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Na linha de largada da Década da Ação

Por Lise Kingo
Bem-vindos e bem-vindas à Década da Ação: enquanto adentramos 2020, permitam-me compartilhar com vocês algumas reflexões sobre meus medos, esperanças e boas expectativas para um ano importante — o limiar de uma década crucial que o secretário-geral da ONU, António Guterres, chamou de “A Década da Ação”.
Eu temo estarmos correndo contra o tempo: na linha de largada da Década da Ação, o mundo está perdendo a corrida para evitar a crise climática. Dois mil e dezenove foi o ano mais quente já registrado, encerrando a década mais quente já registrada, e a tendência deve continuar.
Em novembro de 2019, 11 mil cientistas especializados em clima soaram o alarme dizendo que a Terra está “claramente e inequivocamente” enfrentando uma emergência climática e advertindo que estamos esgotando o tempo de reverter esta tendência.
Nós somos todos impactados pelas mudanças do clima. Ondas de calor, queimadas, tempestades, secas, inundações e o aumento do nível dos oceanos estão ameaçando os meios de sustento e a segurança de bilhões de pessoas.
Para alguns, a sobrevivência depende da liderança global de agir AGORA. Em maio de 2019, o secretário-geral da ONU visitou Tuvalu, um país que, junto com outros países insulares no Oceano Pacífico, enfrenta um aumento do nível do oceano quatro vezes maior que a média global.
Ainda assim, apesar de todos os dados e provas científicas, todos saímos desapontados da COP25 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em Madri e de seu chamado urgente aos governos para que façam a transição a uma economia independente de combustíveis fósseis. Na verdade, em vez de cair, as emissões de CO2 continuam a aumentar.
Com a adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável em 2015, 193 países-membros da ONU prometeram não deixar ninguém para trás. Mas a realidade é que, cinco anos depois, desigualdades estão crescendo entre ricos e pobres, homens e mulheres, Norte e Sul.
E a nossa falha em evitar as mudanças do clima deixarão os mais vulneráveis ainda mais para trás. Esta preocupação também foi apontada no nosso CEO Study de 2019, conduzido em parceria com a Accenture, no qual 88% dos CEOs apontaram a necessidade de redirecionar o nosso sistema econômico global para a inclusão.
Eu tenho esperança na próxima geração e na liderança de negócios: 2019 também foi o ano em que o mundo acordou com relação à emergência climática. Armada com dados científicos, a ativista Greta Thunberg incentivou milhões de pessoas a pedir ação climática dos líderes globais.
Jovens tomaram as ruas todas as sextas-feiras, crescendo em número de semana a semana. Suas preocupações são legítimas e suas vozes são necessárias no debate sobre o futuro que é deles.
Na verdade, de acordo com pesquisa da Anistia Internacional com 10 mil jovens de idades entre 18 e 25 anos, de seis continentes, as mudanças do clima são o assunto mais preocupante para 41% dos entrevistados. Eles não têm paciência para declarações que não são seguidas por ações audaciosas e transformadoras.
Como estudantes e futuros funcionários, empreendedores, consumidores, investidores e eleitores, eles estão determinados a mudar o mundo.
No Pacto Global, também decidimos capturar energia, imaginação e impaciência de jovens profissionais que trabalham em nossas empresas participantes. Lançamos um programa de aceleração chamado “Jovens Inovadores em ODS”, ativando futuros líderes transformadores a desenvolver e guiar soluções inovadoras e modelos de negócio voltados aos objetivos de sustentabilidade de suas empresas.
Na intenção de convidar os jovens a se sentar à mesa, em nosso Leaders Summit de 2019, também celebramos 15 jovens SDG Pioneers, que através do seu trabalho materializam uma nova era para a liderança corporativa sustentável. Esses são os exemplos da próxima geração que me enchem de esperança.
Dois mil e dezenove também foi o ano em que líderes empresariais tomaram a liderança e se posicionaram por um futuro em que o aumento da temperatura da Terra não ultrapasse 1,5ºC acima de níveis pré-industriais — porque este é o nosso único futuro.
Até a COP25, em dezembro, 177 empresas tinham se comprometido com a meta ambiciosa reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa de forma alinhada com o futuro de 1,5º C. Coletivamente, estas empresas representam mais de 5,8 milhões de trabalhadores, abrangem 36 setores, e tem sedes em 36 países.
Com um valor de mercado combinado de 2,8 trilhões de dólares e representando um volume de emissões anuais equivalente ao da França, o comprometimento dessas empresas oferece um ponto de virada real. Tenho confiança de que estamos testemunhando o início de uma nova economia de carbono neutro.
Tenho grandes expectativas para um ano de união: 2020 marca o início da “Década de Ação”. Uma década de oportunidades para entregar a visão audaciosa estabelecida pela Agenda 2030 — para criar um futuro melhor para todos em um planeta saudável.
Dois mil e vinte marca o aniversário de 75 anos da Organização das Nações Unidas. Construída das cinzas de duas guerras mundiais e inimagináveis crimes contra a humanidade, a ONU foi formada a partir do entendimento que as nações precisam trabalhar juntas em unidade pelo bem comum e no serviço da humanidade.
Na próxima década, todos nós seremos definidos pela forma como lidamos com os desafios mundiais em tudo que fazemos — como indivíduos e através das plataformas públicas e privadas que nos foram confiadas.
Dois mil e vinte também marca os 20 anos do Pacto Global, unindo empresas por um mundo melhor. Conforme nos lançamos na Década da Ação para entregar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, não há melhor momento para celebrar a visão do nosso fundador, o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.
Em 2000, ele teve a visão de iniciar um “pacto global de valores e princípios compartilhados” entre as Nações Unidas e as empresas para “dar uma face humana ao mercado global”.
A sua visão estará iluminada enquanto levaremos mais de 1,5 mil líderes de todo o mundo ao Leaders Summit de 2020, que acontece em 15 e 16 de junho, em Nova Iorque. Juntos, vamos reimaginar, reiniciar e redefinir ambições, liderança e ação para entregar o mundo que queremos.
Eu convido você a se unir a mim em nosso Leaders Summit, no qual passarei o bastão ao novo CEO do Pacto Global. Foi uma honra e um prazer liderar a iniciativa nos últimos cinco anos.
Então, faremos de 2020 o ano em que cumpriremos nossas promessas para funcionários, família, comunidade, atores e, não menos importante, para a próxima geração, ao abraçar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — sempre guiados pelos Dez Princípios.

A autora é CEO e diretora-executiva do Pacto Global da ONU
Fonte: Nações Unidas – Brasil
(14-01-2020)

La vida como obra de arte

La vida como obra de arte
La belleza que somos capaces de crear diariamente
La belleza es un recurso que usamos para ser felices
Arte y belleza. Vida y belleza. Siempre tuve la certeza de que arte es más que creación de obras de arte. Es una manera de vivir.
Encontré en Anaïs Nin y en Julio Cortázar, en Jorge Luis Borges y Somerset Maugham, en Rubem Alves y en Van Gogh, la confirmación de que es así.
Arte es lo que hago y es lo que soy. Es el camino que recorro a la eternidad.
Al recorrer este camino se van disolviendo las separaciones, deja de existir la mediación. Lo que es es lo que está siendo.
Disfrutar del arte y hacer arte son una sola y la misma cosa. Disfrutar es el arte supremo.
 
Bibliografía: Anaïs Nin, Em busca de um homem sensível; Rubem Alves, Ostra feliz não faz pérola; W. Somerset Maugham, O véu pintado; Jorge Luis Borges, Prólogos, con un prólogo de prólogos; Vincent Van Gogh, Cartas a Théo.

Tiempo libre

La vida tiene sentido en cualquier circunstancia. La afirmación es de Viktor Frankl, creador de la logoterapia.
Hay una presión enorme en el sentido de confundirnos para que no sepamos para qué vivimos, que nos olvidemos de quién somos, que no sepamos que tenemos derecho a existir.
El derecho de existir es independiente de cualquier característica personal que tengamos. No es porque una persona sea vieja, que deba ser descartada.
O porque está enferma, deba ser abandonada. O porque sea pobre, o negra, o de una opción o identidad sexual diversa, excluida o agredida.
Cuando digo que la vida siempre tiene sentido, es porque me doy cuenta de que esto debe ser afirmado concretamente, diariamente.
El hecho de que vivamos en una sociedad pautada por el endiosamiento del dinero y la propiedad, el poder y el prestigio, no debe enceguecernos al punto de que no sepamos quién somos, qué queremos, adónde vamos.
No debemos perder de vista el valor de la vida. El hecho de que alguien no esté generando lucro, o dando rendimientos al mercado, o siendo significativo para las empresas o para el estado o para alguna institución, no hace que esa persona no tenga derecho a existir.
El tiempo libre es justamente aquél que podemos dedicar a nosotros/as mismos/as, al mero disfrute de la vida, independientemente de cualquier aplicación “útil”.
La vida es siempre valiosa. Sutilmente o descaradamente, se trata de naturalizar lo contrario.
Cabe defender conciente y activamente el derecho de existir cada persona tal como es. Nada está por encima de la vida: ni la religión, ni el estado, ni el comercio, ni los prejuicios, ni la ignorancia, ni la confusión generalizada que parece ser la marca registrada de estos tiempos en que tanta gente no sabe distinguir lo que es de lo que le quieren hacer creer que es.
Como artista, defiendo y defenderé siempre el derecho a la fantasía y a la imaginación, lo cual no significa de ninguna manera que esté confundiendo lo real con lo que me tratan de imponer.
Más vale al contrario, mi asiento en la realidad es de tal naturaleza que me permite reivindicar plenamente y totalmente, incuestionablemente, la libertad del tiempo como pre-requisito indispensable para el vivir.
Como sociólogo no puedo menos que expresar mi perplejidad frente a una situación en que la vida humana es fragilizada más allá de lo aceptable.
La indiferencia ética nunca fue mi bandera. Cuando se condena a muerte (hambre, miseria, desempleo, exclusión) a millares de personas en nombre de alegadas razones económicas, es el sistema el que se condena.
Que haya personas que son asesinadas simplemente por estar durmiendo en la calle, por no tener una casa, es algo que mi conciencia no acepta ni aceptará nunca. Esto debe ser enfrentado con las armas de la educación.
El precio de la vida es comprometernos como humanidad, cotidianamente, para crear y mantener vínculos sociales saludables que tengan como centro el cuidado con el ser humano.

Fundamentalmente

Educação, arte, ciência, cultura. Filosofia, sociologia. Identidade, memória, consciência. Estes pilares ou eixos são indispensáveis para a existência de uma sociedade humana. Sem eles somos apenas gado, massa de manobra, coisa descartável. Nos dias de hoje há uma tendência a deixar de lado o essencial e fundamental, dissolvendo tudo numa geleia geral.

Quem gana com isso? Os inimigos e as inimigas da humanidade. Instala-se uma indiferença, em que tudo parece ser a mesma coisa, mas não é. Não é o mesmo um burro que um professor. Uma pessoa que sabe quem ela é, quais são os seus direitos e o seu lugar na sociedade, não vai se deixar enganar. Vai exigir um salário justo, vai exigir ser tratada com respeito.

O ódio do elemento que ganhou o poder no Brasil atual é exatamente o ódio da massa desqualificada contra aquilo que poderia torná-la gente. Paulo Freire explica perfeitamente na sua obra Pedagogia do oprimido. Não se trata apenas de ensinar a ler, a soletrar, ou a escrever corretamente. Se trata, isso sim, de que a pessoa venha a ler a si mesma, e a se ler no mundo.

Não há nenhuma determinação que estabeleça que algumas pessoas vão ter que morrer de fome, adoecer, viver sem casa. O sistema econômico gera riqueza e alimentos para sustentar toda a humanidade. O capitalismo estabelece uma distinção odiosa e antinatural, que condena a maioria das pessoas a viver e morrer pela metade, sem nunca terem se tornado gente. Daí que seja imperioso que nos voltemos para prosseguir na semeadura daquilo que perdura.

Sinais de gravidez de uma humanidade nova

Nesse 4º domingo do Advento (do ano A), as comunidades escutam como evangelho Mateus 1, 18- 24. É o anúncio do Anjo do Senhor a José a respeito da gravidez extraordinária de Maria e da necessidade de que ele, José, a acolha e lhe garanta respeitabilidade em uma sociedade patriarcal. Para cumprir as escrituras e as promessas divinas, José, sendo da descendência de Davi, deve dar o nome ao filho que vai nascer. Jesus será chamado filho de José. 

Uma leitura fundamentalista desse texto se centra no fato de que “a virgem concebeu sem relações com nenhum homem, por obra do Espírito Santo”. Do outro lado, na sociedade secularizada de hoje se lê isso como uma espécie de história de fadas para crianças.

A proposta justa é reconhecer que os evangelhos da infância de Jesus (Mateus 1- 2 e Lucas 1 – 2), acrescentados ao texto original dos evangelhos, foram redigidos como midrash. Isso significa que são comentários narrativos de textos do primeiro testamento e não relatos históricos. No caso desse evangelho, o evangelista comenta Isaías 7 para mostrar que no nascimento de Jesus se cumpre plenamente a profecia de Isaías ao rei Acaz. No tempo de Isaías, o anúncio era de que uma jovem tinha engravidado do rei e esse terá um filho (Ezequias) que seria considerado Emanuel, isso é, sinal da presença divina no meio do seu povo (Deus conosco). O sinal de que Deus estaria com o seu povo seria o fato de que antes de que o príncipe Ezequias crescesse, os dois impérios (Assíria e Egito) que ameaçavam o povo de Deus estariam derrotados e o povo teria paz. Mateus traduz o termo hebraicojovem pelo grego virgem e usa o texto de Isaías para justificar o nascimento milagroso de Jesus, o novo Emanuel: Deus conosco.

A tradição cristã, influenciada por uma cultura estrangeira à Bíblia sublinhou a virgindade de Maria para exaltar a sua pureza e acentuar certo desprezo da corporalidade. É provável que o evangelista tenha chamado Maria de virgem como símbolo da pobreza de Israel, dependente dos impérios estrangeiros (na época do império romano) e sem esposo, já que havia rompido a aliança com Deus. A própria Maria, quando recebe de Isabel a notícia de que vai ser mãe do Messias, reage cantando: “Deus olhou para a pobreza (ou humilhação) de sua serva”.  Em uma sociedade patriarcal, a humilhação de Maria era ser virgem e sem marido. No entanto, nesse contexto, ao escolher Maria, Deus revela que rompe com o patriarcalismo e começa uma nova história. Hoje, as comunidades podem cantar: “Da cepa brotou a rama, da rama brotou a flor, da flor nasceu Maria, de Maria o salvador”.

Quando o evangelista escreveu esse texto, Jerusalém tinha sido destruída (anos 80). Não havia mais templo e parecia não haver mais esperança para o povo da promessa. É nesse contexto que o Anjo do Senhor fala a José. O Anjo do Senhor é como os textos bíblicos falam da manifestação de Deus a Abraão, a Moisés e aos profetas. O Anjo do Senhor é a Palavra de Deus (não é como em Lucas, o anjo Gabriel). É o anúncio de uma nova aliança na qual Deus está conosco e em nós.

As condições sociais e políticas da nossa realidade são diferentes daquelas nas quais Mateus escreveu esse texto. No entanto, assim como o império romano tinha praticamente destruído a experiência do Israel mais livre (depois dos Macabeus), o império de hoje destrói as experiências de liberdade e autonomia no Brasil e em toda América Latina. Na época de Mateus, Soter  (Salvador) era o título que o imperador Vespasiano se dava. O evangelho nos aponta que a verdadeira salvação vem de comunidades pobres e impotentes (virgem) que engravidam de um projeto novo de vida e de libertação. Por mais dura e escura que parece a realidade atual, o evangelho de hoje nos convida a descobrir onde está surgindo a gravidez desse mundo novo que irrompe no meio de tanta estupidez e crueldade e nos dá a graça de sentir e testemunhar que Deus é Emanuel, Deus conosco.

Nesses dias, na agenda latino-americana havia uma nota histórica: Nesse dia, em 1770, a corte de Portugal determinou que os índios do Nordeste deviam ser expulsos de suas aldeias e os seus povos declarados extintos. Atualmente, em todos os Estados do Nordeste as etnias indígenas retomaram suas aldeias. Refazem o seu modo de viver comunitário, recuperam suas línguas e, apesar de toda perseguição, são para nós testemunhas de que Deus é Emanuel, Deus conosco e em nós.

Que alegria podermos, cada um/uma de nós, escutar hoje o Anjo do Senhor que faz de nós novos José e nos pede que acolha as Marias grávidas da novidade de Deus no mundo como sendo ação do Espírito Santo. Assim como José com Maria grávida, temos de proteger e cuidar dessa gravidez de uma humanidade nova, onde quer que ela se manifeste.

(21-12-2019)

Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Direito a um padrão de vida adequado

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o aniversário de 70 anos, nas próximas semanas, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicará textos informativos sobre cada um de seus artigos.

A série tentará mostrar aonde chegamos, até onde devemos ir e o que fazer para honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais aspirações.

Leia mais sobre o Artigo 25:

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

O Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos abrange uma ampla gama de direitos, incluindo o acesso a alimentação adequada, água, saneamento, vestuário, habitação e cuidados médicos, bem como proteção social cobrindo situações além do controle, tais como deficiência, viuvez, desemprego e velhice. Mães e filhos têm direito a cuidados especiais.

Este artigo é um esforço de garantir o atendimento às necessidades, com base na famosa visão de quatro liberdades do presidente Franklin Roosevelt. Em um discurso em 1941, ele ansiava por um mundo baseado em quatro liberdades humanas essenciais: a liberdade de expressão, a liberdade de adorar a Deus à sua maneira, o direito de viver livre de necessidades e livre do medo. Após a morte de Roosevelt e o fim da Segunda Guerra Mundial, sua viúva Eleanor frequentemente se referiu às quatro liberdades quando atuava como chefe do comitê de redação da DUDH.

O direito de viver livre de necessidades e do medo aparece no Preâmbulo da DUDH, e o Artigo 25 nos diz como isso deve ocorrer. É ainda mais aprofundado no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, parte do trio de instrumentos que compõem a Declaração de Direitos, juntamente com a DUDH.

Depois de dois artigos que trataram dos direitos dos trabalhadores, o Artigo 25 enfatiza que “todos” têm direitos sociais e econômicos. Existe um nível abaixo no qual ninguém deve cair. Em uma linguagem que agora é antiquada, mas que expressa uma noção progressista, este Artigo especifica que todas as crianças têm os mesmos direitos garantidos, sendo “nascidas dentro ou fora do casamento”. O Artigo 25 também forma a base para os atuais esforços de enfrentar os desafios específicos de milhões de mulheres e homens idosos em todo o mundo.

A primeira exigência listada no Artigo 25 como sendo necessária para “um padrão de vida adequado para saúde e bem-estar” é a comida. Um ex-relator especial da ONU para o direito à alimentação, Jean Ziegler, observou que “o direito à alimentação não significa distribuir comida de graça para todos”.

No entanto, os governos são obrigados a não impedir o acesso a alimentos adequados, por exemplo, expulsando pessoas de suas terras, destruindo culturas ou criminalizando a pobreza. Os governos também devem tomar medidas adequadas para garantir que as atividades do setor privado não afetem o direito das pessoas à alimentação. E, da mesma forma, os serviços privados de água não podem comprometer o acesso igual, acessível e físico a fontes de água suficientes, seguras e aceitáveis.

Muitos especialistas dizem que o mundo produz alimentos suficientes para alimentar toda a humanidade. Mas cerca de 815 milhões de pessoas continuam sofrendo de fome crônica por causa da distribuição desigual de riqueza e recursos: são pobres demais para comprar comida, não têm terra para produzir seu próprio alimento ou enfrentar uma variedade de outros obstáculos que poderiam ser resolvidos.

“Metade da população mundial está perdendo serviços essenciais de saúde e 100 milhões são empurrados para a pobreza a cada ano tentando pagar por eles. Isso é uma violação do direito humano à saúde”, disse o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus.

A pobreza é tanto uma causa quanto uma conseqüência de violações de direitos humanos, e coloca muitos outros direitos listados na DUDH fora de alcance. O Banco Mundial e a OMS relataram em 2017 que pelo menos metade da população mundial (cerca de 3,8 bilhões de pessoas) é muito pobre para obter serviços essenciais de saúde, incompatíveis com o direito à saúde estabelecido no Artigo 25.

Eles também disseram que 1 bilhão de pessoas gastam 10% ou mais de sua renda familiar em despesas de saúde para si, para uma criança doente ou para outro membro da família. Para quase 100 milhões de pessoas, essas despesas são altas o suficiente para empurrá-las à pobreza extrema, uma situação inaceitável e desnecessária, disseram.

A pobreza extrema é mais do que apenas a falta de renda suficiente. Para o relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos, a pobreza extrema envolve falta de renda, falta de acesso a serviços básicos – saúde, educação e condições de vida – e exclusão social. Sob esses critérios, mais de 2,2 bilhões de pessoas – 30% da população mundial – estão próximas ou já vivem na pobreza.

O atual relator especial para o tema, Philip Alston, apontou que a pobreza extrema não se limita aos países em desenvolvimento. As políticas governamentais podem enraizar altos níveis de pobreza e infligir “miséria desnecessária” até mesmo nos países mais ricos do mundo.

“Falei com pessoas que dependem de bancos de alimentos e instituições de caridade para a próxima refeição, que estão dormindo nos sofás de amigos porque estão desabrigadas e não têm um lugar seguro para seus filhos dormirem”, disse Alston após uma visita em 2018 ao Reino Unido. Ele disse que também conheceu pessoas “que trocaram sexo por dinheiro ou abrigo, crianças que estão crescendo na pobreza, inseguras de seu futuro”.

Onde os governos nacionais se afastam das obrigações internacionais (como a retirada anunciada pelos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre a mudança climática), as cidades estão cada vez mais se apresentando para preencher essas lacunas. O Sul global liderou o movimento para estabelecer “cidades de direitos humanos”, e York seguiu essa liderança para se tornar a primeira cidade de direitos humanos do Reino Unido.

Em uma declaração de 2017, adotou “uma visão de uma comunidade vibrante, diversa, justa e segura, construída sobre os fundamentos dos direitos humanos universais”. Selecionou cinco prioridades de direitos humanos: os direitos à educação, moradia, saúde e assistência social, um padrão de vida decente e igualdade e não discriminação. As primeiras quatro prioridades de York estão entre os direitos sociais encontrados no artigo 25, enquanto a quinta – igualdade e não discriminação – está no coração da DUDH e de todos os direitos sociais.

Fonte: Nações Unidas – Brasil

(20-12-2018)

Artigo 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Direito a repouso e lazer

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o aniversário de 70 anos, nas próximas semanas, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicará textos informativos sobre cada um de seus artigos.

A série tentará mostrar aonde chegamos, até onde devemos ir e o que fazer para honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais aspirações.

Leia mais sobre o Artigo 24: Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Em 21 palavras claras, o Artigo 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta o outro lado do direito ao trabalho articulado no Artigo 23 – o direito de não ser sobrecarregado. O artigo conserva o direito de horas limitadas de trabalho e de férias remuneradas, mas como o redator cubano Pérez Cisneros disse na década de 1940, não deve ser interpretado como “o direito à preguiça”.

Mesmo no século 19, havia reconhecimento de que horas de trabalho excessivas apresentavam perigo à saúde de trabalhadores e de suas famílias. Limitações das horas de trabalho e o direito ao repouso não são mencionados nas principais convenções de direitos humanos, mas foram apresentados no primeiro tratado adotado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, aplicando limite de oito horas por dia e de 48 horas por semana de trabalho na indústria.

O Artigo 23 deve muito às contribuições de países da América Latina ao processo de esboço do documento, entre 1946 e 1948. Em meados da década de 1940, quase todos os países da região possuíam governos democráticos e Constituições ricas em direitos econômicos e sociais, incluindo férias anuais e outras formas de licenças remuneradas.

Estas Constituições foram examinadas como inspiração para a Declaração Universal dos Direitos Humanos e recebidas com aprovação pelo bloco comunista. Como disse o redator iugoslavo Vladislav Ribnikar: “o direito ao repouso sem pagamento não significa nada”.

Ligado às horas razoáveis de trabalho, tempo de descanso e férias remuneradas está o direito de cada pessoa ao autodesenvolvimento e à educação. Isto representa um dos muitos momentos em que a DUDH busca garantir o total desenvolvimento das personalidades.

Salvaguardar saúde física e mental de trabalhadores não é somente ato de compaixão, mas ajuda a garantir alta produtividade. Do outro lado, a sobrecarga de trabalho – muitas horas e além da capacidade de uma pessoa – pode ser fatal.

“Quando um pai passa longas horas no trabalho, ele é elogiado por ser dedicado e ambicioso. Quando uma mãe fica até tarde no escritório, ela é às vezes acusada de ser egoísta e negligenciar seus filhos”, disse recentemente a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama.

No Japão, há uma palavra para “morte por sobrecarga de trabalho” – Karōshi (過労死) – identificada pela primeira vez em 1969. Não só restritas ao Japão, as mortes do tipo são frequentemente provocadas por ataques cardíacos, derrames devido ao estresse e inanição.

A OIT relatou o caso de um homem que trabalhava até 110 horas por semana em uma grande companhia de processamento de alimentos no Japão e morreu após ataque cardíaco aos 34 anos. Em outro caso, uma viúva recebeu indenização 14 anos após a morte de seu marido de 58 anos, um funcionário de uma grande companhia de impressões em Tóquio e havia trabalhado 4.320 horas ao ano, incluindo à noite – equivalente a 16 horas em cada 24 horas.

Além de funcionários sobrecarregados, há outro grupo que, em muitos países, trabalha ainda mais – frequentemente em condições inseguras ou insalubres – e ainda permanece em dívidas e na pobreza. Esse é o caso dos migrantes, independentemente de seu status migratório: sejam eles indocumentados ou aqueles com direito de residência.

Um tratado de 1990, a Convenção sobre a Proteção dos Direitos Humanos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, busca proteger o trabalho e direitos relacionados de não cidadãos, incluindo o direito a repouso e lazer. No entanto, até o momento, a Convenção só foi ratificada por 54 Estados – em maioria os que produzem migrantes, em vez dos que recebem.

No entanto, importantes órgãos regionais também estão trabalhando para sustentar os direitos empregatícios de migrantes. No caso de um trabalhador mexicano não documentado nos Estados Unidos, demitido por tentar organizar trabalhadores, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirmou que ele ainda deveria receber compensação devida e que governos têm a obrigação de garantir direitos para todos dentro de suas jurisdições, incluindo direitos trabalhistas.

“A ideia de que pobres devem ter lazer sempre foi chocante para os ricos”, disse o filósofo britânico Bertrand Russell, em “O Elogio ao Ócio” (1932).

Governos em todos lugares possuem obrigação legal de garantir o direito a condições seguras e saudáveis de trabalho, o direito a horas limitadas de trabalho e às férias remuneradas, mas estes direitos estão em ataque em alguns países desde a recessão global de 2008.

Em diversos países desenvolvidos, empregos fixos – com benefícios, férias remuneradas, medidas de segurança e possível representação sindical – estão dando espaço a contratos.

Como um especialista afirmou, no mundo de hoje, trabalhadores parecem “nada mais do que adolescentes dando uma mão a um negócio familiar abastado”.

O conceito de que empregados estão tentando ganhar um salário digno, e que empregadores têm obrigações em relação a eles, está sendo cada vez mais esquecido em alguns países onde era um direito estabelecido.

As próprias empresas têm responsabilidade de respeitar o direito ao lazer como parte de suas obrigações sob os princípios da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos.

Esta responsabilidade se aplica a todas as cadeias de fornecimento e significa que, como parte da “diligência devida de direitos humanos”, uma companhia deve considerar se qualquer uma de suas atividades ou operações está resultando em horas excessivas de trabalho para funcionários.

Fonte: Nações Unidas – Brasil

(19-12-2018)

Artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Direito à proteção social

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o aniversário de 70 anos, nas próximas semanas, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicará textos informativos sobre cada um de seus artigos.

A série tentará mostrar aonde chegamos, até onde devemos ir e o que fazer para honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais aspirações.

Leia mais sobre o Artigo 22: Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais, indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Após elucidar uma longa lista de direitos civis e políticos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) agora se vira para direitos econômicos, sociais e culturais no Artigo 22 e nos seis artigos seguintes.

Estes direitos, em maioria desenvolvidos no século 20, incluem o direito ao trabalho, a um padrão adequado de vida, educação, maternidade e infância, segurança social e o direito de participar da vida cultural.

A inclusão destes direitos econômicos e sociais dá efeito a uma das “Quatro Liberdades” do presidente norte-americano Franklin Roosevelt – o direito a um nível de vida adequado.

“Para a ONU, saúde, educação, moradia e a gestão séria da justiça não são produtos à venda para poucos, mas em vez disso são direitos que todos devem ter, sem discriminação”, disse Navi Pillay, ex-chefe de direitos humanos da ONU, na publicação The Tunis Imperative.

O Artigo 22 elucida as qualidades do Estado de bem-estar social que são quase universalmente aceitas atualmente. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1900, somente 17 países possuíam sistemas de proteção social para apoiar indivíduos e famílias através de aposentadorias, pagamentos por incapacidade para trabalhadores acidentados, benefícios para mães, seguros de saúde e muitos outros programas.

Assistência social pode incluir transferências em dinheiro e é frequentemente referida como uma “rede de segurança social” que ajuda pessoas, especialmente as mais pobres e vulneráveis, a lidar com os choques da vida, encontrar empregos e educar seus filhos.

De acordo com a OIT, o número de países com sistemas de proteção social aumentou para 104 em 1946 e para 187 em 2015. No mundo todo, 45% das pessoas tiveram acesso a pelo menos um benefício de proteção social em 2017, enquanto 29% tiveram acesso a sistemas abrangentes de seguridade social.

A divisão entre direitos econômicos, sociais e culturais de um lado, e direitos civis e políticos de outro, sempre foi artificial. Sem uma educação básica, você pode efetivamente fazer uso do direito à liberdade de expressão? O direito ao trabalho pode ser prejudicado se você não puder se reunir em grupos e ter espaço para expressar opiniões sobre condições de trabalho. E qualquer forma de discriminação pode ter um impacto altamente corrosivo em uma série de direitos sociais, econômicos e culturais do grupo de pessoas sendo discriminado.

A chefe do comitê de elaboração da DUDH, Eleanor Roosevelt, uma ativista de longa data dos direitos humanos, não queria impor obrigações aos Estados. A Declaração, segundo ela, “deveria expor os direitos do homem, não as obrigações dos Estados”.

Este ponto de vista foi contestado pelo bloco soviético. O representante canadense Ralph Maybank afirmou que se os direitos da Declaração fossem alcançados, “a ordem social e internacional seria boa, seja através do capitalismo, comunismo, feudalismo ou qualquer outro sistema”.

A questão de ser obrigação dos Estados sustentar os direitos estabelecidos na Declaração Universal foi gradualmente resolvida posteriormente através da elaboração de nove tratados de direitos humanos, que criaram leis vinculantes: em especial, os dois pactos que cobrem todos os direitos – o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – adotado 18 anos após a DUDH, em dezembro de 1966.

O Artigo 22 afirma que direitos econômicos, sociais e culturais são indispensáveis para a dignidade e o desenvolvimento da personalidade humana. Esta frase aparece novamente no Artigo 29, destacando que redatores da DUDH queriam não só garantir um mínimo básico, mas ajudar todos nós a nos tornar pessoas melhores.

Esta promessa ainda não foi completamente cumprida. A alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, destacou que “falta acesso à proteção social completa para 71% da população”.

“Em outras palavras, em dois terços do globo, sociedades não foram capazes de garantir a seus povos os meios básicos para viver sem medo e sem se sentir discriminado”, disse. Ela acrescentou que dois terços das crianças do mundo, ou 1,3 bilhão, estão sem proteção social.

Em 2009, as Nações Unidas concordaram em uma “Iniciativa de Piso de Proteção Social”, que encorajou países a construírem sistemas abrangentes de segurança social. Desde então, melhorias foram vistas não só em países em desenvolvimento, mas também em muitos países de renda média e baixa.

A Mongólia apresentou um esquema de benefícios familiares. A Argentina está expandindo um programa de sucesso para apoiar mulheres grávidas e novas mães que não têm seguro de saúde. Tailândia, Colômbia, Ruanda e China fizeram progressos na garantia de acesso universal à saúde.

Um grande número de países está promovendo avanços em programas para garantir uma renda para cidadãos idosos: Azerbaijão, Bolívia, Botsuana, Brasil, Cabo Verde, China, Camboja, Kosovo, Lesoto, Mongólia, Geórgia, Namíbia, África do Sul, Tailândia, Nepal, Trinidad e Tobago, e Ucrânia.

Condições mínimas de proteção social, colocadas sobre a base firme de padrões e princípios de direitos humanos, podem ajudar a criar um mundo melhor pra todos.

“Todos queremos ver um mundo onde todas as crianças e todos os adultos tenham suas necessidades básicas atendidas; onde desemprego, acidentes, falta de saúde, velhice ou deficiências não sejam sinais de miséria ou de dificuldades; onde pessoas não sejam deixadas desprotegidas em momentos de crises e desastres”, afirmou Bachelet.

Fonte: Nações Unidas – Brasil

(17-08-2018)

Artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Presunção de inocência e crimes internacionais

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o aniversário de 70 anos, nas próximas semanas, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicará textos informativos sobre cada um de seus artigos.

A série tentará mostrar aonde chegamos, até onde devemos ir e o que fazer para honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais aspirações.

Leia mais sobre o Artigo 11:

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

À primeira vista, o Artigo 11 diz que todo ser humano é inocente até que se prove o contrário, um elemento fundamental dos julgamentos justos e do Estado de Direito, e um conceito que todos podem entender. Mas ao nos aprofundarmos um pouco mais sobre este artigo, descobrimos uma história fascinante sobre o desenvolvimento de tribunais internacionais com o poder de responsabilizar indivíduos pelos crimes mais hediondos conhecidos pela humanidade.

Nos últimos 70 anos, o mundo passou a aceitar que os piores violadores de direitos humanos devem ser responsabilizados por seus crimes. Eles não podem fugir da Justiça por serem governantes de países ou líderes militares. Ninguém deve estar acima da lei.

Isso inclui, nos últimos anos, o presidente e comandante militar da República Sérvia da Bósnia (Republika Srpska) por crimes cometidos durante a guerra da Bósnia no início dos anos 1990.

Radovan Karadžić foi considerado culpado do genocídio em Srebrenica, por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, enquanto seu principal general, Ratko Mladić, foi considerado responsável pelo cerco de Sarajevo e pelo massacre de Srebrenica no qual cerca de 8 mil pessoas, a maioria homens e meninos, foram mortas.

No total, ele foi condenado por 10 acusações — uma de genocídio, cinco de crimes contra a humanidade e quatro de violações das leis ou costumes de guerra. Da mesma forma, o ex-primeiro-ministro ruandês Jean Kambanda é o único chefe de governo a se declarar culpado de genocídio — por seu papel no massacre de 800 mil pessoas em 1994.

O segundo parágrafo do Artigo 11 é uma proibição de leis retroativas, um aspecto já adotado em muitas constituições em 1946-1948, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) estava sendo elaborada. O parágrafo 2 diz: “ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional”.

A DUDH estava sendo elaborada logo após o tribunal de Nuremberg, que julgou os crimes de guerra dos principais líderes nazistas, e um julgamento semelhante ainda estava em andamento em Tóquio.

Embora a defesa da presunção de inocência tenha sido acordada rapidamente para o texto do Artigo 11, os redatores tiveram dificuldades na redação do segundo parágrafo. Eles estavam preocupados com a possibilidade de a proibição da retroatividade ser usada como argumento para considerar os julgamentos de Nuremberg ilegais. Eles tentaram usar termos como “crimes contra a paz” e “crimes contra a humanidade”, que anteriormente não existiam nas leis nacionais.

A redação finalmente acordada no Artigo 11 preparou o caminho para a adoção formal, em 1968, de uma convenção da ONU que declara não haver limitações de estatuto para crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A partir dos anos 1990, com o entendimento de que certos crimes se enquadram na jurisdição internacional, foram criados tribunais ou tribunais especiais para Serra Leoa, Camboja, ex-Iugoslávia, Ruanda e outros.

A determinação de acabar com a impunidade por tais crimes hediondos levou à criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) em 2002. Tal tribunal estava previsto na Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, adotada pela ONU em 9 de dezembro de 1948, um dia antes da adoção da DUDH. A Convenção do Genocídio responsabiliza indivíduos perpetradores “sejam eles governantes constitucionalmente responsáveis, funcionários públicos ou indivíduos particulares”.

A lista de crimes pelos quais eles poderiam ser condenados foi ampliada pelo Estatuto de Roma que estabeleceu o TPI. O estatuto declarou claramente que os crimes de estupro e de violência baseada em gênero estavam na lista de crimes contra a humanidade e crimes de guerra, construindo a percepção de que o estupro não era apenas cometido por soldados em fúria, mas, no século 20, se tornara uma tática de guerra.

“Por quase 20 anos, presenciei crimes de guerra cometidos contra mulheres, meninas e até crianças, não só no meu país, na República Democrática do Congo, mas também em muitos outros países”, disse Denis Mukwege, médico congolês laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2018.

O comitê que concede o Prêmio Nobel da Paz buscou enfatizar a repulsa mundial por tais atos este ano, quando concedeu o Prêmio da Paz ao médico congolês Denis Mukwege e Nadia Murad, um ativista yazidi, por seus esforços para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra e de conflito armado.

Como observou o comitê do Nobel: “um mundo mais pacífico só pode ser alcançado se as mulheres e seus direitos fundamentais e sua segurança forem reconhecidos e protegidos na guerra”.

Fonte: Nações Unidas – Brasil

(27-11-2018)