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Paulo Freire vagueia no Universo atiçando as centelhas da Utopia.

Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Paulo vive nas lutas do seu Povo
Por trabalho, por terra, por justiça
Belos sonhos eu ele nos atiça
De forjar, desde agora, um mundo novo
Irrompendo, qual pinto sai do ovo
Nos instiga a mexer com a fantasia
Que o Espírito de Luz nos irradia
Das infindas galáxias surge emerso
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Recordando seus textos principais
É possível se ter u´a foto sua
De erudito, profeta, homem da rua
De filósofo, de sábio perspicaz
A lutar por justiça e pela paz
Pedagogo da Fé, da rebeldia
Contra quem do oprimido tripudia
Pretendendo mantê-lo bem disperso
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Educar praticando a Liberdade
É lição número um a se aprender
Avivando a fagulha em cada ser
Contagiar mais pessoas sim, quem há-de?
Trabalhando no campo ou na cidade
O Oprimido tem sua Pedagogia
Como classe, é aí que se inicia
Um caminho instigante e controverso
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Mais que ler as letrinhas do alfabeto
Educar é sinônimo de mudança
Que um olhar penetrante sempre alcança
Entre as nuvens de um tempo tão repleto
De falácia, arrogância e desafetos
Algo novo que emerge em rebeldia
Só mudando o sistema é que se cria
Desse estado de coisas o reverso
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Se importante é o ato de se ler
Também é o trabalho de Extensão
Quando a troca se dá, não é em vão.
Aprendendo e ensinando com prazer
Comunica a todos o saber
Todos dão e recebem, com alegria
Ganham todos, e tudo se avalia
Se respeitam saberes mais diversos
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Ensinou ser vida na escola
Expressão do viver de nossa gente
Um espaço a pensar o que se sente
Que as fronteiras da sala extrapola
Vai beber da herança quilombola
O legado indígena concilia
Sobrevive com arte a travessia
Do invasor põe em prática o lado inverso
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Uma ação cultural é necessária
Liberdade é bandeira essencial
A um projeto que enfrente o Capital
Em batalha travada em qualquer área
Até mesmo no camp´ Reforma Agrária
Quando encara, resiste ou negocia
Do peão fala alto a ousadia
Quando enfrenta o gigante mais perverso
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Pés de jambo, jaqueiras, goiabeiras
Nos quintais de recife existem tantos
Testemunhas de sonhos e de encantos
Pois as árvores têm feições fagueiras
Muita vez Paulo à sombra das mangueiras
Introspecto em seu mundo, refletia
Que, somente se inspira rebeldia,
O passado não é tempo adverso
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.
Formação na esperança, passo urgente
Cidadãos bem autônomos educar
Na cidade, na roça, desde o lar
Quem e cala ante o mal, foge, consente
Venha, então, engrossar essa corrente
Contrapondo o Trabalho à sangria
Da pilhagem burguesa que se amplia
Você acha que brinco ou desconverso?
Paulo Freire vagueia no Universo
Atiçando as centelhas da Utopia.

O Estado burguês é amoral. Forja leis, as descumpre a qualquer hora

Eu me ponho a pensar no que seria

Se um quinto dos crimes cometidos

Pelo ator principal e seu cabido

Se de Dilma tivesse  a autoria

Quanto tempo à frente  ficaria?                                    

Michel Temer inocenta, sem demora

Bolsonaro, há seis lustros, desafora

O que dela fizeram, afinal?

O Estado burguês é amoral

Forja leis, as descumpre, a qualquer hora…

 

Formalmente, os poderes tem limite 

Nenhum deles devia extrapolar

Contrapesos e freios têm lugar

Não impedem, porém, que exorbite

Quem dos três tenha armas, dinamite

Este vai definir quem vai embora

Com apoio certeiro do Capital

O Estado burguês é amoral

Forja leis, as descumpre, a qualquer hora 

 

Abusando de farta verborréia

“Fake news” e de quadros violentos

Ganham espaço, tomam corpo,no momento

Acusando pessoas de atéias

Aos incautos vendendo panacéia

Dissidentes, não tardam a por pra fora

Sua claque irrompendo sem demora 

Seu veneno se expande, agrava o mal

O Estado burguês é amoral

Forja leis, as descumpre, a qualquer hora

 

Não se entende, em qualquer parte do mundo

Como pôde um notório insolente

Ser eleito à função de Presidente

Numa crise que gera moribundos

Escolhendo o terror como transfundo

É mamon o único deus a quem adora

Sendo os pobres suas vítimas, mundo afora

Do fascismo tem sofrendo o vendaval

O Estado burguês é amoral 

Forja leis, as descumpre a qualquer hora 

 

Da História se colha ensinamento

É em vão esperar que tudo mude 

Desde quem o almeja em ataúde

Que os “de baixo” se ponham mais atentos

E na massa se faça bom fermento

Nossa voz que tornemos mais sonora

Nosso esforço somemos, sem demora

Temperemos a terra com bom sal

O Estado burguês é amoral

Forja leis as descumprem a qualquer hora



João Pessoa, 06 de maio de 2020.

Hoje, um outro dia para lembrar o companheiro Paulo

Por Carlos Brandão
Paulo Freire
A barba branca aveludada,
a pausada fala mansa
de quem escuta e então fala
o que de um outro ele ouvia
quando, ensinando, aprendia.
E os gestos das mãos
tão largos como em festa
volteiam sobre quem esquece
como bandeira de guia.
E a sua palavra de então
chamava pra rua e a luta
quem sua fala calava.
Quem a coragem perdia.
Quem suas mãos abaixava.
Quem seu chamado esquecia!

Paulo Freire: A importância do ato de ler (PDF)

É de fundamental importância, neste tempo de ataques à educação, à ciência, às artes e à cultura, revisitar a obra do educador pernambucano que revolucionou o conceito de educação, repondo esta ação no âmbito que lhe é próprio: o da emancipação, a libertação das pessoas e comunidades, das limitações que lhes são impostas desde o poder. Recuperar o “eu posso” em toda a linha. 

O livro que aqui se disponibiliza, traz o espírito da concepção freireana da educação. Trata-se de se ler no mundo, de fazer o seu lugar na sociedade, como contraponto à ideologização manipuladora e alienante.

Leia o texto completo aqui:

https://educacaointegral.org.br/wp-content/uploads/2014/10/importancia_ato_ler.pdf

 

“Fake news,” a face informativa da barbárie: a Educação Popular como antídoto

A reflexão ora proposta dá-se em cima de questões tais como: o que representam mesmo as “Fake News”, para além de sua literalidade? O que está por trás desta estratégia deletéria intimamente associada ao paradigma da “Pós-verdade”? Por que preferem as redes sociais como seu alvo-mor? Ao lado de seus efeitos mais nocivos de fácil percepção, o que elas podem  estar também escondendo aos olhos menos avisados? De que modo entidades e forças vivas da sociedade civil vêm lidando com este fenômeno? Qual a eficácia desta estratégia de resistência de caráter fundamentalmente discursivo se e quando usada de maneira desconectada de outras dimensões do processo formativo? De que modo a Educação Popular de feição freireana, pode contribuir para uma melhor potencialização do combate às “Fake News” e ao paradigma da Pós-verdade? 

No já alongado período de mudança de época, em que vivemos sobram dilemas de monta. Um deles se apresenta sob a regência do paradigma da “Pós-verdade”. Neste horizonte os fatos já não servem como referência probatória do real. Cedem lugar ao poder ditatorial aos critérios da ética de conveniência. Verdade é apenas o que corresponde aos interesses e conveniências circunstanciais dos grupos dominantes e seus representantes. Como nunca antes, os setores hegemônicos do mundo atual se acham no direito de submeter, a seu serviço, os interesses da enorme maioria da população mundial em todas as esferas da realidade.

Nas linhas que seguem, tratamos de ressaltar o modo tirânico com que se empenham de ditar verdades, aos quatro cantos do mundo. Mais precisamente cingimo-nos às “Fake News”, de que se tem valido, cada vez mais os setores dominantes de nossa sociedade como expressão maior de sua estratégia de dominação, valendo-se especialmente das redes sociais como arma preferencial de sua guerra híbrida. Em seguida, vamos examinar de passagem, de que modo setores expressivos da sociedade civil vêm lidando com o combate às “Fake News”. Por último, trazemos algumas considerações acerca da contribuição que a Educação Popular pode oferecer a um combate mais eficaz à “Fake News”, bem como ao uso adequado das redes sociais sem abandonar nem secundarizar a prioridade do processo formativo nos espaços vitais abandonados ou subestimados pelas nossas organizações de base.

“Fake News” como a expressão mais deletéria do paradigma da pós-verdade em tempos de guerra híbrida. 

É sabido que toda época, Inclusive a nossa, é sempre, de algum modo, época de mudança. Mudança de época, todavia, quer dizer outra coisa. Acontece raramente, na história. Comporta Profundas alterações, especialmente de paradigmas consolidados. Em períodos que tais, paradigmas consolidados não apenas entram em colapso, como também resultam superados ou substituídos por outros. Estes novos paradigmas nem sempre resultam melhores do que os precedentes, mas são assumidos como hegemônicos .Vivemos uma época assim.Em nosso caso, um paradigma que vem mostrando-se hegemônico, é conhecido como o paradigma da pós-verdade neste caso, fatos cientificamente comprovado, deixam de ser entendidos como referência científica. verdade acaba tendo pouco a ver com fatos históricos, a medida que critérios subjetivos passam a ter prevalência. Verdade, neste caso, passa a ser definida como aquilo que tenha a ver com critérios subjetivos ou até obscurantistas, subordinados a interesses grupais ou de classe. verdade passa a ser aquilo que determinado grupo econômica e politicamente dominante definir, de acordo com seus interesses exclusivos. No atual cenário Mundial, prevalece amplamente o poder desses grupos, servindo a interesses econômicos e políticos nocivos à enorme maioria da sociedade.  Com efeito, fatos, acontecimentos, situações tidos como amplamente reconhecidos, passam a ser sistematicamente negados, à revelia de critérios científicos. A ciência mesma entra em colapso, conforme os critérios de verdade definidos por esses grupos hegemônicos. para tanto, estas forças hegemônicas não hesitam em recorrer a estratégias alimentadas por sua ética de conveniência, segundo a qual vale tudo, inclusive o recurso a sistemáticas mentiras. É, por exemplo, o que tem acontecido, principalmente em alguns países, tais como Estados Unidos, Inglaterra, Brasil e outros, em que figuras especiais ligadas ao atual governo dos Estados Unidos, vem sendo uma referência de peso na formulação e na implementação de políticas de desmonte aplicadas nesses países, inclusive acabando por determinar resultados eleitorais como sucedeu, por exemplo, nos Estados Unidos e no Brasil, por ocasião das respectivas eleições presidenciais. Notícias falsas formuladas por tais figuras e lançadas, por meio de algoritmos e outros mecanismos do gênero, massivamente enviadas a cidadãos e cidadãs, cujo perfil foi tomado como referência para o envio de Tais mensagens disparadas por meio eletrônico.

No caso do Brasil, essas fake News tiveram um papel, senão determinante, no mínimo, altamente condicionante, no resultado das eleições. também, mesmo após o período eleitoral, a mesma estratégia vem sendo frequentemente utilizada, tendo como destinatário preferencial o público eleitor do atual presidente.

Por outro lado, o alvo destas fake News não se restringe ao eleitorado potencial, mas ao conjunto da população, especialmente a população jovem, cada vez mais usuária das redes sociais, e, com frequência, desprovida de espaços formativos adequados que a ajudem a melhor formar sua consciência crítica de cidadãos e cidadãs.

Paradigma da pós-verdade, fake News, redes sociais acriticamente exercitados – eis apenas três das componentes deste sistema de morte, marca principal do capitalismo em sua fase mais perversa, hegemonizada pelo seu subsistema financista, em articulação com seus demais setores da economia. Diante deste quadro de obscurantismo e de constantes ataques ao planeta e a toda a comunidade dos viventes, resta às forças vivas de nossa sociedade examinarem criticamente De que modo vem reagindo a Tais ataques. é o de que trataremos, no tópico seguinte.

Como se vem dando a atuação das forças sociais no combate às “Fake News”? 

Grupos, entidades e agentes qualificados de nossa sociedade tem manifestado crescente preocupação com a gigantesca onda de fake News, disparadas massivamente, a influir negativamente sobre parcelas consideráveis de nossa população, principalmente aqueles segmentos mais vulneráveis. Encontros congressos e outras iniciativas vêm buscando formas de resistirem a essa onda há, com efeito, significativa consciência dos estragos que essa estratégia de fake News, reflexo do paradigma da pós verdade merece atenção. reconhecendo a relevância persuasiva dessas fake News, Tais entidades e grupos buscam responder a este desafio, por meio de iniciativas e experiências pela Via das redes sociais. partindo da constatação de quê os segmentos mais fragilizados de nossa sociedade são por demais suscetíveis aos efeitos das fake News a ideia predominante tem sido alcançar estes mesmos segmentos vulneráveis também por meio das redes sociais, mediante mensagens e até vídeos produzidos com o propósito de se contrapor a invasão de fake News nessas camadas populares.

Trata-se de uma iniciativa respeitável e necessária, a medida que vai sendo complementada com outras iniciativas capazes de tomar em conta outras dimensões do processo formativo, para além da Estratégia apenas discursiva. teme-se que há uma tendência a cingir-se a forma de resistência a mensagens e vídeos destinados ao público alvo das fake News. por outro lado, Vale perguntarmos: Será que a utilização exclusivamente de caráter discursivo está à altura de responder adequadamente ao desafio das fake News? até que ponto , ao lado de iniciativas de caráter estritamente discursivo, resultam suficientes para um convencimento mais sólido por parte do público-alvo? em que medida iniciativas desta ordem, uma vez não acompanhadas de outras que digam respeito também a dimensões tais como afetividade, volição, a práxis e dimensões outras componentes do processo formativo, são capazes de atender aos objetivos dessas entidades e grupos de resistência a estratégia das fake News?

Perguntas deste tipo merecem especial reflexão, principalmente do ponto de vista da educação popular, aqui considerada como uma estratégia eficaz contra os efeitos deletérios das fake News. Eis por quê no tópico seguinte, Voltaremos nossa atenção, em busca de examinar como a educação popular pode oferecer significativa contribuição a resistência mais eficaz contra as estratégias do paradigma da pós verdade, expressas pelas fake News.

A contribuição da Educação Popular à eficácia do combate às “Fake News”, para além das redes sociais. 

À parte seu designativo literal às “Fake News” constitui mesmo um fenômeno novo? Em outras palavras, até que ponto as “Fake News” não constituem uma marca registrada do Capitalismo, em sua atual fase, estratégia utilizada com propósito deletério por um lado, mas também, por outro lado, com objetivo de lançar luz sobre a ponta do “iceberg”, para ocultar a parte essencial do que não se quer mostrar?

Em busca de trazer a lume o potencial da Educação Popular, de referencial freireano, a um combate eficaz às “Fake News” e suas conexões com o paradigma da “Pós-verdade”, fazemos questão de partir de seus princípios mais relevantes, ou seja, de constatações e fecundas intuições recolhidas do processo histórico, em diferentes tempos e lugares, tais como:

– o do inacabamento ou incompleteza do ser humano: diferentemente dos demais animais, os humanos não nascem “acabados”, nas vão se completando processualmente, em seus contextos histórico-culturais, isto é, não nascem homens ou mulheres, mas vão se tornando assim no processo de humanização.

Outro fundamento teórico-prático trabalhado pela Educação Popular, diz respeito ao nó de relações (relacionalidade) característico dos seres humanos como expressão e como agentes de seu devir histórico, isto é, para se completarem como seres humanos protagonistas do processo humanização, mulheres e homens têm necessidade de viverem em grupo, em comunidade ambiente no qual aprendem e compartilham experiências e saberes. Os humanos, somos seres sociais, seres políticos, forjados em condições não de isolamento ou individualismo.

Neste processo relacional, é que vamos aprimorando nossas potencialidades, ao mesmo tempo em que aprendemos a lidar positivamente com nossos limites, em busca incessante de superação dos mesmos. É no seio da comunidade que também vamos aprendendo a ler melhor a realidade social em sua complexidade e extensão. Aqui se passa algo como em um filme: alguém que o vê sozinho, sem partilhar comentários de cenas, acabam dando-se conta de aspectos parciais do filme, enquanto em comunidade as percepções são compartilhadas de modo que cenas não percebidas por uns acabam sendo rememoradas pelas percepção de outros.

Um exemplo ilustrativo, pode dar-se no exercício de análise de conjuntura, quando feita coletivamente, resultando bem mais fecunda e menos incompleta do que quando feita por um ou um pequeno grupo restrito. Tem-se consciência da complexidade da realidade social, que não pode e não deve ser avaliada de improviso, sem se recorrer a instrumentos capazes de melhor percebê-la, em seu movimento, como um primeiro passo necessário e fundamental a quem pretenda transformá-la, em suas raízes.

Outro fundamento trabalhado pela educação popular, corresponde ao exercício contínuo de priorização da prática sobre a teoria, da interconexão dos fatos e dos acontecimentos, de sua historicidade, de sua interculturalidade, a relevância do exercício da memória histórica, a importância do horizonte perseguido e da mística cotidiana, a horizontalidade dos protagonistas da transformação social, a aposta na força transformadora das pequenas comunidades, dos núcleos, dos círculos de cultura, a alternância de cargos e funções, entre outros aspectos constantes deste mesmo processo formativo.

É com base nestes fundamentos oferecidos pela Educação Popular, que se dotam melhor os protagonistas da transformação social, inclusive no caso do desafio relativo às “Fake News”. Daí resultam pistas alternativas que devem ser tomadas em conta e incorporadas a outras práticas e iniciativas, já em desenvolvimento, tais como:

 

  • Entender mais criticamente o que são as tais “Fake News”;

  • Se se trata de fenômeno verdadeiramente novo, ou, antes, de nova faceta da mesma estratégia, posto que, falseamento da realidade é uma velha estratégia de todo modo de produção estruturado em classes sociais, especialmente do capitalismo;

  • Pode acontecer que, por meio desta velha estratégia revestida de novo nome (“Fake News”) os setores dominantes estejam a espalhar cortina de fumaça, buscando desviar a atenção das forças transformadoras, quanto as manifestações mais profundas de exploração e dominação. Não se deve ignorar, por exemplo, que, num contexto dominado pelo discurso anti-corrupção, as redes sociais e a mídia comercial se limitam a focar mais os efeitos, as aparências e até alguns casos relevantes, com o propósito maior de desviarem a atenção da raiz mesma da corrupção, fincada no próprio modo de produção capitalista, especialmente em sua fase atual, dominada pelo rentismo, pelos grandes bancos e seus paraísos fiscais. Outro exemplo se tem nas discussões atuais sobre as famigeradas “reformas” em curso (o desmonte das leis trabalhistas, a terceirização, o desmonte da previdência social…), enquanto pouco ou nada se diz – menos ainda se luta – sobre o maior dos escândalos: a composição da dívida pública, poeticamente denunciada no mote: “paguei mais do que devia/ devo mais do que paguei”…

Com relação, portanto, ao que a educação popular pode contribuir especificamente para uma estratégia de resistência às fakes news, convém assinalar, de um lado, o reconhecimento do esforço das entidades e grupos que cuidam de recorrer às redes sociais, como espaço de contraponto e de esclarecimento, junto às parcelas mais vulneráveis da população que correm o risco de se tornarem reféns das mentiras propaladas. Por outro lado, há de se convir que tal esforço se dá exclusivamente no campo das redes sociais e por meio de um contraponto discursivo. A educação popular, por sua vez, demanda um esforço maior, a medida que, sem deixar de usar as redes sociais, empenha-se principalmente na criação e manutenção de espaços vitais, nas comunidades, nos movimentos populares, nas pastorais sociais, onde tenha prioridade a discussão presencial, como parte de seu processo organizativo e formativo, até porque não é suficiente empreender um contradiscurso pelas redes sociais, sem o exercício de um protagonismo efetivo nas relações sociais do dia-a-dia.

Paulo Feire em diálogo com a Teologia da Libertação: anotações sobre um ensaio cinquentenário da lavra freireana

A saga do Bolsonarismo não desponta repentinamente, nem precisamos recorrer aos seus quase trinta anos de vida parlamentar estéreo, à parte seu famigerado currículo profissional e político de posições extremadas de incondicional adesismo a posições de extrema-direita, inclusive as de apologia a tortura e a ditadura militar.

Restrinjamo-nos à sua desventurada iniciativa de carreirismo político, em direção à presidência da República. Sabe-se que, desde 2015 tratou de semear e de cultivar tal ambição que, não tivesse acolhida pela cegueira anti-petista, não teria obtido qualquer êxito eleitoral. Mas, o que tem a ver a figura do atual Presidente da República com a veneranda figura de Paulo Freire e seu legado? Desde principalmente as manifestações de rua de 2013, nas quais as forças de ultra-direita também acabaram pegando carona, trataram de tirar partido, pode-se observar um crescente movimento contra o legado de Paulo Freire, do qual fazem parte diversos recursos, como as Fake News, a produção de vídeos difamadores sobre Paulo Freire, e até de faixas e cartazes reivindicando a destituição de seu nome como patrono da educação brasileira.

Em nítido contraste com os (mal)feitos em profusão, de autoria de figuras necrofílicas, emergem produções luminosas de figuras amantes da vida, a exemplo de Paulo Freire, a quem muito bem se pode aplicar um dito da cultura judeu-cristã, sobre os seres humanos justos: “Tudo o que fazem prospera”(sl. 1, 3), ao contrário do destino da estupidez dos necrófilos: o desprezo e o esquecimento. Enquanto a estupidez e o obscurantismo não cessam de atormentar o povo dos pobres, no Brasil e no mundo, consola-nos saborear preciosidades produzidas por figuras como Paulo Freire e outras, cujos escritos seguem alimentando, como fagulhas de esperança, as pessoas e comunidades e movimentos que ousam ensaiar passos de resistência propositiva a esses descaminhos de barbárie. Nas linhas que seguem, alegra-nos revisitar um ensaio escrito por Paulo Freire, intitulado: “O papel educativo das Igrejas na América Latina”, texto que integra seu conhecido livro Ação Cultural para a Liberdade. O referido ensaio, alvo de nossas considerações, foi escrito em 1971, em Genebra, publicado em inglês sob o título “Education, Liberation and the Church”.  Nele, Freire dialoga criativamente com a então nascente Teologia da Libertação, com tal competência que um dos autores de referência da TdL, Clodovis Boff, em seu livro “Comunidade Eclesial – Comunidade Política” (Vozes, 1978), não hesita em incluí-lo no rol dos teólogos da libertação.

No referido ensaio, Paulo Freire começa por desmascarar uma suposta neutralidade, tanto no que fazer educativo, quanto no posicionamento da Igrejas cristãs. Qualquer tentativa de neutralidade é vã, além de acabar por revelar-se a favor da dominação. Em seguida, valendo-se da figura emblemática da páscoa, entendida como travessia na Práxis trata de percorrer criticamente os caminhos da Tradição de Jesus, que conduzem da morte à vida, da escravidão à libertação. E o faz centrando atenção em seus protagonistas, caracterizando suas ações no mundo, bem como no processo educativo vivenciado pelas Igrejas cristãs, tendo como pano de fundo o contexto latino-americano.

Cuida de analisar criticamente o papel educativo, desenvolvido pelas Igrejas cristãs, em seu cotidiano conflitivo. Estas, por sua vez, se vêem desafiadas por um contexto de exploração, de dominação e de marginalização, ao qual está sujeita a enorme maioria da população latino-americana, sobretudo o povo dos pobres. Diante de tal desafio, as cidadãs e cidadãos cristãos se acham interpelados a definirem sua posição – ou de subserviência e cumplicidade com as classes dominantes, ou de compromisso libertador com a causa dos oprimidos, não havendo lugar para meio termo, nem neutralidade, o que objetivamente representaria favorecimento aos “de cima”. A esta altura, empreende uma crítica pertinente aos que teimam aderir a uma postura neutra, impossível. Analisa o comportamento contrastante, de um lado dos “inocentes ou ingênuos”, e, de outro lado, dos espertos. Em relação aos primeiros, trata de problematizar sua postura, buscando desmontar pretextos baseados em sua suposta “pureza”, superioridade, santidade, enfim, imunidade em relação às coisas do mundo, com a vã pretensão de apego exclusivo às coisas celestes, enquanto se atrevem a pensar o povo como inferior, impuro… Dada a força dos argumentos contrapostos aos “ingênuos”, estes se sentem forçados a escolherem – agora, conscientemente – sua verdadeira posição: ou de teimarem enganar a si próprios, e assim passando a defender a causa dos opressores, traindo assim a causa evangélica, ou a de aceitarem correr o risco de aderirem à causa dos “debaixo”.

Pedindo escusas pela extensão da citação, mas ousando fazê-lo pela força dos argumentos utilizados por Freire, permitimo-nos reproduzir suas próprias palavras:

Os “inocentes”, por sua vez, através de sua própria prática histórica, ao desvelar a realidade e sendo nela desvelados, tanto podem assumir a ideologia da dominação, transformando, assim, sua “inocência” em “esperteza”, quanto podem renunciar a suas ilusões idealistas. Neste caso, então, retiram sua adesão acrítica às classes dominantes e, comprometendo-se com as classes oprimidas, iniciam uma nova aprendizagem com elas.

Isto implica na renúncia de seus mitos, tão caros a eles. O mito de sua “superioridade”, o mito de sua pureza de alma, o mito de suas virtudes, o mito de seu saber, o mito de que sua tarefa é salvar os pobres. O mito da inferioridade do povo, o mito de sua impureza, não só espiritual, mas física, o mito de sua ignorância absoluta.

Cedo percebem que a indispensável Páscoa, de que resulta a mudança de sua consciência, tem realmente de ser existenciada. A Páscoa verdadeira não é verbalização comemorativa, mas práxis, compromisso histórico. A Páscoa na verbalização é “morte” sem ressurreição. Só na autenticidade da práxis histórica, a Páscoa é morrer para viver. Mas uma tal forma de experimentar-se na Páscoa, eminentemente biofílica, não pode ser aceita pela visão burguesa do mundo, essencialmente necrofílica, por isso mesmo estática.

A mentalidade burguesa tenta matar o dinamismo histórico e profundo que tem a Passagem. Faz dela uma simples data na folhinha. A ânsia da posse, que é uma das conotações da forma necrofílica de ligação com o mundo, recusa a significação mais profunda da Travessia. Na verdade, porém, não posso fazer a Travessia se carrego em minhas mãos, como objetos de minha posse, o corpo e alma destroçados dos oprimidos. Só posso empreender a Travessia com eles, para que possamos juntos renascer como homens e mulheres libertando-nos. Não posso fazer da Travessia um meio de possuir o mundo, porque ela é, irredutivelmente, um meio de transformá-lo.

Da mesma maneira, aprendem que a consciência não se transforma através de cursos e discursos ou de pregações eloquentes, mas na prática sobre a realidade. (https://www.academia.edu/38319336/Paulo_Freire_-_A%C3%A7%C3%A3o_cultural_Para_a_liberdade_e_outros_escritos.pdf)

Trata-se, como se percebe, de um exercício de diálogo freireano com a abordagem característica da então nascente Teologia da Libertação, a esta altura protagonizada por figuras tais como Gustavo Gutierrez, Hugo Assmann, James Cone, entre outros. Uma abordagem que se tem revelado inovadora, diante de séculos de subserviência das principais forças eclesiásticas à ideologia do sistema dominante. Uma abordagem que, fundada no conhecido método ver-julgar-agir, e inspirada no Movimento de Jesus, se empenha, em recuperar a memória histórica das práticas e dos ensinamentos do Evangelho, do Reino de Deus, que Jesus veio anunciar e inaugurar, de modo profundamente enraizado na vocação libertária dos oprimidos.

Tentando atualizar tal abordagem, diante da realidade presente, cuidamos de observar que saltam aos olhos pontos de coincidência do que hoje experimentamos com o ensaio Freireano. Durante a última campanha eleitoral, no Brasil, tal situação volta à cena, sob vários aspectos. Dentre os “inocentes”, se acham vários extratos da população, inclusive parcelas expressivas de cristãos e cristãs – católicos e evangélicos. Também estes, ao descobrirem a vã tentativa de neutralidade diante do espectro político-eleitoral, e fortemente atraídos pelas redes sociais comandadas pelos massivos disparos de “Fake News” (fenômeno idêntico ao que se produziu durante a campanha que resultou na eleição de Trump), por parte do pior dos candidatos – o mais despreparado, o que já havia dado provas evidentes de adesismo à Ditadura Militar, após ter feito clara apologia à tortura, ao idolatrar a figura do Coronel Ustra, ao divulgar vídeos de racismo expresso contra Negros, contra povos originários, após dar provas de posturas claramente homofóbicas, misóginas, de idolatria à figura de Trump, ainda assim passam a uma adesão cega e incondicional, mesmo tendo certeza das estúpidas distâncias entre o comportamento do candidato e a fonte principal de sua fé, os evangelhos…

Retomando nosso emblemático ensaio freireano, damo-nos conta de que tal é a força transformadora da memória histórica, que, seja de modo expresso, seja de modo implícito, situações, fatos e acontecimentos do dia-a-dia resultam prenhes de sua presença vivificante. Isto também se dá com escritos emblemáticos, de autoria de figuras de referência, como a de Paulo Freire. Um deles, trazemos ao debate, num contexto sombrio, no qual o texto da lavra de Paulo Freire se revela emblemático e oportuno.

Oportuno, também, do ponto de vista de consideráveis parcelas de nossa população, as que que se confessam cristãs. Referimo-nos ao atual tempo litúrgico celebrado pelo mundo cristão – o tempo da Quaresma, ante-sala da Páscoa, sobre o qual o referido texto finca algumas de suas bases de argumentação, fazendo aí transparecer um de seus trações existenciais: o de sua inserção existencial também como um cristão, aí exercitando argumentos teológicos notáveis, como o da categoria “Páscoa”, “Travessia”.

Em uma tentativa sinótica, que aspectos mais fortes ousaríamos salientar do cinquentenário ensaio da lavra de Paulo Freire, meio século depois de ser escrito? Resumidamente, destaquemos os seguintes:

– a memória histórica, desde que exercitada, não como uma inicitava de saudosismo – de quem interpreta o passado como coisa morta -, segue sendo uma fonte poderosa de reabastecimento e reenergização de nossas forças transformadoras da realidade hegemônica, em busca de permanente alternatividade, isto é, de superação da ordem vigente, em busca de um novo modo de produção, de um novo modo de consumo, de um novo modo de gestão societal, que se vá processando, ainda que molecularmente, a partir de nossas organizações de base, especialmente dos movimentos populares;

– o ensaio freireano se nos revela de rara oportunidade, nesses tempos de obscurantismo, marcados por uma gestão governamental fundada na mentira, na traição mais perversa dos interesses nacionais, colocados a serviço da barbárie representada pelas sucessivas trapalhadas de uma figura tenebrosa, como a de Trump, feito presidente pela força de “fake News”, de modo muito similar ao que se passou no Brasil;

– o ensaio freireano nos interpela, pessoal e coletivamente – em especial, a nossas organizações de base -, no sentido de que em vão esperamos que a libertação dos “de baixo” venha como presente ou dádiva dos “grandes deste mundo”, mas como protagonismo, como práxis cotidiano de reinvenção da Política, cujos sujeitos , rememorando tempos frutuosos de suas ações, se empenhem incansavelmente em ensaiar passos alternativos à barbárie, seja na esfera organizativa, seja no campo formativo, seja no plano da mobilização, a partir da retomada, em novo estilo, de nosso enraizamento no povo do campo e das periferias urbanas, sem cujo protagonismo falecem nossos ideais de uma nova sociedade.

João Pessoa, 20 de março de 2019

P.S. Hoje, comemoramos 39 anos do assassinato, em El Salvador de Dom Oscar Romero, cuja trajetória de pastor profeta foi também marcada por esta Travessia de que fala Freire, isto é, de uma posição antes ingênua, passa à condição de verdadeiro discípulo de Jesus de Nazaré, alimentado por um profundo aprendizado de compromisso com a causa libertadora de seu povo. Tornou-se uma grande referência para as cristãs e cristãos de hoje.