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Os inocentes úteis e os totalitários inúteis

O advogado Jonas Tadeu Nunes afirma que seu cliente Caio Silva de Souza e outros jovens recebiam pelo menos R$ 150 cada para provocarem distúrbios durante as manifestações de protesto. E que os contratantes lhes forneciam, inclusive, as fantasias de black blocs.
Pode ser verdade. Afinal, é fácil e barato de se fazer. E há sempre forças políticas interessadas em fomentar o caos, os famosos pescadores em águas turvas [1].
O certo é que, no fundamental, constata-se nas ruas um imenso desencanto com as consequências do capitalismo (embora a maioria ainda não esteja consciente de que seja ele a causa)  e com os governos que para elas concorrem, inclusive os do PT.
secundário são as peripécias das refregas que causam vítimas de ambos os lados.
Umas são pranteadas e praticamente canonizadas pela grande imprensa e pelos defensores virtuais dos interesses petistas, como o cinegrafista Santiago Ilídio de Andrade. Os responsáveis devem ser punidos, claro, mas nem de longe se justifica tão histérica satanização de jovens que não se davam conta do dano que poderiam causar.
Num país em que tantos matam premeditadamente e com extrema crueldade, é patético que os maiores vilãos acabem sendo uns tolos que mataram sem consciência e por inconsequência (se comprovado que terceiros guiavam suas mãos, estes merecem castigo muito mais rigoroso, pois os mandantes são sempre maiores culpados do que os executantes).
 
Outras vítimas são vergonhosamente escamoteadas pela mídia. O caso mais emblemático e chocante não se deu exatamente no curso dos protestos, mas tem de ser lembrado sempre: Ivo Teles da Silva, 69 anos, foi bestialmente espancado pela PM de Geraldo Alckmin durante o episódio conhecido como a barbárie no Pinheirinho, por ela sequestrado e mantido longe dos parentes que o procuravam desesperadamente. Tudo isto para esconder seu estado deplorável; para que a opinião pública não tomasse conhecimento da barbarização de um idoso. Só foi localizado 10 dias depois, teve alta mas acabou morrendo.
Luminares do Direito brasileiro, dentre eles Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari e Fabio Konder Comparato, entenderam que havia sido cometido um crime e como tal o denunciaram (juntamente com as muitas outras ilegalidades perpetradas no Pinheirinho) à Comissão de Direitos Humanos da OEA. A indústria cultural ignorou olimpicamente.
O fato é que as lágrimas de crocodilo só jorram profusamente quando um cinegrafista de TV é morto por reais ou supostos black blocs, ou quando um coronel é espancado. A indignação (seletiva) foi bem menor no caso das várias dezenas de profissionais da imprensa feridos durante as manifestações pela PM paulista, alguns dos quais sofreram lesões graves e definitivas.
Ou quando um soldado apertou o gatilho desnecessariamente e colocou em coma um bobinho que portava um estilingue… perdão, um canivete (é quase a mesma coisa). Tivesse Fabrício Proteus Chaves morrido, o volume das lamentações seria o mesmo? Nem a pau, Juvenal!
Mas, repito, o principal continuam sendo os motivos -justíssimos- que levam os jovens às ruas. Como a Copa das maracutaias, cuja realização a Fifa admitiria com apenas oito sedes, mas o governo brasileiro preferiu fazer com 12, a fim de contemplar todo tipo de interesse sórdido. O PT prometia abolir as práticas tradicionais da politicalha, mas a elas aderiu alegremente.
Terem escolhido o Mundial de futebol como o principal alvo dos protestos depois das queixas iniciais contra o aumento das tarifas dos ônibus atesta que os indignados brasileiros têm, sim, tirocínio político. Daí estarem sendo tão execrados pelos que temem a voz das ruas -alguns dos quais, melancolicamente, são os mesmos que há algumas décadas arriscaram a vida para que elas fossem ouvidas. As voltas que o mundo dá.
Pior: alguns que tanto sofreram sob o AI-5 e outros, mais jovens, que pretendem ser herdeiros dos ideais da resistência, estão entre os que hoje surfam na onda de episódios infelizes como o da morte do cinegrafista [2], aproveitando para pregar a igualação dos atos de protesto a terrorismo (com penas mais pesadas do que as infligidas a homicidas!!!), sua transformação em crime inafiançável, a colocação das Forças Armadas nas ruas para reprimir manifestantes e outras aberrações totalitárias.
Sem se darem conta, pois tudo que fazem atende à prioridade obsessiva de perpetuação do PT no poder, estão clamando por um novo AI-5.
Não passarão!

1 Quando este artigo já estava no ar, um acusado que tenta escapar de uma cana braba deu um suspeitíssimo depoimento à polícia, sem a presença do seu advogado (portanto, legalmente inválido), sugerindo que o PSOL, PSTU e FIP seriam os financiadores das ações para exacerbar os ânimos. Digo sugerindo porque ele não apresentou dado concreto nenhum (quem, quando, onde, quanto). Eu acho plausível que integrantes de tais partidos tenham feito doações aos black blocs, e não vejo mal nenhum nisto numa democracia. Mas, permito-me duvidar de que fossem eles que apontavam alvos, forneciam indumentarias e pagavam honorários fixos pela jornada de trabalho. Tal modus operandi é escrachadamente direitista. De resto, as surpreendentes declarações de Caio Silva de Souza certamente vão assegurar-lhe uma boa vontade que as autoridades não teriam com ele se apontasse o dedo para o outro extremo do espectro ideológico.
 
2 Além, é claro, dos reacionários empedernidos que sempre surfam em tais episódios, mas, pelo menos, estão sendo coerentes com suas (medíocres) convicções. Caso do Reinaldo Azevedo, que andou até macaqueando o Emile Zola, ao disparar as mais demagógicas acusações contra a Dilma, o Franklin Martins, o Gilberto Carvalho e o José Eduardo Cardozo. Vai levar um pito do Ternuma por não ter dado um jeito de incluir o Lula no pacote. Como o RA fez a besteira de mexer também com o Jânio de Freitas, que lhe é infinitamente superior como jornalista, não perderei tempo reduzindo-o à sua insignificância. Deixo o necessário corretivo por conta do Jânio, o qual certamente lhe aplicará umas boas palmadas para que deixe de ser petulante…
 
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DE HORA EM HORA, GILMAR MENDES PIORA: QUER AMORDAÇAR A WEB!

O pior ministro da história do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, representou à Polícia Federal pedindo a abertura de investigação contra a Wikipédia por estar reproduzindo denúncias contra ele apresentadas pela revista CartaCapital.

 E antecipou que vai solicitar ao Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, uma investigação do uso de recursos públicos para financiamento de blogues de conteúdo crítico ao governo e instituições do Estado.

 Também o PSDB anda incomodado com seus críticos virtuais (vide aqui): fez uma representação à Procuradoria Geral Eleitoral, pedindo que investigue o blogue Conversa Afiada (do Paulo Henrique Amorim) e o site Luís Nassif OnLine, pedras no sapato de José Serra e sua combalida campanha para prefeito de São Paulo.

 Como expressão do meu mais enfático repúdio a todas as tentativas de implantação da censura na internet, reproduzo em seguida os trechos do brilhante trabalho jornalítico de Leandro Fortes e Maurício Dias, matéria de capa da edição 708 da CartaCapital, que tanto incomodaram o contumaz discípulo de Torquemada (não só atuou como um típico inquisidor no Caso Battisti, como agora quer colocar uma reportagem jornalística no index…), O valerioduto abasteceu Gilmar. Jamais tendo recebido um centavo sequer de publicidade por meus blogues, estou imune a tais tentativas de intimidação.

…quando se iniciar o julgamento do chamado mensalão no Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes estará com sua toga ao lado dos dez colegas da corte. Seu protagonismo nesse episódio está mais do que evidenciado. Há cerca de um mês, o ministro tornou-se o assunto principal no País ao denunciar uma suposta pressão do ex-presidente Lula para que o STF aliviasse os petistas envolvidos no escândalo,  bandidos, segundo a definição de Mendes.

À época, imaginava-se que a maior preocupação do magistrado fosse a natureza de suas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o ex-senador Demóstenes Torres. Mas isso é o de menos. Gilmar Mendes tem muito mais a explicar sobre as menções a seu nome no  valerioduto  tucano, o esquema montado pelo publicitário Marcos Valério de Souza para abastecer a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais em 1998 e que mais tarde serviria de modelo ao PT.

O nome do ministro aparece em uma extensa lista de beneficiários do caixa 2 da campanha. Há um abismo entre a contabilidade oficial e a paralela. Azeredo, à época, declarou ter gasto 8 milhões de reais. Na documentação assinada e registrada em cartório, o valor chega a 104,3 milhões de reais. Mendes teria recebido 185 mil.

Esse pacote de documentos foi entregue (…) à delegada Josélia Braga da Cruz na Superintendência da Polícia Federal em Minas Gerais. Além de Mendes, entre doadores e receptores, aparecem algumas das maiores empresas do País, governadores, deputados, senadores, prefeitos e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Os pagamentos foram feitos pela SMP&B Comunicação, empresa do ecumênico Marcos Valério de Souza. Todas as páginas são rubricadas pelo publicitário mineiro, com assinatura reconhecida em cartório no final do documento…

Um dado a ser considerado é o fato de que, em janeiro de 2009, Mendes ter concedido o habeas corpus que libertou Souza da cadeia. Também foi libertado, no mesmo ato, Rogério Lanza Tolentino, que aparece na lista do valerioduto como beneficiário de 250,8 mil reais ‘via Clésio Andrade/Eduardo Azeredo’. O ministro do Supremo entendeu que o decreto de prisão preventiva da dupla não apresentava ‘fundamentação suficiente’.

O ministro Gilmar Mendes aparece entre os beneficiários do caixa 2 da campanha da reeleição de Eduardo Azeredo em 1998, operado por Marcos Valério

Quem desponta na lista de doadores, sem nenhuma surpresa, é o banqueiro Daniel Dantas. Foram 4,2 milhões de reais por meio da Cemig.

 ABAIXO-ASSINADO PEDE IMPEACHMENT

 

Por essas e outras, continua tendo tudo a ver o pedido de impeachment de Gilmar Mendes, apesar de o inacreditável José Sarney, como presidente (que há muito deveria ter deixado de ser…) do Senado ter arquivado, em maio de 2011, uma consistente representação do advogado Alberto de Oliveira Piovesan neste sentido.

Um abaixo-assinado apoiando a atitude do corajoso advogado e pleiteando o impeachmet pode ser acessado  aqui.

E, facilitando o trabalho de quem quiser fazer outra tentativa, prestando um enorme serviço às nossas instituições, eis o embasamento do pedido de Piovesan, aqui. Basta acrescentar a profusão de novos motivos que vieram à tona desde então.

Piovesan arguiu a “Lei nº 1079, de 10 de abril de 1950, (…) eis que (…) há indícios de incidência do item 5 do artigo 39”: um ministro do STF proceder “de modo incompatível com a honra, dignidade e decôro de suas funções”.

Com base no que a CartaCapital apurou, Mendes poderia, talvez, ser enquadrado também no ítem 2: “proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa”.

 Além da reportagem que fez o destrambelhado ministro soltar os cachorros contra a Wikipedia, há outra que deixou sua imagem em frangalhos: uma longa matéria sobre o Supremo, de autoria de Luiz Maklouf Carvalho, que a revista Piauí publicou há dois anos, em suas edições  47 e 48 (vide íntegra aqui).  Piovesan a citou várias vezes para corroborar sua denúncia.

 Vale a pena recapitularmos os principais trechos em que Mendes foi citado.

LIGAÇÕES PERIGOSAS – 1

Outro advogado que atua no Supremo é José Luis de Oliveira Lima, Juca para os amigos. Ele é o patrono do maior e mais famoso processo que tramita na casa – o do  mensalão, relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, no qual defende o ex-ministro José Dirceu. No final do ano, na véspera do Natal, em parceria com Márcio Thomaz Bastos, Oliveira Lima conseguiu do ministro Gilmar Mendes uma liminar que tirou da cadeia um dos seus clientes mais conhecidos, o médico Roger Abdelmassih, denunciado por crimes sexuais contra pacientes.

Quatro meses depois, numa segunda-feira de maio, Oliveira Lima homenageou o ministro Gilmar Mendes com um jantar em seu apartamento. ‘É o mínimo que ele merece, pela gestão revolucionária que fez no Supremo’, explicou Oliveira Lima. Convidou trinta criminalistas, entre os mais prestigiados de São Paulo. Gilmar Mendes foi com a esposa, Guiomar, que discursou. Márcio Thomaz Bastos foi um dos primeiros a se retirar. ‘Não vejo nenhum conflito ético em comparecer a esse jantar’, me disse Gilmar Mendes. ‘Nem eu’, afirmou o anfitrião.

LIGAÇÕES PERIGOSAS – 2

…Gilmar Mendes estava a postos na manhã seguinte, um sábado, dando uma aula no Instituto Brasiliense de Direito Público. O idp é uma faculdade particular que fica numa área de 6 mil metros quadrados da Asa Sul. Ela pertence a três professores: Inocêncio Coelho, Paulo Branco e Gilmar Mendes. ‘É tudo perfeitamente constitucional’, ele disse, acrescentando que constituiu os advogados Sepúlveda Pertence e Sergio Bermudes a abrir processo contra publicações e jornalistas que afirmaram ou insinuaram o contrário.

Durante a presidência de Gilmar Mendes, Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, foi juiz-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Um dos casos que lhe caiu nas mãos foi uma representação contra o juiz Ari Ferreira de Queiroz, de Goiânia. O juiz era sócio-proprietário do Instituto de Ensino e Pesquisa Científica, uma escola semelhante à de Gilmar Mendes, embora mais modesta. A representação visava impedir que Queiroz fosse, simultaneamente, juiz e dono de uma faculdade.

Na decisão, Falcão determinou ‘o imediato desligamento do magistrado de sua qualidade de sócio-cotista e a desvinculação total da imagem do magistrado e do Instituto’. O juiz Queiroz, de Goiânia, acatou a decisão. Por que Falcão não levou a questão ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, presidido por um dos sócios proprietários do Instituto Brasiliense de Direito Público? Porque Falcão achou que Gilmar Mendes teria maioria dos votos a seu favor.

LIGAÇÕES PERIGOSAS -3

Minha ideia era viver o ócio com dignidade, só que o Sergio me aperreou”, contou Guiomar…

‘Conheço o Sergio há muitos anos, desde que entrei no STF. (…) Quando me viu aposentada, me aperreou. Queria que eu cuidasse da gestão do escritório dele de Brasília… organizei as coisas do meu jeito e resolvi ficar. Ele me paga, líquidos, 14 mil reais por mês. Eu cuido da gestão do escritório. Não advogo, mas talvez venha a advogar.’

Gilmar Mendes e Sergio Bermudes começaram pelo ódio. O primeiro, quando advogado-geral da União, chamou o segundo – renomado professor de direito e dono de respeitada banca cível no Rio – de ‘chicanista’ em um programa de televisão…

Perguntei a Sergio Bermudes como se haviam reconciliado. (…) Contou que no primeiro encontro que tiveram, ambos palestrantes de um simpósio universitário, cumprimentaram-se como se nada tivesse acontecido. Depois, ele mandou um livro de presente; e Mendes mandou-lhe outro. A raiva virou amizade.

Mendes e Guiomar já se hospedaram nos apartamentos de Sergio Bermudes no Rio, no Morro da Viúva, e em Nova York, na Quinta Avenida. Também usam a sua Mercedes-Benz, com o motorista. Logo depois da solenidade de transferência da presidência do Supremo para Cezar Peluso, Mendes e Guiomar embarcaram em uma viagem de cinco dias a Buenos Aires – presente de Sergio Bermudes, que os acompanhou.

Perguntei a Gilmar Mendes se não cogitara abdicar de julgar os processos do escritório de Sergio Bermudes que tramitam pelo Supremo – são dezenas, e ele é o relator de alguns. ‘De jeito nenhum’, ele respondeu. ‘Nesse caso também teria que me declarar suspeito nos processos do Ives Gandra, que escreveu livros comigo, e de outros advogados que são meus amigos.’ Mas nem pelo fato de sua mulher trabalhar no escritório de Bermudes? ‘Isso não é motivo’, respondeu…’

LIGAÇÕES PERIGOSAS – 4

O primeiro palanque no qual Peluso subiu, horas depois de eleito presidente, em 10 de março, foi numa festa do site Consultor Jurídico, o Conjur. O palanque foi montado no salão principal do Supremo para comemorar o lançamento da edição de 2010 do Anuário da Justiça, publicado pelo site e pela Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap. Mendes, Celso de Mello, Toffoli, Britto e Lewandowski estavam no tablado de honra com Peluso.

O Anuário é uma revista grossa que é produzida a um custo de cerca de 400 mil reais, bancados pela Fundação Armando Álvares Penteado. A tiragem é de 20 mil exemplares, dos quais 12 mil são distribuídos pela Faap em gabinetes de ministros, parlamentares, governadores e prefeitos. Ele funciona como um quem-é-quem do Judiciário, entremeado de anúncios de escritórios de advocacia. ‘O Anuário dá uma contribuição decisiva para conhecer o Poder Judiciário brasileiro’, disse Gilmar Mendes no seu discurso. ‘É jornalismo judicial especializado.’

O dono do Conjur e editor do Anuário é o jornalista Márcio Chaer, proprietário também de uma assessoria de imprensa, a Original 123. As empresas estão instaladas numa casa de três andares na Vila Madalena, em São Paulo. O site faz uma cobertura intensa e extensa dos eventos e decisões do Poder Judiciário. Chaer é amigo de Guiomar e Gilmar Mendes. Troca e-mails e telefonemas amiúde com o juiz.

A Faap responde a condenações e processos por crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro. Alguns desses processos estão no Supremo. A pessoa jurídica do Conjur, a Dublê Editorial, também tem processos tramitando no tribunal. ‘Não vejo problema nenhum de lançar o Anuário no Supremo’, disse Mendes. O primeiro lançamento foi feito em 2007, quando a presidente era a ministra Ellen Gracie. Ela se declara suspeita quando recebe processos que envolvam a Faap. Joaquim Barbosa acha ‘um escândalo’ que o Anuário seja lançado no Supremo.

O professor de direito Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e autor do livro Controle de Constitucionalidade e Democracia, tem outra opinião: ‘O Anuário pode até produzir informações de interesse público, mas não é isso que está em questão. Uma empresa privada não deveria ter o privilégio de ter seu produto promovido dentro do próprio tribunal. A integridade das instituições depende da separação entre o público e o privado.’

ALÍVIO PARA DANIEL DANTAS

‘…evitamos um namoro explícito com o estado policial. Havia um quadro explosivo que nos levava a um modelo em que a polícia mandava no Ministério Público e em juízes da primeira instância. Era preciso arrostar esses abusos. E eu tive medo de ter medo.’

É aqui que entra o banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha. Mendes mandou soltá-lo duas vezes, concedendo-lhe habeas corpus quando o juiz Fausto de Sanctis quis manter o dono do Opportunity na prisão. Mendes considerou que o juiz, erradamente, se subordinara ao Ministério Público e ao delegado encarregado da investigação, Protógenes Queiroz. De Sanctis não quis dar entrevista a respeito: Por impedimento legal não posso falar de fato concreto, as decisões falam por si, disse-me ele.

Juiz é elemento de controle do inquérito, não é sócio da investigação, afirmou Gilmar Mendes, sobrevoando Salvador. Ele contou os antecedentes de sua primeira decisão: A  Guio  me ligou, dizendo que podiam prender até a Andréa Michael, da Folha de S.Paulo. O governo estava de cócoras em relação aos abusos da polícia. Eu tinha que dar um basta naquilo, fosse Daniel Dantas ou fosse qualquer um.’ ‘Guio’ é Guiomar Mendes, esposa do ministro.

Outro risco de estabelecimento de um ‘estado policial’ surgiu, segundo Mendes, quando a revista Veja publicou uma reportagem sustentando que um telefonema de Mendes com o senador Demóstenes Torres havia sido gravado ilegalmente, e apresentou como evidência a transcrição da conversa. Com a certeza de que fora grampeado por um órgão do Executivo, Mendes ligou para Fernando Henrique Cardoso. Eles são amigos. Nos tempos de Gilmar na presidência, Fernando Henrique entrava pela garagem do Supremo.

‘Eu estava numa fazenda’, contou Fernando Henrique em São Paulo. ‘O Gilmar estava indignado. Disse que ia reagir à altura, chamando às falas o presidente Lula. Eu o incentivei a ir em frente.’ Mendes foi. ‘Não há mais como descer na escala da degradação institucional’, declarou ele à imprensa. ‘Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário. É deplorável, ofensivo, indigno.’ No dia seguinte, uma delegação do STF integrada por Mendes, Ayres Britto e Cezar Peluso foi ao Planalto sem ter sido convidada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva os recebeu.

No encontro, os três juízes deram como certo que gente do Executivo bisbilhotava a mais alta corte e o Congresso, e cobraram providências. Enfático, o ministro Franklin Martins, da Comunicação Social, argumentou que a denúncia do grampo não tinha comprovação porque o áudio não aparecera. E disse que o governo não podia ser responsabilizado sem provas. Os ministros mal reconheceram sua interlocução. Lula mais ouviu do que falou. Dias depois, à guisa de reparação, mas sem explicitá-la, determinou que o delegado Paulo Lacerda saísse da chefia da Agência Brasileira de Inteligência.

DEGRADAÇÃO DO JUDICIÁRIO

[Dalmo de Abreu] Dallari conheceu Gilmar Mendes quando este era advogado-geral da União e auxiliava o ministro Nelson Jobim, da Justiça, em questões indígenas. ‘Tive uma péssima impressão dele nas reuniões em que nos encontramos; eu defendendo os índios, e ele desenvolvendo uma argumentação típica de grileiro de luxo, de quem vê o índio como empecilho ao desenvolvimento nacional’, disse. ‘Depois houve uma denúncia, da revista Época, mostrando que ele, na Advocacia-Geral da União, contratava o seu próprio estabelecimento de ensino para dar cursos a servidores de lá. Para mim, isso é corrupção.’

Em maio de 2002, Dallari publicou na Folha de S.Paulo um artigo, ‘Degradação do Judiciário’ [vide aqui], com essas e outras acusações. ‘Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional’, diz um dos trechos. O argumento técnico era que Mendes não tinha reputação ilibada, exigência constitucional para o posto.

Ainda à frente da Advocacia-Geral, Mendes pediu que o procurador-geral da República o defendesse. O procurador entrou com uma ação penal contra Dallari pelos crimes de injúria e difamação. Enquanto o processo tramitava, o Senado aprovou a indicação de Mendes, com quinze votos contrários, de um total de 72, um número bastante alto. O juiz federal Sílvio Luís Ferreira da Rocha sentenciou que o artigo de Dallari se enquadrava no adequado direito de crítica, sem configurar ofensa à honra, e determinou o arquivamento do caso. Mendes não recorreu.

‘Não retiro uma vírgula do que escrevi’, disse Dallari exibindo a sentença… [e] continua a criticar Mendes: ‘A gestão dele como presidente foi muito negativa, com excesso de personalismo. Em busca de autopromoção, agiu como um verdadeiro inquisidor’.

LEIA TAMBÉM, NO BLOGUE “DIÁRIO DE CAMPANHA DO LUNGARETTI” (clique p/ abrir):

UM APOIO DO QUAL O GIANNAZI E EU MUITO NOS ORGULHAMOS: O DE CARLOS LUNGARZO

Especial: tudo sobre o impeachment de Gilmar Mendes

O advogado Alberto de Oliveira Piovesan solicitou ao presidente do Senado, José Sarney, que instaure processo de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “com base na Lei nº 1079, de 10 de abril de 1950, (…) eis que (…) há indícios de incidência do item 5 do artigo 39 da referida lei”. Ou seja, Piovesan alega que Mendes procedeu “de modo incompatível com a honra, dignidade e decôro de suas funções”.

A íntegra do pedido de impeachment pode ser acessada aqui.

E quem quiser ser signatário de um abaixo-assinado apoiando a atitude do corajoso advogado, deve clicar aqui.

Para mais detalhes sobre a trajetória de Mendes, recomendo a artigo com que lhe dei o bota-fora quando deixava a presidência do STF sob rasgados elogios da Folha e do  Estadão: Lá se vai o sujeito de toga, sob o desdém dos sujeitos na esquina (vide aqui).

Piovesan fundamentou o pedido, principalmente:

  • em “depoimento público do jurista Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, datado de 9 de novembro de 2010, inserido no site ‘Observatório da Imprensa’, onde afirma ter havido empenho e parcialidade do ministro Gilmar Ferreira Mendes ao julgar aspecto da chamada ‘Lei da Ficha Limpa’, de modo a beneficiar pessoa com quem tem ligação antiga [Jader Barbalho], e até induzindo a imprensa a publicar fatos não verdadeiros relacionados à referida lei” (o artigo de Dallari está aqui)
  • e nas informações sobre Mendes constantes numa longa reportagem sobre o STF que o repórter Luiz Maklouf Carvalho escreveu e a revista Piauí publicou, em duas edições consecutivas, há dois anos. Embora a Piauí restringisse o acesso virtual a assinantes, a íntegra pode ser encontrada aqui.  Expõe as entranhas da mais alta corte do País, sendo, portanto, leitura das mais instrutivas neste momento em que se julga o mensalão.

Disso tudo Piovesan conclui:

…[as] notícias […] levantam sérias dúvidas, até que sejam devidamente apurados os fatos em regular processo que só pode correr perante o Senado Federal, sobre a isenção e independência do ministro Gilmar Ferreira Mendes no desempenho de suas funções, dúvidas que fatalmente ocasionam a perda do necessário requisito de neutralidade em qualquer decisão judicial que proferir deve ter e parecer ter.

Como minha contribuição pessoal a tão meritória, necessária e até tardia iniciativa –há muito eu a vinha sugerindo–, garimpei o que há de mais relevante sobre Mendes na ótima reportagem da Piauí sobre o STF:

LIGAÇÕES PERIGOSAS – 1

Outro advogado que atua no Supremo é José Luis de Oliveira Lima, Juca para os amigos. Ele é o patrono do maior e mais famoso processo que tramita na casa – o do  mensalão, relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, no qual defende o ex-ministro José Dirceu. No final do ano, na véspera do Natal, em parceria com Márcio Thomaz Bastos, Oliveira Lima conseguiu do ministro Gilmar Mendes uma liminar que tirou da cadeia um dos seus clientes mais conhecidos, o médico Roger Abdelmassih, denunciado por crimes sexuais contra pacientes.

Quatro meses depois, numa segunda-feira de maio, Oliveira Lima homenageou o ministro Gilmar Mendes com um jantar em seu apartamento. ‘É o mínimo que ele merece, pela gestão revolucionária que fez no Supremo’, explicou Oliveira Lima. Convidou trinta criminalistas, entre os mais prestigiados de São Paulo. Gilmar Mendes foi com a esposa, Guiomar, que discursou. Márcio Thomaz Bastos foi um dos primeiros a se retirar. ‘Não vejo nenhum conflito ético em comparecer a esse jantar’, me disse Gilmar Mendes. ‘Nem eu’, afirmou o anfitrião.

LIGAÇÕES PERIGOSAS – 2

…Gilmar Mendes estava a postos na manhã seguinte, um sábado, dando uma aula no Instituto Brasiliense de Direito Público. O idp é uma faculdade particular que fica numa área de 6 mil metros quadrados da Asa Sul. Ela pertence a três professores: Inocêncio Coelho, Paulo Branco e Gilmar Mendes. ‘É tudo perfeitamente constitucional’, ele disse, acrescentando que constituiu os advogados Sepúlveda Pertence e Sergio Bermudes a abrir processo contra publicações e jornalistas que afirmaram ou insinuaram o contrário.

Durante a presidência de Gilmar Mendes, Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, foi juiz-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Um dos casos que lhe caiu nas mãos foi uma representação contra o juiz Ari Ferreira de Queiroz, de Goiânia. O juiz era sócio-proprietário do Instituto de Ensino e Pesquisa Científica, uma escola semelhante à de Gilmar Mendes, embora mais modesta. A representação visava impedir que Queiroz fosse, simultaneamente, juiz e dono de uma faculdade.

Na decisão, Falcão determinou ‘o imediato desligamento do magistrado de sua qualidade de sócio-cotista e a desvinculação total da imagem do magistrado e do Instituto’. O juiz Queiroz, de Goiânia, acatou a decisão. Por que Falcão não levou a questão ao plenário do Conselho Nacional de Justiça, presidido por um dos sócios proprietários do Instituto Brasiliense de Direito Público? Porque Falcão achou que Gilmar Mendes teria maioria dos votos a seu favor.

LIGAÇÕES PERIGOSAS -3

Minha ideia era viver o ócio com dignidade, só que o Sergio me aperreou”, contou Guiomar…

‘Conheço o Sergio há muitos anos, desde que entrei no STF. (…) Quando me viu aposentada, me aperreou. Queria que eu cuidasse da gestão do escritório dele de Brasília… organizei as coisas do meu jeito e resolvi ficar. Ele me paga, líquidos, 14 mil reais por mês. Eu cuido da gestão do escritório. Não advogo, mas talvez venha a advogar.’

Gilmar Mendes e Sergio Bermudes começaram pelo ódio. O primeiro, quando advogado-geral da União, chamou o segundo – renomado professor de direito e dono de respeitada banca cível no Rio – de ‘chicanista’ em um programa de televisão…

Perguntei a Sergio Bermudes como se haviam reconciliado. (…) Contou que no primeiro encontro que tiveram, ambos palestrantes de um simpósio universitário, cumprimentaram-se como se nada tivesse acontecido. Depois, ele mandou um livro de presente; e Mendes mandou-lhe outro. A raiva virou amizade.

Mendes e Guiomar já se hospedaram nos apartamentos de Sergio Bermudes no Rio, no Morro da Viúva, e em Nova York, na Quinta Avenida. Também usam a sua Mercedes-Benz, com o motorista. Logo depois da solenidade de transferência da presidência do Supremo para Cezar Peluso, Mendes e Guiomar embarcaram em uma viagem de cinco dias a Buenos Aires – presente de Sergio Bermudes, que os acompanhou.

Perguntei a Gilmar Mendes se não cogitara abdicar de julgar os processos do escritório de Sergio Bermudes que tramitam pelo Supremo – são dezenas, e ele é o relator de alguns. ‘De jeito nenhum’, ele respondeu. ‘Nesse caso também teria que me declarar suspeito nos processos do Ives Gandra, que escreveu livros comigo, e de outros advogados que são meus amigos.’ Mas nem pelo fato de sua mulher trabalhar no escritório de Bermudes? ‘Isso não é motivo’, respondeu…’

LIGAÇÕES PERIGOSAS – 4

O primeiro palanque no qual Peluso subiu, horas depois de eleito presidente, em 10 de março, foi numa festa do site Consultor Jurídico, o Conjur. O palanque foi montado no salão principal do Supremo para comemorar o lançamento da edição de 2010 do Anuário da Justiça, publicado pelo site e pela Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap. Mendes, Celso de Mello, Toffoli, Britto e Lewandowski estavam no tablado de honra com Peluso.

O Anuário é uma revista grossa que é produzida a um custo de cerca de 400 mil reais, bancados pela Fundação Armando Álvares Penteado. A tiragem é de 20 mil exemplares, dos quais 12 mil são distribuídos pela Faap em gabinetes de ministros, parlamentares, governadores e prefeitos. Ele funciona como um quem-é-quem do Judiciário, entremeado de anúncios de escritórios de advocacia. ‘O Anuário dá uma contribuição decisiva para conhecer o Poder Judiciário brasileiro’, disse Gilmar Mendes no seu discurso. ‘É jornalismo judicial especializado.’

O dono do Conjur e editor do Anuário é o jornalista Márcio Chaer, proprietário também de uma assessoria de imprensa, a Original 123. As empresas estão instaladas numa casa de três andares na Vila Madalena, em São Paulo. O site faz uma cobertura intensa e extensa dos eventos e decisões do Poder Judiciário. Chaer é amigo de Guiomar e Gilmar Mendes. Troca e-mails e telefonemas amiúde com o juiz.

A Faap responde a condenações e processos por crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro. Alguns desses processos estão no Supremo. A pessoa jurídica do Conjur, a Dublê Editorial, também tem processos tramitando no tribunal. ‘Não vejo problema nenhum de lançar o Anuário no Supremo’, disse Mendes. O primeiro lançamento foi feito em 2007, quando a presidente era a ministra Ellen Gracie. Ela se declara suspeita quando recebe processos que envolvam a Faap. Joaquim Barbosa acha ‘um escândalo’ que o Anuário seja lançado no Supremo.

O professor de direito Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e autor do livro Controle de Constitucionalidade e Democracia, tem outra opinião: ‘O Anuário pode até produzir informações de interesse público, mas não é isso que está em questão. Uma empresa privada não deveria ter o privilégio de ter seu produto promovido dentro do próprio tribunal. A integridade das instituições depende da separação entre o público e o privado.’

ALÍVIO PARA DANIEL DANTAS

‘…evitamos um namoro explícito com o estado policial. Havia um quadro explosivo que nos levava a um modelo em que a polícia mandava no Ministério Público e em juízes da primeira instância. Era preciso arrostar esses abusos. E eu tive medo de ter medo.’

É aqui que entra o banqueiro Daniel Dantas, alvo da Operação Satiagraha. Mendes mandou soltá-lo duas vezes, concedendo-lhe habeas corpus quando o juiz Fausto de Sanctis quis manter o dono do Opportunity na prisão. Mendes considerou que o juiz, erradamente, se subordinara ao Ministério Público e ao delegado encarregado da investigação, Protógenes Queiroz. De Sanctis não quis dar entrevista a respeito: Por impedimento legal não posso falar de fato concreto, as decisões falam por si, disse-me ele.

Juiz é elemento de controle do inquérito, não é sócio da investigação, afirmou Gilmar Mendes, sobrevoando Salvador. Ele contou os antecedentes de sua primeira decisão: A  Guio  me ligou, dizendo que podiam prender até a Andréa Michael, da Folha de S.Paulo. O governo estava de cócoras em relação aos abusos da polícia. Eu tinha que dar um basta naquilo, fosse Daniel Dantas ou fosse qualquer um.’ ‘Guio’ é Guiomar Mendes, esposa do ministro.

Outro risco de estabelecimento de um ‘estado policial’ surgiu, segundo Mendes, quando a revista Veja publicou uma reportagem sustentando que um telefonema de Mendes com o senador Demóstenes Torres havia sido gravado ilegalmente, e apresentou como evidência a transcrição da conversa. Com a certeza de que fora grampeado por um órgão do Executivo, Mendes ligou para Fernando Henrique Cardoso. Eles são amigos. Nos tempos de Gilmar na presidência, Fernando Henrique entrava pela garagem do Supremo.

‘Eu estava numa fazenda’, contou Fernando Henrique em São Paulo. ‘O Gilmar estava indignado. Disse que ia reagir à altura, chamando às falas o presidente Lula. Eu o incentivei a ir em frente.’ Mendes foi. ‘Não há mais como descer na escala da degradação institucional’, declarou ele à imprensa. ‘Gravar clandestinamente os telefonemas do presidente do STF é coisa de regime totalitário. É deplorável, ofensivo, indigno.’ No dia seguinte, uma delegação do STF integrada por Mendes, Ayres Britto e Cezar Peluso foi ao Planalto sem ter sido convidada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva os recebeu.

No encontro, os três juízes deram como certo que gente do Executivo bisbilhotava a mais alta corte e o Congresso, e cobraram providências. Enfático, o ministro Franklin Martins, da Comunicação Social, argumentou que a denúncia do grampo não tinha comprovação porque o áudio não aparecera. E disse que o governo não podia ser responsabilizado sem provas. Os ministros mal reconheceram sua interlocução. Lula mais ouviu do que falou. Dias depois, à guisa de reparação, mas sem explicitá-la, determinou que o delegado Paulo Lacerda saísse da chefia da Agência Brasileira de Inteligência.

DEGRADAÇÃO DO JUDICIÁRIO

[Dalmo de Abreu] Dallari conheceu Gilmar Mendes quando este era advogado-geral da União e auxiliava o ministro Nelson Jobim, da Justiça, em questões indígenas. ‘Tive uma péssima impressão dele nas reuniões em que nos encontramos; eu defendendo os índios, e ele desenvolvendo uma argumentação típica de grileiro de luxo, de quem vê o índio como empecilho ao desenvolvimento nacional’, disse. ‘Depois houve uma denúncia, da revista Época, mostrando que ele, na Advocacia-Geral da União, contratava o seu próprio estabelecimento de ensino para dar cursos a servidores de lá. Para mim, isso é corrupção.’

Em maio de 2002, Dallari publicou na Folha de S.Paulo um artigo, ‘Degradação do Judiciário’ [vide aqui], com essas e outras acusações. ‘Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional’, diz um dos trechos. O argumento técnico era que Mendes não tinha reputação ilibada, exigência constitucional para o posto.

Ainda à frente da Advocacia-Geral, Mendes pediu que o procurador-geral da República o defendesse. O procurador entrou com uma ação penal contra Dallari pelos crimes de injúria e difamação. Enquanto o processo tramitava, o Senado aprovou a indicação de Mendes, com quinze votos contrários, de um total de 72, um número bastante alto. O juiz federal Sílvio Luís Ferreira da Rocha sentenciou que o artigo de Dallari se enquadrava no adequado direito de crítica, sem configurar ofensa à honra, e determinou o arquivamento do caso. Mendes não recorreu.

‘Não retiro uma vírgula do que escrevi’, disse Dallari exibindo a sentença… [e] continua a criticar Mendes: ‘A gestão dele como presidente foi muito negativa, com excesso de personalismo. Em busca de autopromoção, agiu como um verdadeiro inquisidor’.

P.S.: Infelizmente, o pedido de impeachment era notícia antiga e o inacreditável José Sarney o mandou arquivar em maio de 2011, prestando mais um desserviço às instituições brasileiras. Novo é só o abaixo-assinado.

Embora meu equívoco seja indesculpável, tenho uma atenuante: a digna iniciativa de Piovesan e a medíocre resposta de Sarney deveriam ter recebido da mídia destaque muito maior do que receberam na época. A imprensa está sendo tão omissa no cumprimento do seu papel que até nos confunde…

RECOMENDO TAMBÉM AS  MATÉRIA PARADIGMÁTICAS  DO BLOGUE “DIÁRIO DE CAMPANHA DO LUNGARETTI”:

UMA MISSÃO QUE ASSUMO: DEFENDER OS INJUSTIÇADOS PELOS PODEROSOS

UMA MISSÃO QUE ASSUMO: A LUTA CONTRA OS PRECONCEITOS

UMA CHAMA QUE TENTO MANTER VIVA: O ROMANTISMO REVOLUCIONÁRIO

UMA MISSÃO QUE ASSUMO: LANÇAR UMA PONTE ENTRE OS IDEAIS DE 1968 E A CONTESTAÇÃO ATUAL 

UM MITO QUE CULTUO: ‘CHE PUEBLO’

UM EXEMPLO QUE SIGO: O DA COMUNA DE PARIS

UMA MISSÃO QUE ASSUMO: A DEFESA DA MEMÓRIA DA RESISTÊNCIA E DOS RESISTENTES 

UMA MISSÃO QUE ASSUMO: O EXERCÍCIO DO PENSAMENTO CRÍTICO 

UM IDEAL QUE ME INSPIRA: A SALVAÇÃO DA HUMANIDADE

UMA MISSÃO QUE ASSUMO: A SOLIDARIEDADE AOS INJUSTIÇADOS 

UM IDEAL QUE ME INSPIRA: A REVOLUÇÃO MUNDIAL DO MARX

UM IDEAL QUE ME INSPIRA: A ‘SOCIEDADE ALTERNATIVA’ DO RAULZITO

Sobre o escracho, o PIG, o macartismo e outros temas

Surpreendeu-me encontrar na minha caixa postal uma mensagem de Francisco Foot Hardman, escritor, ensaísta, crítico literário e professor de Teoria e História Literária da Unicamp.

Ele me recomenda o seu artigo publicado neste domingo (22) em O Estado de S. Paulo, O poder do escracho, por ser afim dos meus escritos sobre o mesmo tema.

Corretíssimo. Tem mesmo tudo a ver comigo, tanto que o recomendo enfaticamente (vide íntegra aqui). Eis uma amostra:

Os espectros dos desaparecidos são o GPS real que guia essas alegres levas do Levante. Boa parte das centenas de jovens e representantes de familiares de desaparecidos da ditadura que se espalharam em manifestações políticas contra o esquecimento e a impunidade de torturadores e outros responsáveis pelas ações do aparato de terrorismo do Estado durante a ditadura militar em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Belém, Fortaleza, não viveu aqueles anos.

Isso é tanto mais notável quanto virou idéia fixa repetir que o Brasil é o país da desmemória. Quantos Harry Shibatas precisarão ser ainda desmascarados? Porque é certo que este médico-legista coqueluche da ‘legalização’ dos extermínios praticados por agentes da Oban e do Deops, não foi caso único no amplo aparato do terror instalado pelos serviços da inteligência do regime militar.

Quantos mais foram cúmplices dos perpetradores, administrando a ciência médica a serviço da ‘otimização’ das dosagens de tortura? Quantos juramentos de Hipócrates rasgados sem nenhuma punição dos conselhos regionais ou nacional de medicina?

O escracho é uma manifestação legítima e eficaz. Comprovou-se isso na Argentina, no Chile e no Uruguai…

…É, na verdade, um livre momento de expressão e desabafo da sociedade civil organizada. A informação precisa e atualizada, a rapidez e leveza de sua estrutura de mobilização, em que a internet joga, como em outros exemplos recentes de democracia direta, um papel decisivo, bem como a imaginação criadora de suas variadas formas, esses são seus ingredientes de sucesso.

DESINFORMAÇÃO E LISTAS NEGRAS

Meu estranhamento se deveu a serem raros os  acolhidos na grande imprensa  que têm coragem de assumir vínculo ou identificação com os  boicotados pela grande imprensa: nós, os que só conseguimos divulgar nossos textos na internet. Quanto muito, repetem nossas teses e argumentações sem citarem a fonte.

 O PIG e a web cada vez mais se tornam dois planetas diferentes e, na maioria dos casos, hostis. O primeiro ignora a segunda. A segunda critica acerbamente (quase sempre com justos motivos) o que faz o primeiro.

Para quem escreve com o objetivo de influir nos acontecimentos e não por deleite ou vaidade, é uma limitação terrível.

 

Duelando em igualdade de condições com os inquisidores no território livre da internet, conseguimos convencer as minorias conscientes de que seria uma ignomínia extraditarmos Cesare Battisti para cumprir a sentença farsesca de um tribunal de cartas marcadas, que funcionou sob uma legislação típica de ditaduras (passados os  anos de chumbo, a escabrosa lei instituída exclusivamente contra os ultraesquerdistas foi revogada, mas não se anularam as condenações dela decorrentes!).

 Um dos principais coadjuvantes da ofensiva italiana, juiz aposentado que escreve na CartaCapital, chegou a desertar do debate que iniciara comigo numa tribuna virtual, com os comentários postados pelos internautas quase todos me apoiando.

 Então, era extremamente frustrante assistirmos, impotentes, à mídia desinformando o cidadão comum, a  maioria silenciosa cuja cabeça ela faz, sem a mínima consideração pelas boas práticas jornalísticas, como a de publicar contestações relevantes do  outro lado. Se nos dessem o mínimo de espaço, pulverizaríamos um por um os Minos Cartas da vida –que, sabiamente, esquivavam-se de polemizar conosco (caso do dito cujo, desafiado “n” vezes pelo Rui Martins, pelo Carlos Lungarzo e por mim).

O Lungarzo e eu chegamos a enviar para mais de mil jornalistas o oferecimento de provas incontestáveis de que Battisti tinha sido defendido no segundo julgamento por advogados que não constituiu, munidos de procurações falsificadas. E, como quem desmascarara a tramóia havia sido a Fred Vargas (principal novelista policial da França, tida como uma nova Agatha Christie ou Patricia Highsmith), incluímos um brinde: ela se dispunha a conceder, complementarmente, uma entrevista exclusiva. Um presentão para qualquer profissional de imprensa. NENHUM(A) se interessou.

Vários meses depois, o correspondente do  Estadão  na França ouviu o mesmíssimo relato da boca da Fred e mandou a notícia de lá. Foi, afinal, publicada.

Será que aqueles mais de mil jornalistas tinham desaprendido o ofício? Ou o bloqueio contra qualquer conteúdo contrário à corrente dominante (pró linchamento) era total nas editorias de Política Nacional, de forma que só poderia ser driblado numa menos  estreitamente vigiada, como a do noticiário internacional?

Agora mesmo, teve grande destaque a acusação do digno ministro Joaquim Barbosa a um atrabiliário medievalista que nunca mereceu integrar o Supremo Tribunal Federal e finalmente pendurou a toga, de manipular um julgamento da Lei da Ficha Limpa.

Aproveitando a deixa, divulguei amplamente um crime adicional –muito pior!– cometido pelo mesmo indivíduo, o de manter o escritor Cesare Battisti sequestrado depois do seu caso já estar decidido, na esperança de induzir seus colegas a uma virada de mesa legal.

Com palavras mais veementes, apenas repeti o que haviam afirmado o grande Dalmo de Abreu Dallari e o ministro mais articulado do Supremo, Marco Aurélio Mello: a prisão de Battisti deveria ter sido relaxada tão logo o Diário Oficial publicou a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornando-se, a partir daquele instante, ilegal. E a ilegalidade durou mais de cinco meses, ao cabo dos quais o próprio STF reconheceu que nada mais havia a se discutir, só lhe cabendo cumprir a decisão que delegara a Lula.

Por que não responsabilizarmos por tal aberração o linchador que presidia o Supremo (e também o relator Gilmar Mendes)? Por que a grande imprensa deu tanto destaque a uma acusação difícil de se provar e nenhum a uma indiscutível e irrefutável?

Por dois motivos principais:

  • para não dar a mão à palmatória quanto às muitas arbitrariedades cometidas contra Battisti que ela tinha omitido ou minimizado anteriormente; e
  • para não levantar a bola de jornalistas revolucionários (agiria da mesmíssima forma se a acusação proviesse do Ivan Seixas, Laerte Braga, Rui Martins, Alípio Freire, Altamiro Borges, etc.).

OS JOVENS VOLTAM ÀS RUAS

Mas, repito, tal macartismo velado não impede que jornalistas e outros autores que têm espaços fixos na mídia inspirem-se em nosso trabalho e o reconheçam.

Por mais exasperante que seja a situação de confinado à web, eu me consolo com a lembrança dos anos de intimidação e censura: tudo era bem pior.

E, tanto quanto naqueles tempos sombrios, continuam verdadeiros os versos de Sérgio Ricardo: “cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo”.

O deserto continua causticante, mas as sementes já começam a frutificar:

  • os jovens foram às ruas lutar contra o autoritarismo redivivo nos episódios da proibição da Marcha da Maconha, da ocupação fascistóide da USP, da blitzkrieg na Cracolândia e da barbárie no Pinheirinho;
  • fizeram passeatas contra a ganância e a corrupção;
  • protestaram contra a ilegalidade cometida pelos saudosos do arbítrio ao exaltarem os horrores ditatoriais (com a conivência de autoridades que ignoraram olimpicamente seu compromisso com a democracia);
  • e aplicaram a antigos carrascos e serviçais do terrorismo de estado a única punição possível (moral) face à tibieza dos Poderes constituídos, aos quais caberia aplicar-lhes penas compatíveis com a gravidade dos crimes hediondos que cometeram.

Foram manifestações que nos lavaram a alma e revigoraram nosso ânimo!

Nós, os que marchamos contra a corrente da desumanização, continuaremos travando o bom combate na internet e nas ruas, sem nunca desistirmos de invadir as praias do sistema e com a certeza de que nossos textos são as sementes de um futuro igualitário e livre.

Dallari acusa STF: prisão ilegal, farsa processual, imoralidade…

Dalmo Dallari denuncia: a competência do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti está esgotada e, ao “fingir” o contrário, o STF incorre numa “simulação jurídica que agride a Ética e o Direito”.

Segundo ele, simula-se que o processo esteja “pendente de decisão do Supremo Tribunal, para saber se Battisti será ou não extraditado”, quando, na verdade, já houve “decisão transitada em julgado”.

Como consequência, ao “manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso”, o STF comete “ato de extrema violência”, agravada pela “farsa processual” que “desmoraliza a Suprema Corte brasileira”.

Tido como o maior jurista brasileiro vivo, Dallari manifesta sua indignação no artigo Prisão ilegal de Battisti: uma farsa jurídica.

O professor catedrático da Unesco lembra que o Supremo, em novembro de 2009, autorizou o presidente da República a pronunciar a palavra final no caso, “com o reconhecimento expresso de que é da competência privativa do Chefe do Executivo a decisão de atender ou negar o pedido de extradição e com a observação de que deveria ser levado em conta o tratado de extradição assinado por Brasil e Itália”.

Então, acrescenta Dallari, “estava encerrada aí a participação, legalmente prevista e admitida, do STF no processo gerado pelo pedido de extradição”.

A partir, entretanto, da decisão “inatacável” do presidente Lula de não extraditar Battisti, foi cometida uma “dupla ilegalidade, configurada na manutenção da prisão de Battisti e na farsa de continuação da competência do STF para decidir sobre o mesmo pedido de extradição sobre o qual já o Tribunal já decidiu, tendo esgotado sua competência”.

Dallari é incisivo:

Não existe possibilidade legal de reforma dessa decisão pelo STF e não passa de uma farsa o questionamento processual da legalidade da decisão do Presidente da República por meio de uma Reclamação, que não tem cabimento no caso, pois não estão sendo questionadas a competência do Supremo Tribunal nem a autoridade de uma decisão sua, sendo essas as únicas hipóteses em que, segundo o artigo 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal, cabe a Reclamação.

Tão evidente é, no seu entender, a falta de fundamento legal, que Dallari atribui a tramitação desta Reclamação à “finalidade óbvia, mesquinha e imoral, de manter Cesare Battisti preso por muito mais tempo do que a lei permite”.

Daí a sua conclusão sobre o desfecho do caso (previsto para a próxima semana ou a seguinte):

Em respeito ao Direito e à Justiça e para a preservação da autoridade e da dignidade do STF impõe-se o arquivamento da descabida Reclamação e a imediata soltura de Cesare Battisti, fazendo prevalecer os princípios e as normas da ordem jurídica democrática.

Procurador geral pulveriza falácias dos linchadores de Battisti

Foi de lavar a alma o parecer com que o procurador geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, pulverizou as falácias e a intromissão indevida da Itália num caso cuja última palavra foi dada pelo Brasil há mais de quatro meses, quando recusou em definitivo o pedido de extradição do escritor e perseguido político Cesare Battisti.

A pretensão berlusconiana de fazer com que o Supremo Tribunal Federal cassasse a decisão juridicamente perfeita que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou no exercício da soberania nacional, foi rechaçada com

firmeza por Gurgel:

…manifesta-se a Procuradoria Geral da República pelo não conhecimento da reclamação e, se conhecida, pela sua improcedência. [Traduzindo: não vale a pena desperdiçarmos tempo com este assunto já liquidado, mas, caso o façamos, será para jogarmos o papelucho italiano no lixo.]

Eis as passagens mais marcantes do ótimo parecer:

O Supremo Tribunal Federal (…) deferiu a sua extradição, assentando, por maioria, (…) que o acórdão da Suprema Corte não vinculava o Presidente da República. [Traduzindo: por mais que os linchadores embromem e tergiversem, o que o STF fez foi apenas e tão somente autorizar a extradição caso o presidente da República a quisesse determinar, mas não impor ao presidente que obrigatoriamente extraditasse.]

…se o Brasil não pode interferir nos motivos que ensejaram o pedido de extradição, ao Estado requerente também não é possivel interferir no trâmite do processo de extradição dentro do Estado brasileiro. Tal tentativa de interferência no processo de extradição (…) é violadora do princípio da não intervenção em negócios internos de outros Estados, regra basilar do Direito Internacional Público.

Portanto, sendo a decisão que negou a extradição de Cesare Battisti ato soberano da República Federativa do Brasil, a tentativa por parte da República Italiana de revertê-la, dentro do próprio Estado brasileiro, seria afrontosa à soberania nacional. [Traduzindo: assim como a Itália nega ao Brasil o direito de questionar as aberrações jurídicas em que ela notoriamente incorreu nos anos de chumbo, o Brasil pode igualmente negar à Itália o direito de jogar um Poder brasileiro contra o outro, espezinhando a soberania nacional.]

Falta à República Italiana legitimidade para impugnar ou exercer o controle de legalidade do ato do Presidente da República que negou a extradição de Cesare Battisti. [Traduzindo: a Itália não tinha o direito de recorrer ao STF contra a decisão de Lula. E, por minha conta, acrescento: nem o presidente do Supremo, Cezar Peluso, tinha o direito de, extintas as justificativas legais para manter Battisti preso, prorrogar a detenção de forma arbitrária e ilegal, dando à Itália tempo para tentar alterar o quadro com um disparate jurídico. Desde 31/12/2010 Battisti não está preso pelo Estado brasileiro, mas sim sequestrado pelo ministro Peluso. Parafraseando Marx, quem julga o presidente da mais alta corte?]

Entender que o Estado estrangeiro pode, desembaraçadamente, litigar no foro brasileiro sobre questões de cooperação jurídica internacional constitui grave risco de ruptura ou tumulto dos subsistemas processuais instituídos em nosso ordenamento jurídico para disciplinar esse instituto em suas diversas figuras. [Traduzindo: a Itália não pode fazer da nossa Justiça uma casa da sogra, tumultuando as instituições brasileiras.]

Em suma, a República Italiana não é parte no processo extradicional de direito interno atinente a Cesare Battisti. E, não sendo parte, não pode reclamar o cumprimento da decisão dada no processo de extradição.

É aos órgãos de soberania da República Federativa do Brasil que incumbe atuar para dar curso, pela parte brasileira, à relação jurídica de Direito Internacional Público corporificada no Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália. A Itália (…) não tem nem interesse processual, nem legitimidade  ad causam, nem sequer capacidade de estar em juízo, para ajuizar ação visando ao cumprimento da decisão tomada no processo de extradição.

A admitir-se o contrário, forçoso será admitir que ela possa fazê-lo sempre, em qualquer instância, em feitos de cooperação jurídica internacional. [Aqui a tradução não se faz necessária. Basta o cidadão, togado ou não, ter a mínima noção do que significam duas palavrinhas: dignidade nacional.]