No quinto minuto, segundo 24, começam a falar sobre educação. Chico e Carla comentam que São Paulo foi reprovado nas avaliações nacionais e Serra contesta. Até aí tudo bem. Mas vem, então, a seguinte continuação:
“Tem que entender o seguinte. Diferentemente dos estados do sul, que são os que têm melhor situação, São Paulo tem muita migração. Muita gente que continua chegando, e tal. Este é um problema. E houve uma expansão quantitativa muito grande do ensino. Eu acho que agora a gente tem que olhar pra frente e enfatizar a qualidade. O que eu fiz na prefeitura e que vou fazer no estado? Botar duas professoras por sala de aula no primeiro ano do ensino fundamental. Isso é crucial para que as crianças aprendam. Eu não quero nenhuma criança passando de ano sem aprender aquilo que tem que aprender. Isso é essencial, Carla”.
Eu pergunto: o que tem uma coisa a ver com a outra? A culpa, então, é dos migrantes, candidato Serra?
O número de migrantes é seguido do aumento da produtividade. Migrantes, nobre Serra, são todo tipo de gente: os trabalhadores da área de construção civil, estudantes de graduação e pós-graduação, famílias que recebem convites diversos para integrar áreas específicas de conhecimento e, igualmente, algumas pessoas que acabam por ficar desempregadas – o mesmo acontece com os paulistanos, que também são trabalhadores da construção civil, estudantes, desempregados ou qualquer outra coisa. É um tema bastante complexo.
Todos os que estão eventualmente empregados, ou que já estiveram empregados, estão contribuindo para a produtividade do Estado de São Paulo, para a maior participação da população nos impostos, para a redistribuição destes impostos em serviços sociais. Aliás, em muitas áreas, o próprio Governo Federal distribui recursos – veja só – de acordo com a quantidade de pessoas. Incluindo a área de educação. E, por incrível que pareça, o Governo Federal não pergunta antes se a criança é paulistana ou cearense.
Quando o candidato José Serra começa sua explicação vinculando o “problema” da educação com o “problema” dos migrantes, demonstra todo o seu preconceito e demonstra porque o PSDB está morrendo no Nordeste.
É um tipo de racismo (*) tão ultrapassado, algo tão estúpido, que eu tenho preguiça de iniciar qualquer argumentação que conclua o óbvio: os migrantes não são melhores nem piores que ninguém. Ao contrário do que Serra parece supor. E o aumento populacional é acompanhado, anualmente, pelo aumento de recursos para a correta aplicação em serviços sociais básicos, como é a educação e a saúde. Não contente com a sua falta de competência em gerenciar a educação pública em São Paulo, José Serra ainda credita seu fracasso a um “inimigo” externo, os migrantes.
Para entendermos a ameaça que está por vir caso esse senhor seja presidente, Rodrigo Vianna faz um comentário que não me surpreende, pela repetição incessante: “Serra saiu do estúdio da Globo furioso. Talvez por isso, pouco tempo depois, numa outra entrevista que iria ao ar no SP-TV 2 (edição da noite), o jornalista Carlos Tramontina recebeu ordens expressas do Rio de Janeiro, para cortar as perguntas duras. Aliás, recebeu do Rio exatamente as perguntas que deveriam ser feitas. A equipe do jornal ficou muito chateada, lembro bem. Porque até ali todas as entrevistas tinham sido feitas com liberdade – como aquela do Chico e Carla Vilhena.”
Agora, cabe o seguinte registro final da minha parte: se o nobre candidato José Serra tem este tipo de pensamento acerca dos migrantes, o que dirá acerca dos imigrantes de todo tipo que o governo atual generosamente recebe no Brasil, oriundos de conflitos étnicos e regiões de miséria social? Qual seria sua política, enquanto presidente?
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[*] Racismo, nos estudos culturais e para diversas outras disciplinas, é um conceito que não se restringe ao preconceito de cor de pele, se estendendo a preconceitos étnicos e regionais, por exemplo. A ideia de raça foi melhor entendida, dada a diversidade dos usos históricos, como qualquer forma de discriminação e preconceito que propunha qualquer tipo de superioridade/diferença de um determinado povo/cultura em relação a outro povo/cultura. Neste caso, supostamente dos paulistanos em relação a pessoas de outra naturalidade e, até mesmo, de outra nacionalidade, como no caso do preconceito contra bolivianos e peruanos verificado recentemente por meio de relatos da mídia.[**] Acompanhe o twitter do autor: @gustavobarreto_
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.