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O silêncio constrangedor em torno do livro A Privataria Tucana

Por Bob Fernandes (@bob_fernandes)
Do Jornal da Gazeta, 12/12/2011

Sete ministros da presidente Dilma já caíram. sempre em razão de denúncias de corrupção ou tráfico de influência. Em todos os casos, a mídia cumpriu seu papel. Investigou e manchetou. Impiedosamente. A oposição botou a boca no trombone, como lhe cabe fazer. Mas desde sexta-feira o que se ouve é um Estrondoso Silêncio. Sexta-feira chegou às livrarias “A privataria tucana”.

De autoria do jornalista Amaury Ribeiro Jr, o livro trata de um milionário esquema de lavagem de dinheiro. Dinheiro que seria fruto de operações desde a época em que, no governo Fernando Henrique, o Brasil privatizou seu setor de telefonia.

O livro tem 340 páginas: 112 páginas são documentos [clique aqui para acessar a versão online do livro]. Documentos confidencias da CPI do Banestado, documentos obtidos em juntas comercias, e em paraísos fiscais. Personagens centrais do livro são o ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de OIiveira, e José Serra. Serra e alguns dos seus familiares.

Também na sexta-feira, a revista Carta Capital chegou às bancas com o mesmo tema: o livro de Amaury. Na sexta a revista Terra Magazine entrevistou Amaury, no sábado o jornal da Gazeta informou, as redes sociais debatem desde então. E é só. Nenhuma notícia nos telejornais, jornais, na chamada Grande Mídia. Só um silêncio ensurdecedor.

Se murmura que faltaria credibilidade a Amaury Ribeiro. Isso por ele ter sido indiciado pela Polícia Federal. Há um ano, sob acusação de espionar Serra e sua família. Em seu livro, Amaury diz que investigava, isso sim, era a espionagem no ninho tucano. Da campanha de Serra contra Aécio Neves.

Perguntas: alguém invocou credibilidade do Sombra, aquele que recebia e pagava e levou à queda do governador Arruda? E quando Roberto Jefferson denunciou o chamado mensalão? Os motivos que o levaram à denúncia, a sua carreira até então, silenciaram o noticiário? Não. E nem deveriam silenciar.

O policial João Dias, que recebia dinheiro como confessou, há pouco levou à queda do ministro dos Esportes, Orlando Silva. O policial fez a denúncia dizendo ter um vídeo onde entregava dinheiro para o ministro ou os seus. O vídeo não existe. Mas o noticiário seguiu, fatos surgiram e o ministro caiu.

E Paulo Lacerda? O íntegro, o competentíssimo, honesto delegado que refundou a Polícia Federal? Lacerda deixou a Abin, foi para o exílio em Portugal por conta de um grampo eletrônico que nunca existiu. Mas que serviu para começar a matar a operação Satiagraha. Aquela que prendeu Daniel Dantas. Dantas que também está no livro.

Os citados no livro A Privataria Tucana seguem em silêncio. A mídia, sempre pronta para investigar e manchetar, segue em silêncio. Um silêncio estrondoso. Se continuar assim, um silêncio profundamente revelador.

Serra, Battisti e a vil linguagem dos interesses políticos

Celso Lungaretti

Terra em Transe (1967) é, disparado, o melhor filme brasileiro de todos os tempos.

Uma das muitas passagens antológicas da obra-prima de Glauber Rocha: o ersatz de Carlos Lacerda, o político direitista Porfirio Diaz (Paulo Autran), acusa o poeta Paulo Martins (Jardel Filho) de haver traído a amizade que um dia houvera entre eles em nome da “vil linguagem dos interesses políticos”. E o outro, cabisbaixo, nada tem a retrucar, pois está prostrado pelos remorsos.

E o que sempre me vem à mente quando vejo ex-companheiros das jornadas de 1968 hoje se comportando como sustentáculos do stablishment que um dia combateram. Vendem-se por um prato de lentilhas: candidaturas, ministérios ou secretarias, boquinhas, status, grana, posição na hierarquia acadêmica. Nada que compense a perda da alma.

O grande cartunista Henfil os colocaria a todos no cemitério dos mortos-vivos. Eu não o faço porque me repugna até citar seus nomes.

Mas, a insistência do Governo José Serra em se mostrar confiável aos olhos dos conservadores e direitistas me leva a abrir exceção.

Como pode um ex-presidente da UNE tratar movimentos estudantis e sociais como casos de polícia?

Como pode um ex-exilado criticar a concessão de refúgio humanitário a um indiscutível perseguido político, apenas porque a decisão foi tomada pelo ministro de outro partido?

Serra já negara Battisti uma vez, ao fazer coro dúbio aos ultimatos italianos e à grita dos reacionários brasileiros: “”Em princípio, não estou de acordo [com a decisão do ministro Tarso Genro], pelos antecedentes que vi na imprensa. Não olhei os processos, mas me parece um exagero o asilo dado”.

Não teve sequer a dignidade de firmar taxativamente sua posição, preferindo deixar aberta a porta para desdizer-se, conforme o rumo dos acontecimentos.

A segunda negação acaba de vir numa declaração do seu secretário de Justiça Luiz Antonio Marrey que melhor caberia na boca de alguma viúva da ditadura: “Foi absolutamente equivocada a decisão de dar refúgio político a um assassino condenado pela Justiça italiana”.

Se tudo que os estados afirmam sobre seus desafetos deve ser tomado como verdade absoluta, erraram a França e o Chile ao não entregarem o subversivo Serra para os torturadores brasileiros.

E se a solidariedade entre os combatentes das causas justas virou letra morta, errou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, com suas gestões desesperadas, salvou Serra da morte quando do pinochetazzo.

Não duvido que a terceira negação seja logo proferida — em nome, sempre, da vil linguagem dos interesses políticos.

Se para Pedro houve perdão, para Serra não há nenhum. Não descarta seus princípios de outrora para salvar a vida, mas, tão-somente, para ocupar a posição de gerente-geral dos interesses capitalistas no Brasil, vulgo presidente da República.

O que, para quem não abdicou de suas convicções revolucionárias, nada mais é do que um prato de lentilhas.