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A extrema morosidade acaba fazendo da Justiça da democracia uma extensão dos tormentos da ditadura

Chega a hora de fazer um balanço dos meus esforços para agilizar o recebimento de uma indenização que me foi concedida pela União em 30 de setembro de 2005, quando fui declarado anistiado político por portaria do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Sucintamente:

— participei da resistência à ditadura militar e sofri danos de toda espécie, desde uma lesão permanente até a imposição, sob torturas e ameaças de morte, de submeter-me a uma exposição negativa que me tornou alvo de estigmatização durante décadas;

— a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça recomendou que me fosse concedida (e o ministro concedeu) pensão vitalícia e uma indenização retroativa referente ao período transcorrido entre as arbitrariedades que sofri (meados de 1970) e o início do pagamento da reparação (que acabaria ocorrendo em janeiro de 2006);

— as normas do programa estipulavam que a indenização retroativa deveria ser paga de uma vez só, dois meses depois de publicada a portaria ministerial;

— como a União nem me pagasse o retroativo nem justificasse o não-pagamento, entrei com mandado de segurança no STJ em fevereiro/2007;

— logo em seguida, todos os anistiados com direito a tal indenização recebemos, por carta, um documento para assinarmos e enviarmos de volta ao Ministério do Planejamento, concordando com que ele nos fosse pago em parcelas mensais, que deveriam chegar ao fim no último dia de 2014, quando o que eventualmente faltasse para zerar a conta seria depositado de uma vez só;

— mantive meu mandado e não assinei o documento, por uma questão de princípios: como não havia justificativa nenhuma na correspondência que nos foi enviada, apenas uma autorização para assinarmos, aquilo só poderia ser considerado um ultimato, algo inaceitável para quem arriscou a vida, a integridade física e a própria segurança dos seus entes queridos lutando contra o arbítrio e o autoritarismo;

— a segurança foi concedida por unanimidade em abril/2011;

— a AGU entrou com um embargo de declaração, depois outro; em ambos, a minha vitória foi novamente unânime, em novembro/2014 e abril/2015;

— depois, mediante recurso extraordinário, a AGU conseguiu que meu processo fosse colocado na dependência de outro que tramitava paralelamente no STF, também desde 2007, e que, em função da repercussão geral, servirá de paradigma para todos os casos similares; 

— nele, a União utilizou era basicamente a mesma argumentação legal que o STJ rechaçou 3 vezes nos julgamentos do meu caso. E o resultado foi o mesmíssimo: derrota da AGU por unanimidade, em novembro/2016;

— Sob a presidência da ministra Carmen Lúcia, com a ausência justificada de dois ministros, os nove julgadores decidiram que o não pagamento do retroativo no prazo previsto “caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo” e que “havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias”, caso contrário “cumpre à União promover sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte”.

O que houve de inusual nos trâmites do meu processo foi a insistência da AGU em não aceitar o que nove ministros do STJ decidiram no julgamento do mérito da questão, no longínquo 2011. 

O habitual, face a sentenças unânimes e taxativas como aquela, é não contestá-las, para evitar novas humilhações, praticamente inevitáveis. Seguindo a mesma linha de argumentação rechaçada pelo colegiado completo, que chance haveria de a AGU conseguir que o entendimento anterior fosse mudado? Verdadeiramente, nenhuma! 

Mas, esperneou duas vezes, apenas para se ver goleada de novo: 8×0 (e um ausente) e 9×0.

AS BUROCRACIAS DO ESTADO TÊM FACILIDADE EXTREMA PARA RETALIAREM OS CIDADÃOS POR ELAS MALQUISTOS

Sou personagem polêmico e propenso a sofrer retaliações, tanto por minhas posições políticas (luto há meio século contra o capitalismo e contra as posições reformistas no seio da esquerda, o que me atrai hostilizações dos dois lados do espectro político) quanto por meu inconformismo diante da onipotência que se arrogam várias burocracias do Estado (quando enfrentei problemas para conseguir que o julgamento do meu processo fosse pautado pela Comissão de Anistia, fiz sucessivas denúncias públicas contra as “burocracias arrogantes, atrabiliárias e insensíveis”, que talvez tenham deixado feridas abertas até hoje). O revanchismo, portanto, não pode ser descartado. 

Enfim, o fato de a AGU passar quatro anos embaçando o cumprimento da sentença do julgamento de mérito, inusual mas não ilegal (as leis e normas brasileiras, infelizmente, dão margem a que as burocracias do Estado tenham facilidade extrema para retaliarem os cidadãos por elas malquistos), foi o que levou o processo estar inconcluso em 2015, sofrendo, então, os efeitos da repercussão geral. Se, como tantos outros, estivesse finalizado e com a sentença cumprida, tal não aconteceria.

Outros anistiados trilharam caminhos legais diferentes e já tiveram seus créditos honrados. Então, na prática, os iguais acabaram sendo tratados desigualmente: parte haverá tido um só julgamento de mérito, eu e sei lá quantos outros teremos dependido de dois, com todas as delongas inerentes.
E a desigualdade não se dá só neste aspecto. Vale lembrar que foi oferecida a todos que já éramos anistiados no primeiro trimestre de 2007 a possibilidade de recebermos o retroativo em parcelas mensais até o último dia de 2014. A grande maioria aceitou tal imposição. 
Não consigo entender por que, a partir do dia 1º de janeiro de 2015, a AGU continuou multiplicando os esforços jurídicos para evitar meu pagamento, quando a questão perdera sua razão de ser! Mais uma vez, estabeleceu-se uma diferenciação odiosa entre iguais. Os juristas podem avaliar se o comportamento da AGU contrariou ou não a letra da Lei. Mas, salta aos olhos que o espírito de Justiça foi estuprado! 

De novembro para cá, aguarda-se que os ministros do STF entreguem seus votos para que o relator Dias Toffoli finalize o acórdão e ele seja publicado.

Possuo muitos dependentes e tão longa espera por uma quantia que tinha direito a haver recebido ainda em 2005 está me levando a uma situação financeira insustentável, próxima da insolvência. A extrema morosidade com que tramita meu mandado de segurança (instrumento que deveria, pelo contrário, garantir a rápida correção das injustiças praticadas pelo Estado) acaba fazendo da Justiça da democracia uma extensão dos tormentos da ditadura! Quanto tempo mais precisarei sobreviver para que me indenizem em vida pelo que sofri em 1970?! 

Até onde vai meu entendimento de leigo, não restam mais providências legais recomendáveis (ou seja, descartadas as contraproducentes) a tomar e há apenas dois apelos que eu posso formular às autoridades que ainda tenham a Justiça, no sentido maior do termo, como norteadora de suas ações:

— a advogada geral da União Grace Mendonça pode desistir das contestações judiciais ao julgamento de mérito do STJ, retirando a AGU do caso e permitindo que a sentença de 2011 seja finalmente cumprida;

— as diversas autoridades do STF e STJ às quais compete tomarem as providências para o encerramento desta novela que já perdura por mais de uma década, podem passar a atuar com mais presteza, inclusive por respeito à condição de idoso dos anistiados. 

Esta é a situação do momento. Peço aos companheiros de ideais e aos cidadãos justos que me deem o apoio e ajuda ao alcance de cada um, pois estão sendo muito necessários.

E também sugestões, pois, após tantas tentativas efetuadas em vão nas últimas semanas, estou inclusive sem ideias. Talvez haja possibilidade(s) que não me esteja(m) ocorrendo. (Celso Lungaretti)

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Cartas abertas de Celso Lungaretti e Dalton Rosado à Advogada Geral da União

Ilma. Sra.

Grace Maria Fernandes Mendonça

Advogada Geral da União

Brasília – DF

Prezada senhora,

em 1970, aos 19 anos de idade, tive meus direitos humanos e civis duramente atingidos pelo arbítrio que se estabelecera no País: quase morri sob torturas; meu tímpano foi estourado, o que me causou perda de audição e labirintose pelo resto da vida; e fui coagido, em circunstâncias extremas, a uma exposição negativa que me tornou alvo de estigmatização pelas décadas seguintes, colocando-me em grande desvantagem na carreira profissional e afetando meu convívio social.


Já lá se vão 47 anos que ocorreram os fatos geradores de tais lesões aos meus direitos; e, mesmo assim, continuo à espera de receber integralmente a reparação que o Estado brasileiro me concedeu, por meio de portaria do ministro da Justiça, em outubro de 2005.

Isto se deve a uma postura simplesmente inexplicável e injustificável da Advocacia Geral da União, que tem me combatido como um inimigo a quem lhe coubesse ou derrotar, ou (adiando indefinidamente o desfecho da pendência) levar ao amargor e ao desespero.


Isto porque as normas da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça estabeleciam que, quando houvesse indenização retroativa a ser paga, a União deveria fazê-lo no prazo de 60 dias.


Após esperar em vão durante 15 meses, entrei com mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (0022638-94.2007.3.00.0000) e a AGU, no exercício de suas atribuições, o contestou, embora fosse a chamada missão impossível: o débito já fora assumido pela União e as condições em que deveria ser honrado estavam definidas com total clareza. 


Não obstante, a União primeiramente o ignorou de forma olímpica, depois impôs aos credores um pagamento em parcelas mensais (que deveriam ser zeradas até o último dia de 2014) altamente desvantajoso e até humilhante, pois não se tratava de uma esmola pela qual devêssemos mostrar humilde gratidão, mas sim da penitência de um Estado que se prostrou durante duas décadas a tiranos, deixando-nos entregues a carniceiros e permitindo que nossas vidas fossem feitas em frangalhos.


A grande maioria dos anistiados (muitos milhares), temendo retaliações, condescendeu. Sobraram umas poucas dezenas que insistiram em ver respeitado seu pleno direito. Eu mantive o mandado de segurança que já estava tramitando e acabei sendo mesmo extremamente retaliado: meu processo se tornaria uma história sem fim, como consequência da conduta da AGU (além, é claro, da lerdeza característica da Justiça brasileira). 

O julgamento do mérito da questão só ocorreria quatro anos depois, em 23/02/2011, quando todos os ministros concederam a segurança, acompanhando o voto do relator Luiz Fux.

A AGU, no entanto, insistiu em tentativas de mudar a decisão, sem reais possibilidades de êxito, como se evidenciou nos julgamentos que elas suscitaram: em 26/11/2014 e 08/04/2015, meu direito foi confirmado, sempre por unanimidade.

Finalmente, por meio de recurso extraordinário, a AGU conseguiu que o desfecho do meu processo individual no STJ, iniciado em fevereiro/2007, fosse colocado na dependência da decisão de um processo coletivo cujos autores eram outros (2007/99245) e que tramitava paralelamente no Supremo Tribunal Federal desde junho de 2006. Isto somente serviu para alongar minha agonia, pois a decisão do STF, no final do último mês de novembro, seria também unânime… e incisiva, conforme se constata na ata:

1) Reconhecido o direito à anistia política, a falta de cumprimento de requisição ou determinação de providências por parte da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos arts. 12, § 4º, e 18, caput e parágrafo único, da Lei nº 10.599/02, caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo

2) Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, União há de promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias 

Não relatarei, para não soar piegas, todo o padecimento que causou, a mim e a meus dependentes, uma duração tão aberrante em se tratando de um mandado de segurança. 

Mas, devo enfatizar a extrema desigualdade de forças entre um cidadão que luta (como reconheceu o STF) por seu direito líquido e certo e a equipe de eminentes juristas que, a serviço da União, utilizou todo seu arsenal jurídico para protelar o desfecho mais do que óbvio; o despropósito em haver sido dada continuidade à batalha legal mesmo depois de os anistiados que concordaram com o parcelamento terem seus débitos zerados, o que caracteriza a imposição de tratamento desigual a iguais; e o próprio fato de que, em todos os procedimentos jurídicos, não tem sido levada em conta a prioridade que a Lei concede aos idosos (deveríamos ser poupados do estresse causado por duração tão excessiva de um processo, com risco até de morrermos antes de vê-lo finalizado).

Em nome do espírito de Justiça que deve também nortear a atuação da AGU e levando em conta que os encaminhamentos relatados ocorreram antes de sua ascensão a Advogada Geral, faço-lhe um apelo: tome as providências ao seu alcance para abreviar o meu sofrimento. que já durou muito mais do que deveria.

Nosso maior patrimônio, que perdura após nossa passagem pela vida, é a imagem e o exemplo que legamos aos pósteros. Tenho a esperança de que, entre omitir-se face à injustiça ou acudir um injustiçado, a Sra. tomará a decisão correta.

Respeitosamente,

CELSO LUNGARETTI 

*    *    *   

São Paulo, 14 de agosto de 2017.

À

AGU – Advocacia Geral da União

ATT. da MD Dra. Grace Mendonça

Brasília – DF

Prezada Senhora, 

a defesa da União, obviamente, não significa o patrocínio judicial de injustiças e, muito menos, a protelação do cumprimento de sentenças judiciais por meio de intermináveis recursos em causas cujo mérito esteja sobejamente apurado. Assim, qualquer argumento protelatório numa causa humanitária como a que abaixo nos referimos, mais não é do que a corroboração do cometimento de uma injustiça praticada pelo Estado ao tempo do regime de exceção. O Estado de Direito não deve ser consentâneo com o Estado de exceção.

O caso Celso Lungaretti, relativo à indenização de anistiado político com lesão irreversível (processo 99.245, ano 2007), com mais de 10 anos de tramitação, já percorreu todas as instâncias recursais obtendo provimento por unanimidade em todas elas, além de ter percorrido, também, e com idêntico sucesso, instâncias paralelas (mandado de segurança 0022638-94.2007.3.00.000, relator Ministro Lux Fux, sob a presidência do Ministro Teori Zavascki), sem que o seu direito à indenização seja efetivamente exercido.

Douta Produradora, 

Não deixe que o arbítrio do regime de exceção encontre guarida na vigência do Estado de Direito sob o manto de uma judicialização processual que contraria todo o sentido de responsabilização do Estado pela prática de arbitrariedades praticadas por seus agentes auto-instituídos no poder pela força num tempo de obscurantismo.       

Não deixe que pretensas prioridades econômicas do Estado, próprias a um período de depressão econômica, sejam instrumentalizas para o descumprimento de decisões judiciais que refletem a responsabilidade estatal, principalmente quando este Estado esteve nas mãos do arbítrio, porque a compreensão que devemos ter é a de que a pessoa do governante deve estar sempre em plano inferior àquilo que deve representar o governo do Estado subvencionado pelo povo por meio dos impostos. 

Consideramos que a função da Advocacia Geral da União não é defender o Estado em razão de suas dificuldades econômicas causadas na maior parte por um modo de produção que se tornou anacrônico por suas próprias contradições funcionais, agravadas pela corrupção praticada por agentes públicos cujos números bilionários afrontam a dignidade dos cidadãos comuns e daqueles que, amparados por decisões judiciais, se veem privados do gozo dos seus direitos amplamente discutidos e morosamente decididos.

Celso Lungaretti tem sido duplamente atingido em razão de sua luta pelos direitos humanos ao longo de sua existência, seja pelas sequelas físicas e psicológicas de que foi vitima, ou seja, ainda, pela segregação profissional própria a quem não se dobra aos interesses do capital, combatendo sem conciliação a barbárie proporcionada pela dinâmica de uma lógica social segregacionista, ou ainda, combatendo os equívocos e desvios da esquerda com coragem e apontando as correções de rumo que julga ser necessárias. 

É em razão da solidariedade humana a um combatente que assino a presente carta aberta de modo a que fique explicitado o nosso inconformismo com a injustiça contra justamente uma pessoa que se coloca corajosamente ao lado dos que sofrem injustiças.


Sem mais, reitero meus protestos de respeito e consideração.


Cordialmente, 

Dalton Rosado