Arquivo da tag: humanização

A tarefa dos teólogos latino-americanos. Contribuição para um diálogo

foto(…)

No livro de autoria de José Comblin, A força da palavra, lemos esta longa citação de Ratzinger:

“Quase todos os documentos, mas particularmente os que tratam da formação dos sacerdotes, das missões, do ecumenismo, da revelação divina e da Igreja, estão penetrados de uma tendência fundamental, que pode caracterizar-se como abertura dentro da teologia, na qual fica ultrapassada uma forma estreita de teologizar que poderia definir-se, rebaixando-a um pouco, como teologia de encíclicas, para chegar a uma maior largura do horizonte teológico. Teologia de encíclica significa uma maneira de teologia em que a tradição parecia restringir-se pouco a pouco às últimas manifestações papal. Em muitas manifestações teológicas antes do Concílio e ainda durante o Concílio, podia perceber-se o empenho de reduzir a teologia a ser registro – e talvez também sistematização – das manifestações do magistério. O problema já parecia suprimido de antemão, o sistema dominava face ao acesso interrogante da realidade.”

“O Concílio, porém, manifestou e impôs também a sua vontade de cultivar de novo a teologia desde a totalidade das fontes, de não enxergar essas fontes unicamente através do espelho da interpretação oficial dos últimos cem anos, mas de lê-las em si próprias; manifestou a sua vontade não só de escutar a tradição dentro da Igreja católica, mas de pensar e recolher criticamente o desenvolvimento teológico das demais Igrejas e confissões cristãs; deu finalmente o mandato de escutar as perguntas do homem de hoje em si próprias, e, partindo delas, repensar a teologia, e sobretudo, escutar a realidade, as coisas que estão aí, e aceitar as suas lições.”

“Podemos dizer, a propósito da orientação geral que deve prevalecer de acordo com o Concílio, que uma teologia magisterial que nasce do medo do risco da verdade histórica ou do risco da realidade, seria uma teologia diminuída, uma teologia de pouca fé desde o seu ponto de partida, e, afinal de contas, uma evasão ante a grandeza da verdade. Seria uma teologia conservadora no mau sentido da palavra, preocupada somente pelo fato de conservar e não pela realidade. E ela não seria certamente uma teologia missioária, muito pelo contrário”.

“Aí está o modelo fundamental daquilo que significa, que deve e pode ser a abertura conciliar enquanto tal: a teologia recorda de novo a sua obrigação querigmática, a sua ligação com pregação que ela inclui. Mas inclui a ligação com o homem real, inclui que o teólogo deve entrar na experiência fundamental da paixão, da existência humana para viver de novo plenamente e a fundo o problema teológico, para sofrê-lo em cheio e assim tornar a teologia capaz de falar dentro dessa paixão humana. Não nos esquecemos de que em definitivo o Verbo divino se faz para nós palavra de pregação, quando desceu pessoalmente até o fundo da paixão humana, até às últimas profundezas do descensus ad infernum , e que este é de novo ocaminho para que a teologia se torne palavra viva”.

“A tripla abertura que pediu o Concílio: abertura às fontes, abertura aos outros cristãos, abertura às perguntas da humanidade inteira, não é expressão de um desejo de secularização, de uma acomodação barata, mas exprime em última instância o retorno ao sentido total da teologia, isto é, ao seu dever missionário. O dever missionário pede evidentemente a audácia da totalidade do ser ciistão, e daí a audácia do humano, não para parar aí mas para lhe dar em Cristo e na sua paixão o sentido divino ao qual está chamada”. (RATZINGER, J. El nuevo Pueblo de Dios. Barcelona: Herder, 1972, pp. 318-321. Original alemão: Das neue Volk Gottes, 1969. Düsseldorf: Patmos-Verlag, 1969).

In: COMBLIN, J. A Força da Palavra. Petrópolis: Vozes, 1986, pp. 378-380.

O fazer e o fazer de conta

Há uma ação que é transformadora, ou, melhor dizendo, há ações que são transformadoras. Elas incluem, obviamente, ao mesmo tempo o sujeito da ação, e as circunstâncias.
E há também o fazer de conta. A proclamação da mudança, a crítica ao estatuído, que não vão acompanhadas de qualquer ação construtiva.
Não nego que a denúncia e a crítica possam ter a sua razão, ou suas razões. Mas não concebo uma prática social que possa se esgotar na mera denúncia ou na mera crítica.
Dito isto, vamos ao que interessa. A política não começou a existir no momento em que cada um de nós passou a se interessar por ela. Existia desde há muito tempo atrás, sem dúvida. Pois bem, assim sendo, um pouco de historicidade e de contextualização, fariam com que muito militantismo pseudo-revolucionário ou pseudo-esquerdista se mostrassem como o que são de verdade: práticas vazias e inconsequentes.
O que estou querendo dizer com isto? Algo muito elementar e claro. As mudanças sociais no sentido da promoção da pessoa humana (mais justiça, mais igualdade, maiores oportunidades para os excluídos) , tem sido e continuam de fato sendo ações de longo prazo. As construções coletivas são demoradas.
O revolucionarismo berrante, ao contrário, quer tudo agora. Não conhece a co-operação com quem quer que seja. É auto-centrado. Começa e termina em si mesmo. Se satisfaz na destruição de propriedades e instituições. Naõ se detém na morte ou na prisão de inocentes. Até a contrário, as procura. Elas dão mais dramaticidade à sua ação destrutiva.
Venho de um país, de uma história pessoal e familiar, coletiva, que fazem parte do que sou agora. Não me ponho como exemplo de nada. Mas não menosprezo a estrada até aqui percorrida.
Nos meus anos de academia, trabalhei no sentido de uma formação integral dos estudantes. Que não se esgotasse no acadêmico ou no intelectual, no profissional. Que fossem pessoas inteiras, autônomas, conscientes.
Deixada uma certa forma de agir na academia, fui somar com ações comunitárias no âmbito da saúde mental. Abriu-se um outro panorama: o da ação na base da sociedade. O aprendizado resiliente com os setores sociais mais periféricos.
Então quando hoje escrevo, quando ajo nos âmbitos da Terapia Comunitária Integrativa e da literatura e da poesia, o faço a partir de uma inserção em redes sociais pelo agir construtivo.
Me defino como cristão, embora nas redes de que participo, a crença costuma ficar no âmbito íntimo, frequentemente. Ou, então, co-existem em um âmbito de pluralismo religioso. Não me defino como partidista ou sectário. Trato de praticar um humanismo simples e concreto, não institucionalizado.
Tudo isto para dizer, a quem possa estar a ler estas anotações, que não há tempo para se cuspir na democracia, ou para espalhar boatos e calúnias contra quem quer que seja, irresponsavelmente.
Uma revolução, uma sociedade justa, são resultado de árduo trabalho coletivo, diverso, plural.
O resto, é vazio e nada. Ou, pior ainda: ações inconsequentes cuja derivação pode ser um retrocesso a situações ditatoriais que ninguém pode querer de volta.

Crecimiento

Pondrías letras en el papel, como cuando eras chico y apilabas cubos con letras pintadas formando palabras. Formarías palabras. Infancia. Eternidad. Salud. Paz. No violencia. Armonía, justicia. Amor. Ticket to life, pensabas esta tarde. Te acordabas de Los Beatles y pensabas: ticket to life.

Te acordabas de las palabras del Padre Comblin sobre el mensaje de Jesus. Él decía que el mensaje de Jesus es simple, pero que su simplicidad es para nosotros como la ciudad en la cumbre de la montaña.

Muchas veces he pensado en esto, tanto en lo que dijo Comblin, como en lo que dijo Jesus, en lo que su mensaje ha venido significando para mí a lo largo de los años. Creo que sí, que es un mensaje simple.

Pero no es un Jesus de iglesias el que nos habla para decirnos que el Reino de Dios está en nosotros y en medio de nosotros. Ese es el Jesús de verdad, el Jesús verdadero, el que vivió para decirnos que haríamos cosas más grandes.

Cada vez más el presente va siendo el tiempo pleno. El tiempo de todas las cosas. El tiempo donde está todo. Uno puede estar aquí, uno puede ir viniendo, o mejor dicho, podemos ir volviendo. Este es el tiempo. No hay otro, me parece.

Todo está aquí y todo es esto. Este es el mensaje de Jesus. Si no os hicieras como niños, decía en el Evangelio. De niños o niñas vivimos en un tiempo contínuo, vivimos unidos a todo lo que existe, somos unidad. Ese tiempo, el recuerdo de ese tiempo, está en nosotros.

La eternidad está en mí, está en ti, está por todas partes. Y no hay que pagarle a nadie para que nos deje pasar. No hay intermediarios, pues el Reino de Dios está en nosotros, y en medio de nosotros. No tenemos que ir a algún templo, pues somos el templo, la tierra es el templo, la comunidad, la familia, son templos.

Las calles, las plazas, pueden ser templos, si los tomamos como dádivas de Dios, como dádivas de la vida. Pero nos han convencido de que el tiempo es otro, está más allá, es en otro lugar, no aquí, no en tí como eres, ni en mí como soy.

Entonces nos han dividido, hemos creído que no podíamos ser como somos. Que tendríamos que ser perfectos. No podríamos amarnos como somos, sino tendríamos que ser otra persona, no la persona que somos. Esto crea una división, un divorcio, una guerra interna. Pero puede terminar, tiene que terminar, y la paz está en tus manos, está en mis manos, depende de nosotros.

Yo no quiero hacer un discurso ni tratar de convencer a nadie de nada. Pero a medida que voy descubriendo cosas, y nunca un descubrimiento es solamente personal (siempre en cada paso adelante, está la suma de mucha gente a favor) y las comparto, el crecimiento se multiplica. Es una cadena infinita.

Caminhando

Ontem e hoje, estive pensando no que é fixo, no que pode vir a ser fixo na vida humana. Em uma conversa com uma pessoa muito querida da minha família, rimos de alguém que possa querer viver segundo o que outros pensam que deva ser certo para a sua vida.

Alguém me diz o que devo pensar, sentir, querer e fazer, e estou feito. Se for em nome de Deus, então, nem se fala. Mas aonde é que fico eu, nessa história? Não fico, não estou. Se ao invés de Deus, colocarmos a sociedade, os costumes, o que é tido por certo, dá na mesma.

O sujeito some, novamente. Isto quer dizer que tudo na vida humana seja relativo, e por isso mesmo, de pouco valor? Não. Nada disso. Significa que embora possa haver algo fixo na vida humana, como o amor, a justiça, o bem, isto deverá ir mudando, pois nós mudamos, tudo muda.

Mas se dissemos que são coisas fixas, realidades fixas, não estamos a nos contradizer? Sim e não. O fixo também muda. Não na essência, mas na manifestação, na forma de ser alcançado ou realizado. Partilho estas reflexões, por pensar que possam ser de utilidade para alguém.

Somos seres em movimento, em eterna busca. E o que seja fixo ou móvel nessa busca, é algo que cada um de nós deverá descobrir. Da minha parte, tenho encontrado alguns princípios e referências fixas, que vão se movimentando, na direção de maior harmonização, maior integração comunitária e cósmica.

E por isto tudo, agradeço. Temos que ter horizontes atrás dos quais nos movimentarmos, horizontes de mais plenitude, de mais paz. Mas isto vai se movimentando conosco, na medida em que vamos caminhando.

Reconexão da pessoa humana

Como o que faço hoje se enraíza na minha história de vida? (1) Hoje pensava nisto, enquanto ia caminhar à praia. Em seguida, comecei a conectar alguns atos, o próprio ato de caminhar, com fatos do meu passado. Respirar, olhar para as pessoas, para o céu, as nuvens. Tudo se conectava com meu passado. Caminhar, em particular, tem uma conexão muito forte com a minha vida.

Peguei pelo calçadão, e esta pergunta fora se tornando uma afirmativa: como o que faço hoje se conecta com a minha história de vida! O que faço, o que escrevo, o que penso, o que sinto, as pessoas com quem interajo, estão fortemente conectados com meu passado. Em particular, pensava naquele momento, com coisas que quis e que fiz emquanto estudante de sociologia em Mendoza, Argentina, nos anos 1970 a 1973.

O que hoje faço como terapeuta comunitário, como escritor, como sociólogo, como pessoa, tem tudo a ver não somente com esses sonhos juvenis, de uma sociologia a serviço da libertação, como, ainda mais, a minha própria vida, a totalidade do que sou, é um encaixe perfeito com toda a minha trajetória vital.

Na hora em que senti isto, veio uma alegria profunda, uma tranquilidade e paz. Uma sensação de unidade. Me dei conta, então, que a pergunta pela conexão dos atos com a história de vida, não é apenas uma pergunta: ela tem a força e o poder de uma afirmação.

(1) Pergunta feita na vivência “A arte de cuidar”, criada por Adalberto Barreto.

Integração literária

Nunca irei me cansar de enfatizar o quanto devo à interação com algumas pessoas que lêem os meus textos, e que se dão ao trabaho de se comunicarem com o autor. Este feedback, este retorno, realimenta a construção coletiva de espaços de integração, de libertação de prisões mentais e emocionais.

O capitalismo exacerba os distanciamentos, exagera as diferenças no que elas têm de oposição entre as pessoas, entre os modos de pensar, entre as culturas. A nossa caminhada vai no sentido contrário. Sempre admirei os autores e as autoras (sempre há que aclarar) que me incluíam nos seus relatos, nos seus livros.

Eu podia me ver nas narrativas de Ray Bradbury e de Howard Philips Lovecraft, da mesma forma que me sentia incluído, sobre tudo, nas canções dos Beatles. Com o decorrer do tempo, fui desenvolvendo a escrita como forma de integração em mim mesmo, de mim mesmo, e no mundo, com o mundo em volta.

Quebrando a separatividade, de maneira lúdica, dialógica, construtiva. Isto não foi muito bem visto na academia, onde a mediocracia e o apego ao poder e ao dinheiro, prevalecem, com raras exceções, gerando estilos comunicacionais excludentes, restritos, um certo linguajar que os ghettos corporativos alegam ser científico.

A cientificidade nada tem a ver com a exclusão. Ao contrário. Nas avançadas da ciência, as visões e formas de conhecimento confluem. O saber científico e as cosmovisões religiosas convergem, além das tentativas de privatização excludente.

O saber popular, a sabedoria das pessoas comuns (e todos somos pessoas comuns) e os saberes artísticos, práticos, etc, são outras tantas avenidas que confluem para proporcionar aos seres humanos, formas de apropriação do mundo que possam conduzir a uma vida mais feliz, mais plena, mais cooperativa.

Na escrita se da a mesma coisa. Há quem escreva para não ser compreendido ou compreendida. E nas relações pessoais também: há quem faça questão de não ser compreendido ou compreendida. Por isso, sempre admirei e gostei, gostei mesmo e continuo gostando, cada vez mais, da escrita includente, dialógica.

A que se estabelece desde a horizontalidade dos saberes. A que constrói espaços de interação em que as diferenças sejam (ou possam vir a ser) enriquecedoras, e não necessariamente dissociadoras. Não concebo a minha vida sem os livros que li, sem os livros que a minha mãe nos lia quando pequenos.

Esses livros foram me dando a certeza de que eu tinha um lugar no mundo, de que eu podia e posso ser. Tal como as canções dos Beatles.