donos da escola-base, houve italianos que aderiram insensivelmente à caça às bruxas desencadeada por Berlusconi. Que decepção!

Então, já não me surpreende a introdução de medidas repulsivas como as que a Itália adotou neste ano de 2009 para combater a imigração ilegal, propostas, claro, pelo governo Berlusconi, como as pesadas multas impostas a clandestinos e o risco de prisão que passaram a correr os que os hospedam.

Também foi aumentado de dois para seis meses no tempo de detenção de imigrantes ilegais e se criaram rondas locais de cidadãos comuns (esquadrões de delatores voluntários) para localizá-los, secundando o trabalho da polícia.

É essa Itália mesquinha e intolerante que persegue Battisti, para exibir sua cabeça como troféu, marcando o reencontro com aquele passado em que os trens chegavam sempre no horário, a autoridade era sagrada e o Duce zelava por todos.

REPÚDIO À DESUMANIDADE

Mas, nem tudo está perdido: a agência France Presse informa que 3 mil cidadãos de Cocaglio, no norte da Itália, se manifestaram pacificamente neste sábado (28) contra a decisão de seu prefeito de realizar a contagem dos estrangeiros da comunidade para denunciar os clandestinos às autoridades.

Como a cidade tem apenas 8 mil habitantes, o movimento denominado United Colours of Christmas (alusão à publicidade da Benneton) foi dos mais significativos.

E recebeu o apoio do Vaticano: “Esta ideia de relacionar o Natal e a difícil realidade que afeta os seres humanos é uma coisa dolorosa”, declarou o presidente do Conselho Pontifício para os Imigrantes, monsenhor Antonio Maria Veglio.

Do outro lado, estão um medíocre prefeito eleito pelo fascistóide partido anti-imigrantes da Liga Norte e seu colega de agremiação política, o ministro do Interior do igualmente fascistóide Governo Berlusconi, um tal de Roberto Maroni.

Maroni é aquele que decidiu construir um centro de identificação e expulsão de imigrantes ilegais na ilha de Lampedusa, tida como a entrada da Europa.

Ou seja, simbolicamente, ele quer fechar a porta do continente aos miseráveis, como o príncipe Próspero fechou as portas do seu castelo aos aldeões, deixando-os entregue à peste, no imortal conto de Edgar Allan Poe, A Máscara da Morte Rubra. Torço para que ele receba o mesmo castigo de Próspero.

E (sem muitas esperanças, confesso), torço também para que a Itália siga o exemplo desses dignos moradores de Cocaglio, repudiando a herança mussolinesca e reassumindo-se como a pátria de Dante.

Brasil e Suriname assinam acordo para regularizar situação de imigrantes

Nelson Motta, Agência Brasil, enviado especial a Paramaribo

Brasil e Suriname assinam nesta terça-feira (21) acordo para regularizar a situação de imigrantes e a extradição de criminosos nos dois países. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que está em visita oficial a Paramaribo, capital do Suriname, representará o governo brasileiro na assinatura do acordo. Pela manhã, Amorim teve um encontro com a chanceler do Suriname, Maria Levens.

Com o objetivo de promover a integração econômica e social entre os dois paises, o acordo que trata do controle do fluxo de imigrantes vai permitir a legalização dos quase 15 mil brasileiros que vivem no Suriname. A segunda parte do acordo estabelece a cooperação entre os dois países para permitir a extradição de prisioneiros ou fugitivos da justiça.

Celso Amorim vai se encontrar ainda hoje com o presidente da Assembléia Nacional, Ram Sardjoe, e também com o presidente da República do Suriname, Ronald Venetiaan. O retorno do ministro para o Brasil está previsto para as 17 horas.