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Ainda temos de abolir as escravidões

No mundo atual, milhões de pessoas vivem em situação semelhante à escravidão. No passado, Igrejas e religiões conviveram com isso e até legitimaram essa estrutura em nome de Deus. Hoje, é preciso considerar a luta contra qualquer tipo de escravidão como ato espiritual. 

Atualmente, no Brasil, poucas pessoas recordam o 13 de maio como data a ser celebrada. De fato, a lei áurea que, em 1888, decretou a abolição da escravatura deixou a população escrava sem qualquer amparo. Assim, serviu para propiciar novas formas de escravidão até mais econômicas e mais seguras para os senhores. Atualmente, o próprio governo federal esvazia órgãos de proteção ao trabalhador, sanciona leis que favorecem o trabalho precário, incentiva invasão de terras indígenas e criminaliza movimentos sociais. Apesar disso, nos últimos 20 anos, pela força de organismos da sociedade civil e de Igrejas, quase 50 mil pessoas foram libertadas de fazendas, nas quais trabalhavam acorrentadas, ou sob mira de armas ou apenas para ganhar comida e leito para dormir. Apesar disso, em todo o país, ainda existem empresas rurais, carvoarias e fábricas de fundo de quintal que empregam pessoas em condições semelhantes à escravidão. Conforme pesquisas atuais, no Brasil, 50% da escravidão atual acontece no setor pecuário.

De acordo com Jessé de Souza, em seu livro “A classe média no espelho”, a sociedade brasileira ainda é profundamente escravagista. Em um país de 210 milhões de habitantes, apenas 800 pessoas determinam tudo o que acontece no país. Há mais de cem anos, a maioria da classe média se junta sempre com a elite, para explorar os milhões de pessoas mais pobres. A elite controla todos os grandes meios de comunicação e garante que sua ideologia continue defendida por intelectuais poderosos e algumas universidades importantes. Se, por acaso, ocorrer que um presidente ou governante quiser mexer na exclusão das massas, basta acenar com a palavra mágica “corrupção”. Afinal, sempre foi esta a arma para derrubar presidentes. Em 1954, forçaram Getúlio Vargas a suicidar-se. Em 1964, com este mesmo pretexto, derrubaram o presidente João Goulart e instalaram a ditadura militar. Em 2016, inventaram o impedimento da presidente eleita, assim como em 2018, condenaram sem provas o ex-presidente Lula.  Nestes dias, em plena pandemia, empresários e representantes do Capital fizeram manifestações em São Paulo. Devidamente fechados em seus carros de luxo, os carros de som gritavam: O Brasil não pode parar. Assim, diziam: vocês, trabalhadores pobres têm de voltar para produzir riqueza para nós. Se a abertura de fábricas e do comércio contagiar mais gente e produzir mais mortes, não tem importância porque será entre vocês pobres. Nós, ricos, estaremos protegidos em nossos castelos, ou apartamentos de luxo.

Infelizmente, o retrato do resto do mundo não é diferente. De acordo com ‘Walk Free Foundation’ [Fundação Caminhar em Liberdade], ONG que compila anualmente um Índice Global da Escravidão, calcula-se que, atualmente, mais de 60 milhões de pessoas vivam como escravos/as. A pesquisa aponta que a escravidão existe em 167 países, mesmo na Europa e na América do Norte. As formas atuais da escravidão podem ser trabalhos precários e desumanos, o tráfico de escravas e escravos sexuais, trabalho infantil não remunerado e assim por diante. Na Inglaterra, Kevin Bales, professor de sociologia da Universidade de Surrey, declarou que, já no começo do século XXI, no Reino Unido, 27 milhões de pessoas viviam na escravidão. Como será atualmente?

A Oxfam- Solidarity afirma que antigamente um escravo era um investimento pesado. No século XIX, comprar um escravo era como, atualmente, adquirir um trator. Atualmente, no mundo escravos são baratos e numerosos. Na Europa, um migrante clandestino pode ser adqurido como escravo por módicos 125 euros. No Fórum Econômico Mundial que aconteceu em janeiro de 2020 em Davos, Suiça, a Oxfam mostrou que esta realidade vem do fato de que, no mundo inteiro, “2.153 bilionários têm mais riqueza do que os 4,6 bilhões de pessoas, que constituem 60% da população mundial.”  Movimentos sociais protestaram que a desigualdade ainda é muito maior do que esta aí revelada.

Para quem tem fé, o pior é saber: os países que sustentam esta estrutura são aqueles que têm o nome de Deus na sua Constituição e se dizem cristãos. Os que têm menor desigualdade social são os que se dizem não religiosos. Na Idade Média, escrevia um místico cristão: Que Deus nos livre de Deus! (isso é desta imagem de Deus que aparece na célula do dólar e na parede dos palácios dos que zombam do nome divino). Para salvar o nome de Deus que anda tao mal falado, temos mesmo de lutar contra todo tipo de escravidão.

(13-05-2020)

A profecia social em uma comunidade religiosa

(conversa sobre Lucas 4, 21- 30)

O evangelho lido nesse 4º domingo comum (do ano C) continua o relato do domingo passado e nos mostra a reação dos homens da sinagoga à proclamação que Jesus fez de um ano de libertação como anunciava o 3º Isaías (Is 61, 1- 2). Jesus o toma como texto a ser lido no culto e unindo-o a outras profecias como Is 35, proclama um ano de graça, ou seja, um Jubileu extraordinário, um tempo de libertação para o povo.

A reação dos ouvintes é estranha. A maioria das traduções interpretam que, no primeiro momento, todos na sinagoga, ficam maravilhados com a proposta de Jesus. (O verbo grego pode ser traduzido por maravilhar-se, o que é uma reação positiva ou espantar-se, o que é uma reação negativa). Se ficaram maravilhados é porque o acolhem como um terapeuta, um curador popular. (Quem sabe, ele abre uma clínica de cura aqui em Nazaré!).

Nazaré era um dos centros do nacionalismo judeu e do que, na época, se chamava de “mentalidade zelota”, isso é, a postura dos judeus que queriam libertar Israel dos romanos. Por isso, é normal que, em Nazaré, os conterrâneos de Jesus, naquela sinagoga, o acolhem como terapeuta, mas o querem com exclusividade. Acham ótimo a proclamação do Jubileu de libertação, mas para nós. E Jesus os decepciona e mesmo os agride.

Jesus diz a eles que se um profeta é impulsionado pelo Espírito de Deus (o sopro divino), nunca poderá ser profeta só em sua própria terra. Deus o manda sempre para fora e para os outros. Havia muitas viúvas pobres em Israel no tempo de Elias, mas Deus mandou o profeta para a viúva de uma aldeia estrangeira chamada Sarepta. Havia muitos leprosos no tempo de Eliseu, mas Deus o mandou curar Naaman, o sírio. A salvação é para todos e o profeta deve anunciar isso. Nos Atos dos Apóstolos, Paulo tenta pregar nas sinagogas e como os judeus daquelas sinagogas não aceitam que os outros se salvem igual a eles, Paulo deixa as sinagogas e vai anunciar a fé aos de outros povos e religiões. Assim aconteceu com Jesus.

Alguns intérpretes pensam que desde o começo, eles se espantaram com o fato de que do texto de Isaías, Jesus só tomou as palavras de graça. Deixou de lado e não leu as promessas de vingança que Isaías tinha escrito no mesmo texto. Por isso, Lucas diz: “Eles se espantaram (ou se maravilharam) com as palavras de graça que saíam da sua boca”.

De um jeito ou de outro, até hoje, para nós, essa proposta de Jesus nos desafia. No ponto de vista religioso, ainda temos dificuldade de aceitar que Deus manifesta sua presença e sua salvação não apenas na nossa Igreja e na nossa comunidade, mas para todos e especialmente para os de fora. Ainda ignoramos ou mesmo rejeitamos as religiões negras ou indígenas e ficamos fechados na nossa sinagoga.

Essa proclamação que Jesus faz do seu projeto de vida e de ação fundamenta todo o nosso esforço não somente pelo diálogo intercultural e inter-religioso, mas por uma espiritualidade que procura perceber que palavra Deus me dá através do outro e do diferente. Jesus mostra que o pluralismo que existe no mundo de culturas e de religiões está dentro do plano divino e que devemos não somente aceitá-lo, mas aprender com essa boa diversidade. E quem é discípulo/a de Jesus sabe que é chamado a ser como Jesus: enviado/a para servir e dar testemunho do amor divino aos de fora (de outras religiões e outras culturas) e não apenas para os de dentro (das Igrejas e instituições da nossa cultura e religião).

Do ponto de vista social, muitos cristãos até hoje estranham a profecia social. Jesus anunciou a sua missão com palavras que nada tinham de religiosas, (curar doentes, libertar os presos e proclamar um tempo de libertação para todos). Como fica isso em tempos nos quais as pessoas dizem: Deus acima de todos, mas para ser usado para dar poder e servir a interesses pessoais?

Nesse texto do evangelho, as pessoas que vão se indignando contra Jesus e chegam ao ponto de querer matá-lo são as pessoas mais religiosas e que querem matar Jesus porque se sentem agredidas em sua fé religiosa. Jesus enfrentou a animosidade dos religiosos, antes mesmo de ser rejeitado pelos políticos do império.

O texto diz que eles queriam prendê-lo, mas Jesus passou pelo meio deles e saiu. É como se, através desse gesto, Jesus tivesse perguntando: De que lado vocês estão? Eu anunciei que chegou o tempo da libertação dos oprimidos e de todos os que estão sofrendo. Com isso vocês no lugar de se alegrarem, se ofenderam. Que religião é essa? Que Deus é esse que vocês adoram???

Um filme atual que está no circuito brasileiro se chama “O Confeiteiro”. Trata-se de um rapaz alemão que vai a Jerusalém em busca do amante morto e se emprega no bar da viúva do seu amigo. E com sua capacidade imensa de confeiteiro, faz bolos deliciosos que provoca o aumento da freguesia do bar. Mas, os judeus ortodoxos rejeitam que ele use o forno e proíbem às crianças de comerem qualquer coisa que o rapaz der, porque não é kosher (comida pura segundo a lei). E a viúva percebe como a lei religiosa oprime e, em nome de Deus, provoca segregação e não amor e união. Que Deus é esse?

Ontem ou hoje foi o aniversário de nascimento (90 anos) do padre Camilo Torres que ainda jovem deu sua vida pela libertação do seu povo. Ele foi praticamente expulso do ministério presbiteral e isolado pelo seu bispo e por sua Igreja. Foi abandonado pelos religiosos, antes de ser assassinado pelo exército que o encontrou em meio aos jovens que procuravam libertar o país.

Mesmo se não concordarmos com a opção política de Camilo Torres ao entrar na guerrilha, a profecia dele foi revelar que quem é de Deus não pode ficar indiferente ao sofrimento do povo e não pode continuar compactuando com um poder opressor. Essa é a profecia que Jesus traz para nós: a pergunta De que lado, está o Deus no qual cremos? De que lado estamos nós???

Mensagem do Papa Francisco

“Ângelus”, dia 03.02.2019

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

No domingo passado, a liturgia nos tinha proposto o episódio da sinagoga de Nazaré, onde Jesus lê uma passagem do profeta Isaías e, ao final, revela que aquelas palavras cumprem-se hoje, nEle. Jesus apresenta-se como aquele sobre o qual pousou o Espírito do Senhor, o Espírito Santo que O consagrou O enviou a realizar a missão de salvação em favor da humanidade. O Evangelho de hoje é a continuação daquele relato e nos mostra o espanto dos seus concidadãos, ao verem que alguém de sua terra, o filho de José, pretende ser Cristo, o Enviado do Pai.

Jesus, com sua capacidade de penetrar as mentes e os corações, logo compreende o que estão a pensar seus concidadãos. Esses imaginam que, sendo Ele um deles, deveria mostrar esta sua estranha pretensão fazendo milagres, em Nazaré, tal como fez nas terras vizinhas. Mas Jesus não quer e nem pode aceitar esta lógica, porque não corresponde ao plano de Deus: Deus quer a fé, eles querem milagres, sinais; Deus quer salvar a todos, enquanto eles querem um Messias para seu proveito. E para explicar a lógica de Deus, Jesus traz o exemplo de dois grandes profetas antigos: Elias e Eliseu, a quem Deus havia enviado para curar e salvar pessoas não hebraicas, de outros povos, mas que haviam confiado em Sua palavra.

Diante deste convite para abrirem seus corações à gratuidade e à universalidade da salvação, os cidadãos de Nazaré rebelam-se, e a propósito assumem um comportamento agressivo, que degenera a ponto de se levantarem e o lançarem fora da cidade e o levaram até a montanha, para o jogarem lá de cima. A admiração do primeiro momento virou uma agressão, uma revolta contra Ele.

E este Evangelho nos mostra que o ministério público de Jesus começa com uma rejeição e com uma ameaça de morte, paradoxalmente, justamente da parte dos seus concidadãos. Jesus, ao viver a missão, que lhe foi confiada pelo Pai, sabe muito bem enfrentar o cansaço, a rejeição, a perseguição e a desconfiança. Um preço que, ontem como hoje, a autêntica profecia é chamada a pagar. A dura rejeição, no entanto, não desencoraja Jesus, nem para o caminho e a fecundidade de sua ação profética. Ele segue adiante seu em caminho, confiante no amor do Pai.

Também hoje, o mundo tem necessidade de ver nos discípulos do Senhor, profetas, isto é, pessoas corajosas e perseverantes, ao responderem à vocação cristã. Pessoas que seguem o impulso do Espírito Santo, que as envia para anunciarem esperança e salvação aos pobres e aos excluídos; pessoas que seguem a lógica da fé e não das tendências milagreiras; pessoas dedicadas ao serviço de todos, sem privilégios e exclusões. Em breve, pessoas que se abrem para acolherem em si mesmas a vontade do Pai e se empenham em testemunhá-la fielmente aos outros.

Rezemos a Maria Santíssima, para que possamos crescer e caminhar com o mesmo ardor apostólico para o Reino de Deus, que animou a missão de Jesus.

Trad: AJFC

Digitação: EAFC

Fundamentos e aportes da Teologia da Enxada: esboço organizativo, proposta formativa e ação mobilizadora

No rol dos acontecimentos sócio-eclesiais cinquentenários, neste 2019, inclui-se a caminhada da Teologia da Enxada. Mais que uma expressão conceitual do vocabulário teológico recente, a Teologia da Enxada constitui uma densa caminhada experiencial e reflexiva, protagonizada por cristãos leigos e leigas nordestinos, comprometidos com a causa libertadora dos empobrecidos, à luz dos valores do Reino de Deus e Sua Justiça. 

A caminhada experiencial da Teologia da Enxada brota de uma confluência de fatores e circunstâncias sócio-eclesiais dos quais ousamos destacar:

O contexto de fermentação característico do final dos anos 1960 na América Latina e no Brasil. A crescente mobilização popular, em grande medida, potenciada pelo acontecimentos Medellín (1968) Puebla (1979), que desencadeiam um fortalecimento e expansão de pequenas comunidades (CEBs), a irrupção de pequenos grupos de Religiosas que se vão enraizando nas periferias urbanas e na zona rural, por meio de iniciativas de caráter organizativo (pequenos grupos, círculos bíblicos, apoio sindical, iniciativas de aprendizado profissional, de combate ao desemprego e ao custo de vida; iniciativas de caráter formativo, por meio das Pastorais Sociais, que vão ajudando a despertar, cada vez mais, a consciência crítica dos participantes, entre outras; uma crescente associação nos trabalhos então desenvolvidos entre a reflexão crítica de temas sócio eclesiais candentes (Igreja-Povo de Deus, desenvolvimento de uma leitura crítica da Sagrada Escritura, em especial dos Evangelhos, para uma maior clareza da figura de Jesus de Nazaré; com base nos textos do Concílio Vaticano II e, sobretudo, das Conferências de Medellín e Puebla, em nítida associação com o que se passava no mundo dos pobres (povos indígenas, camponeses, operários, desempregados, etc.); iniciativas tais como Encontros de Irmãos (Olinda e Recife), Irmãos em Ação (Agreste pernambucano), Igreja Viva (Agreste paraibano), entre outras.

Importantes subsídios e textos de Teologia disponibilizados por agentes de pastoral a um número crescente de Leigas e Leigos, o que permitia o encontro com novas correntes de teologia, afinadas com a temática do Concílio (Revista Concílium), de Medellín e de Puebla, etc. Importa destacar, com ênfase, a enorme contribuição prestada ao processo formativo da “Igreja na Base”, pela Comisión de Historia de la Iglesia Latinoamericana, CEHILA, coordenada por figuras tais como Enrique Dussel, José Oscar Beozzo, Eduardo Hoornaert (Brasil, CEHILA – popular). Tanto a CEHILA quanto a CEHILA popular tem um papel de excelência no desenvolvimento da consciência crítica da história das igrejas latino-americanas e do Caribe, inclusive, do Brasil.

Tais circunstância sócio-eclesiais se acham, por certo, nas origens da Teologia da Enxada. Disto podem ser bons exemplos ilustrativos os cantos mais entoados, a esta época, dentre os quais: “Deixa a tua Terra, e vai”, “Da Cepa brotou a Rama”, “Dizei aos cativos: saí”, “Antes que te formasse”, “Os discípulos de Emaús”, “Seduziste-me, senhor”, “Desde o raiar”, “Pelos Caminhos da América”, “Dança aí Negro Nagô”, “Virá o dia, virá o dia”, Eu vim para que todos tenham vida”, “Igreja é Povo que se organiza”; “Eu sou feliz é na Comunidade”; “Com a vida cara, a gente fica sem dormir”, “Prova de Amor maior não há”, “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor”, entre outros.

Íntima associação entre os temas trabalhados, os cantos de animação, as novas iniciativas litúrgicas ensaiadas (de caráter mais participativa e popular) e, por último mas não menos importantes, a metodologia adotada, sobre a qual convém destacar alguns dos seus pontos principais.

Ao longo desses cinquenta anos de sua trajetória, diversos são os ângulos sob os quais nos sentimos motivados a revisitá-la: sua proposta discipular-missionária, de seguidora da Tradição de Jesus; sua contribuição no plano organizativo, seu investimento no processo formativo contínuo de seus membros; a diversidade de experiências discipular-missionárias assumidas pelos seus protagonistas ocorre-nos aqui destacar.

A Tradição de Jesus e Seu Movimento como fontes maiores de inspiração da Teologia da Enxada no modo inovador de atuar.

  1. No campo da organização

Nas linhas que seguem, pretendemos refletir sobre o título acima, orientando-nos por questões tais como: em que sentido nos propomos a tratar da Teologia da Enxada? Em que contexto sócio-eclesial desponta? Quem são seus principais protagonistas, no processo de fundação? Que objetivos perseguem? Quais suas propostas axiais, do ponto de vista da organização, do processo formativo e de suas atividades básicas? Em que fonte(s) bebem seus fundadores? Como se comportam diante das adversidades enfrentadas, dentro e fora dos espaços eclesiais? Que passos organizativos tem priorizado? Quais traços principais marcam sua proposta de formação? Que atividades mais frequentes tem realizado?

A expressão Teologia da Enxada comporta distintas significações. De início, remete ao universo rural (“Enxada”). Associa-se a jovens camponeses em processo de formação, num Seminário católico. O Seminário Regional do Nordeste II, associado ao Instituto de Teologia do Recife (ITER), constitui uma experiência de formação de presbíteros, num contexto de (pós Concílio Vaticano II, mais precisamente a partir da presença de Dom Helder Câmara, recém-nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife. Rodeado de uma equipe de assessores e assessoras de reconhecida qualificação teológica, o SeERENE II aparece como uma possibilidade de se oferecer uma formação presbiteral em sintonia com as conclusões do recém-findo Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965. Contando com assessores e professores tais como Pe. Marcelo Carvalheira, Pe. José Comblin, Pe. Eduardo Hoornaert, Pe. Zildo Rocha, Pe. René Guerre, entre outros, buscava-se tocar um plano de formação presbiteral, em sintonia com as conclusões do Vaticano II. Nesta época, foi escolhido o Pe. José Comblin como Diretor de Estudos. Da turma de estudantes componente daquele Seminário (maior) também faziam parte jovens seminaristas tais como João Batista Magalhães, Raimundo Nonato Queiroz, João Firmino, José Diácono, Ivan Targino e outros. Em sua maioria, tratava-se de jovens vindos de família camponesa ou de famíilias pobres habitando as periferias urbanas, que, embora reconhecendo a qualidade dos estudos ali realizados, se sentiam relativamente perdidos, com relação a um propósito que os marcava:  o de servirem como missionários, como discípulos de Jesus, comprometidos com a causa dos pobres, camponeses e operários, razão por que sentiam estar faltando algo de importante, naquela proposta de formação. Agindo em grupo, tomam a iniciativa de compartilhar seu sentimento comum ao então Diretor de Estudos, Pe. José Comblin, que, para surpresa deles, se sensibiliza com suas inquietações e se compromete a levar refletir melhor sobre tal desafio.

Comblin, que já vinha atuando há vários anos como Assistente de JOC, também não se encontrava só. Tinha alguns colegas igualmente sensíveis a este apelo. E assim, via surgindo um novo clima de abertura e de flexibilização, compartilhado também por Dom Helder. Surge, então, a ideia de ousar uma experiência alternativa de formação. Em vez de jovens como aqueles ficarem naquele espaço de seminário, buscariam uma formação em lugar mais próximo da gente a quem gostariam de dedicar sua formação: os camponeses.  Daí nascem as propostas de criação de dois núcleos “rur-banos” de formação, um em Tacaimbó – PE e outro em Salgado de São Félix – PB, já no final dos anos 60. O que aí se inicia, desenvolve-se e cria raízes. Menos de dez anos após, é o próprio Comblin quem relata o plano de formação aí em curso, num livro de referência, “Teologia da Enxada”, publicado pela Vozes, em 1977.

 

  1. Esboço de um plano de formação e de atividades missionárias.

Como acima mencionado, aquele grupo de jovens seminaristas do Seminário Regional Nordeste II, associado ao ITER, do qual Pe. José Comblin era o Diretor de Estudos, não se sentia contente com a formação aí recebida. Sem deixarem de reconhecer a qualidade dos estudos oferecidos – que se destacavam, inclusive, no cenário do País -, sentiam falta de uma proximidade maior com o povo dos pobres, de onde haviam vindo e com os quais pretendiam se comprometer, como discípulos-missionários a serviço do Reino de Deus. Uma vez obtida a concordância e o apoio de formadores como o próprio Pe. José Comblin, que traços mais fortes entendiam dever estar presentes em seu processo formativo?  Vejamos alguns pontos que aí se ressaltavam:

Uma maior interação entre o horizonte discipular-missionário almejado e os caminhos correspondentes. Isto se traduzia por meio de sua escolha formativa fundada sobre a coerência entre os estudos temáticos que deveriam refletir os compromissos com a causa libertária do povo dos pobres (camponeses, povo negro, povos indígenas, operários, etc.), por um lado; e, por outro, uma metodologia de vida, de trabalho e de estudos correspondentes ao horizonte temático. O método passa a ser um item substantivo, ao lado dos temas priorizados naquele processo formativo. Na prática, isto implicava:

– Estilo de vida, em primeiro lugar, isto é, manter um estilo de vida próximo da gente a que queriam dedicar seu trabalho missionário. Viver, não apenas perto do povo, mas com ele interagir, compartilhar inquietações e estilo de vida e de trabalho, sem prejuízo do necessário aprofundamento da reflexão crítica e teórica, processo que seria igualmente acompanhado de perto pela Equipe de formadores, da qual faziam parte, além do Pe. José Comblin, também figuras tais como: Pe. René Guerre, Pe. José Servat, Ir. Maria Emília Ferreira, Ir. Zarita, Ir. Agostinha Vieira de Melo, Pe. Jorge Raimundo, João Batista Magalhães Raimundo Nonato (estes últimos, após o término de sua formação missionária inicial).

O que se poderia encontrar de novo, na experiência formativa destes jovens vocacionados, em seu dia-a-dia? O lugar geográfico (os Núcleos de Tacaimbó e de Salgado de São Félix) constitui um primeiro traço desta novidade formativa. Aqueles jovens vocacionados sentiam-se, agora, rodeados de sua gente, num convívio frutuoso, num aprender-compartilhar incessante, numa convivência enriquecedora, para ambos os lados. Respiravam os ares do campo, da Mãe-Natureza, experimentavam mais de perto a beleza de um alvorecer, de um por de sol; podiam contemplar as estrelas; ou ouvir o cantar dos pássaros; encantar-se com a chegada das chuvas naquela paisagem ressequida. A alegria e o entusiasmo dos camponeses, a caminho da roça. Ali, podiam testemunhar de perto o estilo de vida das famílias, como se processava a educação dos filhos; como se dava a distribuição das tarefas entre os membros da família; como se davam as relações de trabalho, as atividades devocionais, a reverência aos santos, as festas de padroeiro. Em breve: podiam imergir no universo cultural daquela gente, sua gente, com ela aprendendo, compartilhando e refletindo diferentes aspectos da vida, no chão do dia a dia. Aquela terra, aquela gente constituíam parte ativa de sua formação. Por outro lado, também repartiam o tempo, de modo a terem condições de se dedicarem aos trabalhos manuais (ao trabalho na roça, inclusive). Tempo para os estudos, orientados pela Equipe de formadores. O que estudavam no Seminário ali se fazia presente, mas com uma grande diferença: tudo partia da vida daquela gente. Do grito e do sofrer: das alegrias e das festas; do conviver no trabalho e no lazer daquela gente – daí brotavam os temas de seus estudos: os Evangelhos, a Sagrada Escritura, as primeiras comunidades, a oração, a partilha, a solidariedade, o encanto com a Natureza, pecado, graça, sacramentos, Igreja, comunidade, Povo de Deus, Salvação, Libertação – o dia-a-dia daquela gente constituía permanente fonte de inspiração para seus estudos teológicos, pra sua oração, para seus trabalhos para sua convivência com as comunidades. A começar das palavras-chave que selecionavam, com a orientação de seus formadores, sempre associadas às atividades concretas de sua gente.

Este jeito de se organizarem e de cuidar de sua formação, estendeu-se, em seu primeiro período, até o final dos anos 70, durante os quais o Pe. José Combilin, uma vez expulso do Brasil, em 1972 (foi expulso pela Ditadura Civil-Militar brasileira), e passando a residir no Chile, mais precisamente em Talca, animando trabalhos semelhantes, não perdeu o contato com esses núcleos nem com os membros da Equipe de formação. Sempre arrumavam um jeito de se encontrarem, na fronteira com o Brasil (Uruguai, Argentina…), de modo a compartilharem informações e orientações de formação, tanto em Talca como no Nordeste do Brasil (Pernambuco e Paraíba, principalmente).

Com a conquista da anistia aos exilados, começa uma nova fase. A partir de um encontro realizado em Itamaracá – PE, entre membros da Equipe de Formação e parte do formando, já vivendo um outro momento de sua formação, agora mais como formadores -, surge o plano de criação de um seminário rural, em terras da Arquidiocese da Paraíba, mais precisamente em Pilões, num sítio chamado Avarzeado. Com o apoio do Arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, e de alguns bispos do Nordeste, mas sobretudo graças ao protagonismo dos participantes daquele encontro, lançam-se as bases desta nova experiência, e o Seminário Rural inicia suas atividades, no início de 1981, com a participação de uma turma composta por doze jovens. Estes jovens camponeses do Nordeste e outras regiões passavam a vivenciar uma experiência inovadora de formação presbiteral, baseada numa distribuição atípica de atividades, com tempo para os estudos, tempo para o trabalho na roça, tempo para oração, tempo para o acompanhamento missionário das comunidades vizinhas àquele sítio. Objetivo era o de formar jovens vocacionados ao Presbiterado, a partir de uma experiência formativa junto ao seu povo, o povo camponês. Roma, porém, não aprovaria tal experiência como apropriada para a formação de presbíteros, deixando a entender que aquela experiência não atendia os requisitos eclesiásticos para a formação de padres. E mandaria fechar o Seminário Rural.

O que, num primeiro momento, repercutiu como um revés, acabou transformando-se numa bênção: no ano seguinte, 1983, já em Serra Redonda – PB, foi iniciado o Centro de Formação Missionária, que daria sequência, mas em novo estilo, ao processo de formação, já não de jovens destinados ao Presbiterado, mas para jovens vocacionados à Missão junto ao povo do campo e das periferias urbanas.

O processo formativo que aí teve lugar, constava de uma experiência de 6 anos, sendo 2 anos de formação no CFM, mais 2 anos junto a famílias ou comunidades da redondeza (sempre acompanhados por membros da equipe de formação), e os 2 últimos anos de volta às suas comunidades de origem, com a tarefa missionária de fundar e animar novas comunidades, nutridas com esses valores.

Com o passar do tempo, foram surgindo novas demandas ou novos formatos de formação, de modo a contemplar uma variedade de vocações: havia os que manifestavam a vontade de serem missionários casados (daí a criação da Associação dos Missionários e Missionárias do Campo); havia a demanda de um novo CFM voltado para as vocações missionárias femininas (demanda atendida, a partir de 1986–87, na cidade de Mogeiros); outros e outras sentiam-se vocacionado mais diretamente a uma vida contemplativa (daí a criação da fraternidade do discípulo amado), no Sítio Catita, município de colônia Leopoldina – AL; também, houve quem se sentisse chamado-chamada à uma vida de Peregrinação; outros/outras sentiram-se movidos a um trabalho missionários nas periferias urbanas do Nordeste (daí, a criação da AMINE – Associação dos missionários e missionárias do Nordeste); uma outra experiência mais diretamente ligada ao processo formativo de leigas e leigos, com fecunda metodologia de trabalho (tarefa cumprida pela Associação Árvore); a frutuosa e continuada experiência das escolas de formação missionária (em Juazeiro – BA; em Mogeiro – PB; em Esperantina – PI; em Floresta – PE; em Barra – BA…). Por inspiração destas e na caminhada junto a estes mesmos protagonistas, outras experiências brotaram e continuam vivas, tais como a experiência formativa das comunidades em torno de café do vento (Sobrado – PB), o grupo Kairós (Criado em 1998, em torno do Pe. José Comblin, e que se reúne semanalmente, para estudar a obra do Pe. José e de outros teólogos e teólogas tais como Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, Jean-Yves Leloup, Eduardo Hoornaert, Ivone Gebara, Sebastião Armando, Hans Küng, José Antonio Pagola, Luís Carlos Araújo, Marcelo Barros, Teresa Forcades, entre outros e outras).

Revisitando tais experiências de organização e de formação contínua acompanhadas sempre de inúmeras iniciativas e atividades, junto às comunidades do campo e da cidade, principalmente no nordeste do Brasil, encontramos fortes sinais que nelas/delas recolhemos, e que se apoiam em valores da Tradição de Jesus, dentre os quais:

-Compromisso perseverante coma  causa do povo dos pobres, à luz dos valores do Reino de Deus e sua justiça;

– Enraizamento comunitários no campo e nas periferias urbanas;

– Primazia pela causa do Reino de Deus, sempre colocado como horizonte inegociável nas lides com as Igrejas Cristãs e suas respectivas hierarquias;

– Contínua disponibilidade para ouvir o que o Espírito tem a dizer ao povo dos pobres em sua luta por justiça, paz, solidariedade e partilha;

– Empenho continuado em resistir às amarras do sistema dominante, em busca e à caminho de uma sociabilidade alternativa ao sistema hegemônico, tratando de, enquanto se busca essa nova sociabilidade, já ir-se semeando sementes de alternatividade…

João Pessoa, 16 de janeiro de 2019.

Mensagem do Papa Francisco

“Ângelus”, dia 13.01.2019

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje, ao final do tempo litúrgico do Natal, estamos celebrando a festa do Batismo do Senhor. A liturgia nos chama a conhecermos mais plenamente a Jesus, de Quem, ainda há pouco, celebramos o nascimento; e por isso o Evangelho ilustra dois elementos importantes: a relação de Jesus com o povo e a relação de Jesus com o Pai. No relato do Batismo, administrado por João Batista a Jesus, nas águas do rio Jordão, vemos principalmente o papel desenvolvido pelo povo. Jesus está no meio do povo.

E isto não é apenas um transfundo, mas é um componente essencial do evento. Antes de imergir-se na água, Jesus imerge-se na multidão, a ela se une assumindo plenamente a condição humana, tudo compartilhando, à exceção do pecado. Na Sua santidade divina, cheia de graça e de misericórdia, o Filho de Deus se fez carne, justamente para tomar sobre Si e tirar o pecado do mundo: assumir nossas misérias, nossa condição humana. Por isto, também a de hoje é uma epifania, porque indo batizar-se por João, em meio à gente penitente do seu povo, Jesus manifesta a lógica e o sentido de Sua missão. Unindo-se ao povo que pede a João o Batismo de conversão, Jesus também compartilha com eles o desejo profundo de renovação interior.

E o Espírito Santo que desce sobre ele em forma de pomba é o sinal de que com Jesus se inicia um mundo novo, uma nova criação da qual fazem parte todos os que acolhem a Cristo em sua vida. Também, a cada um de nós, que renascemos com no Batismo, são dirigidas as palavras do Pai: “Tu és meu filho amado, em ti pus meu bem-querer”. Este amor do Pai, que todos recebemos no dia do nosso Batismo, é uma centelha que foi acesa em nosso coração, e requer que seja alimentada mediante a oração e a caridade.

O segundo elemento destacado pelo evangelista Lucas é que, depois da imersão no povo e nas águas do Jordão, Jesus mergulha na oração, isto é, na comunhão com o Pai. O Batismo é o início da vida pública de Jesus, da Sua missão no mundo como enviado do Pai para manifestar Sua vontade e o Seu amor pelos homens. Esta missão é cumprida em constante e perfeita união com o Pai e o Espírito Santo. Também, a missão da Igreja e de cada um de nós, para ser fiel e frutuosa, é chamada a estar contida na de Jesus. Trata-se de gerar continuamente, por meio da Oração a evangelização e o apostolado, para dar um claro testemunho cristão, não de acordo com os projetos humanos, mas de acordo com o plano e o estilo de Deus.

Caros irmãos e irmãs, a festa do Batismo do Senhor é uma ocasião propícia para renovar com gratidão e com convicção as promessas do nosso Batismo, comprometendo-nos a viver dia após dia em coerência com isto. Também, é muito importante, como lhes tenho dito tantas vezes, saber o dia do nosso Batismo. Eu poderia perguntar: “Quem de vocês sabe a data do seu Batismo?” Não todos, certamente. Se algum de vocês não sabe, de volta à sua casa, pergunte a seus pais, aos avós, aos tios, aos padrinhos, aos amigos da família… Pergunte: “em que dia fui batizado, fui batizada?”. E depois disso nunca mais esqueçam: que seja uma data no coração para ser celebrada todos os anos. Jesus, que nos salvou, não em razão de nossos méritos, mas para realizar a bondade imensa do Pai, nos torne misericordiosos para com todos.

Que a Vigem Maria, Mãe de Misericórdia, seja a nossa guia e o nosso modelo.

Trad.: AJFC

Digitação: EAFC

Entre os 50 anos de Medellín e os 40 de Puebla: Rememorar para avançar!

Salutar tradição, a de fazermos memória de acontecimentos e de personagens de referência, que implicaram reconhecidos ganhos à humanidade, a povos de vários continentes e países. A memória histórica, se e quando bem exercitada, comporta uma extraordinária força reparadora e renovadora/inovadora. Nem sempre, contudo, isto se tem dado, a contento. Não raramente, restringe-se ao mero exercício de saudosismo ou de revisitação que se circunscreve ao mero hábito “eventista”, isto é, de prestar-se reverência, a certos eventos do calendário oficial, sem que isto suscite – como deveria – o compromisso de fazer-se avançar, para além daqueles acontecimentos, conforme o caráter e as exigências de novos desafios.

No debate sobre memória histórica, resulta, por vezes, curioso observar-se o significado imputado às iniciativas de comemoração. Quando se trata de comemoração, do ponto de vista dos setores privilegiados, costuma-se assumir tal iniciativa, apenas quando isto não encerra algum tipo de risco aos festejadores, afinal uma coisa é festejar heróis nacionais, quando encarnam os valores dos privilegiados. Deles, aliás, abundam os nomes de ruas e praças. Outra coisa é celebrar datas comemorativas ligadas a figuras comprometidas com os interesses dos de baixo. Aí, todo cuidado é pouco!…

No intuito, portanto, de ajudar a despertar um compromisso mais efetivo com a causa libertária dos empobrecidos, cuidamos de rememorar aspectos axiais dos 50 anos de Medellín e dos 40 anos de Puebla, de modo a de cada uma destas Conferências extrair lições que nos ajudem a enfrentar exitosamente velhos e novos desafios da atualidade sócio eclesial.

Embora comportando algumas diferenças de menor relevância, podemos dizer não haver grandes diferenças entre o contexto de uma e de outra. Uma distância de apenas dez anos e meio entre Medellín e Puebla, nada de tão extraordinário se passa, na América Latina. Ao contrário, um leque de pontos comuns os caracteriza no plano econômico, por exemplo, segue uma conjuntura de notável empobrecimento. No caso do Brasil, uma conjuntura agravada pelo aumento da dívida externa, pela elevada inflação, pelo aumento do custo de vida, pelo desemprego. O continente ainda geme, em várias partes, sob o peso das botas. É a mesma, a voracidade lucrativa das transnacionais, em distintos setores da economia. O tão celebrado crescimento econômico do período da ditadura começa a fazer água. Na América Central, agravam-se os conflitos sangrentos, a expressarem o peso da opressão de regimes sanguinários, como o de El Salvador e o da Nicarágua, onde as forças populares ganham terreno, até a vitória sobre Somoza, em meados de 1979, com o ascenso revolucionário das forças sandinistas, sob forte protagonismo dos cristãos. No caso do Brasil, observa-se um franco avanço da resistência popular contra a Ditadura, que vai perdendo força, e entra em contagem regressiva, principalmente graças ao aumento da resistência popular, protagonizada por movimentos sindicais e por segmentos da “Igreja na Base”, contando, inclusive, com o decisivo apoio da CNBB que, em 1977, lança seu corajoso documento “Exigências Cristãs de uma ordem política”. Graças, também, à contestação generalizada, sobretudo no período do General Figueiredo. Por outro lado, avançam os movimentos populares e outras organizações de base de nossa sociedade, culminando, ainda neste ano de 1979, com o surgimento do Movimento Pró PT, no caso do Brasil.

A “Igreja na Base” não cessa de ampliar seu protagonismo, principalmente a partir das Pastorais Sociais (CIMI, CPT, CPO, PJMP, CDDHs, Comissão Justiça e Paz, entre outras). Ainda no âmbito da Igreja Católica, ressoava o trauma do falecimento, no ano anterior ao início da conferencia de Puebla, do Papa Paulo VI, reconhecido pelo seu decisivo apoio às iniciativas da Igreja na Base, por meio principalmente de bispos-profetas. A este respeito, ficaria célebre sua afirmação, endereçada à Ditadura Civil- Militar do Brasil e seus cúmplices que perseguiam Dom Pedro Casaldáliga, em seu apoio pastoral aos povos indígenas e aos camponeses da região do Araguaia: “Quem mexe com Pedro, mexe com Paulo” (cf. https://www.youtube.com/watch?v=Xnzy4y44kZs)

No âmbito mais diretamente eclesial, a realização da II Conferência Episcopal Latino-Americana, em Medellín, representou um verdadeiro Pentecostes na Igreja Católica Romana, em especial em relação à América Latina e o Caribe. Foi muito além do que dela mesma esperavam seus protagonistas, que se contentariam com ser uma aplicação no plano do continente, das decisões tomadas pelo Concílio Vaticano II. Significou uma refundação da Igreja Latino-Americana, ao conferir-lhe rosto próprio, protagonismo profético inaudito, da parte de parcela significativa do seu episcopado, comprometido com a causa libertadora de seu povo – povos tradicionais, indígenas, afrodescendentes, jovens, camponeses, operários, mulheres, … O tema então trabalhado – ” A Igreja na presente transformação da América Latina à luz do Concílio Vaticano II” – constituía um apelo sugestivo em vista dos desafios e do seu compromisso. Disto também falavam forte seus dezesseis temas integrantes do Documento Final. Dentre os temas-chave constavam: Justiça, Pobreza, Paz, Família, Educação, Leigos e Leigas, Comunicação, Colegialidade, etc. Mais do que o evento em si, falou forte o compromisso de seus protagonistas, de ecoar tanto no continente quanto mundo afora os clamores dos pobres, por meio da “opção pelos pobres”. Nesse sentido, importa destacar os avanços significativos protagonizados pelas mais diversas formas de organização eclesial, em especial por meio das Pastorais Sociais, de importantes serviços, associações e movimentos leigos. Com efeito, o pós-Medellín, sobretudo ao longo dos anos 70, conseguiu ressoar em todo o mundo, nos mais distintos continentes, contundentes mensagens em busca de uma ampla reforma da Igreja Católica Romana, principalmente em sua missão profética de compromisso com a causa dos oprimidos. Sobretudo a partir de Medellín, vão ganhando terreno, por exemplo, o CIMI, as CEBs, a CPT, a CPO, a PJMP, as PCIs, a Teologia da Libertação, o CEBI, os Centros de Defesa dos Direitos Humanos, a Comissão Justiça e Paz e outras organizações de referência.

O Legado de Medellín, portanto, vai bem além do ano em que foi realizada a referida Conferência. Marca, de maneira emblemática, o impetuoso esforço de renovação eclesial, especialmente no tocante à sua voz profética que vai ecoar e incomodar as forças conservadoras, dentro e fora dos espaços eclesiais, de tal modo que, anos depois, as forças conservadoras da Igreja Católica Romana junto com as forças das grandes potências, Estados Unidos à frente, tratam de articular, no plano eclesiástico e no plano político, vigorosas estratégias de combate, pressionando o Vaticano a conter tal onda de renovação, que ameaçava a ordem vigente…

Pouco tempo depois, ainda sob o efeito dos ganhos obtidos na Conferência de Medellín organiza-se, em 1979, na cidade de Puebla (México), a III Conferência Episcopal Latino-Americana, que reafirma os compromissos de Medellín, de modo bastante convincente, inclusive dada a qualidade da intervenção mediatizadora de assessores qualificados junto ao grupo mais profético de Bispos participantes daquela conferência. Já em sua introdução, o documento final assina-la aspectos relevantes tratados na conferência, da qual sublinhamos o seguinte trecho (da Introdução):

“Como atuar pastoralmente na América Latina, numa total fidelidade ao Evangelho? Quais são os critérios e as linhas de uma verdadeira e autêntica evangelização para a América Latina? Quais deverão ser as opções pastorais fundamentais para que o Evangelho seja um acontecimento atual e presente, com toda a sua, vitalidade e força original? […] É necessário pensar na edificação de uma nova realidade, de uma inserção evangélica na nova sociedade que surge na América Latina muito ligada com o povo do mundo de hoje e de amanhã. Trata-se de buscar o caminho para que o Evangelho, através do testemunho de nossa vida e de sua proclamação sempre nova, seja luz, fermento, sal, água viva para os povos do nosso Continente.

[…]

Tal ubiquação em nossa história concreta nos tornará sensíveis à vitalidade de nossas Igrejas e a um conjunto de problemas. A vitalidade: no presente de nossas Igrejas percebe-se uma vitalidade nova; a sede de Deus e sua busca na oração e contemplação; a colegialidade episcopal cada vez mais vivida; o grande desenvolvimento das pequenas comunidades eclesiais em comunhão com a hierarquia; os novos ministérios; uma vida de fé mais profunda por parte de muitos jovens; a ação pastoral intensa dos religiosos e das religiosas, sobretudo a inserção comunitária cada vez maior nas zonas mais pobres; o planejamento pastoral em seu processo de participação, em todos os níveis, das comunidades e pessoas interessadas, educando as numa e para uma metodologia de análise da realidade, para a reflexão sobre a realidade a partir do Evangelho, os objetivos e os meios mais aptos e seu uso mais racional para a ação pastoral; a presença sempre maior dos bispos entre o povo; a liberdade cada vez maior frente ao braço secular; uma consciência mais aguda dos leigos quanto à sua identidade e missão eclesial.”

Como se percebe Puebla, não apenas assume os compromissos de Medellín como trata de atualiza-los, a exemplo do que se passa em seu admirável esforço de sintetizar os alvos prioritários a merecerem sua atenção, ou seja quais eram os pobres, concretamente, pelos quais a Igreja Latino-americana fazia sua opção? Eis uma lista bastante representativa destes rostos:

“Ao analisar mais a fundo tal situação, descobrimos que esta pobreza não é uma etapa casual, mas sim o produto de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e políticas, embora haja também outras causas da, miséria. A situação interna de nossos países encontra, em muitos casos, sua origem e apoio em mecanismos que, por estarem impregnados não de autêntico humanismo, mas de materialismo, produzem, em nível internacional, ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres. Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor (que nos questiona e interpela) : 32. – feições de crianças, golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer, impedidas que estão de realizar-se, por causa de deficiências mentais e corporais irreparáveis, que as acompanharão por toda a vida; crianças abandonadas e muitas vezes exploradas de nossas cidades, resultado da pobreza e da desorganização moral da família;. – Feições de jovens, desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados, sobretudo nas zonas rurais e urbanas marginalizadas, por falta de oportunidades de capacitação e de ocupação; 34. – Feições de indígenas e, com freqüência, também de afro-americanos, que, vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser considerados como os mais pobres dentre os pobres. 35. – feições de camponeses, que, como grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso continente, sem terra, em situação de dependência interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os enganam e os exploram; 36. – feições de operários, com freqüência mal remunerados, que têm dificuldade de se organizar e defender os próprios direitos; 37. – feições de subempregados e desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas e, muitas vezes, de modelos desenvolvimentistas que submetem os trabalhadores e suas famílias a frios cálculos econômicos; 38. – feições de marginalizados e amontoados das nossas cidades, sofrendo o duplo impacto da carência dos bens materiais e da ostentação da riqueza de outros setores sociais; 39. – feições de anciãos cada dia mais numerosos, freqüentemente postos à margem da sociedade do progresso, que prescinde das pessoas que não produzem.”

Observe-se a profunda afinidade de propostas e valores assumidos nessas duas conferências, que reputamos as mais contundentes, no que diz respeito ao compromisso Evangélico com a causa libertadora dos empobrecidos, tendo ido bem além do que conseguiram as Conferências ulteriores (a de Santo Domingo, em 1992, e a de Aparecida, em 2007), até porque estas últimas se deram sob os pontificados João Paulo II e de Bento XVI (a de Puebla, embora já contando com a presença de João Paulo II, já estava solidamente encaminhada).

Rememorados aspectos axiais das conferências de Medellín Puebla, resta-nos o desafio de atualiza-las, tomando em consideração grandes e novos desafios que nos rodeiam, na presente atualidade. Eis porque, no item seguinte, cuidamos de levantar questionamentos com relação a tais desafios, dentro e fora dos espaços eclesiais.

Que lições extrair de Medellín e de Puebla, em vista de um enfrentamento exitoso de grandes desafios sócio eclesiais, na atualidade?

A centelha profética de Medellín e de Puebla segue e a inspirar e a mover agentes e ações libertárias, nos dias atuais, principalmente – ou quase apenas – nas “correntezas subterrâneas” de nossa sociedade e de nossas Igrejas. Nas águas de superfície, é quase impossível notar sua ação. Como, então, reacender mais e mais as fagulhas de Medellín e de Puebla, naquilo que têm a ver com os desafios de hoje?

Talvez mais no que se associa ao seu conteúdo, não seria sobretudo no método por elas seguido, que teríamos mais a delas extrair lição?

Segue eficaz a metodologia vivenciada por aquelas Conferências:

– Examinar criteriosamente a realidade social e eclesial, em seu movimento dinâmico, em seus entrechoques históricos, na profunda interconexão de seus elementos, atinentes a uma diversidade de campos de saberes, como um saberes (na perspectiva de “Interculturalidade” ou, nos termos de Franscisco, atual Bispo de Roma, “Cultura do Encontro) primeiro momento que se oferece a quem pretenda ajudar a transformar a realidade. Diante de tantos equívocos reiterados nas leituras de realidade hoje exercitadas, não será bem o caso de recolher melhor as lições de Medellíin e de Puebla? Diante das armadilhas de hoje, sob a égide de uma época de “pós-verdade” (cf. artigo de Marcos Barbosa de Oliveira: https://outraspalavras.net/internetemdisputa/pos-verdade-uma-filha-do-relativismo-cientifico/)

– Como vimos exercitando o confronto entre a compreensão da realidade com os critérios referenciais propostos pela Tradição de Jesus? (Julgar);

– E, sobretudo, do ponto de vista da ação, da intervenção sobre nossa realidade, salvo exceções colhidas sobretudo nas correntezas subterrânea”, como retomar o Trabalho de Base, em novo estilo, isto é, com os olhos e o coração voltados para os novos desafios hoje enfrentados?

Os aprendizados de natureza metodológica só fazem sentido, se nos ajudam concretamente a (re) assumirmos temas candentes, velhos e novos, que também estiveram presentes em Medellín e em Puebla, e que hoje seguem a nos desafiar: que temas hoje priorizar?

Como atualizar as grandes questões então enfrentadas, e das quais se tornaram emblemáticos documentos tais como: a “Gaudium et Spes”, a Populorim Progressio,o Manifesto escrito por bispos e superiores religiosos do Nordeste, intitulado “Eu Ouvi os Clamores do Meu Povo” (1973); o Manifesto dos Bispos de Centro-Oeste, “A Igreja do Centro-Oeste em conflito com com o Latifúndio” (1974); o documento “da CNBB, “Exigências Cristãs de uma Ordem Política” (1977); o documento da CNBB sobre a questão da terra, no Brasil, de 1981, fazendo bem a distinção entre terra de trabalho e terra de negócio. Iniciativas de um profetismo emblemático, em plena sintonia com o espírito de Medellín e Puebla. Como reacender esses compromissos, hoje, no que for pertinente?

Importantes que sejam – e são! -, não bastam as questões de caráter mais diretamente societal. É fundamental igualmente reavaliarmos a caminhada de meio século, ao interno da Igreja Católica Romana. Durante parte expressiva deste período – mais de três décadas -, a “Igreja na Base”, na América Latina e no mundo, teve que amargar sucessivos retrocessos sócio-pastorais, por conta dos graves recuos e das perseguições a ela movidas, em consonância com as forças conservadoras do mundo político. Como enfrentar, de modo atualizado, esses desafios, hoje?

Por exemplo, do ponto de vista da organização estrutural da Igreja Católica Romana, a despeito de atitudes proféticas do Bispo de Roma, prevalece uma inércia gigantesca, da parte dos órgãos eclesiásticos que se apropriam das instâncias decisórias, ao interno da Igreja Católica Romana, sem sequer observarem as decisões do próprio Concílio Ecumênico, com relação, por exemplo, ao indicado na “Lumen Gentium”, que põe o Povo de Deus, e não a hierarquia apenas, a centralidade organizativa da Igreja. Como enfrentar, hoje, concretamente, esses desafios?

E quanto ao lugar das Mulheres na Igreja, como romper com esta traição ao espírito do Evangelho, em que as atitudes de Jesus de Nazaré em relação às Mulheres continuam sendo desrespeitadas, com a manutenção de decisões controladas apenas por homens, e mantendo as Mulheres distantes das instâncias de decisão?

Duas figuras, entre outras, nós vêm à lembrança, quando cuidamos de refletir criticamente sobre as coisas da/na Igreja Católica Romana, a estarem a merecer profundas mudanças. Em uma de suas últimas entrevistas, o Cardeal Carlo Maria Martini, questionado sobre a necessidade de reformas da Igreja Católica, ele não hesitou em afirmar que nossa Igreja está a duzentos anos de atraso… Algo semelhante foi dito pelo teólogo José Comblin, por ocasião de uma longa entrevista, concedida a uma emissora radiofônica do Chile. Perguntado o que precisaria mudar na Igreja, Comblin, com sua conhecida ironia profética, começa a responder a esta questão, dizendo; “Tudo!” à parte a ironia combliniana, de fato, há muito, muito a ser alterado nas estruturas da Igreja Católica Romana, para ser fiel à Tradição de Jesus:

Em que pese o reconhecido esforço de Dom Helder, junto ao Papa Paulo VI, de quem Dom Helder se sentia próximo, no sentido de sensibilizá-lo em favor de desfazer o formato de Estado sob o qual a Igreja Católica segue organizada, não vemos sinais convincentes, nessa direção, e isto há mais de cinquenta anos de sucessivos alertas, como o ainda recentemente reiterado por Dom Pedro Casaldáliga, acerca da necessidade de a Igreja se desfazer de sua organização ao modo de Estado, para ser fiel ao Mestre, cujas advertências não parecem ressoar no coração dos hierarcas de todos os tempos: “Entre vocês, não há de ser assim…” (cf. Mc 10, 42-45).

A despeito de alguns avanços feitos, inclusive, na Teologia dos Ministérios, há, também aí, uma longa estrada a percorrer, para fazer prevalecer na organização ministerial da Igreja Católica Romana o espírito da Tradição de Jesus. Como enfrentar isto?

Outro desafio de monta diz respeito a um profundo reexame bíblico-teológico, por parte das Batizadas e dos Batizados, integrantes da mesma e grande Comunidade Eclesial, das bases e dos fundamentos em que se tem assentado a separação entre clero e leitos; entre ordenados e não-ordenados, que acabaram prevalecendo sobre a condição comum de Batizados e Batizadas. Quem vai enfrentar tal reexame? Por meio de que instâncias?

Não é menor o debate sobre a exclusão das Mulheres do seu direito – relativo, é claro, apenas às vocacionadas – de terem acesso e reconhecimento de sua vocação ao exercício de funções específicas, tais como a do Diaconado, ao à do Presbiterato, à do Episcopado. Quem, e através de que instâncias, isto vai ser reexaminado?

Que base consistente de argumentação bíblico-teológica respalda certa tradição eclesiástica que cobre de privilégios os membros dos segmentos ordenados – em especial, os do Episcopado -, em detrimento dos direitos dos segmentos não-ordenados?

Por exemplo, o que justifica haver conferências episcopais, e conferências de Religiosos e Religiosas, e não se permitir igual direito às Leigas e Leigos?

A quem vai caber reexaminar esses casos?

O mesmo se diga em relação às instâncias decisivas, relativas às Igrejas particulares, como o caso das Conferências continentais: por que conferências episcopais, e não com protagonistas de todos os segmentos?

Que instância ou instâncias decisórias estão por ser criadas, nesse sentido?

Nesse sentido, somos chamados a dar prosseguimento, isto é, a avançar, em nossa caminhada atual, bem nutridos pelo legado de Medellín e de Puebla, e buscando ser fiéis ao seu espírito profético e renovador. Isto só confirma a pertinência do dito “Eclesia semper reformanda est” ou “Reformata, Eclesia semper reformanda est”. Precisamos, sim avançar, desta vez, tomando em conta a natureza de novos desafios que se nos interpõem, e que não são bem percebidos ou o mesmo nada percebidos, mesmo passados cinquenta anos. Precisamos dotar-nos de meios que nos permitam concretizar, em nosso dia-a-dia, os valores do Reino de Deus, tal como hoje o Espírito Santo nos inspira, em busca permanente da unidade, na diversidade. Em distintas circunstâncias, o atual Bispo de Roma tem chamado a atenção, nessa direção, mas tem sido pouco ouvido, principalmente pela Cúria Romana e seus aliados, nos mais diversos países, inclusive na América Latina e no Brasil. tal é a sensibilidade de Francisco, Bispo de Roma, que, por ocasião de uma de seus encontros com o membros do CELAM, no Brasil, não hesitou em sugerir que não se tivesse medo de avançar, de seguir estrada, inspirados no Evangelho, pra além dos preceitos e disciplina vigentes. Aqui, ali, receberiam alguma reprimenda, algum alerta, mas, equacionados os exageros, que se seguisse empreendendo novas experiências. Não ter medo de avançar! O Bispo de Roma – e nós com ele – está convencido de que as mudanças necessárias não virão de cima para baixo (ou, pelo menos, apenas nem sobretudo), mas, antes, pela ousadia vinda desde a base. Nessa direção, é que começamos a compreender significativas iniciativas por parte de Leigas e Leigas, mundo afora. Aqui e ali, com algum excesso, reconhecemos, mas sem tal ousadia, não haverá mudança, pois quem controla hoje as decisões da Igreja não tem do que reclamar: são os beneficiários das medidas e normas por eles mesmos elaboradas…

E se, seguindo todo um processo, toda uma gama de passos necessários, as Leigas e os Leigos começassem (ou já começaram?) a dar passos, guiados pelo Espírito santo, ousando iniciativas não previstas necessariamente pela hierarquia? Por exemplo, ousando a experiência de Conferência de Leigos e Leigos? Organizando sínodos, no âmbito de Igrejas particulares? E, se com tais passos, Leigas e Leigos, por certo com o apoio de membros da hierarquia, dessem passos progressivos em direção a um novo concilio do Povo de Deus, na Igreja Católica? Mesmo sabendo que o Povo de Deus ultrapassa, como é sabido, as fronteiras da Igreja Católica e das Igrejas Cristãs, devendo comportar todas as expressões de Fé do conjunto da humanidade, em sua rica diversidade…

João Pessoa, 10 de janeiro de 2018

Conceito de conversão no pensamento de José Comblin

Por Paulo Cappelletti

No presente artigo sobre o tema “Conceito de Conversão no pensamento de José Comblin”, procurei desenvolver o conceito do tema proposto. A metodologia adotada na coleta de dados foi de uma pesquisa bibliográfica.

O questionamento que norteou este texto foi: qual o conceito de conversão no pensamento de José Comblin? Com as respostas obtidas foi possível desenvolver a primeira parte sobre o conceito de Reino de Deus no pensamento de Comblin.

A segunda parte foi apresentada o conceito de Conversão como um processo para o Reino de Deus, chegando a uma conclusão que a conversão não é um ato definitivo e sim um processo na vida do cristão.

A mesma deve ser para o Reino de Deus e não para qualquer instituição religiosa. Além disso, para Comblin a conversão da sociedade acontece quando a mesma entra no movimento em direção à necessidade do pobre com amor prático e não somente de palavras.

Leia o artigo completo:

http://www.unicap.br/ojs/index.php/paralellus/article/view/1286

Fonte: Paralellus-Revista de Estudos de Religião UNICAP