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Janelas da Alma e outros Voos – mostra apresenta fotos do carnaval e festas populares

Por Adriana Medeiros – blog Vozes das Comunidades 

Foto de Yasmin Barros

O coletivo Favela em Foco completa 10 anos! A festa já começou: dia 8 de fevereiro foi inaugurada a exposição fotográfica do projeto “Folia de Imagens”, no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica, centro do Rio de Janeiro, praça Tiradentes. Estão todxs convidadxs!

Quem é o coletivo Favela em Foco? Enquanto o mundo comemorava o aniversário de 20 anos sem o muro de Berlim, em 2009, no Complexo da Maré um grupo de fotógrafos começava a documentação sobre os muros que o governo criava para separar e conter as histórias de vida dos moradores de periferia dos moradores da cidade. Foi o primeiro voo do recém-nascido coletivo: janelas da alma para atravessar o muro da vergonha no Rio de Janeiro!
O grupo se expandiu e hoje conta com fotógrafxs de vários cantos do Rio de Janeiro – zona norte, oeste, sul – e colaboradores em outros estados, como Recife e Maranhão. “O favela em foco não é só favela! Nós discutimos os direitos na cidade”, afirma Elisângela Leite.

E o que o projeto Folia de Imagens tem a ver com tudo isso? Em 2012, novas janelas se abrem com o projeto “Folia de Imagens”. Ele reúne fotos sobre o carnaval e festas populares que, para além da alegria, também representam subversão dos sagrados e dos limites dos territórios. O processo de criação fotográfica é coletivo e compartilhado entre fotógrafxs e fotografadxs. De novo um voo que atravessa o limite: as fotos surgem do envolvimento, do vínculo, do respeito pelos fotografadxs, que também decidem como serão apresentados nas imagens. Constrói-se, assim, um banco de imagens e memórias que “voam” pelas janelas e permanecem nas lembranças locais.

Serviço
Exposição Folia de Imagens

Onde: Centro Cultural Helio Oiticica – Rua Luís de Camões – 68 – Centro/Praça Tiradentes – Rio de Janeiro
Quando: De 08 de fevereiro a 30 de março/ de segunda à sábado – 12h às 18h
Como chegar: acesso por ônibus, metrô e VLT.
Contatos:
– Favela em Foco: favelaemfoco@gmail.com/ foliadeimagem@gmail.com
Face: https://www.facebook.com/FoliadeImagens
Instagram: #foliadeimagens
Blog: https://favelaemfoco.wordpress.com/
Centro Municipal de Arte Helio Oiticica: cmaho.cultura@gmail.com / (21) 2242-1012 (12h às 18h)
CLASSIFICAÇÃO: LIVRE.

Projeto Tecnogueto oferece curso gratuito de programação

Projeto está com inscrições abertas e vai oferecer formação completa gratuita em programação ao longo de quatro meses. A ideia é que estudantes saiam direto para o mercado de trabalho

O Tecnogueto, projeto que vai abrir as portas do mercado de tecnologia, está com inscrições abertas para o Curso Gratuito de Formação de Programadores. Jovens, a partir de 16 anos, com interesse nas ferramentas digitais, vão receber treinamentos interdisciplinares de profissionais renomados de grandes empresas. Em quatro meses de curso, a ideia é que os participantes cumpram todas as disciplinas, recebam acompanhamento e sejam encaminhados ao mercado de trabalho.

“Procuramos pessoas que sejam curiosas, determinadas, com sede de conhecimento e prontas para novos desafios. A gente sabe que há muitos jovens talentosos morando em comunidades. O que eles precisam é de oportunidades. Nosso projeto tem o objetivo de ser a porta de entrada para quem deseja ter destaque numa profissão de futuro. Vamos preparar meninos e meninas que estão buscando conhecimento e levá-los ao mercado”, afirma Rodrigo Ribeiro, programador e idealizador do Tecnogueto.

Dividido em módulos, o projeto é ideal para quem não tem conhecimento em programação. O curso terá aulas que vão desde os conhecimento básicos até as linguagens de software mais complexas. Segundo a programação, os encontros vão ocorrer de segunda a quinta, a partir do dia 4 de março, na Barra da Tijuca. Os encontros serão alternados entre as aulas de programação e de inglês.

“Vamos fortalecer a autonomia de cada aluno, a criatividade, o trabalho em equipe e desenvolvimento socioemocional. Os conteúdos dos cursos foram preparados para todos os alunos. As aulas foram pensadas para que gradativamente todos os participantes consigam se desenvolver”, conta Rodrigo.

Além do programador Rodrigo Ribeiro e do fundador do Hotel Urbano, João Ricardo, também faz parte do projeto o designer gráfico Hugo Falcão. Completam o time a psicóloga, com formação sistêmica e atuação atrelada à área de Recursos Humanos, Bruna Zonis, e a professora de idiomas Gizele Castro.

O projeto é inteiramente gratuito. Todos os alunos terão transporte até o local das aulas e vão receber todo o material didático, como apostilas, cadernos e canetas.

Diariamente, também será oferecido um lanche. Para participar, é preciso apenas se inscrever no processo seletivo no site: www.tecnogueto.com.br. O período de inscrições vai até 3 de dezembro.

Mais informações: tecnogueto@gmail.com
Inscrições: www.tecnogueto.com.br

Onda de assaltos e roubos no Caju

Nas últimas semanas ocorreram diversas invasões a residências na Quinta do Caju, assaltos a mão armada na Rua do Cemitério e no Bar Pejô, no último domingo, dia 20. Quando o bar já estava sendo fechado, foi anunciado o assalto dentro do bar, que só tinha funcionários.

Há relatos de moradores de que vários objetos e dinheiro foram roubados enquanto eles dormiam ou iam para o trabalho, deixando a casa sozinha. Os casos vão desde roubo de roupas em varais até televisões, celulares e dinheiro.

Há também assaltos à mão armada sendo realizados à noite, por homens de moto, na rua do Cemitério, Rua Monsenhor Manoel Gomes, próxima a passarela 01.

Quando o Governo fala em “pacificação”, muitos pensam em Segurança para viver melhor. Mas o que se tem visto em todas as favelas com UPPs é que a Polícia enquadra e persegue trabalhadores, impõe toques de recolher e proibe festas ao ar livre em várias favelas e acaba gerando mais insatisfação, insegurança e medo nos moradores, pois além da Polícia proporcionar diversos casos de violência sofridos por quem mora nas favelas, os que são feitos por outros contra os moradores não são apurados.

Isso é mais uma prova de que a UPP protege as grandes empresas e seus interesses (no Caju e em outros lugares), pois para o Governo, trabalhador tem que ser controlado e vigiado, enquanto o rico é protegido pela Lei. Ou o Eike Batista pagava parte do salário dos policiais da UPP porque ele é bonzinho e se preocupa com nós, favelados?

UPP não é segurança, é controle militar sobre pobre e favelado!

P.S: quem tiver mais notícias sobre esse e outros assuntos do bairro, pode nos passar por mensagem, que divulgamos por aqui.

Fonte: Caju Notícias

Da favela para as favelas, de verdade

O livro pode ser adquirido na livraria Antonio Gramsci – Rua Alcindo Guanabara, 17, térreo, no Centro do Rio – tel.: (21) 2220-4623, ou então pela internet clicando aqui.

Por Alan Tygel

Conheci o Fiell no dia 22 de maio de 2010. No IML. Pra quem não sabe, IML é o Instituto Médico Legal. É pra onde os cadáveres são levados, para verificar a causa da morte. É também o se faz o exame de corpo de delito, para atestar legalmente se alguém sofreu agressão.

No mesmo dia, um sábado, fui assistir à aula do curso de comunicação comunitária do NPC. Estava programado um debate sobre UPP, conduzido por um morador de favela pacificada. Este morador havia escrito uma cartilha de abordagem policial, motivado pelos crescentes abusos cometidos pelos policiais pacificadores na favela do Santa Marta.

Depois de cerca de uma hora de atraso, a Cláudia Santiago, coordenadora do curso, chega com uma notícia: Fiell não pode vir hoje, porque foi agredido e preso pela UPP ontem à noite. Que coincidência né? O convidado do curso para debater a questão da UPP não pode vir porque foi preso e agredido pela UPP.

Mesmo assim, Fiell saiu da delegacia pela manhã, tomou um banho e foi para o curso. Chegou machucado, cheio de hematomas, mancando. Contou para nós o que havia acontecido (leia o livro, tá tudo lá!) e participou das atividades da tarde. No final do dia, sobramos poucas pessoas.

Convencemos o Fiell de que ele deveria ir ao IML para fazer o exame de corpo de delito e processar os policiais que o haviam agredido. Eu estava de carro, e resolvi levá-lo lá.

Ficamos cerca de duas horas esperando nos chamar. A todo instante passavam homens vestidos de açougueiro, com botas de plástico brancas. Que eu me lembre, foi a primeira vez que conversei a fundo com um morador de favela.

Depois do exame, em que o que o médico atestou que ele havia sofrido agressão, Fiell me convidou para tomar uma cerveja no Santa Marta. Que eu me lembre, também foi a primeira vez que entrei numa favela.

Hoje, um ano e meio e muitas cervejas no Zé Baixinho depois, já me sinto em casa no Santa Marta. Tive a oportunidade de acompanhar de perto o nascimento, a construção e o fechamento violento da Rádio Santa Marta. A parceria musical com o Fiell, os shows de reggae e o trabalho no projeto Rio Economia Solidária fizeram com que o Santa Marta fosse minha segunda casa.

Linguagem clara, objetiva, e sempre provocadora: e você?

Por tudo isso, por esse um ano e meio acompanhando o Fiell nas palestras, shows, debates, eu imaginei que não fosse me surpreender com o livro. Imaginei que me soaria muito familiar tudo que estivesse escrito alí.

Obviamente, levei uma rasteira pra lá de prazerosa. O livro é simplesmente genial. Sua clareza e objetividade fazem do título aparentemente senso comum – da Favela para as Favelas – uma verdade absoluta.

O livro é dividido em capítulos temáticos, que abordam a favela, a comunicação, a educação, os direitos, o movimento hip-hop, o tráfico, a UPP, o trabalho e a cidadania. Em cada um deles, é contada um pouquinho da história do Fiell, do ponto de vista de cada tema.

De cantor consumista a repper-repentista, Fiell conta de forma delicada – e não por isso menos provocante – seu processo de politização e desalienação. Esta transformação lhe custou alguns empregos, ao denunciar aos colegas a exploração que sofriam: “… ele passou meu dinheiro e foi argumentando que eu não poderia mais trabalhar com ele, que eu era muito intelgente e tinha mais é que cantar rap.”

Ao perceber que sua condição de pobreza não era culpa sua, como pensava, Fiell decide revolucionar sua vida e lutar por uma sociedade mais justa para todos. E descobriu na comunicação popular – jornal, rádio, e agora o livro – um meio bastante eficaz para isso.

Fiell disse que o livro era pra ser lido no ônibus, na volta do trabalho. Foi exatamente o que eu fiz: o formato pequeno e a linguagem simples e direta fizeram com que eu devorasse as 81 páginas em uma hora de trânsito no 485. Em certo momento a luz acima do meu banco queimou. Mas era um dia de sorte. O ônibus estava vazio e pude mudar de lugar pra continuar lendo.

Se tivesse que definir o livro em uma palavra, não teria dúvidas: provocador. O livro é recheado de provocações do início ao fim. “Existe democracia no Brasil? Pra quem?”; “Eu uso o (o rap) para revolucionar o povo trabalhador das periferias do Brasil. E você?”; “Vamos nos organizar porque as remoções vão vir e toda nossa história irá virar mais um livro para sociólogos e pesquisadores que não moram em favelas.”

Fiell escancara as contradições daqueles que se dizem do povo, mas na primeira oportunidade, fazem anúncio para televisão e escapam da favela. A questão da imagem é abordada também de forma bastante direta. “Sabemos que para ter um Nike, que a mídia nos obriga a ter através de propaganda diária, vários jovens negros e brancos das favelas e periferias do nosso Brasil matam e morrem.”

E dá-lhe provocação: neste contexto, qual a responsabilidade de um rapper famoso que usa Nike?

Por fim, ficou na minha cabeça uma indagação, que eu coloco em forma de provocação a todos nós: como fazer esse livro chegar de fato às mãos dos trabalhadores que pegam ônibus lotado, chegam em casa cansados e só têm forças para ligar a TV e dormir para aguentar o dia seguinte?

Ao descrever sua rotina antes de se mudar para o Santa Marta, Fiell diz que saia de casa às 4:30 e partia pra comprar o Extra ou Meia Hora, para ver as notícias de violência e as bundas. E se saísse atrasado, já não tinha mais jornal.

Se existe algum livro que pode competir com o Meia Hora, que o trabalhador possa ler e refletir na viagem de volta pra casa, esse livro se chama Da Favela Para as Favelas – História e Experiência do Repper Fiell.

É nosso dever divulgá-lo.

Psicólogos criticam política de segurança pública

Uso dos autos de resistência para encobrir execuções sumárias também é questionado

Psicólogos do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) fizeram duras críticas à atual política estadual de segurança. Em debate no VI Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, eles criticaram também a gestão das políticas públicas hoje, que estaria verticalizada. O encontro aconteceu na Unirio, na última sexta-feira, dia 10.

Segundo Luciana Vanzan, que abriu a mesa “Práticas de aprisionamento da vida e produção de resistências”, existe hoje uma criminalização da pobreza e uma naturalização da violência.

“Existe uma separação da sociedade entre aqueles que consomem e os pobres, que são excluídos dessa possibilidade”, explicou ela. “Esse ‘não consumo’ é, para a ordem consumista vigente, uma espécie de disfunção. E é por isso que vemos cada vez mais políticas públicas que têm como objetivo isolar essa população, como é o caso do muro na Linha Vermelha.”

Para Ana Carla Silva, que também participou da mesa, a gestão das políticas públicas atualmente não prioriza as pessoas e suas vozes, mas os interesses políticos. “Hoje em dia tudo funciona na ordem do ‘executa-se’ e não há tempo de se perguntar e de se discutir o porquê e suas possibilidades”, revelou ela, que trabalha também na Secretaria Estadual de Assistência Social. “Sinto que é a partir dessa lógica que está sendo feita a gestão das políticas públicas. Não estamos pensando nossas próprias práticas porque não temos tempo para isso”.

Para Luciana, no entanto, o problema é ainda pior porque existe um respaldo da sociedade, que acredita que a solução para a desigualdade é o endurecimento das ações policiais. Além disso, segundo ela, as instituições públicas de segurança sofrem ainda com uma herança do período da escravidão e da tortura na ditadura. De acordo com a psicóloga, houve uma banalização da morte:

“Em 1992, 111 pessoas morreram no massacre do Carandiru e isso chocou, sensibilizou as pessoas. Hoje, 111 morrem por dia nos conflitos policiais em São Paulo e não há comoção alguma”, constatou ela, que destacou também a gravidade do uso policial dos chamados autos de resistência.

De acordo com a lei, o auto de resistência é utilizado pela polícia para justificar mortes ou ferimentos causados a qualquer pessoa por resistência à força policial. No entanto, para Luciana, eles funcionam hoje para mascarar execuções de cidadãos inocentes.

De fato, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), enquanto em 2000 foram registradas 427 mortes por autos de resistência, em 2007 esse número chegou a 1 330 casos.

Além disso, em julho de 2007, em uma operação policial no complexo do Alemão, 19 mortes foram dadas como casos de auto de resistência. No entanto, de acordo com Luciana, um relatório posterior da ONU teria classificado pelo menos 13 delas como execuções sumárias.

“A polícia brasileira age a partir de uma premissa de suspeição generalizada mas, na verdade, algumas pessoas são mais suspeitas que outras”, declarou. “Qual o preço que as comunidades pagam para que seja presa uma meia dúzia de traficantes? É dever do Estado garantir a dignidade da vida humana, o que não está sendo feito.”

E por detrás dos panos…

Sem participação popular e com baixa implementação de políticas sociais, UPPs não conseguem resolver o problema estrutural da violência carioca, a exclusão

Policial militar observa o Santa Marta: para morador da Maré, UPP pratica remoção maquiada

(foto: João Reis)

Um ano e meio depois de sua instalação, a primeira Unidade de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro, no Morro Santa Marta, virou referência do novo modelo de política de segurança pública do estado. Apesar disso, especialistas e moradores criticam o sistema atual e afirmam que ele não funciona tão bem quanto o resto da sociedade imagina.

Para o morador do Complexo da Maré, F. M., a experiência do Santa Marta mostrou como a UPP é ineficiente em promover uma desfavelização efetiva. Segundo ele, é claro que com as unidades houve a diminuição do número de mortes e de confrontos, mas elas trouxeram também a tributação dos moradores.

– Com as UPPs entra também a conta de luz, de água e de outros serviços que acabam afetando o custo de vida. As pessoas que vivem nas favelas não têm condições de pagar essa tarifação e há, portanto, uma remoção camuflada, porque as pessoas saem da comunidade para locais mais longe dos grandes centros – analisou.

Para ele, o que acontece na verdade é uma mudança no perfil socioeconômico local que passa, então, a ser ocupado por uma classe média baixa que não se importa em morar em uma favela mas sem violência e com tributações reduzidas.

E é essa a experiência de J. L., antiga moradora do Santa Marta. Segundo ela, muitos amigos e conhecidos já tiveram que deixar o morro por conta da alta do custo de vida no local.

– Os aluguéis todos subiram. Hoje, para morar num conjugado pequeno você tem que pagar pelo menos uns 400 reais – disse.

Para Silvia Barboza, assessora de fomento à produção habitacional do município do Rio de Janeiro, o projeto das UPPs falha porque deveria estar atrelado a uma política de geração de emprego e de renda.

– É preciso atuar na origem dos motivos que levaram essas pessoas a essa situação de empobrecimento, não adianta só polícia – explica Silvia, que trabalha na Secretaria de Habitação do Rio. – É claro que o custo de vida sobe porque está sendo levada infra-estrutura, mas é preciso criar mecanismos para que as pessoas que vivem ali possam pagar por esses serviços.

Para ela, antes de tudo é preciso uma articulação da política de segurança pública com outras pastas, como a de Desenvolvimento Econômico. Uma ação a ser fomentada poderia ser, por exemplo, segundo ela, a atuação da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) nas comunidades que estão recebendo as UPPs. Por meio do sistema Firjan, de acordo com Silvia, podem ser criadas possibilidades de capacitação de moradores para trabalharem em mercados carentes de mão de obra qualificada hoje.

Apesar disso, para o Subtenente Ronaldo Tancredo, que faz parte da equipe responsável pela UPP Santa Marta, o novo modelo não é só policial e está trazendo também ações socioculturais que têm como objetivo integrar e estimular a inclusão da favela.

– Temos que ter uma ação policial efetiva, claro, mas é fundamental também trabalhar com as crianças, que são o futuro da comunidade – explica ele. – Temos projetos de artes marciais e de música, por exemplo. Tem criança que antes nem falava com os oficiais e que hoje se dá super bem com a gente. Isso é policiamento comunitário.

Para Silvia, no entanto, o grau de associação das UPPs à políticas sociais ainda é muito baixo, principalmente no que diz respeito à geração de renda. Segundo a arquiteta, é necessário, em primeiro lugar, que haja uma participação maior das comunidades envolvidas.

– A UPP não é suficiente porque não dá voz à população local. É preciso fortalecer as formas próprias de organização de cada favela, respeitando a autonomia dos movimentos populares. A comunidade precisa participar da decisão de suas próprias questões – afirma. – A pessoa que não é escutada é um potencial agressor porque sofre de uma violência internalizada.

Como exemplo, Silvia cita o Mutirão, projeto pai do Favela Bairro e forte nas décadas de 80 e 90 no Rio. O objetivo era levar infra-estrutura às favelas mas, ao mesmo tempo, criar espaços coletivos para discussões públicas que incentivassem a consciência política e a organização da população para conquistar sua cidadania.

– O Mutirão levava saúde, obras, reflorestamento e capacitação junto com um processo de participação popular. Assim as mudanças aconteciam mas permanecia a rede social que existia nas comunidades. É provável que o governo não trabalhe com isso hoje porque não existe interesse em ouvir de fato a população.

Para C. N., morador do Santa Marta que participa da Associação de Moradores, existem muitas falsas verdades no projeto das UPPs. Ele conta que o policiamento não é efetivo e que se resume aos arredores da instalação da unidade e à entrada da favela. Além disso, segundo ele, os índices de violência teriam aumentado dentro da própria comunidade.

– Hoje em dia a gente tem que dormir de porta fechada. Tem que ficar tudo trancado porque senão roubam mesmo. E não adianta ir falar com os policiais, não acontece nada. Antes não era assim, pelo menos o tráfico tinha controle sobre o que acontecia aqui dentro – explica.

Para Tancredo, é normal que cresça o índice de outros delitos já que antes a maior parte dos crimes cometidos estava relacionada ao tráfico de drogas, que deixou desempregados muitos moradores. Além disso, segundo ele, existem também questões legais que atrapalham que todos os criminosos sejam presos.

– Tem gente que eu vejo, passo todos os dias, e sei que é ladrão ou que era traficante. Mas eu não posso fazer nada, não tenho provas.

Sobre o baixo policiamento na favela, Tancredo afirmou ainda que existem oficiais fazendo rondas pela comunidade durante todo o dia. Apesar disso, enquanto a equipe de reportagem esteve presente no morro, por cerca de três horas só um oficial em serviço foi encontrado fora das instalações da unidade principal.

Como se livrar da pobreza?

Em um primeiro momento até que foi fácil. Com ajuda das mais modernas técnicas de edição, os vídeos oficiais da candidatura do Rio de Janeiro à sede dos Jogos Olímpicos de 2016 fizeram desaparecer todas as favelas da cidade. O problema é que, uma vez campeões, Eduardo Paes e Sérgio Cabral perceberam que, veja só, elas ainda estavam por lá – e mais: abrigando quase um terço da população do Rio em condições notoriamente precárias de infra-estrutura. A questão, então, passou a ser como livrar-se delas o mais rápido possível.

A estratégia, no entanto, havia começado muito antes. O governo já tinha lançado a chamada Unidade de Polícia Pacificadora, que começou em uma experiência – hoje considerada modelo – na favela Santa Marta. O objetivo, segundo a Secretaria de Segurança Pública, era devolver o controle do território, antes em poder de bandidos, aos seus verdadeiros donos: os moradores das comunidades ocupadas. A ideia, em um primeiro momento, parece boa, mas é preciso cuidado.

Antes de tudo, é importante lembrar que, para a grande maioria dos moradores, viver nas favelas não é uma escolha, é sua única possibilidade. Não é vontade de ninguém, vale reforçar, morar em localidades sem infra-estrutura de serviços. Afinal, ninguém realmente deseja viver sob a ocorrência constante de apagões, falta de água e problemas de esgoto. Mas como fazer quando é preciso sustentar uma família inteira e não há um sistema de transporte de qualidade que possibilite o deslocamento casa-trabalho? Simplesmente não há opção.

As famílias que vivem nas favelas só estão lá porque não têm poder aquisitivo para estar em um lugar com mais qualidade de vida. As UPPs, no entanto, desconsideraram esse fato e trouxeram uma tarifação de serviços – ainda por cima de qualidade duvidosa – que não permite que grande parte da comunidade ali instalada possa pagar. Conclusão: os moradores, sem a capacidade de suportar essa tarifação, vêem-se obrigados a se mudar das favelas para outros lugares mais afastados dos grandes centros. Ocorre, como se pode notar, uma remoção camuflada, já que os morros passarão a ser ocupados por uma classe média baixa, estes sim com poder aquisitivo para pagar pela tributação. A violência e a pobreza, no entanto, continuam existir – mas agora longe dos olhos da Zona Sul carioca.

Mas é claro que seria inviável fazer isso com todas as favelas. Até porque algumas delas, como as localizadas ao longo da Linha Vermelha, atrapalham mais por estarem localizadas justamente na principal rota de boas vindas da cidade. E é então que a Secretaria Municipal de Obras anuncia a construção de uma “barreira acústica” ao longo de uma das maiores vias expressas do Rio.

A tática seria quase perfeita, se não fosse por uma questão. Depois de abandonar a população dos morros cariocas por décadas, o poder público voltaria finalmente sua atenção às favelas para proteger seus moradores do grave problema da poluição sonora causada pelos carros que trafegam em alta velocidade na Linha Vermelha? Dificilmente.

O projeto é, obviamente, um reflexo da política do poder público com relação às comunidades carentes que, ao invés de buscar promover as favelas por meio da oferta de uma infra-estrutura habitacional de qualidade, prefere cobri-las dos olhos das elites, atuando a partir da violência policial e de uma remoção maquiada. E o pior: é aplaudida pela sociedade que, embriagada pela mídia, parece não ver as implicações reais de tais medidas.

Parece evidente, portanto, diante do contexto em que nos encontramos, a necessidade de parar e refletir sobre a atual política adotada pelo poder público com relação às favelas. E, segundo essa lógica, é necessário que haja, antes de tudo, participação das comunidades afetadas pelos planos do governo – e não somente a aplicação direta de decisões tomadas nas portas fechadas dos gabinetes.