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Elio Gaspari: há meio século expelindo seu ódio aos resistentes que pegamos em armas contra a ditadura militar

Gaspari escreveu sua série de volumes sobre a ditadura…

O razoável jornalista e discutível historiador Élio Gaspari não perde oportunidade nenhuma para achincalhar os poucos milhares de brasileiros que ousamos pegar em armas contra a mais bestial ditadura que o Brasil conheceu. 

Esse mau hábito já lhe acarretou uma contundente derrota há 10 anos (vide aqui), mas ele insiste em suas catilinárias rancorosas e injustas, como se fossem o próprio Geisel e o Golbery que estivessem teclando pelas mãos dele…

Em sua coluna dominical na Folha de S. Paulo, assim descreve o atentado da VPR ao QG do 2º Exército no final de junho de 1968 (a ansiedade do Gaspari era tamanha que ele nem aguentou esperar mais duas semanas, quando o episódio completaria meio século):

A passeata [dos 100 mil] tomou conta da história de 1968, mas ela foi um crepúsculo. A treva amanhecera horas antes, durante a madrugada, quando um caminhão com 50 quilos de dinamite explodiu diante do portão do QG do Exército, matando o soldado Mário Kozel Filho e ferindo cinco outros militares.

O atentado foi obra da Vanguarda Popular Revolucionária e nele estiveram dez terroristas. Dias antes a VPR havia roubado fuzis num hospital militar e o general que comandava a tropa do Exército em São Paulo lançara um desafio infantil: Atacaram um hospital, que venham atacar meu quartel. 

Vieram. O motorista do caminhão saltou, o veículo bateu num muro, Kozel foi ver se havia alguém na boleia e a dinamite explodiu…

…utilizando arquivos pessoais que Golbery e Geisel lhe confiaram

Vieram. O motorista do caminhão saltou, o veículo bateu num muro, Kozel foi ver se havia alguém na boleia e a dinamite explodiu… 

…Nas palavras da militante que estava num carro de apoio, a bomba não serviu para nada, a não ser para matar o rapazinho.

Dos 13 militantes que participaram dos ataques ao hospital militar e ao QG, dois foram executados, sete foram presos e três deixaram o país. Só um ficou livre no Brasil, com outro nome.

Faltou o epílogo, que um historiador criterioso não deixaria de incluir, muito menos um jornalista que respeitasse as boas práticas da profissão, pois, afinal, trata-se do chamado outro lado (pena que o Gaspari costume desconsiderá-lo nos acontecimentos dos anos de chumbo, preferindo limitar-se às versões da repressão e até às de um ditador que andou sendo muito falado recentemente…).

Em abril de 1969, após uma temporada de luta interna e de várias quedas, a VPR realizou um congresso para botar ordem na casa. Teve lugar no município de Mongaguá, litoral sul paulista, e eu estive lá como convidado, representando um grupo de oito secundaristas cujo ingresso na organização estava em vias de ser concretizado (como os 11 delegados oficiais não fizeram restrições à minha participação nos debates e votações, eu me tornei, informalmente, o 12º participante).

Discutiram-se longamente tanto os excessos militaristas quanto os desvios massistas, detectados nas duas correntes que haviam travado a luta interna. Tentava-se chegar a um ponto de equilíbrio.

As obsessões do Gaspari são as mesmas das viúvas da ditadura

O caso do QG era muito lamentado pelos que haviam nele estado envolvidos. O desfecho fora totalmente imprevisto e indesejado: ninguém levara em conta a possibilidade de que um sentinela abandonasse seu posto para ir olhar de perto um veículo que despencara ladeira abaixo sem motorista. Acreditaram que ele seguiria à risca as determinações dos superiores.

Assim como os outros companheiros oriundos das Forças Armadas, o comandante Carlos Lamarca estava nitidamente abalado. Ele mais ainda que os outros, pois havia sido um oficial que desprezava seus iguais como privilegiados, mas tinha grande identificação com os recrutas que estavam prestando serviço militar (eles são filhos do povo, dizia).

A conclusão de que algo assim jamais deveria acontecer de novo foi unânime. E houve muitas críticas à decisão de se responder a um desafio com outro, isto aqui não é filme de bangue-bangue

Finalmente, resolveu-se:

— que demonstrações de força, dali em diante, deveriam ser evitadas e, mesmo que alguma parecesse válida, teria de ser antes autorizada pelo Comando Nacional; e

— que a Organização não justiçaria inimigo nenhum que não fosse identificado pelas massas como merecedor de tal destino (nada de matarmos outro capitão Chandler da vida, alguém de quem nunca se ouvira falar, e só depois explicarmos ao povo que o fizéramos por ele ser agente da CIA).

No outro lado, tudo era premeditado

Na verdade, durante os 12 meses seguintes (até minha queda) não houve mais nem demonstrações de força, nem justiçamentos

Inclusive, o Comando Nacional decidiu rejeitar o pedido de um pequeno grupo independente que recorreu à VPR por necessitar de dinamite para explodir a estátua do Duque de Caxias na capital paulista, bem na véspera do Dia do Soldado de 1969. A avaliação foi de que isso só serviria para encarniçar a repressão mais ainda contra nós, podendo expor nossos presos a retaliações.

As organizações armadas pagaram por seu noviciado em 1968. Estavam começando a travar um tipo de luta diferente e, num primeiro momento, acreditaram que tais operações transcorreriam exatamente como planejadas. 

A explosão no QG era apenas o troco da VPR para o general fanfarrão, assim como a bomba deixada pela ALN para explodir durante a madrugada no estacionamento do Conjunto Nacional (também em São Paulo) serviria somente para danificar a fachada do consulado dos EUA. 

Houve também ação sem imprevistos, como a bomba diante do jornal O Estado de S. Paulo, que não atingiu ninguém. Ainda que fosse sempre assim, compensavam? No ano seguinte decidimos que não.  

Já a repressão nunca se preocupou com as vítimas inocentes que atingia, nem desacelerou sua escalada de torturas, assassinatos, estupros, etc. Pelo contrário, as atrocidades foram aumentando dia a dia a partir de 1968, só arrefecendo quando os Geisels e Golberys já haviam imposto ao país a paz dos cemitérios. 

Mas, a obsessão de Gaspari é toda conosco, os que travamos o bom combate em condições extremas, quase suicidas, tamanha era a desigualdade de forças. Freud talvez explicasse…

O “fenômeno Lula” é um híbrido de molusco com camaleão…

Eles também se camuflam bem em ambientes vermelhos

Diferentes espécies de camaleão são capazes de variar a sua coloração e padrão por meio de combinações de rosa, azul, vermelho, laranja, verde, preto, marrom, azul claro, amarelo, turquesa e púrpura. A mudança de cor nos camaleões tem funções na sinalização social e em reações a temperatura e outras condições, bem como em camuflagem.” (Wikipedia)

O poeta Ferreira Gullar analisou o fenômeno Lula num artigo que deverá provocar muita irritação nas hostes petistas. Recomendo que todos o leiam e reflitam sobre ele.

Boa parte (há alguns exageros dos quais discordo) poderia ter sido escrita por mim. Contemporâneo da ascensão de Lula, sempre o vi como um pragmático que utilizava bandeiras ideológicas como meio para atingir seus fins, nunca as tendo verdadeiramente encarado como fins em si. Um camaleão, portanto.

Não corroborarei as acusações que amiúde ouvi, de parceria com as montadoras ou conluio com o Governo Geisel. Isso jamais foi provado.

Montadoras davam aumentos… e um pulo do gato!  

Direi apenas que o sucesso dos sindicalistas do ABC foi facilitado por convir às indústrias automobilísticas: o governo mantinha congelados os preços dos veículos e as ditas cujas aproveitaram as greves para implodir tal congelamento, exigindo que os aumentos salariais por elas concedidos fossem repassados para os preços. Ou seja, serviam-se do novo sindicalismo para abrir brechas e se tornarem exceções à rigidez oficial. Usaram os limões para fazer limonada.

Uma questão a ser aprofundada pelos historiadores é o motivo da mudança de postura de Lula: como sindicalista, hostilizava a esquerda e tudo fazia para evitar que ela, invadindo a sua praia no ABC, contaminasse as lutas sindicais; ao decidir criar seu partido político, chamou-a para negociar, pois dela necessitava para dar amplitude nacional à nova agremiação.

Quanto ao mago Colbery do Couto e Silva, após definir as linhas mestras do projeto de distensão política do Governo Geisel, ele tratou de levantar a bola dos adversários preferíveis no quadro futuro. Assim, p. ex., comunicou pessoalmente ao mandachuva da Folha de S. Paulo que a censura seria em breve levantada, aconselhando-o a adotar uma postura mais crítica e independente no seu principal jornal, para evitar que O Estado de S. Paulo surfasse sozinho nas ondas da abertura.

Eles se dividiram e a classe dominante reinou

Ainda seguindo sua lógica de dividir para reinar, Golbery via com bons olhos a ascensão de Lula como contraponto à liderança bem mais radical de Leonel Brizola. Foi o que acabou ocorrendo: o PT cresceu e o PDT encruou. As ambições e personalismo do nosso lado deram vida fácil ao outro lado.

Para a esquerda, foi trágico: juntos, Brizola e Lula poderiam ter levado a redemocratização bem mais adiante, provavelmente até evitando a transição sob total controle da classe dominante em que se constituiu a eleição indireta de Tancredo Neves: uma saída pela ditadura pela porta dos fundos.

Enfim, tais circunstâncias ajudaram Lula a chegar aonde chegou mas, sem provas consistentes, não podemos considerá-lo nada além de um homem bafejado pelo destino. Como o continuaria sendo, aliás. Paradoxalmente, até o seu pior momento acabou lhe trazendo um benefício: a autonomia de voo.

Os Zés Dirceu e Genoíno acreditavam que conseguiriam tutelar Lula indefinidamente, mas não contavam com o escândalo do mensalão, que esgarçou a liderança de ambos. Embora já tivessem flexibilizado em muito os ideais que professavam, os dois continuavam, basicamente, marxistas; haviam desistido do combate sem tréguas à burguesia, mas, pelo menos, tentavam trilhar um terceiro caminho entre a intransigência revolucionária e a capitulação incondicional ao inimigo. Tinham se tornado, digamos, bolivarianos light.

Zé Dirceu perdeu ascendência

Quando Lula ficou por sua própria conta, acabaram os últimos resquícios de pudor e o PT não parou mais de prostrar-se à burguesia no que realmente conta, a política econômica. Nunca dantes neste país os grandes capitalistas, banqueiros à frente, obtiveram lucros tão escandalosos. A retórica de esquerda se tornou apenas um engana-trouxas a ser utilizado no período eleitoral e devolvido ao arquivo morto logo em seguida, ao se montarem as equipes ministeriais.

Eu ainda tinha um tiquinho de esperança em Dilma Rousseff, tanto que combati José Serra com todas as minhas forças em 2010 (gato escaldado, preferi não apoiar explicitamente alguém que para mim era uma incógnita, daí haver optado por apenas bater pesado no tucano que, tanto como governador de São Paulo quanto na campanha presidencial, havia guinado com tamanho ímpeto à direita que chegava a lembrar o corvo Carlos Lacerda).

A pusilanimidade de Dilma em episódios cruciais –como quando ignorou a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito dos executados do Araguaia, criando a Comissão Nacional da Verdade como contraponto propagandístico e não a respaldando nos episódios em que brucutus militares desafiaram a CNV ostensivamente, ou como quando fechou os ouvidos ao pedido de asilo de Edward Snowden– matou as minhas últimas ilusões.

Sabia muito bem o que viria num segundo mandato de Dilma, tanto que cansei de escrever que ela faria o serviço sujo exigido pelo poder econômico (promover o ajuste recessivo da economia) da mesmíssima forma e com a mesmíssima insensibilidade de Marina Silva ou Aécio Neves.

Será que algum dos dois ousaria entregar a pasta da Fazenda a um Chicago boy tão convicto do seu papel de lambe botas da burguesia quanto Joaquim Levy?

Ele continua fazendo o mesmo que fazia no Bradesco

Será que, com uma Marina Silva no poder, os movimentos sociais engoliriam tão passivamente um ministro que é o mais feroz carrasco dos explorados enquanto garante sono tranquilo para os grandes exploradores (banqueiros em primeiro lugar) e os grandes parasitas (como os herdeiros das maiores fortunas)?

Enfim, mudando um pouco a frase celebre de Marx no 18 brumário de Louis Bonaparte, o fenômeno Lula começou como epopeia, foi evoluindo como farsa e pode até terminar como tragédia, embora o mais provável seja o fim do ciclo lulista (e de sua consequência piorada, Dilma) não com estrondo, mas com um suspiro.

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