Esta revista tornou-se um pedaço de mim. No meio a todos os vendavais da vida ela prossegue. Se parece com a fé, com a confiança no amanhã, a esperança que se aninha nos passos que vamos dando dia após dia, atrás dos nossos sonhos.
Mais além de tropeços ou escuridões, algo em nós persiste sempre. Os tempos atuais parecem assinalar um colapso da humanidade, mas a humanidade não colapsa. O que colapsa são as tentativas de destruir o que nos faz humanos. Isso é o que perece.
Por toda parte vejo sinais de resistência. As pessoas não se rendem. Não podemos nos render. A rendição é a morte. E a morte que advém da desistência é pior do que a morte corporal. Há algo em nós, humanos, que não cede nem diante das piores ameaças.
A pior das ameaças é a perda da fé. Não me refiro à fé que é crença, embora esta também seja uma fonte forte de persistência. Refiro-me à fé que aninha no próprio respirar, no olhar para os nossos filhos e filhas e saber que valeu a pena. Vale sempre a pena dar mais um passo.
Insistir na educação, na cultura, no estudo da história que nos põe o pé no chão. Caem os governos ilegais e inconstitucionais. Cai a mentira que se esconde na imbecilidade espalhada e tornada habitual. Nada poderá nos roubar o direito de persistir no empenho humanizador que se nutre do trabalho pessoal e comunitário que honra a vida.
Passam os vendavais que esvaziam a linguagem e a comunicação, instituindo a desconversa, a desabitação do presente, a banalização do tempo. Uma hora as pessoas acordam para o valor inestimável da vida. Esta revista é e continuará a ser uma trincheira de defesa do que é mais valioso.
Doutor em sociologia (Universidade de São Paulo). Mestre em sociologia (IUPERJ-Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Licenciado em sociologia (Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza, Argentina). Professor aposentado da UFPB. Terapeuta Comunitário Formador. Escritor. Membro do MISC-PB Movimento Integrado de Saúde Comunitária da Paraíba. Autor de “Max Weber: ciência e valores” (São Paulo: Cortez Editora). Vários dos meus livros estão disponíveis on line gratuitamente: https://consciencia.net/mis-libros-on-line-meus-livros/
Sinto a necessidade de partilhar algumas reflexões sobre algo que me parece está se tornando (sempre foi, na verdade) um empecilho para o entendimento, para a comunicação interpessoal. Refiro-me ao fato de que muitas vezes confundimos conversar, trocar ideias, com um momento em que meramente deixamos vir a tona opiniões e pensamentos que sequer são nossos.
Esta prática é tão frequente que muitas vezes não nos damos conta de que acontece. E aí é que mora o perigo. A inconsciência, a desconexão, a irresponsabilidade, vêm se tornando cada vez mais notas características do fato comunicacional. Alguém diz uma coisa, o que lhe vêm a cabeça, e logo mais se arrepende e pede perdão. Me desculpe, eu não quis dizer isso.
As convicções ocupam o lugar da percepção, o que é perigosíssimo. Se as minhas convicções ocupam o lugar da minha percepção, eu fui sequestrado, eu me tornei um boneco, um repetidor de opiniões alheias, frequentemente oriundas da mídia, das redes sociais, do estado, das igrejas, etc. Opiniões que não são minhas.
O roubo da percepção, o roubo da linguagem, o sequestro da comunicação, configuram a alienação. Antigamente, na sociologia e na filosofia, estudávamos o “reducionismo”(*) como um dos obstáculos ao conhecimento. Hoje parece que o reducionismo tornou-se sinônimo de conhecimento, o que é uma barbaridade.
Quando eu reduzo o real à minha opinião ou versão do real, estou em um estado de perfeita ignorância. Pego um aspecto da realidade, um ponto de vista, uma mera opinião, como a verdade, e fecho o mundo a minha volta. Ideologização é o que está na moda.
Esta redução do real, a anulação da realidade e a sua substituição por pensamentos, ideias e imagens impostas pelos setores dominantes, muitas vezes é feita em nome de lutas setoriais que reivindicam um lugar ao sol, mas que reproduzem a cegueira e a ignorância que sustenta a dominação. Ignorância se combate com conhecimento, e conhecimento dá trabalho. Estudo, pesquisa, consulta à história, comparação de fontes, crítica, análise, recurso à experiência, responsabilidade, humildade…
(*) Reducionismo significa supor que toda a realidade ou uma determinada ordem de fenômenos pode ser explicada e depende apenas de um único fator causal. Uma versão bastante difundida desta perspectiva foi o reducionismo “marxista”, que supunha que tudo na sociedade capitalista dependia e podia ser explicado em função do fato básico da exploração dos/as trabalhadores/as. No meu livro Max Weber: ciência e valores, apresento uma visão caleidoscópica do conhecimento e da realidade, fundamentada no pluralismo causal.
Doutor em sociologia (Universidade de São Paulo). Mestre em sociologia (IUPERJ-Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Licenciado em sociologia (Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza, Argentina). Professor aposentado da UFPB. Terapeuta Comunitário Formador. Escritor. Membro do MISC-PB Movimento Integrado de Saúde Comunitária da Paraíba. Autor de “Max Weber: ciência e valores” (São Paulo: Cortez Editora). Vários dos meus livros estão disponíveis on line gratuitamente: https://consciencia.net/mis-libros-on-line-meus-livros/