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Que o Espírito de Deus recrie em nos o amor e a festa sem fim

Que o Espírito Mãe da Ternura, faça em nós uma festa sem fim
Neste domingo se completam os 50 dias da festa anual da Páscoa. Conforme o livro do Êxodo, 50 dias depois da Páscoa, o povo hebreu, libertado do Egito, se reúne no meio do deserto, no monte Sinai. Ali,  recebe a aliança de Deus e a proposta de sua lei. Neste 50º dia, (em grego Pentecostes) até hoje, as comunidades judaicas dão graças a Deus pela aliança de casamento com Deus. Conforme o livro dos Atos dos Apóstolos foi em uma destas festas de Pentecostes que os discípulos e discípulas de Jesus receberam a confirmação do Espírito. O texto bíblico diz que estavam reunidos como um grupo no qual todos se pertencem uns aos outros (os Atos dizem: estavam unidos em um só espaço) e todos/as receberam o Espírito de Deus. O Espírito se manifestou como línguas de fogo, isso é, como luz que dá novo vigor à vida e nova capacidade de comunicação amorosa. Assim, entendiam cada um em suas línguas o que Pedro e os apóstolos falavam no aramaico galileu.
A primeira observação é que precisamos ir além da letra e afirmar que, no dia de Pentecostes, os discípulos e discípulas de Jesus receberam a confirmação de uma presença do Espírito que eles já tinham mas não sabiam ou não acessavam. Neste dia, descobriram que o Espírito de Deus se manifestava neles. No entanto, o Espírito está presente e atuante na natureza, desde a criação. O Espírito de Deus é a energia de amor ativa em cada ser vivo e na história da humanidade, em cada movimento de vida e libertação.
Jesus chamou a atenção do seu grupo para o fato de que o mundo tem outro espírito e que não podemos ter nada em comum com este espírito do mundo. Nestes dias, o Brasil inteiro viu que espírito move o presidente e o seu ministério do ódio no Planalto, assim como os que dominam o Congresso e nada fazem contra isso e os do Judiciário que contemporizam e se tornam todos responsáveis pelo crime de tantas mortes que estão ocorrendo por omissão e descuido dos que governam para com o povo.
A novidade do Pentecostes que hoje celebramos é que o Espírito, presente nos discípulos e discípulas de Jesus os/as confirma no testemunho de Jesus e do seu projeto do reinado divino no mundo. Como o próprio livro dos Atos conta, Jesus tinha prometido: Vocês receberão o Espirito e serão minhas testemunhas em todo o mundo (At 1, 8).
Outra observação importante é que esta manifestação do Espírito se dá na sala alta, ou seja, no primeiro andar de uma casa (que a tradição chama de cenáculo). A casa é o espaço fundamental das primeiras comunidades cristãs. Pentecostes não se deu no templo ou no lugar considerado sagrado (sinagoga). Nestes dias da pandemia, estamos vivendo mais do que nunca o sentido da casa não só como moradia ou como lugar da pequena família e sim como uma comunhão que pode nos ligar com o mundo todo, isso que no tempo das primeiras comunidades se chamava de “Igreja doméstica”, a Igreja que se reunia nas casas…
O evangelho que ouvimos nesta festa (João 20, 19- 23) nos repete que o dom do Espírito é consequência da ressurreição de Jesus e do encontro nosso com o Ressuscitado. Ele nos dá a paz, nos devolve a alegria profunda do coração, nos confirma o perdão de Deus e pede que sejamos testemunhas deste perdão. “Recebam o Espírito. A quem perdoarem…” , Jesus não abre a possibilidade da comunidade não perdoar alguém. Temos de perdoar todo mundo. Ele deu tudo de sua vida para reconciliar com Deus até os seus inimigos. Trata-se da prática que os primeiros cristãos tinham de “ligar e desligar” a pessoa do pecado: responsabilizar ou des-responsabilizar. O perdão é gratuito, mas é preciso refazer o que foi destruído. Ele nos diz: “A responsabilidade das divisões e das guerras é do modo como vocês organizam este mundo”. Ele nos perdoa totalmente, mas nos dá a tarefa de nos empenhar e nos consagrar como testemunhas e construtores da paz.
Se nos abrirmos hoje ao Espírito Santo, seremos mesmo, eu e cada um/uma de vocês, profetas, profetizas de Deus. Portadores do Espírito. E com a tarefa de dizer o que “o Senhor nos manda dizer e fazer” nas Igrejas e no mundo. Mesmo se podemos nos alegrar com essa presença em nós do Espírito, a Igreja nos aconselha a sempre de novo pedirmos que ele venha, venha e venha e nos impregne com o seu amor. Em uma poesia, Dom Pedro Casaldáliga orava:  “Vem, Espírito Santo, Vem, ou melhor, vamos:
“Faze que nós vamos aonde Tu nos levas. Tu nunca Te ausentas,
ar que respiramos,  vento que acompanhas, clima que aconchegas.
Vem, Para levar-nos por esse Caminho, o Caminho vivo, que conduz ao Reino.
Vem, para arrancar-nos, numa ventania de verdade e graça,
de tantas raízes de mentira e medo que nos escravizam.
Vem, feito uma brisa, para amaciar-nos, feito um fogo lento, um beijo gostoso,
a paz da justiça, o dom da ternura, a entrega sem cálculos, o amor sem cobrança,
a Vida da vida. Vem, pomba fecunda, sobre o mundo estéril
E suscita nele a antiga esperança, a grande utopia da Terra sem males,
a antiga, a nova, a eterna Utopia! Vem,  vamos, Espírito!”   Dom Pedro Casaldáliga 
(30-05-2020)

Mensagem do Papa Francisco

“Ângelus” – 15.03.2020

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

(…)

A passagem do Evangelho deste terceiro domingo da Quaresma apresenta o encontro de Jesus com uma Samaritana. Ele se acha a caminho, com Seus discípulos, e fazem uma parada perto de um poço, na Samaria. Os Samaritanos eram considerados hereges pelos judeus, e muito desprezados, como cidadãos de segunda classe. Jesus está cansado, tem sede. Chega uma mulher para buscar água, e Ele lhe faz um pedido: “Dê-me água”. Rompendo assim a barreira, Ele inicia um diálogo em que revela àquela mulher o mistério da água viva, isto é, do Espírito Santo, dom de Deus. Com efeito, diante da reação de surpresa daquela mulher, Jesus responde: “Se você conhecesse o dom de Deus e quem é que lhe diz: “Dê-me água”, é você quem lhe teria feito o pedido, e Ele lhe daria água viva”.

No centro deste diálogo está a água. De um lado, a água como um elemento essencial para viver, que sacia a sede do corpo e mantém a vida. Por outro lado, como símbolo da graça de Deus, que dá a vida eterna. Na tradição bíblica, Deus é a fonte da água viva – assim se diz nos Salmos e nos Profetas – : distanciar-nos de Deus, fonte de água viva, e de Sua Lei significa a pior expressão de sede. É a experiência do povo de Israel no deserto. No longo caminho rumo à liberdade, o povo, morrendo de sede, reclamava contra Moisés e contra Deus, por causa da falta d´água. Então, pelo querer de Deus, Moisés faz jorrar água de uma rocha, como sinal da providência de Deus, que acompanha Seu povo e lhe dá a vida.

O apóstolo Paulo interpreta aquela rocha como símbolo de Cristo. Ele vai dizer assim: “E a rocha é Cristo”. É a misteriosa figura de sua presença em meio ao povo de Deus, em marcha. De fato, Cristo é o Templo, do qual, segundo a visão dos Profetas, jorra o Espírito Santo, isto é, a água viva que purifica e dá a vida. Quem tem sede de salvação pode chegar gratuitamente a Jesus, e o Espírito Santo se tornará nele ou nela uma fonte de vida plena e eterna. A promessa da água viva Jesus fez à Samaritana tornou-se realidade em Sua Páscoa: de Seu lado perfurado saiu sangue e água. Cristo, cordeiro imolado e ressuscitado, é a fonte da qual jorra o Espírito Santo, que perdoa os pecados e gera nova vida.

Este dom é também a fonte do testemunho. Assim como a Samaritana, quem quer que encontre Jesus vivo tem necessidade de contar aos outros, de modo que todos cheguem a confessar que Jesus é verdadeiramente o salvador do mundo, como disseram os conterrâneos daquela mulher. Nós também, gerados para uma vida nova por meio do Batismo, somos chamados a testemunhar a vida e a esperança estão em nós. Se a nossa busca e a nossa sede encontram em Cristo plenitude, vamos testemunhar que a salvação não está nas coisas deste mundo, que afinal produzem sede, mas nAquele que nos amou e nos ama sempre: Jesus, nosso salvador, na água viva que Ele nos oferece.

Que Maria Santíssima nos ajude a cultivar o desejo de Cristo, fonte de água viva, o único que pode saciar a sede de vida e de amor que trazemos no coração.

Trad: AJFC

Digitação: EAFC

A mensagem da Lumen Gentium (Capítulos 1 e 2)

A Constituição Lumen Gentium sobre a Igreja é o resultado do conflito entre duas eclesiologias. Esse conflito constituiu a estrutura de fundo de todos os debates conciliares, o que se refletiu nos documentos produzidos. Lumen Gentium é bem representativa do Vaticano II. Aí aparecem, de forma clara, duas eclesiologias.

Por que o conflito?

Porque a maioria conciliar teve atitude oposta à da maioria no Concílio Vaticano I. No Vaticano I, os bispos defensores da colegialidade episcopal e dos direitos dos bispos eram minoria. Essa minoria foi esmagada, apesar da sua importância numérica. Não se lhe fez nenhuma concessão. Por isso a minoria abandonou o Concílio, protestando contra a arrogância da maioria que queria a proclamação da infalibilidade e da primazia do papa sem nenhuma restrição nem compensação que favorecesse o episcopado. O Vaticano I fez com que os bispos fossem transformados em simples funcionários da Igreja romana, encarregados de governar as Igrejas locais em nome do papa. Era o que a maioria queria.

No Vaticano II, a minoria do Vaticano I havia se tornado maioria. No entanto, a nova maioria não quis tratar a minoria do modo como havia sido tratada no passado. A maioria abriu espaço para a minoria e integrou nos textos muitas reivindicações da minoria. Dessa maneira, foram publicados textos dotados de evidente ambiguidade: textos representantes da eclesiologia majoritária em convívio com textos totalmente diferentes, que representavam a voz da minoria. O preço dessa atitude “democrática” da maioria foi o enfraquecimento do texto final, suscetível de interpretações contraditórias.

Na realidade, a consequência dessa atitude de tolerância foi que os textos puderam ser invocados pelas duas eclesiologias. A história do Concílio mostra claramente que o que houve de novo, o que aparecia como novidade — mas era o sentido da Bíblia e da Tradição de mais de mil anos — representava o pensa­mento da grande maioria. Não há como conferir o mesmo peso às duas categorias de textos. Uma série de textos expressa o pensamento da maioria e outros representam apenas concessão feita à minoria.

Como explicar tanta tolerância para com uma minoria bastante turbulenta, mas pouco representativa?

A minoria, defensora da antiga eclesiologia, era dirigida pela Cúria. Desde o início a Cúria procurou impedir a realização do Concílio. A maioria dos membros da Cúria era hostil ao papa João XXIII e não escondia essa hostilidade. A Cúria conseguiu dirigir toda a fase pré-conciliar e preparar esquemas representativos da eclesiologia romana tradicional.

Na véspera do Concílio, entre os defensores da nova eclesiologia, o ambiente era bastante pessimista. Muitos achavam que a Cúria iria controlar a assembleia e conseguiria anular o projeto do papa. Por sua vez, os partidários da eclesiologia romana estavam otimistas. Achavam que poderiam fazer do Concílio pura celebração festiva, que votaria os documentos preparados pelas comissões dirigidas por eles. Achavam que o Concílio não iria durar mais do que algumas semanas. Todo esse plano foi desmontado por alguns cardeais que se puseram firmes e receberam o apoio da grande maioria. Também o papa usou toda a sua autoridade para estimular e orientar o Concílio no sentido desejado por ele. O papa queria realmente que o Concílio se inspirasse nas suas orientações — particularmente expressas no discurso inaugural.

Mas a Cúria não desistiu e, durante todo o Concílio, procurou obstaculizar a orientação dada pela maioria. Nem João XXIII nem Paulo VI quiseram desautorizar oficialmente os líderes conservadores da Cúria. Esta, longe de aceitar as orientações dos papas, nunca deixou de conspirar. Com a sensibilidade de funcionários eclesiásticos, entreviam que, caso se aplicasse o princípio de colegialidade, o papa não iria perder sua importância, mas a Cúria teria o seu papel muito reduzido. Membros da administração defendiam supostos direitos adquiridos, e a rejeição da teologia que justificava a concentração de poderes na Cúria romana vinha a enfraquecer essa argumentação. Rejeitada aquela teologia, as repartições da Cúria perderiam muitas atribuições.

Bem mais cedo do que se podia esperar, o partido da Cúria recuperou-se e procurou limitar a aplicação do Concílio. Uma administração pode paralisar inteiramente a vontade do governante. A Cúria não quis ceder nada dos seus poderes e lutou durante 40 anos contra todas as novidades conciliares, particularmente contra as conferências episcopais — as quais conseguiu anular ou reduzir a um papel puramente decorativo — e as teologias locais que tendiam a aumentar a responsabilidade das Igrejas locais. A teologia do povo de Deus acabou sendo eliminada no Sínodo de 1985, que supostamente se reuniu para atualizar o Concílio, mas, na realidade, tirou dele muito do que havia de novidade. A Cúria continua sendo inspirada pela teologia romana de séculos passados. Conseguiu apagar a teologia conciliar, tornando-a suspeita.

Desde o início do atual pontificado, buscou-se purificar a Igreja de todo o fermento transformador do Vaticano II, voltando à teologia anterior. Para isso, reforçou-se o partido anticonciliar na Cúria e mudou-se completamente o rosto do episcopado, nomeando sistematicamente bispos inteiramente submissos, que aceitam com gratidão o papel de funcionários da Cúria romana. A cada cinco anos os bispos devem visitar a Cúria romana, que lhes impõe a sua estratégia. Os bispos são considerados inferiores aos prelados da Cúria e devem contentar-se com alguns gestos amáveis do papa como “prêmio de consolação”. O discurso oficial de fidelidade ao Concílio Vaticano II está longe de traduzir-se em prática cotidiana.

 

1. Eclesiologia pré-Vaticano II

Voltemos aos tempos do Concílio Vaticano II e ao debate eclesiológico.

A teologia romana formou-se durante mil anos, a partir das lutas entre os papas e os imperadores. Ela cresceu e se fortaleceu. Saiu muito reforçada do Concílio de Trento. Com efeito, a chamada reforma da Igreja — que era mais uma contrarreforma do que uma reforma — foi entregue ao papa e, desta maneira, os bispos perderam o seu direito de iniciativa. Em nome da reforma, a Igreja romana concentrou todos os poderes e centralizou toda a administração. Daí em diante definiu e uniformizou a liturgia, o catecismo, o direito canônico e o governo habitual das Igrejas — com a publicação do Código de direito canônico, em 1917, conquistou o direito de nomear todos os bispos.

Os pontos básicos dessa doutrina são os seguintes:

1. A Igreja é uma sociedade organizada, uma instituição fundada por Jesus que se impõe à humanidade sem que esta possa mudá-la em nada. Supõe-se que Jesus fundou a instituição com todas as suas estruturas. Tudo o que constitui a instituição viria de Jesus ou dos delegados escolhidos por ele. Os cristãos dependem totalmente da instituição e, diante dela, são receptores passivos. Belarmino comparava a Igreja com o reino da França ou a república de Veneza. A Igreja é considerada semelhante ao Estado. Como o Estado, ela é uma instituição e uma realidade abstrata, feita de leis e relações de dependência. A Igreja se mantém por meio de leis atribuídas ao próprio Deus. Nessa instituição, o elemento ativo é o clero — contingente auxiliar do papa. Os leigos são elementos passivos que devem obedecer ao clero — e constituem o contingente deste em vista da salvação, da defesa e do progresso da Igreja. Notemos que até hoje a imensa maioria do clero e dos leigos, quando ouve a palavra “Igreja”, pensa “clero”. A Igreja católica é identificada com a hierarquia. Quando alguém pergunta: “O que diz a Igreja?”, quer saber o que dizem os bispos ou o papa. “A Igreja ensina que…” quer dizer: “Os bispos ou o papa ensinam que…”. Nesse sentido, embora tenham passado 40 anos do Concílio, a mentalidade do povo cristão em geral não mudou. As reformas conciliares ficaram muito superficiais, porque a administração eclesiástica impediu que penetrassem na massa dos leigos. Para o povo, a Igreja ainda é identificada com o papa e os bispos, juntamente com o clero e os religiosos. Os leigos não sentem a Igreja como própria. Não sentem que a Igreja somos “nós”. No Concílio esperava-se poder mudar essa mentalidade.

 

2. A Igreja e o mundo são duas entidades distintas, que existem separadamente, embora haja relações entre si. A Igreja não pertence ao mundo, não tem nada que ver com os pecados do mundo, não tem nenhuma responsabilidade. O mundo é pecador e a Igreja é santa. Alguns membros da Igreja podem cometer erros e até pecados, mas ela não está em nada comprometida com isso, pois esses membros agiram em sentido contrário ao dela. A Igreja não tem nenhuma responsabilidade nos pecados de alguns dos seus membros. A relação entre ela e o mundo é semelhante à relação entre o bom samaritano e o homem ferido na estrada. A Igreja, cheia de compaixão, cuida do ferido e o salva. É assim que a ela se entende. A Igreja ensina ao mundo, mostra o caminho, revela a verdade. Denuncia o pecado do mundo, exorta para a conversão, sempre como quem está na parte de fora: fala aos outros, mas não a si mesma. Acha que, infelizmente, o mundo não quer escutar, não quer seguir o caminho mostrado por ela, e, por isso, mergulha no pecado. A Igreja fez o que devia e não se responsabiliza mais pelo que acontece. Essa tese é correlativa à primeira. A relação entre Igreja e mundo é radicalmente desigual: a Igreja age sobre o mundo, mas o mundo não age sobre a Igreja. Esta é ativa e aquele é, ou deve ser, passivo.

 

Essa ainda é a mentalidade do clero em geral e da hierarquia em particular. Para boa parte do clero, o pecado é dos outros, e a Igreja é pura e santa. Esses padres têm uma consciência inocente. Não se sentem culpados em nada daquilo que acontece no mundo. O problema é que, fora da Igreja, não se acredita nisso; pelo contrário, muitos mostram todas as responsabilidades da Igreja — da hierarquia e do clero — em relevantes pecados sociais e políticos.

Essa teologia, dominante desde o final da Idade Média, foi codificada no Concílio de Trento e alcançou o ponto culminante depois do Vaticano I com os papas Pios. No entanto, desde o século XI alguns teólogos não conformistas começaram a descobrir a contradição entre essa teologia e as fontes do cristianismo. No século XX, os movimentos bíblico e patrístico, à medida que biblistas e historiadores se emancipavam da teologia sistemática dominante, descobriram a evidência: a eclesiologia da Bíblia e da patrística era diferente da que estava em vigor. O problema passou a ser este: como convencer a hierarquia da Igreja de que a sua concepção teológica não conjugava a verdadeira Tradição, mas era o resultado de circunstâncias históricas? No pontificado de Pio XII, eram poucos os que esperavam que a Igreja católica tivesse a possibilidade de voltar ao evangelho — uma vez que estava encerrada no sistema religioso criado no decorrer do segundo milênio e consolidado depois de Trento. A Igreja era prisioneira de certa escolástica que se construíra para si mesma e a tornava prisioneira. Evidenciou-se a enorme defasagem da teologia que orientava a administração eclesiástica. Os teólogos escolásticos não se importavam com o trabalho dos exegetas. Eles repetiam os textos que recitavam desde o século XVI, sem levar em conta o trabalho paciente dos biblistas. Estes viviam em semiclandestinidade, perseverando num trabalho que não tinha nenhum efeito no ensino e na marcha da Igreja.

Com a chegada de João XXIII ocorreu o que não era previsível. João XXIII não era teólogo nem biblista. Mas, pela sua formação e pela sua carreira, era muito sensível aos movimentos sociais católicos e à situação do mundo dos trabalhadores. Nessa época houve uma aliança entre, por um lado, a teologia bíblica e patrística e, por outro, os movimentos sociais — nos quais, os católicos comprometidos faziam a experiência diária da falsidade da eclesiologia oficial. Eles não eram membros passivos da Igreja. Eram ativos. Não estavam separados do mundo, mas viviam mergulhados no mundo, participando dos seus dramas. Não podiam aceitar uma Igreja distante do mundo e não comprometida. Durante quase cem anos houve comunicação entre a nova eclesiologia e os leigos socialmente comprometidos. Tudo isso desembocou no Concílio. O Vaticano II foi o principal lugar de encontro entre o laicato comprometido no mundo e a nova eclesiologia bíblica e patrística.

 

2. Nova eclesiologia

A nova eclesiologia, a única realmente tradicional, pode ser condensada em duas teses.

1. A instituição existe dentro da Igreja como serviço, mas ela não é a Igreja. A Igreja não é entidade abstrata. Ela é feita de seres humanos concretos, homens e mulheres que vivem neste mundo. Também os membros ordenados da hierarquia e do clero são seres humanos, e a ordenação não os separa dos outros. Para expressar essa realidade concreta, a Bíblia escolheu o tema de povo de Deus. O povo não é uma instituição. Ele existe antes de qualquer instituição, e as instituições somente se justificam quando estão a serviço do povo. Deus fundou o seu povo antes de todos os elementos institucionais. Todos são ativos e recebem o Espírito Santo, todos participam do magistério, dos sacramentos e do governo desse povo. O povo de Deus existia antes dos apóstolos — postos por Jesus para serem testemunhas de tudo o que tinham visto e ouvido. O povo é anterior à hierarquia. A eclesiologia tridentina dizia que a hierarquia gerava a Igreja porque gerava os seus membros como depositária dos sacramentos, do magistério e do governo. Mas esses são sinais da operação do Espírito Santo. Quem gera a Igreja é o Espírito Santo, embora se possam usar sinais exteriores e serviços de servidores especializados nesses sinais. Porém a graça de Deus não é dada pela hierarquia. Os sinais são ministrados por ela, mas a graça somente pode vir de Deus. O Espírito Santo gera a Igreja, cria ministérios e também pode gerar e escolher muitos membros do povo de Deus que nunca receberam esses sinais.

 

2. O povo de Deus é parte da humanidade, consiste nos mesmos homens e mulheres que estão inseridos na sucessão das gerações, implicados no mesmo tecido social e nas mesmas tarefas de toda a humanidade. Eles são uma porção da humanidade com uma missão específica: de ser testemunhas de Jesus Cristo, continuando a missão de Jesus no meio dos irmãos. Eles não têm nenhuma autoridade sobre os irmãos que procuram atrair e convencer. Devem entrar em colaboração com estes nas mesmas tarefas para libertar a humanidade dos seus pecados. Com certeza, a libertação inclui também a luta contra as forças adversas, contra a resistência do mundo material e contra todos os obstáculos naturais à sobrevivência do gênero humano. No entanto, em primeiro lugar, existe a luta contra os males dos quais os próprios homens são os autores, e esses são os que chamamos de pecados. O pecado é o mal provocado pelo ser humano, individual ou coletivo. O povo de Deus sofre permanentemente a influência da humanidade inteira e dos seus companheiros na vida diária. Os membros desse povo são tentados a cometer os mesmos pecados. Devem converter-se todos os dias e não se considerar seres já convertidos — que doravante estariam acima da humanidade comum.

 

3. Eclesiologias em discussão

Essas foram as duas eclesiologias que entraram em confronto durante todo o Concílio, mas sobretudo na discussão do documento conciliar sobre a Igreja (Lumen Gentium)A comissão preparatória, dominada quase totalmente pela Cúria e os seus teólogos, tinha preparado um texto sobre a Igreja que o cardeal Ottaviani apresentou à assembleia como tão perfeito que podia ser adotado tal qual. Ele aceitava algumas emendas, mas puramente secundárias. A doutrina do documento lhe parecia perfeita, e de fato ela representava perfeitamente a eclesiologia da Cúria romana.

O documento preparado pela comissão foi apresentado no dia 1º de dezembro de 1962, na 31ª congregação geral. A discussão ocupou desde a 31ª até a 36ª congregação, ou seja, seis dias. Foi o momento decisivo do Concílio, pois se definiram aí os seus rumos. A partir desse momento se soube qual era o verdadeiro debate — o que orientou as três sessões seguintes do Concílio.

Na discussão, vários cardeais e bispos tomaram a palavra para defender o texto proposto pela comissão. Mas outros manifestaram-se para mostrar as deficiências do texto. Os argumentos destes convenceram. No dia 1º de dezembro houve uma intervenção de D. Emílio De Smedt, bispo de Bruges, na Bélgica, denunciando o triunfalismo, o clericalismo e o juridicismo do esquema proposto. Tocou nos pontos mais sensíveis, expressando as acusações que se faziam sem cessar à Igreja no mundo contemporâneo. Além do texto, ele questionava toda a eclesiologia que tinha predominado desde o século XIV. Essa intervenção abalou profundamente o partido conservador e fortaleceu a decisão do partido conciliar.

A 33ª congregação, reunida no dia 4 de dezembro, foi decisiva, e a assembleia definiu claramente a orientação que queria dar ao Concílio. O cardeal Frings, falando em nome de todos os bispos de língua alemã, rejeitou o esquema da comissão e pediu nova redação. Depois dele houve o discurso do cardeal Suenens, propondo a rejeição do esquema e a formulação de um novo. Apelava para a intenção do papa, mostrando que o problema principal da Igreja era o diálogo como mundo e que se tratava de mudar a Igreja em função desse objetivo. Contrariamente ao regulamento, o discurso de Suenens foi ovacionado de forma demorada. Nisso se manifestava claramente o desejo da assembleia no seu conjunto. Depois desse discurso, todos entenderam que a causa estava definida. No dia seguinte o cardeal Montini exigiu também uma revisão completa do esquema apresentado, dando apoio à tese de Suenens, e a sua maneira de falar não permitia duvidar de que expressava o pensamento do papa.

É importante lembrar esses acontecimentos porque mostram qual era a posição da grande maioria dos bispos e do papa, a posição de resistência da Cúria e a existência de uma minoria de bispos ignorantes da teologia contemporânea, apegados a fórmulas do passado, completamente separados do mundo atual. Não haviam compreendido as preocupações do papa ao reunir o Concílio. Nesse momento, todos no Concílio estavam muito conscientes de que se tratava de um debate entre duas eclesiologias e que a grande maioria, com o apoio do papa, tinha feito opção clara por uma dessas eclesiologias, sabendo muito bem o que queria. A partir desse momento os termos do debate estavam muito claros.

O resto foi consequência dessa opção. O papa nomeou nova comissão teológica, cujos membros eram representativos da maioria da assembleia. Os exegetas e teólogos que haviam sido condenados sob Pio XII foram os que orientaram os trabalhos dessa nova comissão.

Os bispos e teólogos prepararam novo esquema. Na realidade houve três propostas: uma apresentada pela Alemanha, outra pela França e a terceira pelo Chile. O novo texto foi preparado com base nesses textos — principalmente os primeiros dois. Houve muitas emendas, com a introdução de temas antigos da escolástica. Alguns capítulos representaram mais a posição antiga. Mas, de qualquer maneira, para a interpretação dos textos, que foram finalmente aprovados, não se pode dar igual valor a todas as proposições enunciadas. Algumas queriam expressar explicitamente a opção da maioria e outras foram introduzidas para não desagradar à minoria.

 

4. Sequência dos capítulos e conteúdo

Vale a pena chamar a atenção para alguns itens particularmente significativos da Lumen Gentium. Os autores puseram como primeiro capítulo o mistério da Igreja, isto éa relação da Igreja com as Pessoas divinas. Em lugar de começar por uma exposição jurídica, como na teologia escolástica, acharam necessário destacar a relação com as Pessoas divinas, isto é, o aspecto invisível da Igreja.

Para esse fim, quiseram relacionar a Igreja com as três Pessoas divinas e não com “Deus” — a natureza divina que, no linguajar da Igreja latina, substitui tantas vezes as Pessoas divinas e não é compreendida pelos orientais. Falar em “Deus” pode dar a entender que existe uma quarta Pessoa divina chamada Deus. Ora, não há um sujeito divino, mas uma natureza divina e três sujeitos que são as três Pessoas divinas. Dessa maneira os padres conciliares queriam voltar ao modo de expressão da Bíblia e da Igreja antiga, particularmente da tradição oriental conservada até os nossos dias.

Os padres conciliares evitaram o linguajar escolástico e resistiram à tentação de dar uma “definição” de Igreja. Quiseram voltar à maneira da Bíblia, que usa muitas comparações e metáforas para falar do mistério da Igreja, não ficando numa noção abstrata. Os padres quiseram sobretudo evitar que prevalecesse uma definição jurídica de Igreja.

O segundo ponto fundamental foi a opção pela ordem dos capítulos. Isso foi longamente debatido. O esquema da Cúria queria falar primeiro da natureza divina da Igreja na sua relação com Deus, em seguida da hierarquia e depois dos leigos. A nova comissão propôs e defendeu a ordem inversa: primeiro o povo de Deus; depois, a hierarquia. Essa sequência, longe de ser pormenor acidental, era um fato altamente simbólico: manifestava a intenção profunda da imensa maioria dos membros do Concílio. A presença do texto sobre o povo de Deus, no capítulo 2, antes texto sobre a hierarquia, no capítulo 3, é o símbolo de todo o projeto do Concílio. O povo de Deus era a Igreja de todos os fiéis no meio dos povos da terra.

Com essa mudança na ordem dos textos, o Concílio queria ensinar que na raiz os cristãos são iguais, sendo todos membros do povo de Deus, com a responsabilidade de caminhar seguindo o evangelho. No seio do povo há serviços especiais. Mas os membros da hierarquia ou do clero não têm um destino diferente em virtude da ordenação. Não se salvam pela ordenação, mas pelo seguimento de Jesus, como todos os batizados. O que é comum a todos os cristãos é muito mais fundamental do que o que os distingue.

Em segundo lugar, o Concílio quis expressar dessa maneira que a Igreja está entre a humanidade, participa do destino da humanidade. A hierarquia está a serviço do povo — dos seres humanos —, e não o contrário. A Igreja está a serviço da humanidade e não tem outro significado. A lei é feita para os homens, e não os homens para a lei. Havia muitas outras considerações que justificavam a inserção do capítulo sobre o povo de Deus antes do capítulo sobre a hierarquia, mas os dois pontos acima indicados expressam as motivações principais. Naturalmente a opção conciliar estava fundamentada no Novo Testamento.

Outro parágrafo relevante é o n. 12, que fala do Espírito Santo. Foi importante dizer que o Espírito Santo não santifica e conduz a Igreja somente pelos sacramentos e pelos ministérios, mas por todos os carismas espalhados no seio do povo de Deus — o que desmonta a teoria tradicional segundo a qual a hierarquia é que gera e conduz a Igreja. A hierarquia desempenha a sua parte, mas todos os cristãos podem também ter a sua participação ativa na condução do povo de Deus. Para quem conhece a Bíblia, não há nisso nenhuma novidade, mas a teologia ignorou essa realidade durante sete séculos e o Magistério agiu baseado nessa teologia, como se Deus fizesse tudo por meio da hierarquia.

O papa havia também manifestado claramente que o ecumenismo seria uma das prioridades da Igreja. Ora, a teologia escolástica dominante não deixava muito espaço para as Igrejas separadas, e a prática do ecumenismo era algo muito arriscado porque podia atrair condenações a qualquer momento.

O tema entrou a propósito do primeiro capítulo, n. 8, b. Uma vez definido o mistério da Igreja e a unidade entre os aspectos invisível e visível, era o momento de explicitar quem era membro desse povo de Deus. Segundo a doutrina escolástica, essa Igreja, esse povo de Deus, visível e invisível, era a Igreja católica. A teologia empregada queria mostrar a identidade entre o povo de Deus e a instituição chamada Igreja católica. Com isso, qualquer ecumenismo seria impossível. Houve discussões e, finalmente, quiseram contornar a questão e deixar espaços livres. Disseram: “Esta Igreja… subsiste na Igreja católica”, o que não exclui que possa subsistir, de alguma maneira, nas outras denominações cristãs. De fato mais adiante havia algumas explicações sobre as diversas formas de participação no povo de Deus.

 

5. A Lumen Gentium no contexto conciliar

O texto da Lumen Gentium deve ser interpretado no contexto global do Concílio. Sem dúvida, o documento que deu a tonalidade final e definitiva ao Vaticano II foi a Gaudium et Spes. É o que se manifesta claramente no discurso de Paulo VI no encerramento do Concílio. Para resumir a obra conciliar, Paulo VI destaca que nele a Igreja se definiu como servidora da humanidade. A Igreja quer estar a serviço do ser humano. Isso é o amor ensinado por Jesus e não é nenhuma concessão feita ao mundo contemporâneo. A Constituição sobre a Igreja foi publicada em 1964. No entanto, ela toma o seu sentido definitivo no final do Concílio, no dia 8 de dezembro de 1965. Por conseguinte, o que se deve salientar é tudo aquilo que mostra a Igreja como servidora da humanidade, presença ativa no mundo, participante das alegrias e esperanças do mundo. Por outro lado, os textos que lembram o triunfalismo de uma Igreja-fortaleza unida contra o mundo devem ser relativizados.

O discurso de encerramento de Paulo VI mostra claramente que o Papa estava bem consciente das objeções que se fariam ao Concílio — já em andamento por parte da Cúria.

Hoje, 40 anos depois da promulgação da Constituição Lumen Gentium sobre a Igreja, a única saída viável consiste em retomar os princípios enunciados naquele tempo e que não foram promovidos de modo suficiente.

Nesse sentido, é importante salientar a atualidade da Constituição Lumen Gentium. Nos seus pontos decisivos, ela ainda não foi aplicada — a não ser de modo muito parcial e localizado. Ainda é um desafio a ser assumido pelas novas gerações.

O Espírito subversivo da Vida


Nesse domingo, celebramos a festa de Pentecostes. Na tradição latina, o cântico de entrada da celebração eucarística, mas também em alguns ritos o verso que introduz todo o ofício do dia (invitatório) se baseiam em uma palavra do Livro da Sabedoria que Reginaldo Veloso traduziu bem ao cantar: “O Espírito do Senhor, o universo todo encheu, tudo abarca em seu saber, tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia…” (Cf. Sb 1, 7).  

 É belo e consolador cantar isso, mas, nesses dias que vivemos no Brasil e no mundo, ando com mais dificuldade de cantar isso, porque, de modo algum, as palavras que são ditas ou cantadas parecem corresponder à verdade. Quem olha o mundo atual, o Brasil no qual vivemos e a Igreja Católica atual, não parece que o Espírito Santo esteja abarcando tudo, abraçando tudo com seu saber e enlaçando com o seu amor.Na semana passada, nas eleições para o Parlamento Europeu, ganhou o Fascismo do primeiro ministro italiano. No Brasil, ainda há muitos cristãos e até padres e pastores que optam pela direita e não ligam fé e justiça social. E muitos carismáticos ou pentecostais que, tanto na Igreja Católica, como em outras Igrejas, se dizem do Espírito parecem menos livres, menos amorosos e menos solidários do que  ateus que não se dizem do Espírito. Retomo o evangelho de João e recordo para mim mesmo o que Jesus disse a Nicodemos: “O vento (como o Espírito) sopra onde quer. Ouves a sua voz, mas não sabes para onde vai, nem para onde vem” (Jo 3, 8).

Então, celebro Pentecostes, não porque percebo ou porque sinto a presença e atuação do Espírito. Só posso crer e, mesmo assim, opto por isso. Creio no Espírito e então celebro sua vinda permanente no mundo, a cada instante recriando a vida e suscitando amor onde não havia.

Nessa semana que coincide com o dia internacional do ambiente (05 de junho), celebro essa subversão da Vida que teima em vencer o domínio da morte e manifestar a resistência da mãe Terra e da natureza tão agredida. E aí perscruto e reconheço a ação do Espírito em mim e em nós (como dizia São Bernardo de Claraval) por causa do tênue movimento de conversão que transforma o meu coração de pedra em coração de carne.Esse é o sinal do Espírito em nós. Celebremos e nos alegremos nessa renovação da vida.

Cremos na presença do Espírito em cada reunião e cada encontro nosso, seja nas Igrejas, seja nas assembleias de trabalhadores, nos encontros de movimentos sociais e em nossos encontros de amizade e bem-querer, Jesus ressuscitado se revela presente. Assim como naquela tarde de Páscoa, Ele se deixou ver pelos discípulos e discípulas ali reunidos. O texto do evangelho não diz que foi aos doze. Foi aos discípulos e discípulas – numa abrangência bem maior. Há muitas pessoas nem têm consciência disso, mas são discípulas do Cristo Ressuscitado, não por sua fé intelectual ou afetiva e sim por seu cuidado com a vida e sua opção de amor com os irmãos e irmãs.

E hoje, de novo, Jesus ressuscitado sopra sobre mim e sobre vocês  nos dando o seu Espírito, sua energia de vida nova e de amor e nos envia como testemunhas desse amor que fecunda a vida e o universo. Se acolhermos esse dom divino e nos abrirmos hoje ao Espírito Santo, seremos realmente e de modo profundo, eu e cada um/uma de vocês, profetas, profetizas de Deus, contanto que aceitemos ser subversivos/as em relação ao mundo e às Igrejas.

O maior sinal do Espírito que podemos dar é sermos revolucionários, tanto no plano social e político, quando em todos os outros planos da vida. Se há Espírito de Deus, só pode ser como força transformadora de nós mesmos e do mundo (assim como das Igrejas). Paulo escreveu aos coríntios: “Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade”(2 Cor 3, 17). Podemos afirmar: Onde se manifesta o Espírito de Deus, ali haverá movimento libertador.

Então, que o Espírito atue em cada um de nós e em nossos grupos:

1- Tornando-nos pessoas verdadeiramente tomadas pelo seu Amor.

2 – Seremos portadores do Espírito na sua tarefa de dizer o que “o Senhor nos manda dizer e fazer”nas Igrejas e no mundo.

Mesmo se cremos nessa verdade e podemos nos alegrar com essa presença em nós do Espírito, a Igreja nos aconselha a sempre de novo pedirmos que ele venha, venha e venha e nos impregne com o seu amor. Em meus arquivos, tenho guardado um dos antigos poemas do mestre e patriarca Pedro Casaldáliga. Oremos com suas palavras:

               Vem, Espírito Santo, Vem, ou melhor, vamos: Faze que nós vamos aonde Tu nos levas. 

Tu nunca Te ausentas, ar que respiramos,  vento que acompanhas,

clima que aconchegas. Vem, Para levar-nos por esse Caminho,

o Caminho vivo, que conduz ao Reino.            Vem, para arrancar-nos, 

            numa ventania de verdade e graça,             de tantas raízes de mentira e medo

            que nos escravizam. Vem, feito uma brisa, para amaciar-nos,

feito um fogo lento, um beijo gostoso, a paz da justiça, o dom da ternura,

a entrega sem cálculos, o amor sem cobrança,

a Vida da vida. Vem, pomba fecunda, sobre o mundo estéril

E suscita nele a antiga esperança, a grande utopia da Terra sem males, 

a antiga, a nova, a eterna Utopia! Vem,  vamos, Espírito!

(08-06-2019)

Papa Francisco: Viver na disponibilidade

Homilia do Papa Francisco, na missa celebrada por ocasião do Jubileu dos Diáconos, em 29/05/2016

“Servidor de Cristo” – escutamos esta expressão com a qual o Apóstolo Paulo se define, escrevendo aos Gálatas. No início da Carta, apresentara-se como apóstolo, pela vontade de Jesus. Os dois vocábulos, apóstolo e servidor, vêm juntos, nunca poder ser nunca separados. São como que duas faces da mesma moeda: quem anuncia a Jesus, é chamado a servir, e quem serve anuncia a Jesus. Isto o Senhor mostrou, primeiro: Ele, a Palavra do Pai; Ele, que nos trouxe, primeiro, a Boa Nova, Ele que é em Si mesmo a Boa Nova, fez-es o nosso Servidor, não veio para ser servido, mas para servir. “Fez-Se o Diácono de todos”, escrevia um Padre da Igreja. Assim como Ele fez, assim também seus anunciadores são chamados a fazer. Um discípulo de Jesus não pode andar num caminho diferente do do caminho do Mestre, mas se quiser anuncia-Lo, deve imitá-Lo, como fez Paulo: buscar tornar-esse servidor. Em outras palavras, evangelizar-se é a missão proposta a todo cristão, no Batismo, servir é o jeito de viver a missão, o único jeito de ser discípulo de Jesus. Sua testemunha é quem faz como Ele: serve os irmãos e as irmãs, sem se cansar de Cristo humilde, sem se cansar da vida cristã, que é vida de serviço.

Como começar a nos tornarmos “servos bons e fiéis”? Como um primeiro passo, somos chamados a viver a disponibilidade. O servidor aprende, todo dia, a renunciar a ter tudo ao seu dispor e a dispor de si como quer. A cada manhã, treina de doar a sua vida, exercita o pensar que o dia completo não será seu, mas será para viver como um dom de si. Com efeito, uem serve não é um zeloso guardião do seu próprio tempo, mas renuncia a ser o dono da própria jornada. Sabe que o tempo que vive, não lhe pertence, mas é um dom que recebe de Deus, para oferece-lo, por sua vez. Somente assim, produzirá realmente fruto. Quem serve não é escravo da agenda que organiza, mas, de coração dócil, faz-se disponível ao não programado: prontamente se abre ao irmão, protamente se abre diante do imprevisto, que nunca deixa de ocorrer, e muitas vezes se constitui na surpresa cotidiana de Deus. O servidor sabe abrir as portas do seu tempo e dos seus espaços a quem lhe está próximo e até quem lhe bate a porta, fora do horário, de modo a interromper o que lhe agrada ou o merecido repouso.

Assim, caros diáconos, vivendo na disponibilidade, o serviço de vocês estará livre de interesse próprio e será evangelicamente fecundo.
https://www.youtube.com/watch?v=aXRIz5p3NS0
Trad.: AJFC

Mensagem do Papa Francisco sobre o Espírito Santo

“Regina Coeli”, 01/01/2016

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

O Evangelho de hoje nos recorda o Cenáculo. Durante a última Ceia, antes de enfrentar a paixão e a morte sobre a cruz, Jesus promete aos apóstolos o dom do Espírito Santo, que terá a missão de ensinar e de recordar as palavras de Jesus à comunidade dos discípulos. É o próprio Jesus quem diz: “O Espírito Santo Paráclito, que o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará tudo e lhes recordará tudo o que Eu lhes disse.” Ensinar e recordar – eis o que o Espírito Santo faz em nossos corações.

No momento em que se preparava para retornar ao Pai, Jesus prenuncia a vinda do Espírito Santo, que, antes de nada mais, ensinará os discípulos a compreender cada vez mais plenamente o Evangelho, para acolhê-lo em suas vidas, e a torná-lo vivo e operante por meio do testemunho.

Jesus, ao confiar aos apóstolos – palavra que quer dizer justamente “enviados”,- a missão de levar ao mundo inteiro o anúncio do Evangelho, prometeu que eles não permanecerão sozinhos: com eles estará o Espírito Santo, o Paráclito. Estará junto a eles, mais precisamente, estará neles, para defendê-los e apoiá-los. Ao retornar ao Pai, Jesus continua com os Seus discípulos, a acompanha-los e a admoesta-los, mediante o dom do Espírito Santo.

O segundo aspecto da missão do Espírito Santo consiste em ajudar os apóstolos a recordarem as palavras de Jesus. O Espírito Santo tem a missão de recordar as palavras de Jesus. O divino Mestre já comunicou tudo o que entendia confiar aos apóstolos. Com Ele, Verbo Encarnado, a Revelação se completa. O Espírito Santo fará relembrar os ensinamentos de Jesus, em todas as circunstâncias concretas da vida, para poderem coloca-las em prática. É justamente isto que se passa hoje, na Igreja, guiada pela luz e pela força do Espírito Santo, para que possa levar a todos o dom da Salvação, isto é, o dom do Amor e da Misericórdia de Deus. Por exemplo, quando vocês lêem todos os dias, como eu lhes recomendei, uma passagem do Evangelho, orem ao Espírito Santo: “para que eu recorde e que eu compreenda as palavras de Jesus”. Depois, então, leiam todos os dias uma passagem do Evangelho. Mas, primeiro, a oração ao Espírito, que está em nosso coração: “que eu recorde e que eu compreenda”!

Nós não estamos sozinhos. Jesus está perto de nós, dentro de nós. Sua presença na história se dá por meio do Espírito Santo, por meio do qual é possível estabelecer uma relação viva com Ele, o Crucificado e Ressuscitado. O Espírito Santo foi infundido em nós com os Sacramentos do Batismo e da Crisma, age em nossa vida. Ele nos orienta quanto ao modo de pensar, de agir, de distinguir o que é o bem e o que é o mal. Ajuda-nos a praticar a caridade de Jesus, a Sua doação aos outros, especialmente aos mais necessitados.

Nós não estamos sós. O sinal da presença do Espírito Santo é também a paz que Jesus dá aos Seus discípulos – “Dou-lhes a minha paz!” Esta é diferente da que os homens desejam ou tentam vivenciar. A paz de Jesus vem da vitória sobre o pecado, sobre o egoísmo, que nos impede de nos amarmos como irmãos. É dom de Deus e sinal de Sua presença. Todo discípulo, chamado hoje a carregar a cruz de Jesus, recebe a paz do Crucificado-Ressuscitado, com a certeza de Sua vitória e com a esperança de Sua vinda definitiva.

Que a Virgem Maria nos ajude a acolher, com docilidade, o Espírito Santo como Mestre interior e como memória viva de Cristo, na estrada do dia-a-dia.

https://www.youtube.com/watch?v=hBpvby0mTrw
(Do minuto 05:13 ao minuto 12;15)
Trad.: AJFC

Congresso Continental de Teologia

Estou em Belo Horizonte para um Congresso continental (da América Latina e Caribe) de Teologia.

A primeira coisa boa é poder encontrar companheiros e companheiras que conheço há muitos anos e que, na luta da vida, desde anos e anos, não tínhamos ocasião de nos encontrar. Eu tinha encontrado Victor Codina (da Bolívia) em 1992, Pedro Trigo nos anos 80 e assim por diante.

Gustavo Gutierrez também fazia muito tempo não estávamos juntos. E sentir a amizade desses irmãos me faz muito bem. O negativo é que me escolheram para ser um dos conferencistas do congresso. Primeiramente, acho um absurdo tendo aqui tantos mestres de primeira grandeza, pedirem uma palavra a mim.

Em segundo lugar, tenho cada vez mais dificuldade de me situar no gênero conferência. Gosto muito mais do diálogo, do bate-papo, da conversa. Pediram-me o tema: “O Espírito Santo no meio dos movimentos sociais e nas comunidades de Igreja”.

Preparei um texto e hoje pela manhã, subi no palco para enfrentar o desafio. Na hora em que me deparei com aquele auditório de mais de 200 pessoas de todos os países e para ouvir minha palestra sobre o Espírito Santo, deixei de lado o texto e conversei de coração aberto sobre minha experiência pessoal e como tenho contemplado e experienciado o Espírito Santo em meio à caminhada das comunidades, na minha inserção nas comunidades de Candomblé e nas comunidades de base.

Uma coisa simples, simples, sem novidades, mas de coração. Notei que todo mundo gostou. Talvez, o gesto de ter começado por tirar as sandálias, como sinal de comunhão com os filhos e filhas da terra, o fato de ter proposto que aquele momento fosse uma oração e o tom de conversa tenham ajudado.

Depois, divulgarei o texto com vocês. Agora sim, vou voltar à sala para escutar as conferencias mais importantes que serão do Gustavo Gutierrez e Victor Codina, Depois eu conto mais.

Padre José Comblin, profeta da liberdade, é recordado no Nordeste

Uma boa iniciativa que temos no Nordeste é que cada ano um grupo ligado às pastorais sociais fazem uma Semana Teológica em homenagem e na memória do padre José Comblin, desde que esse partiu para o Pai (2011).

Nesses dias, aconteceu a quinta dessas semanas teológicas com alguns dias de reflexão em algumas comunidades e setores de base e um encerramento com todos/as os/as participantes em uma livraria do centro da cidade. E dessa vez, o grupo pediu a mim para assessorá-los junto com um teólogo-irmão, homem de Deus, pastor da Igreja Batista. Nós falaríamos na manhã do encerramento do evento.

O tema dessa semana foi “Por uma Igreja serva da humanidade e da terra, nossa casa comum”.

De fato, acordei de madrugada e fui de carro para essa cidade. Ao chegar no local, um dos companheiros presentes me contou que o arcebispo tinha mandado um recado para ele:
– Não dou permissão que Marcelo Barros fale na minha diocese.

Respondi ao companheiro:
– Não preciso da permissão dele nem de ninguém para falar em local público (uma livraria). Não é em uma Igreja ou sacristia ou convento. Ele é bispo, mas não é dono da cidade. Além disso, meu compromisso é com as comunidades pobres do povo de Deus.

Entrei, sentei-me à mesa com o pastor e fizemos o encontro durante toda a manhã que foi ótimo. O pastor salientou a herança que Comblin nos deixou em quatro pontos:
1 – Uma teologia inserida na realidade e com gosto de amor.
2 – A meditação e aprofundamento sobre o Espírito Santo.
3 – A missão da Igreja no mundo como serviço.
4 – A relação da Igreja com a ecologia e o cuidado com a criação divina.

Dialoguei com ele e com o grupo a partir desses temas. Achei melhor do que puxar outros assuntos e parece que todos gostaram. Voltei para casa revigorado ao sentir que aquela sala cheia de gente vibrava em retomar a proposta da Teologia e Pastoral da Libertação.

(Obs: Não citei aqui o nome da cidade e do arcebispo para ser justo com ele, já que escutei de uma terceira pessoa e não dele próprio essa história de ele ter pretendido me proibir de falar em sua diocese. Como não me interessa tirar isso a limpo, é melhor não continuar esse assunto. Na carta aos gálatas, Paulo escreve: Pouco importa a lei e os preceitos. Foi para que sejamos livres que Cristo nos libertou).

Resumo da III Semana Teológica Pe. José Comblin

III SEMANA TEOLÓGICA Pe. JOSÉ COMBLIN
(João Pessoa, 22, 23 e 24 de outubro de 2013)

Dia 22 de outubro

O tema geral da III Semana Teloógica, fruto da fecunda experiência das Jornadas Comunitárias do campo e da cidade, é “O Espírito Santo e a Missão: o protagonismo das Juventudes”, que passou a ser tratado mais diretamente, a partir do segundo dia, tanto nos painéis como nas exposições dialogantes, com distintos focos: gênero, geração, compromisso sócio-ambiental e formação.

O primeiro dia desta III Semana Teológica Pe. José Comblin, considerando a inspiradora figura de tal iniciativa, teve como foco a apresentação do livro póstumo do Pe. José Comblin, O Espírito Santo e a Tradição de Jesus, feita por Mônica Muggler (tendo destacado o processo de construção das distintas versões ligadas pelo autor do mesmo livro) e por Eduardo Hoornaert (atendo-se mais diretamente ao conteúdo do livro).

Como ocorreu no início e no encerramento de cada noite desta Semana Teológica, graças à animação de Marcelo, de Rita, de Pe. Carlos (com violão e flauta) e de outros integrantes da Rede Celebra, de Santa Rita – PB, os participantes foram convidados a vivenciarem um denso momento de espiritualidade, com cânticos, rito da luz, gestos simbólicos e invocação do Espírito Santo, todos sendo convidados a cantar o refrão “Não deixem cair a profecia”, uma das últimas palavras pronunciadas por Dom Helder Câmara, correspondendo ao conhecido apelo paulino: “Não extingais o Espírito Santo. Não desprezeis as profecias.” (1 Ts 5, 19-20).

Coube a Aparecida Paes Barreto (Cida), do Grupo Kairós/Nós Também Somos Igreja, e a Pe. Hermínio Canova, do Grupo Igreja dos Pobres, em nome dos demais grupos organizadores da III Semana Teológica Pe. José Comblin,fazerem a abertura da III Semana. Cida cuidou de dar as boas-vindas a(o)s participantes, bem como fazer uma breve recapitulação das Semanas Teológicas precedentes, enquanto o Pe. Hermínio Canova sublinhou o caráter da primeira noite, acenando para a tarefa confiada a Eduardo Hoornaert e Mônica Muggler, de apresentarem o já referido livro póstumo do Pe. José..

Em seguida, Cida retoma a palavra, para chamar à mesa os expositores da noite, o historiador e teólogo Eduardo Hoornaert e a missionária e coordenadora das Escolas de Formação Missionária, Mônica Muggler.

MÔNICA MUGGLER

Mônica iniciou felicitando os grupos organizadores da Semana Teológica pelo empenho e persistência na promoção desta iniciativa. Forneceu, de passagem, vários informes sobre livros e artigos reunidos no Memorial Pe. José Comblin, em Santa Fé (Solânea), de onde estava vindo há poucos dias, e onde, em meio a cerca de quatrocentos artigos lá reunidos, pôde revisitar alguns textos do Pe. José, escritos nos anos 60, que muito a impactaram por sua reconhecida atualidade.

Já acenando para o livro póstumo, “O Espírito Santo e a Tradição de Jesus”, lembrou que, dentre os mais de 70 livros escritos por Pe. José, a grande maioria resultou de convites e encomendas que lhe faziam, para atender a distintas necessidades e aspirações editoriais e pastorais, enquanto apenas uma pequena parte – uma meia dúzia – é que tinha brotado genuinamente de sua iniciativa (“Tempo da Ação”, 1982; “A Força da Plavra”, 1986. “Vocação para a Liberdade”, 1998; “O Povo de Deus”, 2002; “Vida em Busca da Liberdade”; “A Profecia na Igreja”).

Quanto ao livro póstumo, “O Espírito Santo e a Tradição de Jesus”, surgiu de uma pergunta de uma pessoa do Grupo que costumava reunir-se mensalmente em sua residência, em Bayeux, indagando-o sobre por que ele ainda não havia escrito um livro expressamente voltado sobre a ação do Espírito Santo na Igreja.

Aceita a provocação, ele cuida de redigir o livro, que acabou recebendo distintas versões, alcançando cinco diferentes versões, uma das quais sumiu do seu computador, graças a uma tecla equivocada sobre a qual havia pressionado…

Era o estilo de Pe. José dificilmente contentar-se com uma única versão. Costumava refazer seu caminho de redação, buscando aprimorar, mas sem reeditar o já escrito.

Em março de 2011, ainda não havia acabado o livro, por força de viagens e deslocamentos frequentes que precisou fazer, implicando interrupção de sua rotina de produção. Esperava publicar seu livro no final de 2011. O fato é que veio a ter sua páscoa em 27 de março de 2011, deixando inacabada sua obra.

Com a crescente expectativa de que o livro fosse publicado (agora, postumamente), emergia a pergunta: publicar, sim, mas qual das versões? Em conversas com pessoas próximas, inclusive Dom Frei Luiz Cappio, bispo de Barra – Ba, que acolhera Comblin e Mônica na Diocese de Barra, foi aconselhada a publicar todas as versões, tal como sucedera no processo semelhante ao que os franciscanos fizeram em relação aos escritos de Francisco de Assis.

Difícil, porém, resultou a aceitação por parte da Editora Paulus (na qual o autor vinha publicando suas obras, já havia algumas décadas). Foi comunicado pela Editora que só publicaria um determinado número de páginas, insuficientes para a assegurar a publicação de todas as versões.

Sendo assim, ela resolveu recorrer à Nhanduti Editora, de São Paulo, que aceitou publicar todas as versões e mais uma apresentação feita por Dom Cappio, além da introdução explicativa feita pela própria Mônica.

Enquanto relatava esse processo, Mônica também foi feliz ao ilustrar várias passagens de sua fala com situações e testemunhos acerca do estilo do Pe. José Comblin.

EDUARDO HOORNAERT

Antes de ater-se ao conteúdo do livro, fez algumas observações preliminares. Deu a conhecer a recente aparição, em Flamengo, na Bélgica, graças a iniciativa de amigos de Pe. José, de um livro contendo textos diversos de Comblin, Exemplar que presenteou a Mônica. Também, informou que, ainda na Bélgica, deve sair até inícios de 2014, um outro livro sobre Comblin, em Francês, trazendo, inclusive, vários artigos de teólogos brasileiros e de outros países, que ele próprio, Eduardo, já havia incluído e publicado em uma coletânea organizada pelo mesmo. Observou que ouviu desses amigos belgas a afirmação de que Pe. José, considerando o longo tempo vivido fora de sua terra, é aqui ainda um desconhecido…

Sobre o livro, discorreu sobre diferentes aspectos das versões, atendo-se mais diretamente a um aspecto, já analisado na coletânea que ele organizara, de autoria do teólogo Jung Mo Sung, que se concentra fundamentalmente na questão geracional em Comblin.

Trata-se de tema recorrente em obras precedentes, especialmente em seu O Provisório e o Definitivo (publicado pela Editora Herder, São Paulo, em 1968) no qual sustenta a tese de que cada geração é autônoma para propor e trabalhar sua perspectiva teológica específica, sem amarrar-se a autores de gerações precedentes.

Enquanto expunha seus comentários, também trazia questões candentes, a exemplo da apresentação que o próprio Comblin, em seu livro póstumo, lembrando, por exemplo, a aurora da Teologia da Libertação, quando ainda esta nem nome próprio tinha (dado por Gustavo Gutiérrez, em seu conhecido livro, de 1971/72). Ainda em meados dos anos sessenta, Comblin fazia parte de um pequeno grupos de teólogos iniciadores da Teologia da Libertação, do qual também faziam parte, entre outros, Juan Luiz Segundo, Segundo Galilea, Gustavo Gutiérrez.

Comblin tinha um estilo desinstalador. Mesmo em relação à Teologia da Libertação, aqui, ali, provocava situações de questionamento, inclusive entre seus colegas teólogos, como, por exemplo, em relação à tendência dominante de se lidar com categorias marxistas, ainda que tivesse conhecimento e apreciasse a obra de Marx.

Outro ponto tocado em sua fala, tem a ver com a posição de Comblin quanto a tratar a Tradição de Jesus como idêntica a um Messianismo, ainda que a Tradição de Jesus se valha de posições messiânicas do Judaísmo para extrair lições.

Após a exposição de Eduardo, seguiram-se várias intervenções da parte dos participantes, num fecundo exercício dialógico, inclusive com a participação e presença na abertura e nas intervenções de irmãos de distintas Igrejas reformadas, conferindo o tom ecumênico do Encontro, umas de suas marcas mais expressivas.

Dia 23 de outubro

O segundo dia III Semana Teológica Pe. José Comblin repartiu-se em três momentos que se interpenetram: durante a manhã, tivemos o desdobramento do tema geral da Semana (“O Espírito Santo e a Missão: o protagonismo das Juventures”) trabalhado com distintos focos: ecumenismo, gênero, compromisso sócio-ambiental e formação, todos perpassando a dimensão geracional. Na parte da tarde, além da continuidade desse momento de aprofundamento, tivemos a participação dos integrantes do recém-criado Núcleo de Estudos Pe. José Comblin, da UNICAP (Universidade Católcia de Pernambuco) e dos organizadores da Revista eletrônica Paralelluls; enquanto na parte da noite, o mesmo tema geral foi trabalhado, nas exposições dialogantes, sob o prisma do ecumenismo.

Manhã

Inicialmente, o Pe. Hermínio Canova, após convidar os presentes a um Oração, cuidou de explicitar a programação do dia, bem como propor algumas alterações na Programação, em função das circunstâncias e do número de participantes, sugerindo, inclusive, converter o formato oficinas em sucessivos painéis apresentados no mesmo auditório. Uma vez sugeridas, discutidas e acordadas tais sugestões com os presentes, Pe. Hermínio prosseguir sua introdução aos trabalhos da primeira manhã.

Tomando em consideração, especialmente, o fato de que várias pessoas presentes não haviam podido comparecer, no primeiro dia, convidou Alder Júlio a rememorar, em breves traços, como se havia desenrolado a primeira noite da III Semana Teológica, inclusive oferecer alguns elementos sobre como se havia construído o processo de organização da III Semana Teológica, graças ao protagonismo propiciado pelas Jornadas Comunitárias vivenciadas junto às comunidades rurais (região de Café do Vento, Sobra – PB e adjacências) e e urbanas (Alto das Populares, Santa Rita – PB). Feita tal rememoração, passou-se a convidar os/as responsáveis pela coordenação/animação dos três painéis, iniciando-se pelo Painel sobre os desafios sócio-ambientais e nosso comprimsso de cristâ(o)s especialmente em relação à convivência com o Semiárido brasileiro.

Primeiro Painel: Desafios sócio-ambientais e compromisso com a convivência com o Semiárido: Cecília Gomes (CPT/Cajazeiras), Joandro Gomes (CPT/Cajazeiras), com a colaboração de Vandeildo (da CPT, do Pajeú de Pernambuco)

Amparada em recursos do Powerpoint, Cecília iniciou sua uma exposição lúcida e didática sobre os desafios do Semiárido, recuperando elementos históricos, em âmbito internacional, especialmente a partir do final da Segunda Guerra Mundial, desde quando surge a famigerada “revolução verde” (que Pe. Tiago prefere chamar de “pacote verde”), com o propósito das grandes corporações de aplicar na agricultura as fartas reservas de substâncias químicas que sobraram do intensivo uso deles feito para a destruição dos inimigos. Finda a Segunda Guerra Mundial, essas grandes empresas trataram de aplicar na agricultura esses venenos, com a alegação de assegurar alimentos para as populações famintas, por meio da intensificação da lógica da produtividade através da aceleração artificial dos ritmos próprios do processo de produção agrícola.

No contexto dessa evolução é que se vai expandindo o hidro-agronegócio em todo o mundo. Também no Brasil e no Nordeste. Isto vai se traduzir no privilegiamento dos monocultivos (soja, cana, eucalipto, etc.) e da pecuária, em detrimento da diversificação de lavouras, tão característica da cultura camponesa e da agricultura familiar, cujas terras vão ser convertidas (inclusive pelo processo de grilagem, de expulsões dos trabalhadores e trabalhadoras de suas terras) em crescentes áreas de monoculturas, implicando em graves e crescentes danos à Mãe-Natureza e a toda a comunidade de viventes.

Desse processo vão resultar conflitos de toda sorte, assassinatos de trabalhadores e trabalhadoras, expulsões, conversão de extensas e crescentes áreas de plantações diversificadas como milho, feijão, mandioca, legumes, frutas, etc. em monoculturas, com sua vasta gama de danos sócio-ambientais, também no Semiárido.

Cecília e Joandro, com a efetiva contribuição de Vandreildo, também destacaram, sobretudo, várias formas de resistência e de iniciativas fecundas dos trabalhadores e trabalhadoras, em diversos Assentamentos do Alto Sertão da Paraíba e do Vale do Pajeú, em Pernambuco, a darem prova do que são capazes, no cuidado do solo, das sementes, no uso do solo, no emprego de tecnologias alternativas de efetiva convivência com o Semiárido. No rico material videográfico trazido por Cecília e Joandro, chamava particular atenção o tópico intitulado “Decifrando a Natureza”, como um modo de compreensão mais funda dos ritmos e da dinâmica da Mãe-Natureza, como condição de contribuir positivamente, inclusive, para uma saudável convivência com o Semiárido.

Enquanto Cecília e os demais jovens faziam suas apresentações, ia-se desenvolvendo entre as pessoas presentes no auditório do Centro de Educação da UFPB um caloroso debate, com questionamentos e intervenções dialogantes.

Segundo Painel: como se dá o processo formativo das Juventudes (Jeane Tranquelino, CEBs de Mamanguape)

Jeane começou por se apresentar. É professora, atuando em Mamanguape. Segue acompanhando de perto as lutas e o processo formativo dos jovens da região. Desde o final dos anos 90, passou por um processo de formação que a tem marcado profundamente, seja pelos cursos que recebeu no Centro de Formação Missionária (em Serra Redonda), depois também na Fundação Dom José Maria Pires, sempre acompanhada por educadores de referência da região, como Raimundo Nonato (CFM e Fundação Dom José Maria Pires), João Baitsta (da Fraternidade do Discípulo Amado, Sítio Catita, Colônica Leopoldina – AL).

Desde sua inserção na PJMP (Pastoral de Juventude do Meio Popular), bem como na CPT (Comissão Pastoral da Terra) e nas CEBs, tem-se convencido da importância desse processo formativo, destacando sobretudo aspectos tais como:
– a permanência/continuidade: quem passa por ele processo fica marcado durante toda a vida;
– o despertar da consciência cidadã, a partir do compromisso com os pobres;
– a promoção do protagonismo: todos se sentem chamados a participar do processo, de suas decisões.

Atualmente, vem acompanhando mais de perto os preparativos das CEBs da Arquidiocese da Paraíba, em direção à sua participação no XIII Intereclesial, a realizar-se em janeiro de 2014.

À semelhança do que se deu no painel precedente, a apresentação didática e objetiva por parte de Jeane, a compartilhar sua experiência formativa de jovem, suscitou diversas intervenções da parte das pessoas participantes.

Na parte da tarde

Tinha sido acordado que, devido ao tempo, o terceiro painel seria vivenciado na parte da tarde, seguida dos informes e propostas dos participantes vindos de Recife, mais precisamente da UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco). E assim foi.

Terceiro Painel: O protagonismo das mulheres nas Igrejas cristãs (Artur Peregrino)

Artur Peregrino começou explicando que o convite inicial para essa oficina (agora convertida em painel) tinha sido feito conjuntamente a Maria das Dores (Dorinha), de Santa Rita, e a ele próprio. Impossibilitada, Dorinha, de comparecer, ele teve que assumir sozinho a condução do Painel, reconhecendo que, até pelo tema, teria sido melhor a condução por parte das mulheres. Mas, por outro lado, estava confiante em que se trata de estimular a participação e o protagonismo de todos os presentes.

Para desencadear a discussão, partiu como referência de três nomes de mulheres teólogas feministas: Ivone Gebara, Elsa Támez e Maria Lopez Vigil. Lembrou que, em entrevista concedida a jornalistas, quando de seu retrono do Brasil (Jornada Mundial da Juentude), o Papa Frncisco acenou para a necessidade de se produzir uma “teologia da mulher”. Declaração que desagradou algumas teólogas feministas, como Ivone Gebara, que lamentou que, depois de tanta produção no campo da teologia feminista, o Papa Francisco dela ainda não tenha toma conhecimento…

A partir dessas referências, Artur passou a propor distintos trechos de citações, com o propósito de, em sua expolisção, ir problematizando situações concretas indicadoras da importância efetiva das mulheres nas igrejas cristãs, o que contrasta ainda largamente com o lugar decisivo nelas ocupado. Situações a indicar uma ampla hegemonia de relações patriarcais (nas igrejas e nas sociedades), ignorando o fato de que nem sempre foi assim, como sublinha Rose Marie Muraro, em seus estudos.

Como sinais de resistência e de avanço, tanto Artur como outras falas (masculinas e femininas) apontaram exemplos concretos de como, em muitas comunidades pelo mundo afora, as mulheres vêm tomando iniciativas de autonomia, inspiradas numa releitura popular da Bíblia, fazendo surgir atitudes e iniciativas inovadoras para além das balizas permitidas pelo Vaticano. É o caso de sucessivas notícias de como as mulheres vêm passando a assumir a responsabilidade de presidirem, em suas comunidades, à memória da Ceia do Senhor, abençoando, inclusive, o pão e o vinho, de forma comunitária, além de várias outras celebrações.

Informes dos integrantes do recém-fundado Núcleo de Estudos Pe. José Combin, da UNICAP, bem como da Revista eletrônica Paralellus

Foram convidados à mesa cinco pessoas integrantes do Núcleo de Estudos Pe. José Comblin e de responsáveis pela revista eletrônica Paralellus, da UNICAP

Após apresentação, o Prof. Gilbraz cuidou de informar aos presentes sobre a biblioteca doada por Pe. Comblin à UNICAP, após certificar-se, não apenas da qualidade das instalações e dos cuidados especiais que a UNICAP assegura aos doadores, mas também as condições de atendimento ao público interessado. O Prof. Gilbraz também forneceu informações sobre o uso da biblioteca pelos pesquisadores e pelo público em geral.

Informou, igualmente, da recente criação do Núcleo de Estudos Pe. José Comblin, destacando seu caráter, seus objetivos, seu funcionamento, bem como sobre o grupo de componentes, com reuniões mensais, no prédio da Pós-Graduação em Ciências das Religiões.

Com a contribuição das demais pessoas que se apresentaram, informações também foram prestadas sobre a revista eletrônica Paralellus, cujo primeiro número foi dedicado ao legado do Pe. José Comblin. Tanto da revista quanto do Núcleo, foi informado ainda o endereço eletrônico onde podem ser encontrados mais detalhes:
http://www.unicap.br/comblin/

Na fala do Pastor Paulo César Pereira, integrante da mesma Equipe, foram apresentadas propostas instigantes de parceria com outros Grupos que se dedicam ao estudo do Pe. José Comblin. Podem ser conferidas no enderço eletrônico acima. Da Equipe também partiu a sugestão de um rodízio de sede da realização das Semanas Teológicas Pe. José Comblin. Propostas que pediram que o Grupo Kairos e outros parceiros analisassem para uma resposta posterior.

Na parte da noite

Como na noite precedente, coube aos integrantes da Rede Celebra, de Santa Rita, animar o momento especial de espiritualidade, no início e no encerramento da noite, com uma proposta litúrgica bem afinada ao espírito combliniano, em seus cânticos, em sua simbologia, em sua faz na primazia dos pobres, dos mártires. A Oração foi pronunciada pelo Pastor Sadraque, que esteve acompanhado de irmãos e irmãs da Igreja Betesda.

Foi, em seguida, passada ao Pe. Josenildo Lima a incumbência de coordenar os trabalhos da segunda noite. Fez uma oportuna contextualização dos desafios hoje colocados, bem como de iniciativas proféticas em curso, seja ao interno seja ao externo das igrejas cristãs. Em seguida, anunciou o tema da noite, com enfoque sobre o ecumenismo, e passou a chamar à mesa e a apresentar os convidados da noite: a Profa. Eunice Simões Gomes, da Pós-Graduação do Curso de Ciências das Religiões da UFPB, membro da Igreja Presbiteriana, e do Pe. Francisco de Aquino Júnior, teólogo e presbítero trabalhando como professor na Universidade Católica do Ceará, em Fortaleza, ofício que concilia com seu trabalho de animação junto a pastorais sociais e a movimentos sociais , inclusive a Pastoral do Povo da rua.

Profa. Eunice Simões

A partir do tema proposto, “O Espírito Santo e a Missão: o protagonismo das Juventudes”, e após suas palavras iniciais, prestadou homenagem ao Pe. Comblin, relembrando seu encontro marcante com ele, especialmente pela forma como a recebeu: “Em que posso servi-la?”, demonstrando acolhimento, disposição de servir e humildade. Antes de desenvolver sua reflexão sobre o tema proposto, Eunice propôs a(o)s presentes assistirem a um breve vídeo, com cenas que evocavam aspectos do tema. Passou, então, a distribuir su fala em quatro pontos, dentre os quais o sentido devocional em relação ao Espírito Santo, a dimensão meditativa, a dimensão comunitária.

Em cada uma das quatro dimensões contempladas, buscou combinar uma fundamentação bíblica (especialmente nos Salmos, mas também em outros livros) com ilustrações de situações existenciais concretas, a partir também de sua experiência como mãe, ao lidar com a educação de seus filhos – em especial a filha jovem, junto com o esposo.

Por meio desses exemplos, fazia notar o tamanho do desafio de se lidar com as diferentes expressões dos jovens de hoje, dada a complexidade e implicações concretas de um mundo globalizado, cuja grade de valores vai em direção contrária à que corresponde ao Reinado de Deus.

Pe. Francisco de Aquino Júnior

Ateve-se mais diretamente ao enfoque ecumênico do tema proposto. Ao situar as dificuldades de se fazer ecumenismo, hoje, acentuou os equívocos decorrentes do fato de se tratar ecumenismo mais como um discurso (“diálogo”) do que como práxis. Daí sua opção por começar situando as balizas de sua fala, a partir de seu propósito de situar, em grandes linhas, os desafios da vivência do ecumenismo, hoje, na América Latina. A partir daí, cuida de examinar distintas situações concretas fazendo aparecer tais entraves. Por último, foca a proposta de um ecumenismo de base forumalada por Júlio de Santana, uma referência latino-americano, inclusive pela sua reconhecida contribuição em um dos títulos do Projeto “Teologia e Libertação”, do qual participa justamente na abordagem do ecumenismo, em seu livro intitulado Ecumenismo e Libertação: reflexões sobre a relação entre a unidade cristã e o reino de Deus, publicado pela Vozes, em 1991.

Parte da convicção de que o que mais une os cristãos não é seu “diálogo” abstrato e formal em cima eventuais convergências doutrinárias, mas quando eles/elas se engajam na luta pela justiça e pela defesa “do órfãos, da viúva e do estrangeiro”, quando abraçam para valer o Reinado de Deus e sua justiça, desde a perspectiva dos pobres, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, das vítimas de homofobia, das mulheres, vítimas cotidianas da violência doméstica.

Daí a importância de não se fundar o trabalho ecumênico no discurso das doutrinas, mas na práxis do compromisso com a causa libertadora dos pobres. Nessa direção é que aponta a proposta de ecumenismo de base, feita por Júlio de Santa Ana, em escala latino-americana.

Seguiu-se a essas exposições um fecundo debate, com várias intervenções e questionamentos levantados aos expositores, a começar pelo Pe. Josenildo e graças à sua mediação.

No encerramento da noite, vota para a Rede Celebra a incumbência da celebração final. Aqui surge uma bela jovem vestida com roupas alusivas à paz, a dançar, ao ritmo da bela melodia, composta por Zé Vicente: “É bonita demais/ É bonita demais/ A mão de quem conduz a bandeira da paz”.

Dia 24 de outubro

Manhã

Como estava previsto, foi realizado o II Encontro de Jovens Teólogos e Teólogas do Nordeste, mediado pelo Pe. Josenildo, que após a abertura, solicitou uma roda de apresentações.

Pe. Hermínio Canova fez um breve relato do que havia sido o I Encontro de jovens teólogos e teólogas do Nordeste, realizado por ocasião da II Semana Pe. José Comblin. Tendo em vista a diversidade de perfis presentes no Encontro, pelo Pe. Francisco de Aquino Júnior e outros foi lembrado que, sob certo aspecto, todos/todas são teólogos/teólogas, havendo aquelas/aquelas que se dedicam ao oficio, de modo mais orgânico, no sentido mais acadêmico.

Várias falas foram expressas, em especial sobre as grandes inquietações e desafios que cercam a caminhada do Povo de Deus, hoje, em especial ao interno da Igreja Católica.

Foram socializados pelos respectivos autores suas obras mais recentes, como o fez o teólogo Francisco de Aquino Júnior, com vários trabalhos publicados, seja como autor singular, seja em coautoria. De modo semelhante, também o Pe. Josenildo socializou entre os presentes informes sobre recente publicação de um artigo seu, refletindo sobre os desafios das CEBs.

Muito importante, também, a contribuição de Ulisses, informando sobre dois números do CEBI, um dos quais trazendo reflexões instigantes sobre as recentes manifestações populares, no Brasil, com um olhar teológico.

Tarde

Na parte da tarde, a programação constou basicamente da projeção de dois vídeodocumentários:
– “Vidas Cheias”: apresentado o intenso verde e a exuberante produção agroecológica do alto Sertão, graças ao tratamento alternativo que se tem com a Mâe-Terra, em franca contraposição à lógica de Mercado característica do hidro-agronegócio;
– “Escola Família Agrícola Dom Fragoso, situada em Independência – CE; apresentando um processo formativo contextualizado, alternativo à lógica da escola convencional, à medida que se promove o protagonismo de todos os formandos, educando-os, seja no tempo chamado “sessão-escola”, seja na “sessão-comunidade”, com base no trato agroecológico, no compromisso de convivência com o Semiárido, bem como em orgânica interação com as famílias e comunidades de onde vêm os formandos.

Os videodocumentários suscitaram viva discussão sobre diferentes cenas neles observadas. Discussão que se ampliou a partir da pertinente e oportuna provocação feita pelo Pe. Francisco de Aquino Júnior: “O que tudo isso tem a ver com Teologia?” Em ressonância à provocação de Júnior, foi dito que os documentários permitiam uma (re)leitura da Criação, especialmente quanto aos cuidados (não tanto “domínio”) com a Mãe-Natureza. Permitiam um olha cristológico, mais atento às relações horizontais, de igualdade, de respeito à diversidade. Permitiam, sobretudo, um olhar pneumatológico, atento à ação do Espírito Santo no mundo e nas relações sociais.

Em seguida, foi a vez do jovem Poeta João Muniz nos brindar com a recitação de suas belas poesias sobre as gentes do campo, suas lutas, conquistas e esperanças. Mais: João Muniz, ao seu violão, também nos apresentou número especial por ele executado.

Noite

Pela iniciativa de Marcelo, sempre acompanhado de outros integrantes DA Rede Celebra, de Santa Rita, inclusive ao som do violão e da flauta, deu-se início ao momento de espiritualidade, com cânticos (“Não deixem cair a profecia” e com a leitura do Evangelho (Lc 4, 14-21).

Em seguida, o moderador da noite, Vanderlan, da Comissão Organizadora da III Semana, após explicitar o sentido das reflexões desta última noite, chamou à mesa o Pe. Hermínio Canova, da CPT e formador de várias comunidades rurais em torno de Sobrado – PB; a missionária Fátima Quirino, membro da Equipe de Coordenação da Escola de Formação Missionária de Mogeiro; e o casal Domitila Rodrigues e Tiago, ambos militantes do Movimento das Comunidades Populares, todos com a tarefa de relatar suas respectivas experiências de formação.

Pe. Hermínio Canova

Relata experiências de formação de jovens cristãos do meio rural, nas adjacências de Café do Vento (ou Antas do Sono), município de Sobrado – PB. Nessas comunidades de jovens do campo, foram realizados dois tipos de formação: um tendo a ver com demandas profissionais, atendendo às necessidades de inserção profissional, enquanto o outro ciclo de formação dizia respeito mais diretamente às demandas de formação cristã, de humanização.

No primeiro caso, foram oferecidos vários cursos profissionalizantes, conforme o interesse dos cursandos, com uma gama de opções atinentes a distintos ofícios dos jovens do campo.

No segundo caso, cerca de quarenta jovens tiveram a experiência formativa do Curso Básico, experiência do Curso da Árvore, por vários anos sendo oferecido a dezenas de jovens do meio popular, dentro da pedagogia combliniana. O Curso Básico consiste na feliz combinação entre conteúdos e metodologia. A partir de sete temas-chave (Igreja-Comunidade; o mundo dos pobres; Missão; Vocação; Oração; Ministérios; Povo de Deus), cada um vivenciado num final de semana por mês, os formando passam a trabalhar cada um desses temas-chave, recorrendo (em cada final de semana de atividades) a oito passos: oração, motivação (a partir da simbologia da árvore), troca de experiências, caixa de retratos (aprofundamento de textos bíblicos sobre o tema em foco), a vida de um santo, documentos da Igreja, nossa ação e celebração de encerramento.

Após o Curso Básico, foram trabalhados com essas comunidades um curso de Cristologia, outro de História da Igreja e, ainda em curso, um sobre Liturgia.

Fátima Quirino

Relatou a experiência formativa das Escolas de Formação Missionária, criadas pelo Pe. Comblin, espalhadas pelo Nordeste (Na Bahia: em Juazeiro e na Barra; em Pernambuco: em Floresta e em Nazaré da Mata; na Paraíba: em Mogeiro; no Piauí: em Esperantina).

Destacou os conteúdos aí trabalhados, dentre os quais Bíblia, Realidade Social, Liturgia, Dinâmica de Grupo, Aconselhamento… Tão importante quanto a parte dos conteúdos, é a metodologia seguida, fundada no protagonismo de todos, na formação para a Liberdade por caminhos de Liberdade, o compromisso com a causa libertadora dos pobres, o incessante acompanhamento dos formandos, mesmo depois de findo o período de formação presencial. Quem passa por essa experiência formaiva, segue nela e com ela comprometido pelo resto da vida.

Domitila e Tiago

Empregando recursos visuais, Domitila e Tiago iniciaram sua fala sintetizando a história do Movimento das Comunidades Populares (MCP), sucedâneo da JAC (Juventude Agrária Católica), do MER (Movimento de Evangelização Rural), tendo passado ainda por outras denominações, até chegar ao atual MCP.

Está organizado em todas as regiões do País, em um número considerável de Estados. Seus militantes trabalham colados às lutas populares do campo e da cidade. Enraizam-se nas comunidades, promovendo iniciativas de organização de base, em distintos setores da vida (eduação cultura, espportes, saúde, trabalhos artesanais, mecanismos de investimento coletivo, com propósito de autonomia financeira e política frente ao Mercado, ao Estado e outras estruturas institucionais.

Mantém dois jornais: um dedicado mais diretamente ao público adulto (“A Voz das Comunidades”) e outro dirigido mais explicitamente ao público jovem (“A Voz da Juventude Popular”). Esses veículos não são apenas informativos, servem como ferramenta de formação entre seus membros.

Em Santa Rita, no Alto das Popualres, fica a sede do MCP, onde também funciona a Escola do MCP, com espírito alternativo à educação convencional. Além disso, há um sem número de atividades organizadas pelo MCP com os jovens do bairro, abrandendo desde cultura, educação, esportes, artes, comemorações especiais.

Uma vez travado um bom debate em cimas das experiências relatadas, o moderador Vanderlan passou o microfone a Alder Júlio, para uma palavra de encerramento. Tratou de chamar os participantes a uma ação de graças pelo que foi densamente vivenciado nesses três dias. Também, agradeceu a quantos contribuíram para a realização da III Semana, desde os grupos parceiros na organização, às comunidades que protagonizaram as Jornadas, passando pelos convidados e por todos os participantes desta III Semana Teológica Pe. José Comblin.

Coube aos animadores e animadoras de Rede Celebra a grata tarefa de encerrar a celebração da noite, com a oração do Pai Nosso, e com a bênção final pelas mãos da Missionária Fátima Quirino, ao que se seguiram os abraços de paz.

Nota: O propósito do resumo é de fornecer a muitas pessoas (de perto e de longe) que não puderam comparecer à Semana, alguns elementos informativos de como transcorreu esta experiência. Trata-se, como se percebe, de um resumo aproximativo, feito sem tomada de notas nem consulta prévia aos expositores e expositoras, sujeito, portanto, a falhas, imprecisões e omissões.