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Somando

É hora de somar, de nos juntarmos, fazer juntxs. Isto tem sido uma marca importante na minha vida, desde os meus tempos de estudante de sociologia, em Mendoza, Argentina.

Aprendi que o que realmente transforma, no sentido de uma libertação (um novo nascimento, uma existência humana mais justa, plena e feliz), não são tanto as convergências doutrinárias ou ideológicas, embora isto também possa ser importante, mas, sim, a convergência em ações das mais humildes e simples, cotidianas, até aquelas mais incisivas, de um ponto de vista coletivo.

Quando faço junto com outras pessoas, vou vendo que temos algo em comum. Se desfaz a barreira da diferença. Isto é: a diferença se torna enriquecedora, e não separadora. Cresço com aquilo que os outros têm e eu não tenho. A união com outros, em ações pelo bem comum, me plenifica. Me potencializa, me empodera, me da confiança.

A hora que nos toca viver aqui no Brasil, agora, a partir da instalação do regime autoritário, é uma hora de um agir colaborativo entre todas as pessoas de bem. Gente que recupera suas histórias de vida em um esforço coletivo para que volte a democracia ao país.

Não apenas a democracia formal, institucional, totalmente falseada pelo atual sistema político corrupto, classista e fascista, como também, o que é mais importante, a democracia como forma cotidiana de vida. Um país para todos não pode ser uma declaração vazia de conteúdo. Tem que ser um horizonte de ação cotidiana.

Desenvolver o que cada um(a) tem de melhor, do mais profundo do nosso ser, e fazer do dia a dia o momento mágico e divino. É hora de darmos à luz um mundo novo a cada instante. A arte e a cultura em todas as suas expressões, são terrenos especialíssimos de geração e fortalecimento de uma vida mais digna, mais plena de sentido.

Aceitar que necessitamos de todxs  para defender os direitos humanos; não podemos deixar que isto seja algo que apenas os demais devam fazer. Cada um de nós é importante e decisivo, para enfrentar o preconceito, a ignorância, o ódio e a violência que estão minando a convivência.

Precisamos recuperar a capacidade de escutar as outras pessoas com atenção, sabendo que temos algo a aprender de quem quer que esteja ao nosso lado. Deixar de ter medo do nosso semelhante. Voltar a confiar nxs outrxs. Fazer da fraternidade algo concreto, a partir de ações mínimas e máximas, que nos recriam e fortalecem. Somar com as prefeituras, com outros movimentos sociais e organizações, com quem esteja por perto, refazendo a vida.

Não se pode viver com medo.

 

Artistas convidam população a enfrentar os ataques de Bolsonaro contra a cultura

Petição busca ampliar mobilização contra a retirada de direitos, o autoritarismo e as políticas neofascistas do atual governo

Trabalhadores da cultura e artistas se mobilizam em todo país contra o desmonte das políticas públicas de cultura, bem como convidam a população a enfrentar a retirada de direitos, o autoritarismo e as políticas neofascistas do governo de Jair Bolsonaro. Segundo Sandro Borelli, presidente da Cooperativa Paulista de Trabalho dos Profissionais da Dança, a mobilização é principalmente de artistas, mas se dirige a toda a população, inclusive para mostrar a importância do trabalho dos artistas, que não produzem coisas quantificáveis e ainda são pouco compreendidos. Foi criada uma petição para reunir apoio à proposta.

“Já vínhamos sentindo uma necessidade dos trabalhadores das artes cênicas do país de construir uma articulação potente para fazer frente a tudo que está acontecendo no país, com esse governo protofascista, neoliberal, que tira direitos do povo diariamente”, afirmou, em entrevista à Rádio Brasil Atual. “A arte não produz cadeira, parafuso, pneu. Nós produzimos coisas imateriais, mas de grande valor simbólico para o país, a nossa cultura, o nosso povo. A gente produz pensamento crítico, ética, cidadania, reflexão. E esse governo sabe disso”, completou.

Borelli destacou que os artistas se mobilizam porque estão sendo perseguidos e o atual governo busca desconstruir tudo o que foi construído nos anos anteriores, pelos artistas e por um projeto de governo destinado às artes cênicas. “Em todos os governos fascistas, de extrema direita, uma das primeiras áreas a serem perseguidas por eles sempre foi a arte. Isso está aí na história. E o atual governo, desde o seu início, já apontou para isso. Desde que o (Michel) Temer assumiu por meio daquele golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, umas das primeiras coisas foi extinguir o Ministério da Cultura”, lembrou o artista.

O presidente da Cooperativa de Dança vê os movimentos culturais de jovens, como os slams de poesia urbana, como um espaço muito importante de formação e resistência. “A gente deve vencer, virar a página dessa história atual nossa, na rua mesmo. E também usando a arte como um instrumento de confronto. A função dos artistas é usar a arte como arma de guerra, contra governos fascistas. Esses movimentos culturais e sociais que estão sendo realizados pelo país afora, principalmente por jovens, são necessários”, afirmou.

Fonte: Rede Brasil Atual

Arte

Ler e escrever. Pintar e desenhar. Cantar e ouvir música. Assistir filmes. Desfrutar da beleza do mundo e me inserir nessa beleza. Isto é a arte.

Mergulho nestes mundos que me incluem. Releio os meus escritos sobre o dia a dia, minhas crônicas e comentários sobre livros, autoras e autores, filmes.

Revivo toda minha vida nestes instantes de mergulho num passado que é presente. Vejo com alegria, que artistas brasileirxs levantam a voz em defesa da arte e da cultura e da educação como ferramentas imprescindíveis para a humanização.

Lembro de uma frase de Herbert Read que diz assim: “O espírito mergulha na apatia a menos que os seus tentáculos invisíveis estejam constantemente se estendendo atrás de uma luz inatingível” (Imagen e idea. La función del arte en el desarrollo de la conciencia humana).

Todo ser humano tem esse impulso criador que é capaz de nos resgatar da destruição, da desmoralização, da coisificação.

Limites

Se acostumar com a violência institucional, com a delinquência política atualmente no poder, que ataca e mata, é um caminho perigoso.

É dar o aval a um regime que foi instalado a través da mentira, da calúnia, do arbítrio, da difamação, do assassinato.

O PSDB anunciou publicamente em 2013 por cadeia nacional de TV, que iriam tirar o PT do poder. Conseguiram.

Tiraram Dilma Rousseff mediante um golpe de estado em 2016.

Quebraram a sociabilidade, racharam a cidadania, acirrando preconceitos, semeando ódio e repulsa aos diferentes.

Precisamos abrir os olhos. Perceber que não se trata de um joguinho digital, uma manobra de curtir ou descurtir uma foto numa rede social.

A vida das pessoas está sendo descartada com maior indiferença que a habitual. A história é implacável com as pessoas e com os povos que teimam em ignorar o acontecido. Isto já aconteceu, só que talvez você não tenha se voltado para a história do seu país e do mundo.

O desgoverno atual ataca a educação, o trabalho, a saúde, a arte e a cultura, a liberdade de informação, o próprio direito à vida. Tudo que é humano lhe é alheio.

Isto não é uma história que passa lá longe ou nas TVs, é real.

Valorizar a vida é se empenhar dia e noite para que ela valha a pena. Dar sentido a cada minuto, a cada segundo, honrar o estarmos aqui.

É necessário compreender que o capitalismo é um sistema cujo deus é o dinheiro, para ele a vida das pessoas nada vale.

Hoje esse programa é executado desde um Estado que foi posto a serviço da mais completa desumanização.

Os ícones do atual regime exibem sem pudor a sua aversão e total desrespeito pela vida humana. Apologia da violência. Banalização da morte.

Indiferença pela sorte de jovens que são levados ao desespero e ao suicídio pela falta de oportunidades de trabalho.

Aumento da exclusão social, evidenciado pelos índices de desemprego e subemprego, miséria e fome. Este não é o Brasil que queremos.

Com certeza temos uma memória subversiva e revolucionária a nos estimular e iluminar os caminhos. Houve muita gente que se empenhou em fazer um país melhor, mais includente.

Os trabalhadores e trabalhadoras de todos os ramos da produção devem ser respeitados e valorizados.

A vagabundagem política, a delinquência judiciária, parlamentar e midiática devem ser varridas do mapa.

Brasil para os trabalhadores e trabalhadoras!

Dirección

Nos ponen a que tratemos de cambiar lo que no cambia: el Estado, la estrutura social, el sistema capitalista, las instituciones.

En cambio podemos cambiar, si nos empeñamos lo suficiente, la relación que tenemos con nosotrxs mismxs.

Puedo terminar con la guerra interna interminable que consiste en querer ser yo otra persona que la que soy.

Puedo establecer la paz interior si me acepto como soy, con mis defectos y limitaciones.

Puedo tener una relación armoniosa y amigable, amorosa, conmigo mismo, si compreendo mi historia de vida y la forma como ella me condicionó o determinó a que yo sea como soy, sienta como siento, actúe como actúo.

No digo que debamos dejar de trabajar por un mundo justo y repetuoso de las diferencias. Lo que creo es que ese mundo nace de uma revolución interior, un volverme hacia mí mismo con ternura y cariño, con verdadeira compasión y comprensión.

Dejar de tiranizarme exigiéndome lo imposible, una perfección que solamente existe en las mentes enfermas de quienes viven del dolor y del sufrimiento que nace de la alienación y del extrañamiento.

La vida es muy corta, demasiado efímera como para que la desperdiciemos dándole la espalda al tiempo que huye.

Cada día es una oportunidad más para que yo me vaya adentrando más y más en esta maravilla que me incluye, me sostiene y me lleva más allá de mis límites, hacia una eternidad accesible a través del arte.

La vida es un tejido mínimo que puedo visualizar en ciertos momentos, que siento en algunos colores, que se expresa en algunas palabras. Esta composición mínima es la estructura misma del universo, la substancia de la realidad.

Comprendo con humildad que este camino sólo lo recorro en comunidad, abierto a lo que las otras personas me transmiten, en un diálogo constante que relativiza todas mis certezas y me abre sin cesar al misterio de la vida.

All you need is love, by The Beatles

Love, love, love
Love, love, love
Love, love, love
There’s nothing you can do that can’t be done
Nothing you can sing that can’t be sung
Nothing you can say, but you can learn how to play the game
It’s easy
Nothing you can make that can’t be made
No one you can save that can’t be saved
Nothing you can do, but you can learn how to be you in time
It’s easy
All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need
All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need
There’s nothing you can know that isn’t known
Nothing you can see that isn’t shown
There’s nowhere you can be that isn’t where you’re meant to be
It’s easy
All you need is love
All you need is love
All you need is love, love
Love is all you need
All you need is love (all together now)
All you need is love (everybody)
All you need is love, love
Love is all you need
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
Love is all you need
(Love is all you need)
(Love is all you need)
(Love is all you need)
(Love is all you need)
Yesterday
(Love is all you need)
Oh
Love is all you need
Love is all you need
Oh yeah
Love is all you need
(She love you, yeah, yeah, yeah)
(She love you, yeah, yeah, yeah)
(Love is all you need)
(Love is all you need)
Fuente: LyricFind
Compositores: John Lennon / Paul Mccartney
Letra de All You Need Is Love © Sony/ATV Music Publishing LLC

Lula, o professor

Por Gustavo Conde

O mundo inteiro resiste à chegada da real democratização dos sentidos, dos gestos e das práticas coletivas, viabilizado por um conjunto de plataformas que faz entrelaçar pessoas reais. Velharias institucionais, ferozmente politizadas e excludentes, como o poder judiciário, a igreja e a imprensa, vão sendo mantidos à fórceps, em suas estruturas viciadas, em que a covardia é o parâmetro moral mais evidente. 

As instituições têm pânico ao novo e à soberania intelectual porque estão ainda baseadas em conceitos fortemente hierarquizados que, por sua vez, ignoram, subestimam e criminalizam a interação digital.

Eles vivem no século 19, gostam de frases em latim, de gramáticas, de dicionários e de filósofos europeus, de preferência mortos. Estigmatizam a cultura oriental e árabe e assoviam quando o assunto resvala no genocídio em curso do continente africano.

O mundo sangra, como já sangrou antes.

O instituto da concessão de prêmios honorários é também um corolário desse atraso cognitivo, com sua excessiva formalidade e sua lógica classista. A estética da premiação se arrasta como herança colonial, ração das vaidades, recompensa das domesticações.

A condescendência com que prêmios são rifados para aplacar a dor da falta de reconhecimento são prática risível do nosso tempo, infelizmente ainda pouco clara aos que se lambuzam em convenções para degustar restos de festa no coquetel tóxico da aceitação social.

O desdobramento óbvio desta prática heteronormativa é a estética da competição, que esmaga o pensamento político sobretudo do segmento autointitulado democrático. Militâncias a rodo acham uma ofensa pertencer à oposição e usam – com imenso orgulho – o verbo “perder” para significar um resultado eleitoral.

O texto jornalístico e as redes sociais

Esse período de transição entre o que morre e o que nasce também repercute na dimensão da produção textual. O formato consagrado do texto jornalístico, com suas decrépitas convenções seculares, chega a assustar pelo acanhamento estilístico.

Jornalistas gostam de seguir regras e têm orgulho disso. O trabalho de domesticação histórica nessa área do trabalho semi-braçal realmente foi bem feito, tenho de admitir.

No mundo da produção textual institucionalizada, a rigor, temos também o pânico ao novo, a fobia ao diferente e a execração da clarividência. A concepção semântica que por ali grassa faz ruborizar qualquer pesquisador iniciante no campo dos estudos da linguagem.

Desconhecem desdobramentos metonímicos, uso retórico do tempo verbal e protocolos persuasivos de encadeamento anafórico, nomes sofisticados para práticas absolutamente banais do faber discursivo, dominadas com facilidade por qualquer aluno do ensino médio.

Pior do que isso, esses processos de confecção textual estão presentes, mas como na justiça brasileira, eles são seletivos. Entender que ‘Academia Sueca” é desdobramento metonímico de ‘Prêmio Nobel’ pode ser ‘barrado’, enquanto aceitar ‘Paulo Guedes’ como referência de ‘ministério da economia’ é chancelado tranquilamente, sem uma gota de vaselina.

O gênero “artigo de opinião” também padece desses mesmos males e ocupa um momento técnico bastante limitador, ainda que haja, no meio deste imenso cativeiro, faíscas soberanas de encorajamento intelectual.

Há ainda o efeito colateral da massificação do sentido e do texto, via redes sociais. Sujeitos fragilizados pelas transversalidades do tempo e do esquecimento buscam ‘temas quentes’ e ‘polêmicos’ pela única e exclusiva razão do ‘alcance’ e da famigerada ‘monetização’. Não se trata de relevância, mas de efeito viral.

Isso tudo, diga-se, no circuito autodesignado “progressista”. Trata-se, miseravelmente, do mesmo protocolo observável nas hostes bolsonarianas e na comunicação de guerra de Steve Bannon: joga-se para a plateia, como o faz Luciano Huck, explorando a miséria humana, num espetáculo degradante de contemplação ‘freak’, cafona e vulgar.

Existem até aplicativos que oferecem as palavras mais “quentes” do momento, levando esse subjornalismo a entrar na ciranda do algoritmo ao mesmo tempo em que, hipocritamente, o critica.

A linguagem não é um compêndio de regras

Tudo isso é transitório e apenas desvela o sintoma máximo do colapso de sentidos que se alastra pelo mundo do comentário: a morte de uma linguagem.

Nessa transição, usa-se recursos obsoletos para reger textos-autópsia e roça-se métodos falsamente inovadores para mergulhar fundo na mediocridade da repetição incessante do mesmo.

É pilotar uma Ferrari como se fosse um fusca – com o perdão da analogia pequeno-burguesa.

Permita-me humildemente dizer: o usuário de rede, como sói acontecer com espécimes humanos, gosta de significado, não do significante – ou: o que nos torna humanos é o sentido, não sua forma bruta (que, isolada, é apenas um rastro formal e opaco).

Admitamos: a lalia jornalística se assustou com a pletora enunciativa das redes sociais. Um textão anônimo de Facebook é muito mais amplo, complexo e necessário do que um artigo bem comportado alçado ao panteão do colunismo de vitrine.

Toda essa injunção história do velho contra o novo é, a despeito de ser traumática e enfumaçada, saborosa. Pesquisadores da linguagem e do sujeito deitam e rolam com distúrbios, sintomas, cegueiras e autoindungências – por isso, gostamos de ver até a polida cena degradada da interpretação e confecção de texto, confinadas no mundinho do certo/errado.

O movimento de manada está muito mais associado àqueles que gozam de posições institucionais e estudo formal (os gloriosos ‘funcionários do mês’) do que à massa que busca sua significação histórica ‘sentindo’ os fenômenos sociais e tecnológicos que os cercam.

Essa institucionalidade pesada e obsoleta, que ainda perdura nas democracias, nos credos, nas corporações, na justiça e na imprensa, busca a todo custo negar o ‘novo’ (um ‘novo’ específico, sem dúvida) e taxá-lo como ameaça.

Percebe-se, a contento, que o mundo da normatização trata, concretamente, da perpetuação de poderes, não de seu estilhaçamento democrático, que dá voz à uma extensão social muito mais ampla e virtuosa (porque verdadeiramente coletiva e espontânea).

Um tutorial de youtuber sobre qualquer produto disponível no mercado, por exemplo, tem uma qualidade crítica e técnica infinitamente melhor do que qualquer manual de instrução – além da dimensão do afeto interlocutório, componente imprescindível a todo e qualquer processo de significação digno de atenção.

Essa é a dimensão da diferença entre um texto institucionalizado, ardendo a regras do ‘bom jornalismo’, e um mero tuíte que deflagra um fenômeno de sentido muito mais denso e corrosivo, não importando se para o bem ou para o mal.

Resta mencionar um exemplo político dessa convivência sempre turbulenta entre novo e velho e suas respectivas denegações. O movimento político que reveste o Brasil nesta janela histórica de 20 anos é exatamente decorrente desse fenômeno.

O efeito-Lula

A elite financeira brasileira, normativizada e severamente limitada nas suas formulações teóricas de turno, viu-se encurralada por um metalúrgico que ensinou um país inteiro a pensar com a própria cabeça.

Essa elite viu um trabalhador, sem o estudo formal, tornar-se o maior realizador de políticas para a ampliação do… Estudo formal (pode parecer paradoxal, mas não é).

Essa elite viu um torneiro-mecânico abrir uma fenda sutil na estrutura das democracias capitalistas e introduzir um elemento novo na discussão macroeconômica: o ser humano.

Essa elite viu um sindicalista ser o responsável pela maior expansão econômica de um país continental, associada à inclusão social e distribuição de renda – sem afetar os lucros dos bancos e dos grandes empresários.

Ora, diriam uns, por que esse ‘gênio’ da macroeconomia e inclusão social não taxou, então, esses ganhos estratosféricos do empresariado? Porque ele é mais gênio do que essa significação rasteira de ‘genialidade’, oriunda da semântica prejudicada de nossa elite, intelectualmente inerte de tão bem alimentada.

A resposta é: se se erodisse um milímetro o lucro desses empresários subdesenvolvidos, todo o processo de inclusão social, distribuição de renda e acúmulo soberano de capital estaria comprometido (eles são vingativos, como a história recente confirmou).

A genialidade de Lula atende pelo nome de ‘pacifismo’. Sem a domesticação do estudo formal, ele pôde ousar e impor uma lógica espontânea, intuitiva e consistente de orquestração gerencial (lembrando que a intuição não acontece se seu portador não estiver conectado às realidades sociais de turno).

Lula sempre foi e continua sendo o ‘novo’, a possibilidade real de se produzir sínteses virtuosas de maneira incessante, sobretudo por ele não ser um ente político que perambula dentro da caixinha infame do bom comportamento elitista.

No primeiro segundo que a tradução corrente das novas tecnologias de comunicação e produção de texto chegarem ao conhecimento de Lula, ele formulará uma nova política de inclusão, desta vez, não mais meramente social, mas sim ‘operacional’, para que cidadãos-usuários de rede usem todo o seu potencial para gerar riqueza e soberania.

Lula é um gerador nato de riqueza e soberania. Antes mesmo das redes sociais, ele sintetizou e vocalizou a voz de milhões em seu discurso, na forma e no conteúdo. Sua palavra reverbera não porque ele tem seguidores, mas porque sua voz é forjada no tecido mesmo da coletividade social em todo o seu espectro polifônico.

Por isso Lula viaja o país sem parar, por isso Lula conversa com todos sem cessar, por isso Lula resistiu a todos os golpes que lhe tentaram impingir.

Por isso, ele é o preso político mais importante do planeta e da história: porque essa prisão significa a resistência a novas práticas políticas que varrem os nichos autoproclamados e privilegiados de poder e, ainda, instalam o protagonismo insinuante e afetuoso do povo soberano.

Lula mostrou ao mundo o que, de fato, é democracia, em um momento, talvez, em que o próprio mundo não estivesse preparado para receber essa lição – o Brasil, nem se fala.

É por isso que o processo de libertação de Lula é o processo de libertação de todos nós, dessas amarras que nos empurram de volta para um passado violento, excludente e individualista.

Lula nos deu a liberdade em um momento em que não estávamos preparados para ela. Agora, ele nos oferece a possibilidade de liberdade plena, uma vez que poderemos nos libertar em conjunto: ele de uma pena injusta e nós, de um aprisionamento atávico, estrutural, classista e intelectual.

Não há parâmetros para a monumentalidade subscrita na biografia de Lula. Ela transborda humanidade por todos os poros, por todas as reentrâncias, por todas as imperfeições.

Lula é o maior professor da história deste país. Ele nos ensinou a ser gente.

Fonte: Brasil 247

(14-10-2019)

Refazendo

A resistência ao regime autoritário ilegal e ilegítimo não pode se limitar a declarações ou manifestações de descontentamento. Tem que ir além. Temos que continuar investindo esforços na construção e fortalecimento de redes solidárias por todo o país.

Estimular a recuperação da auto-estima das pessoas e comunidades (agredidas pelo desgoverno que surgiu do golpe de estado de 2016, bem como, em um sentido mais abrangente, pelo sistema desumano chamado capitalismo). Estimular o potencial resiliente das pessoas, a recuperação do sentido das suas raízes e pertencimento.

Combater a “cultura” que mecaniza e tecnifica a vida humana, nos tornando ilhas incomunicáveis, apenas reprodutoras de mensagens, sem tato, sem contato, sem emoção e sem abraço. Menos whatsapp, mais encontros presenciais. O desgoverno ilegal e ilegítimo que mantêm Lula preso sem crime cometido não vai cair pela força dos discursos que sejamos capazes de proferir.

A palavra há de ser usada com força, sem dúvida. Mas a palavra que liberta, não aquela envenenada pelo ódio. Apostar mais no cara a cara, nas famílias, nas redes de amizades, nos movimentos que mantém viva a humanidade em perigo. Desconstruir o/a outro/a e o/a diferente como ameaças ou inimigos.

Ver o/a diferente como colaborador/a. Voltar a confiar em nós mesmos/as, que superamos muitas dificuldades ao longo da vida, sendo capazes de fazer das feridas competência sanadora. Votar a construir sonhos pessoais e coletivos. Voltar a sermos felizes.

O poder de um breve texto sobre a mulher

Há um escrito de Anaïs Nin (“A nova mulher”, no seu livro Em busca de um homem sensível) que despertou e continua a despertar em mim fortes motivações.

Em vão tenho tentado obter a versão digitalizada ou eu mesmo digitalizar este texto. Por algum motivo (ou mais de um) não levo adiante essa tarefa. É como se o escrito devesse permanecer onde está, no livro onde o li por primeira vez.

Isto não impede, obviamente, que eu continue a trazer para o meu dia a dia, as inúmeras reflexões e provocações que esta autora suscita. O papel da arte na vida: reconstrói a nossa unidade, refaz a nossa força, recria a nossa vontade.

O sentido de escrever como uma forma de nos tornarmos conscientes da nossa própria experiência. A escrita como uma forma de luta contra a morte e contra a injustiça. O/a artista sonha e procura descrever o outro lado da história.

A arte como uma atividade que nos habilita para enfrentar exitosamente toda situação na vida. Lembro de Van Gogh, inevitavelmente. A mulher vêm ocupando seu próprio lugar na história e no cotidiano.

A autora resgata esta luta que ainda hoje prossegue, ao meu ver, com sabedoria e serenidade. E com uma capacidade de nos tocar e nos despertar, que julgo oportuníssima. Não apenas possui uma doçura, um poder de encantar, como também contundência e clareza, virtudes que formam por si mesmas o próprio poetizar.

Quando observo a dimensão do exército de sub-humanos/as que parece crescer pela mão da indústria da massificação e da despersonalização, a serviço da exploração e domesticação que viabiliza o capitalismo, percebo o quanto ainda temos que aprender.

O modelo de homem que a sociedade e a cultura atuais propõem não é apenas uma caricatura mais ainda pior: uma monstruosidade. Despertar nas crianças e em toda pessoa o amor à arte, o cultivo e apreço da beleza, é imprescindível, se é que queremos evitar a nossa completa robotização.

Inutilmente iria eu tentar resumir o poder deste breve escrito (transcrição de uma conferência pronunciada pela autora em 1974 em São Francisco) como mobilizador e libertador. Convido a quem possa ler estas linhas a visitá-lo.

Foto: Anaïs Nin