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Identidades, pessoa, comunidade

Durante a reunião mais recente da Teologia Nordeste (grupos que organizam a XI Semana Teológica Pe. José Comblin), na escuta de mim mesmo e das pessoas que participaram, vieram algumas sensações e ideias que partilho aqui.

Acredito que boa parte da minha vida tenha sido uma teimosa tentativa por manter a minha própria identidade, frente a pressões que ameaçavam me apagar.

O que vou trazer aqui são algumas anotações desse processo de recuperação e preservação da minha própria identidade.

Descobrir que eu tenho uma família, que eu tinha sido amado, foi uma descoberta relativamente recente para mim.

Convivo ainda com marcas que me deixaram acontecimentos vivenciados na infância. Abuso. Impotência. Abandono.

Sensações com as quais tive e tenho que conviver para, diariamente, saber que tenho o direito de existir e ser feliz.

Estas experiências e a superação que me foi possível alcançar a partir da minha inserção na Terapia Comunitária Integrativa, constituem o eixo deste escrito.

Quando me tornei professor na Escola de Sociologia e Politica de São Paulo em 1984, tomei conhecimento, a través de um aluno, de um texto que mudou a minha vida.

Era o livro de Anaïs Nin, Em busca de um homem sensível. Mais especificamente o capítulo A nova mulher.

Descobri que eu podia ser a pessoa que sou.

Um outro texto que me marcou muito foi o livro de Allan Watts, Tabu. O que não deixa você saber quem você é.

Encontrei estímulo para prosseguir numa batalha para manter a minha própria identidade no âmbito acadêmico.

Descobri que a alienação não era algo que acontecesse a pessoas longe, desconhecidas. Tinha acontecido comigo também, em parte.

Comecei, ou melhor, prossegui no caminho de volta.

Arte, sociologia, cotidiano, fé, afetos.

Começava a me refazer por dentro.

Fui aposentado da UFPB e me integrei ativamente na rede da TCI. Aqui encontrei e encontro o florescimento dos meus sonhos de juventude.

Esta jornada é contínua.

Não se trata de uma atividade caritativa. Não fazemos a TCI para as pessoas, por sermos bonzinhos/as. Fazemo-la para nós mesmos/as, para sarar com as pessoas, comunitariamente.

Por que sarar?

Tenho relatado pormenorizadamente este processo no meu livro Um Terapeuta Comunitário em busca de si mesmo (2019)

A reunião mais recente preparatória da XI Semana Teológica Pe.José Comblin reviveu estas memórias.

Compreendi que faz sentido eu fazer parte deste coletivo.

Não consigo mais me dissociar. Aonde eu estou, procuro estar inteiro.

Durante este já quase um ano de confinamento provocado pela pandemia, fizemos rodas virtuais de TCI intensamente.

O processo de recuperação da minha identidade cresceu exponencialmente. Era muita gente por esse mundo afora na mesma caminhada.

O meu próprio encontro com Deus se tornou mais real. Longe de imposições. Personalizado.

Sem qualquer pretensão ou vaidade posso dizer que experimento a realidade daquelas palavras que nos recordam que quem procura acha.

Encontrei, encontro Deus no meu exercício cotidiano da vida.

A comunidade veio para mais perto. Veio para dentro de mim.

Muitas famílias se reconciliaram, reforçaram seus afetos, reencontraram a unidade neste quase ano de confinamento e convívio com uma morte próxima.

Já não há mais tempo para pensar que temos muito tempo.

Como em outros tempos, as circunstâncias mais uma vez me lembram que o tempo é agora. Um instante fugaz. A porta estreita.

 

 

 

Uniendo

¡Cómo en un día se mezclan tantas cosas! Tantos sentimientos. Sensaciones. Emociones. Alegría. Agradecimiento. Aborrecimiento. Una persona inconveniente llegando con su fundamentalismo desde el teléfono, desde muy lejos.

Cualquier fundamentalismo estará siempre lejos. Cada vez más lejos. Gente que se cree con el derecho de señalarte con el dedo porque seguís tu propio camino. El camino de Jesús, en mi caso. No me siento obligado a tener que permanecer en el error.

Si me equivoqué, perteneciendo durante años a un grupo en el que se cultivaba la disociación interior, la división entre ser espiritual y ser humano, nada me obliga a seguir permaneciendo en esa equivocación. Hoy no creo que ninguna creencia pueda ser más que la realidad.

Me molestó el tono soberbio de esta persona que, desde lejos, se sintió en el derecho de querer indicarme comportamientos. Una actitud típica de mucha gente de este grupo cuyo nombre prefiero omitir, pues no tengo el menor interés en polemizar con quienes se sienten dueños/as de la verdad.

No busco la verdad. Busco la realidad. Y la realidad está lejos de las creencias, lejos de las ideologías, lejos de cualquier fundamentalismo, lejos de cualquier fanatismo. Creo que mi trayectoria de vida me ha puesto en una situación y en un lugar, en el cual puedo ver que la gente no se divide según ideologías. Sino más vale, de acuerdo con sus actitudes frente a la vida.

Tengo certeza de haberme cruzado en mi camino, con gente con ideologías bastante diversas. Contrarias entre sí, y también opuestas a mi fe, mi sentir interior, mi sentimiento de lo que es bueno, noble y valioso.

Hoy he encontrado mi lugar en un volver a mí mismo, que me repone cada vez más en un estado original de unidad. Algo que tiene que ver con un sentimiento de paz y de alegría, contentamiento. Me encuentro sobre todo en mi familia y en las redes de las cuales participo.

La Terapia Comunitaria Integrativa, la literatura y la poesía; la oración, la fe, el amor. El camino de Jesús entra en este conjunto de fuentes de mi fuerza interior e identidad, como un ingrediente sui generis. No como algo superpuesto sino más bien integrado.

Algo que une lo que soy y el mundo. Cosa que no ocurría ni de lejos, cuando yo era miembro de ese grupo cuyo nombre prefiero no mencionar, donde todo era intelecto, y poco amor. Mucho discurso y poca práctica.

Perguntas para o desenvolvimento da pessoa humana

O que o que estou fazendo tem a ver com a minha história de vida? Como se encaixa na minha trajetória existencial? Quando fazemos esta pergunta, estamos a tentar juntar passado e presente, desconectar a repetição mecânica, sem sentido, de atos. A abordagem barretiana (1) possui um sem número de perguntas desta ordem, em que o que interessa não é tanto a resposta ou as respostas que se possa dar, e sim o espaço criado pela pergunta. A pergunta me descola do mecanicismo, da ação vazia, oca, sem sentido.

Você somente tem sofrido, ou tem crescido com os seus sofrimentos? Todos sofremos, mas as nossas dores podem servir para um crescimento. Isto não é uma tarefa especulativa, meramente mental, intelectual. Eu posso ter sofrido perdas, dores imensas na minha vida, e ter-me colado, por assim dizer, a elas, como vítima, como apenas alguém que sofre ou sofreu. Posso olhar para o que ganhei, o que ganho, o que estou ganhando graças a estas dores que tive ou tenho. Não é um culto ao masoquismo, e sim o contrário. É aprendermos a crescer com o que nos faz ou nos fez sofrer. Estas reflexões não são banais, mas libertam. Por serem simples, tem um efeito enorme e imediato, muitas vezes. Podemos ir construindo uma vida mais feliz, a través de perguntas que nos libertam do passado, da culpa, da auto-punição tão comum na nossa cultura.

Estas perguntas mobilizam a sabedoria interior da pessoa, a sua resiliência, o que cada um ou cada uma aprendeu na sua vida. Quebra-se a vitimização, abre-se um espaço para a felicidade, para o novo, para o “eu posso”.

Escrevo estas coisas, e alguma tristeza muito grande se faz presente. Tento pensar no que aprendi com aquela dor. Tenho feito este exercício vezes sem conta desde que comecei a tentar me livrar da posição de vítima. A cultura dominante faz com que o homem reprima o seu choro. Mas é bom chorar. Como não chorar, diante de tantas aberrações que nos tocou viver? Poderemos depois rir delas se primeiro chorarmos. Não estou escrevendo um texto técnico, isento, não acredito nesse tipo de coisa. Esta tarde, ao escrever estas coisas, vem uma antiga tristeza, ou muitas. Dores antigas se fazem presentes. É como uma escadinha, uma se engancha com a outra e começa a chover. O choro é interno, e vem o choro externo. Por que perguntar a alguém por que chora? Não é melhor chorar? A pergunta leva a intenção de parar o choro. O choro detido, reprimido, é um bloqueio.

O choro não é um ato intelectual, por isso, embora tenha razões, não precisa delas. Pode chorar, mesmo, é muito bom. Hoje veio a tristeza por coisas que ocorreram em tempos em que eu era estudante de sociologia em Mendoza, na Argentina. Hoje me via escrevendo, como naqueles tempos, e veio o choro. Não tem como não chorar ao lembrar de horrores e abominações. Mas hoje vejo que essas dores do passado tem uma relação simétrica com uma plenitude do presente. Como se uma coisa levasse a outra. Não sei se é assim, mas aprendi a tentar buscar uma vitória nas derrotas, uma alegria nas tristezas. Creio que isto ocorre com todo mundo.

Passei anos me punindo por ter sobrevivido, por não ter morrido durante a ditadura argentina. Hoje lembro daquilo, aquilo volta à memória, mas de outra forma. Soube de pessoas que passaram por dores inimagináveis para mim. Quando a minha dor e as dores das pessoas em volta se encontram, surge a empatia. Já não estou só. Juntos podemos crescer. Cresci e seguirei crescendo, como todo mundo cresce. Com as dores, e com a capacidade coletiva que temos, como seres humanos, de nos espelharmos uns nos outros e irmos construindo coletivamente, caminhos de amor, de justiça e de paz. A vida ganhou um valor incomensurável.

(1) Adalberto Barreto, criador da Terapia Comunitária Integrativa.