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Pauta golpista: ‘Folha’ pede que se dê “paradeiro” no lulismo

Quando surgiam as mais escabrosas revelações sobre o esquema de corrupção montado por PC Farias, meus colegas de trabalho no Palácio dos Bandeirantes, alguns com décadas de atuação na imprensa governamental, eram unânimes em afirmar que o tesoureiro de Fernando Collor apenas fizera , de forma mais amadoresca, o que todos faziam: “Onde já se viu passar cheques a torto e a direito? Deveria pagar tudo em dinheiro vivo, como o daqui…”

Por conhecer a História deste país e saber muito bem como  aquilo que todos fazem foi trunfo importante para os conspiradores que causaram a morte de Getúlio Vargas e derrubaram o governo legítimo de João Goulart, eu reintroduzi no debate político uma velha máxima do Paulo Francis: combate à corrupção é bandeira da direita.

Agora, talvez, a ficha caia para os companheiros que não concordaram comigo quando a bola da vez era Daniel Dantas — o qual, como PC Farias, apenas dera bandeira ao fazer o que fazem todos os banqueiros (parasitas supremos do capitalismo), pois o maior roubo de todos é a própria fundação do banco, como falou e disse Bertold Brecht.

Agora, foi só ser exposto um dos infinitos esquemas de corrupção existentes no Brasil e a mídia golpista já começou a espalhar sugestões veladas de golpe de estado, como faz a Folha de S. Paulo em seu editorial desta 6ª feira:

“Nesta hora em que as pesquisas de intenção de voto apontam para uma vitória acachapante da candidata oficial, mais do que nunca é preciso estabelecer limites e encontrar um paradeiro à ação de um grupo político que se mostra disposto a afrontar garantias democráticas e princípios republicanos de forma recorrente”.

Estando a candidata oficial prestes a ser eleita de forma acachapante, qual o  paradeiro que se poderá dar à ação do grupo político que o editorialista da Folha qualifica de delinquente contumaz?

Ora, se a afronta à democracia e à república vem sendo recorrente, depreende-se que o Legislativo e o Judiciário não estejam conseguindo encontrar tal  paradeiro.

Então, quem será o verdadeiro destinatário da conclamação do jornal da  ditabranda? Os fardados, que não têm a missão constitucional de serem instrumento de   paradeiro nenhum, mas a direita sempre tenta convencer a agirem como tal?

Os precedentes levam a crer que sim…

De resto, espero que os companheiros de esquerda façam uma rigorosa autocrítica por terem, como eu sempre adverti, levado água para o moinho da direita, ao estimularem as Operações Satiagrahas e Leis da Ficha Limpa da vida, como se fossem meros pequeno-burgueses moralistas.

A posição de revolucionários deve ser sempre inequívoca, incisiva e didática: a corrupção é inerente ao capitalismo, que coloca a ganância e a busca do privilégio acima de todos os outros valores da vida social, então só será extinta quando o próprio capitalismo for extinto.

Estimular ilusões reformistas pode render votos e proporcionar pequenos ganhos políticos, mas implica cumplicidade com o anestesiamento da consciência das massas, ao incutir-lhes a esperança de que meros retoques na fachada salvarão um edifício cujos alicerces estão podres.

“Que suas palavras sejam sempre sim, sim, ou não, não, pois tudo o mais será sugerido pelo demônio”, disse um santo medieval.

Viva o humor, abaixo a carranca!

Desde os tempos de Aparício Torelly (o mui digno Barão de Itararé), a sátira política é um respiradouro para cidadãos sem meios mais efetivos para confrontarem os poderosos.

“Manda quem pode e obedece quem tem juízo”, diziam os antigos. Mas, submeter-se ao mandonismo ofende e amargura homens livres. O desabafo na forma de humor é o paliativo que desopila seu fígado e lhes permite conservar o amor próprio.

Vai daí que, depois de um longo e tenebroso inverno, posso finalmente elogiar uma decisão de ministro do Supremo Tribunal Federal: a de Carlos Ayres Britto, concedendo liminar contra o dispositivo casmurro da Justiça Eleitoral, tentando impedir que as emissoras de rádio e TV ridicularizem os sumamente ridículos candidatos ao próximo pleito.

O único erro dos humoristas é a redundância: os integrantes dessa inacreditável legião de feios, sujos e malvados tudo fazem para desmoralizar a si próprios, na caça sôfrega aos votos.

As imagens do programa eleitoral gratuito superam as mais grotescas aberrações concebidas pela genialidade delirante de Federico Fellini.

E, como as ervas daninhas crescem com mais vigor e os maus exemplos sempre frutificam nestes tristes trópicos, sabe-se lá até onde uma escalada censória poderia chegar. Melhor esmagarmos o quanto antes o ovo da serpente.

Preservemos o que ainda resta de cordialidade no brasileiro!

E prestemos tributo a heróis esquecidos como Alvarenga e Ranchinho que, por volta de 1940, depois de exporem em suas apresentações a nudez do ditador Getúlio Vargas, fugiam antes da chegada da Polícia.

[Cheguei a assisti-los, já idosos, detonando o  homem da vassoura com uma paródia da clássica “Menino de Braçanã”, de Luiz Vieira. Em vez de “quem anda com Deus não tem medo de assombração”, cantavam “quem já viu o Jânio Quadros não tem medo de assombração”…]

Glória eterna ao grande Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta, cuja série Febeapá (Festival de Besteiras Que Assola o País) disse tudo que havia a dizer-se sobre a ditadura militar, no tempo em que ela se caracterizava mais pelo besteirol — a bestialidade só passou a dar a tônica depois da morte do Lalau.

À extraordinária equipe de humoristas de O Pasquim, com destaque para o benjamim que acabou se tornando o melhor da turma: Henfil.

E, claro, também ao menestrel Juca Chaves, autor de sátiras inspiradíssimas como Dona Maria Tereza (conselhos à esposa do então presidente), que bem merece encerrar esta digressão:

Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango Goulart
que a vida está uma tristeza,
que a fome está de amargar,

E o povo necessitado
precisa um salário novo,
mais baixo pro deputado,
mais alto pro nosso povo.

Dona Maria Tereza,
assim o Brasil vai pra trás,
quem deve falar, fala pouco,
Lacerda já fala demais.

Enquanto feijão dá sumiço,
e o dólar se perde de vista,
o Globo diz que tudo isso
é culpa de comunista.

Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango porque
o povo vê quase tudo,
só o parlamento não vê,

Dona Maria Tereza,
diga a seu Jango Goulart,
lugar de feijão é na mesa,
Lacerda é noutro lugar.

Quércia repete as falácias das viúvas da ditadura contra Dilma

Capa de uma Veja de 1992, quando ainda era uma revista.

Em 1974, o digno senador Carvalho Pinto era candidato da Arena à reeleição. Com perfil eminentemente técnico, tinha cuidado muito bem das finanças da cidade e do estado de São Paulo (nos governos de Jânio Quadros), depois do Brasil (como ministro da Fazenda de João Goulart, já na fase presidencialista).

Não morria de amores pelo regime militar nem se identificava com seus genocídios e atrocidades. Só que, sendo um administrador por excelência, estava sempre ao lado do governo, qualquer que fosse o governo.

Mas, o 1º choque do petróleo levara de roldão o milagre brasileiro, o período de vacas magras teve início e o eleitorado paulista de repente descobriu que ditadura não prestava…

Então, para manifestar seu repúdio aos militares, votou maciçamente num obscuro ex-prefeito de Campinas.

Azarão eleito não por seus méritos, mas em função dos deméritos do regime de exceção, Orestes Quércia deslanchou a partir daí sua carreira, fazendo-se um dos políticos profissionais mais nocivos da História do Brasil.

Sua assinatura está impressa na tibieza com que a Nova República abordou o entulho autoritário, na descaracterização da Constituição de 1988 (graças a ele, flexibilizaram-se ao máximo as exigências para a conversão de vilarejos em municípios, arrombando os cofres públicos), na desmoralização da atividade política (é dele a imortal frase “quebrei o estado de São Paulo, mas fiz meu sucessor”) e na trajetória negativa cumprida pelo PMDB até tornar-se o maior partido fisiológico do País.

Agora, presta serviços de jagunço a José Serra e Geraldo Alckmin, desferindo os golpes baixos que não caem bem na boca de um candidato.

Eis alguns, no evento “Unidos por São Paulo e pelo Brasil”, promovido pela coligação PSDB-DEM-PMDB nesta terça-feira (13), na região de Santo Amaro, Capital:

“Ela [Dilma Rousseff] só pegou em arma, não pegou em nada mais. Ela não é experimentada”.

“Uma pessoa que começou ontem como encanador, vai fazer cano furado para tudo quanto é lado”.

“[Dilma foi escolhida como candidata] porque todos aqueles políticos que tinham experiência foram eliminados pelo mensalão (…) e isso é uma afronta para o Brasil”.

Pegar em armas contra um estado totalitário que generalizou as torturas e as matanças exigia uma estatura moral muito além do horizonte de um Quercia, daí a facilidade com que ele repete, como papagaio, as mais repulsivas falácias das viúvas da ditadura.

Mas, seguindo o exemplo de Cristo, talvez devamos perdoá-lo, pois não sabe o que diz.

O que não é o caso de Aloysio Nunes Ferreira Filho. Este participou da luta armada na ALN de Carlos Marighella, foi condenado com base na Lei da Segurança Nacional, amargou o exílio e só pôde voltar com a anistia de 1979.

É inacreditável que esteja acusando o Governo Lula de montar “uma máquina mortífera” e faça afirmações como estas:

“Tem o PT com seu velho radicalismo, com as velhas idéias de amordaçar a imprensa (…), outra ponta dessa engrenagem é o sindicalismo comprado (…). Temos o Incra entregue ao MST, temos o desrespeito à lei de uma política externa que corteja os ditadores mais sanguinários da face da Terra. E é contra esse sistema de poder que nós vamos eleger o Serra e o Geraldo”.

Parece carro que perdeu o freio na descida da ladeira. Está despencando de tal forma que nunca conseguirá voltar à superfície.

IMPORTANTE: Jobim e comandantes militares confrontam o Governo

A notícia é da edição desta 4ª feira (30) de O Estado de S. Paulo. Tão grave que a transcreverei quase integralmente, antes de fazer meus comentários:

“A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos [vide aqui meu artigo a respeito], que se propõe a criar uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar na véspera do Natal e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a escrever uma carta de demissão e a procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo.

“Solidários a Jobim, os três comandantes das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada.

“Na avaliação dos militares e do próprio ministro Jobim, o PNDH-3, proposto pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e lançado no dia 21 passado, tem trechos “revanchistas e provocativos”.

“Ao final de três dias de tensão, o presidente da República e o ministro da Defesa fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas de lei a enviar ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas e, se for preciso, a base partidária governista será mobilizada para não aprovar textos de caráter revanchista.

“Os comandantes militares transformaram Jobim em fiador desse acordo, mas disseram que a manutenção da Lei de Anistia é ‘ponto de honra’. As Forças Armadas tratam com ‘naturalidade institucional’ o fato de os benefícios da lei e sua amplitude estarem hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF) – isso é decorrente de um processo legal aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Aldir dos Santos Maciel, este já falecido.

“Além da proposta para revogar a Lei de Anistia, que está na diretriz que fala em acabar com ‘as leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos’, outro ponto irritou os militares e, em especial, o ministro Jobim.

“Ele reclamou com Lula da quebra do ‘acordo tácito’ para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos ‘para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985’.

“Jobim foi surpreendido com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada. Os militares dizem que se essas investigações vão ficar a cargo de uma Comissão da Verdade, então todos os fatos referentes ao regime militar devem ser investigados.

“‘Se querem por coronel e general no banco dos réus, então também vamos botar a Dilma e o Franklin Martins’, disse um general da ativa ao Estado, referindo-se à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao ministro de Comunicação de Governo, que participaram da luta armada.

“Os militares também consideram ‘picuinha’ e ‘provocação’ as propostas do ministro Vannuchi incluírem a ideia de uma lei ‘proibindo que logradouros, atos e próprios nacionais e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade’.

“…Lula rejeitou a entrega da carta de demissão e disse que contornaria politicamente o problema. Pediu que o ministro garantisse aos comandantes militares que o Planalto não seria porta-voz de medidas que revogassem a Lei de Anistia.

“Os militares acataram a decisão, mas reclamaram com Jobim da posição ‘vacilante’ do Planalto e do ‘ambiente de constantes provocações’ criado pela secretaria de Vannuchi e o ministro Tarso Genro (Justiça). Incomodaram-se também com o que avaliaram como ‘empenho eleitoral excessivo’ da ministra Dilma no apoio a Vannuchi.”

VALE REPETIR: DEMOCRACIAS
NÃO ACEITAM ULTIMATOS

De resto, é até ocioso comentar essas imposições arrogantes dos comandantes militares, que, aliás, não passam do mais ridículo blefe.

Eu já o fiz em setembro de 2007, quando o Alto Comando do Exército, por motivos semelhantes, emitiu um papelucho que nenhuma democracia poderia engolir, mas Lula, ao invés de demitir imediatamente os insubordinados, cedeu à chantagem.

Só para lembrar, eis alguns trechos do artigo que lancei na ocasião, Democracias não aceitam ultimatos:

“A nota oficial lançada pelo Alto Comando do Exército na última sexta-feira (31) é inaceitável para qualquer democracia, pois coloca essa Arma acima dos três Poderes da Nação (…) (e) representa uma quebra de autoridade, já que desautoriza o ministro da Defesa, e coloca em dúvida (…) o acerto das iniciativas do estado brasileiro para reparar as atrocidades cometidas durante os anos de chumbo.

“Não, esses fatos históricos têm uma interpretação unânime por parte dos historiadores eminentes e uma interpretação única do estado brasileiro. Ao Exército cabe aceitá-la e não contestá-la…

“Modificar ou não qualquer lei é uma decisão que, numa democracia, cabe aos Poderes da Nação e não precisa ter a anuência do Exército.

“Para que haja uma verdadeira reconciliação nacional, não a imposição da paz dos vencedores sobre os vencidos, é imperativo que as Forças Armadas brasileiras reconheçam que o período 1964/1985 não passou de uma aberração, assim como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália. Suas congêneres desses países renegam o período em que, submetidas ao comando de forças totalitárias, atentaram contra os direitos dos povos e dos cidadãos.

“É hora do Exército brasileiro fazer o mesmo, voltando realmente a ser o Exército de Caxias. Até lá, haverá sempre a suspeita de que se trate do Exército de Brilhante Ustra – aquele antigo comandante do DOI-Codi que, na frase imortal do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, ‘emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar’.”

Tudo que havia para se dizer, eu já disse há mais de dois anos. A nova crise é uma reprise daquela que foi tão malresolvida em 2007.

Só mudou mesmo a posição de Jobim, que se dispunha a submeter os militares à autoridade democrática e, humilhado pelo recuo de Lula, percebeu de que lado estava a força: desde então, submete-se ele próprio às imposições da caserna e se faz porta-voz de suas ameaças grosseiras.

É TOTALMENTE INACEITÁVEL QUE OS MILITARES INSISTAM ATÉ HOJE EM IGUALAR CARRASCOS E VÍTIMAS, NA CONTRAMÃO DE TODO DIREITO CIVILIZADO, DAS DETERMINAÇÕES DA ONU E DO MILENAR DIREITO DE RESISTÊNCIA À TIRANIA.

QUEM FAZ UMA EXIGÊNCIA DESSAS, EXCLUI-SE AUTOMATICAMENTE DA DEMOCRACIA E DE GOVERNOS DEMOCRÁTICOS. FALTOU APENAS A DECISÃO PRESIDENCIAL NESTE SENTIDO.

Encerro com um apelo ao Exmo. Sr. Presidente da República: não repita o trágico erro de João Goulart!

Jango assumiu o poder em função da resistência do povo e dos escalões inferiores das Forças Armadas, que abortaram o golpe de Estado em curso. Nem sequer precisaria ter aceitado o casuísmo parlamentarista, pois os conspiradores já estavam derrotados.

E, mesmo quando o povo lhe restituiu a Presidência plena, não tomou nenhuma atitude contra o núcleo golpista. Pelo contrário, omitiu-se quando os comandantes fascistas expurgavam as Forças Armadas, punindo e isolando os bravos sargentos e cabos que haviam frustrado a quartelada de 1961.

Deu no que deu: o golpe tentado em 1961 foi repetido, dessa vez com êxito, em 1964.

Então, presidente Lula, esmague o ovo da serpente enquanto é tempo! Os totalitários não são hoje maioria nas Forças Armadas, nem de longe. Pague para ver, que as tropas deixarão a alta oficialidade falando sozinha.

Como comandante supremo das Forças Armadas, faça o que precisa ser feito enquanto tem a popularidade no auge e os ultradireitistas não ousam bater de frente com o seu carisma.

O quadro político está sempre sujeito a mudanças: adiante, as medidas saneadoras poderão custar muito sofrimento.

Caso Battisti será debatido 3ª feira, no Sindicato dos Jornalistas de SP

Serei um dos participantes do debate Cesare morto? CESARE LIVRE!, organizado pelo Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti, que terá lugar no auditório do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (rua Rego Freitas, 530 – sobreloja), terça-feira (24), às 18h30.

Aberto aos jornalistas e ao público em geral, o debate será transmitido ao vivo no Passa Palavra.

Além do Caso Battisti em si, estará em discussão a abordagem inacreditavelmente parcial e tendenciosa que lhe deu a grande imprensa brasileira e o papel que a internet começa a desempenhar, de alternativa para quem busca informação completa.

Se levasse em conta as boas práticas jornalísticas, a imprensa deveria oferecer espaço para o outro lado e conceder direito de resposta. Atualmente, ou ignora completamente as solicitações de ambos, ou as burla com expedientes matreiros.

P. ex., quando de um artigo tendenciosíssimo da Folha de S. Paulo, a que eu tinha total direito de responder como um dos personagens mais ligados ao tema em questão, o jornal encontrou a seguinte escapatória para negar-me espaço sem dar muito na vista: pinçou uma professora de uma universidade do interior, sem nenhuma vinculação real com aquele debate, para escrever um texto chôcho, nem sim, nem não, muito pelo contrário…

Minha resposta seria devastadora. A dela foi uma mera elocubração teórica, nem sequer apontando as falácias evidentes do artigo questionado.

Como as próprias votações no Supremo Tribunal Federal evidenciaram, o Caso Battisti é um dos mais polêmicos das últimas décadas. No entanto, quem o acompanha pela grande imprensa, fica com a imprensa de não haver dúvida nenhuma a respeito: o terrorista italiano matou quatro cidadãos angelicais e agora está sendo protegido pelos terroristas do Governo Lula. Fim de papo.

Deixa-se de informar aos leitores que, na sentença de 1979, Battisti (então réu presente) não foi condenado por nada disso, apenas por subversão contra o Estado.

Que o processo foi reaberto em 1987, a partir das delações premiadas do chefe do grupúsculo a que Battisti pertenceu, o Proletários Armados para o Comunismo.

Que o tal Mutti atirou sobre Battisti a culpa por crimes que ele próprio praticou, uma prática quase sempre impugnada pela Justiça.

Que só corroboraram as acusações de Mutti outros réus interessados nos favores da Justiça italiana.

Que os promotores, dando total crédito às fantasias interesseiras de Mutti (o qual, noutro processo, seria repreendido nas atas por um magistrado, pelas sucessivas mentiras desmascaradas), passaram pelo vexame de serem confrontados com a impossibilidade física de Battisti ser responsável por duas mortes a ele atribuídas, já que ocorreram com intervalo de duas horas em localidades que distavam 500 quilômetros. Então, simplesmente reescreveram a acusação, mantendo-o como autor direto de um dos homicídios e atribuindo-lhe autoria intelectual do outro (o do joalheiro Torregiani).

Que a acusação ousou apresentar testemunhas menores de idade e uma que evidenciava problemas mentais. Mesmo assim, foram acolhidas.

Que não foram feitas ou não foram apresentadas ao tribunal perícias obrigatórias num caso desses.

Que os defensores de Battisti já comprovaram, de forma irrefutável (laudo de respeitadíssima perita francesa), ter sido ele representado nesse julgamento por advogado que utilizou procuração adulterada e com quem ele tinha conflito de interesses.

Que, portanto, seu direito de defesa foi escamoteado, pois, foragido, não há prova real nenhuma de que Battisti tenha sequer tomado conhecimento da realização desse julgamento (a que foi aceita pelo tribunal, comprovou-se depois não passar de uma tosca falsificação).

Que, no julgamento de 1987, Battisti foi enquadrado numa lei instituída para combater a subversão contra o Estado e por ela condenado, o que a sentença cita nada menos do que 34 vezes, não havendo a mais remota alusão a crimes comuns (aliás, se fosse este o caso, cada um dos homicídios atribuídos a Battisti deveria julgado à parte, não os quatro de uma vez).

Que a Itália não combateu nem julgou de forma democrática os grupos de ultraesquerda, pois as torturas e as distorções jurídicas estão fartamente documentadas, inclusive em sucessivos relatórios da Anistia internacional.

Que a pena cujo cumprimento a Itália reclama já prescreveu, o que o ministro Marco Aurélio de Mello, em seu voto no STF, estabeleceu de forma definitiva.

Que os serviços secretos italianos tramaram o sequestro de Battisti em 2004, buscando mercenários para executarem a tarefa, mas estes acabaram recusando-a por discordarem do preço do “serviço” (e tudo acabou vazando para a imprensa);

Que membros de associação de carcereiros prometeram retaliar Battisti caso ele caia nas suas garras.

Que o ministro italiano da Defesa, Ignazio La Russa, neofascista notório (chegou a discursar em homenagem aos fascistas da República de Saló que enfrentaram as tropas aliadas), é inimigo pessoal de Battisti, pois se enfrentaram cara a cara em conflitos de rua da década de 1970, e agora dá declarações dúbias, insinuando, também, retaliações.

Tudo isto foi omitido dos leitores da grande imprensa, ou apresentado com ínfimo destaque.

Da mesma forma, a mídia esconde que, entre os juristas brasileiros (inclusive os luminares do Direito), a tendência predominante é favorável a Battisti.

Que a Lei do Refúgio brasileira é essenciamente humanitária, daí conter vários preceitos que impunham o reconhecimento de Battisti como tal, obrigando o relator Cezar Peluso a grotescas distorções factuais e malabarismos jurídicos para negar seu enquadramento em cada uma das situações que o beneficiavam.

Que as comissões respectivas da Câmara Federal e do Senado são contrárias à extradição.

Que, longe de serem apenas uma “ruidosa minoria”, os defensores de Battisti são maioria entre quem tem acesso às versões dos dois lados – caso, p. ex., dos internautas.

Finalizando, quero citar um dos exemplos mais emblemáticos do viés tendencioso da grande imprensa.

A greve de fome de Battisti só foi noticiada perifericamente pela Folha de S. Paulo que, entretanto, escancarou espaço enorme para a greve de fome bufônica de um dirigente de associação de vítimas da ultraesquerda, exatamente como resposta à de Battisti.

Enquanto isso, ignorou olimpicamente o apelo de Anita Leocadia ao presidente Lula, no sentido de que não seja repetido o vergonhoso episódio da entrega de sua mãe, Olga Benário, para a morte nos cárceres nazistas, por decisão do STF e com a omissão de Getúlio Vargas (que não lhe concedeu clemência).

Assim como não deu uma linha sequer para o posicionamento de João Vicente Goulart, filho do presidente João Goulart, acusando o Supremo de colocar “o Brasil de joelhos diante da Itália”.

Para qualquer pauteiro isento de uma imprensa de verdade, seria matéria obrigatória esta comparação entre o Caso Battisti e outros tão marcantes do passado, suscitada por personagens indiscutivelmente qualificados para os abordar.

Para a Folha, o que vale mesmo são os factóides italianos…