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As Declarações da Candidata sobre o Caso Battisti

corrente

Carlos Alberto Lungarzo

Anistia Internacional (USA) – 2152711

Na edição desta 4ª feira (24), o jornal O Estado de S. Paulo repercutiu com destaque uma entrevista radiofônica concedida pela candidata presidencial Dilma Rousseff, sobre a decisão de extraditar ou não o escritor italiano Cesare Battisti. Vide retranca 1, retranca 2 e retranca 3 .

Segundo o jornal, ela “evitou hoje qualquer tipo de confronto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com os defensores da permanência no Brasil do ex-ativista de esquerda Cesare Battisti” (…), limitando-se a dizer que “se eleita presidente e se tiver de tomar a decisão sobre extraditar ou não Battisti, cumprirá a decisão do Supremo Tribunal Federal”.

O jornal ainda afirma que “Dilma foi tão ambígua quanto a decisão de STF”. Esta afirmação contém um erro de redator, talvez porque ele queria usar uma forma retórica e não teve uma boa ideia. Com efeito…

… é verdade que Dilma foi, de fato, muito ambígua; aí ele está certo.

Mas o STF não foi nada ambíguo, e aí o redator se engana. Na última rodada do processo, em dezembro, o tribunal aprovou, por 5 contra 4, que o presidente não está vinculado ao parecer do STF autorizando (mas não determinando) a extradição, desde que se mantenha compatível com o tratado existente entre o Brasil e a Itália.

Isto não é nada ambíguo, é claríssimo. Se alguém duvida de que 5 é maior que 4, por favor, pergunte a seu filho ou sobrinho de quatro anos…

Quando o ministro Cézar Peluso disse que a decisão era confusa e não sabia como redigi-la (coitado, quanto problema!), estava criando um clima de animosidade e tentando convencer a opinião pública de que Lula não tinha recebido do STF pleno direito de decisão, desde que compatível com o tratado.

Uma prova mais que evidente desta manobra é esta: apesar de ter “ameaçado” que a redação poderia durar muuuuuito tempo, o acórdão acabou saindo quatro meses depois, o que está mais ou menos na média da Justiça brasileira.

Ou seja, a proclamação do resultado do STF era bem clara e Peluso não precisou se angustiar tanto como pensava. Todo mundo entendeu muito bem o que tinha dito Eros Grau.

O sempre brilhante Marco Aurélio de Mello fez uma ironia forte: disse que era necessário fazer um simpósio para discutir como se proclamam os resultados. Ele já tinha dito que essa reunião de dezembro era uma manobra da Itália para “virar a mesa”

Não sei, nem acho relevante saber por que a rádio Band AM de Campinas insistiu neste assunto, sobre o qual a candidata Dilma disse algo exatamente igual há várias semanas, nem por que o Estadão dá tanta relevância a esta banalidade.

Seja qual for o motivo, quero tranquilizar os milhares de amigos de Cesare. Digo “tranquilizar”, porque cá na América Latina justiça e política são misturadas e dominadas por interesses de nível moral nada elogiável.

É natural, então, que a gente não possa confiar nem na própria sombra.

A declaração da candidata

Não sou analista político, e não posso me imaginar em qualquer função da política oficial do establishment. Mas, como o assunto é muito óbvio, vou fazer um esforço e imaginar-me no papel de consultor da candidata para política interna.

Eu diria para ela:

“Dilma, você não fale nada sobre Battisti. Lembre que seu concorrente já se manifestou a favor da extradição. Se você dizer que não extraditará, ele dirá: ‘tão vendo? Eles são malandros defensores de criminosos…

“Se alguém lhe perguntar (o que, com certeza, acontecerá), você diga que não sabe qual será a decisão de Lula, mas que você é obediente ao Judiciário. Você nunca será cobrada porque Battisti será liberado antes de você tomar posse, caso seja eleita”.

Claro que minha ética pessoal e meus valores sociais nunca me permitiriam dar um conselho como este, mas não importa. Tampouco sou assessor de ninguém. Mas, que o raio de Júpiter me fulmine se ela não recebeu um conselho como este!

Por que o Presidente extraditaria?

O Presidente não tem nenhum motivo para extraditar Battisti. É um assunto irrelevante para os planos pragmáticos do governo de erigir o Brasil em potência mundial. Nem ajuda nem atrapalha. Então, não há nenhum motivo para extraditar.

Ora, pareceria tampouco existir motivo para salvar a vida de Battisti. Mas, existe sim.

Primeiro, extraditar Battisti seria uma maldade inútil, uma perversidade desnecessária. Nada se ganharia fornecendo um troféu a esse bando de desvairados por vendetta, que se arrancam os olhos numa briga pelo butim do estado, em meio aos escândalos de corrupção mais escrachados da história da Europa após a guerra. Se Lula mandasse Battisti à tortura e à morte, o que ganharia em troca? A Itália não pode dar-lhe o assento permanente na ONU, porque nem para ela própria conseguiria, se tentasse.

Segundo, entregar Battisti aumentaria a já negativa folha corrida do estado brasileiro (não digo “o governo”, digo o estado em geral, desde há muito tempo) como violador dos direitos humanos básicos em todos os departamentos: brutalidade prisional, tortura, trabalho escravo, pedofilia, violência contra mulher, massacres de fazendeiros contra camponeses, anistia dos criminosos de estado, leniência com os autores de chacina, homofobia, misoginia, negação dos direitos da mulher, em fim… não tenho memória em meu computador para escrever tudo. Isso, sem falar nos direitos sociais.

O leitor pode pensar: e acaso o governo se importa com os Direitos Humanos? Bom, há membros do governo que sim se importam, e eles têm algum peso. Se assim não fosse, o PNDH-3 que é uma obra teoricamente magnífica, não teria sido nem mesmo publicado.

O que o Presidente pode argumentar

O Estadão, na matéria mencionada, se refere também à posição do senador Eduardo Suplicy, segundo quem a condenação à prisão perpétua é um obstáculo para a deportação. Como sempre, ponderado e agudo, Suplicy tocou no ponto sensível.

Há, pelos menos, quatro itens do tratado italo-brasileiro que impedem a extradição de Battisti. Se ele for extraditado, esses pontos seriam violados.

Entretanto, o assunto da prisão perpétua é o mais claro. Como já disse o ilustre Dalmo Dallari (Extradição inconstitucional), trata-se de uma questão de soberania nacional.

Nenhum tratado está acima da Constituição Federal. E, no mesmo nível, estão apenas os tratados sobre Direitos Humanos.

Ora, a Constituição brasileira proíbe a prisão perpétua.

Claro que os italianos pensaram numa “jogada mestra”: o boquirroto ex-ministro Mastella disse lá, pensando que não ficaríamos sabendo aqui, que nos prometeria reduzir a prisão ao que é aceitável para nossas leis, mas apenas para “enganar os brasileiros”.

Há um fato que Dallari já denunciou, mas deve ser repetido tantas vezes quantas a questão seja provocada: a Itália não pode modificar uma sentença que já transitou em juízo.

Eu acrescento, por minha parte, que, mesmo que a intenção italiana fosse boa (e, obviamente, não é), ela deveria violar suas próprias leis para alterar uma sentença judicial que já é definitiva. E por que os italianos fariam isso? Após 31 anos perseguindo uma pessoa por todo o planeta, eles iriam violar leis para beneficiar sua presa? Ridículo.

Outros Pontos do Tratado

No caso de Battisti, paradoxalmente, o tratado não é um inimigo. Por milagre, ele contribui conosco!

Ele possui três artigos (o 3º, 4º e 5º) que estabelecem motivos para a recusa de extradição. Destes, o 4º não é aplicável, pois se refere a pena de morte, uma punição que não existe na Itália. Entretanto, o artigo 3º se aplica perfeitamente em seu inciso “f”. Já o artigo 5º é aplicável em sua totalidade

O inciso “f” visa proteger o extraditando de riscos de perseguição e discriminação ponderáveis. Ora, um risco é uma probabilidade de que aconteça um fato negativo. Já uma certeza é um risco cuja probabilidade é 100%. Uma certeza de perseguição é, portanto, uma forma máxima de risco. E, no caso de Cesare, existe certeza.

Battisti já foi condenado. Deve notar-se que a maioria das extradições passivas é requerida em casos de fugitivos que aguardam processamento, embora haja algumas também para aplicação da pena.

Entretanto, Cesare foi condenado à revelia, sem provas, sem testemunhas e até sem advogados. De toda essa fraude saiu nada menos que duas prisões perpétuas. Isto é considerado perseguição no Manual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e contraria os acordos da União Europeia, segundo os quais qualquer pessoa julgada à revelia deve ter direito a novo julgamento. Itália é o único país da União que não obedece esta norma.

Também Battisti corre risco de vida e de integridade física, pois: (1) o ministro La Russa manifestou seu interesse em torturá-lo; (2) o sindicato de carcereiros disse que quer “vingar Santoro”; (3) o chefe dos sindicatos dos policiais disse que a Itália deveria declarar guerra ao Brasil (por causa de Battisti); e (4) pessoas menos procuradas que Battisti têm sido assassinadas nas prisões italianas, tanto que nelas ocorrem quase mil mortes violentas por ano e entre 55 e 65 suicídios induzidos.

Conclusões

O governo não extraditará Battisti. A extradição seria tão irracional que nem vale a pena discutir sobre esse ponto.

É certo, entretanto, que a decisão do Presidente está demorando demais. A condição de prisioneiro não é brincadeira, mesmo que recebendo tratamento relativamente humano (dentro do que pode ser um cárcere na América Latina). O Presidente e a candidata à Presidência, que foram ambos perseguidos, embora com diferente grau de sofrimento, devem saber disso.

Portanto, está na hora de libertar Battisti.

Não há nada que temer. Os que estimularam o linchamento de Battisti no Brasil estão desmoralizados, e já sentem o desgaste que produz o ódio. Por exemplo:

Os que montaram em janeiro de 2009 uma petição para extraditar Battisti, reuniram, num ano e meio, 307 míseras assinaturas, algumas das quais parecem forjadas. E isto contando com todo o apoio da mídia, dos militares, da oposição política, de parte do Judiciário e da diplomacia.

O jornalista italiano Giuseppe Cruciani, autor do último grito de ódio contra Battisti, expresso em seu tendencioso livro “Gli amici del Terrorista”, reconhece, quando lhe perguntam se Battisti será extraditado: “Io non credo”.

Até o mais soturno inimigo dos ultraesquerdistas de mais de 30 anos atrás, o procurador Armando Spataro, não disse nenhuma palavra contra Battisti numa entrevista passada no dia 07/06/10 pela TV italiana, no famosíssimo programa da Lucia Annunziata, um equivalente feminino do Jô Soares. Apesar de dialogar com a apresentadora sobre quase toda sua vida profissional, aquele assunto não foi tocado. Por sua vez, os políticos não se pronunciam há pelos menos dois meses. O último foi o chanceler Frattini e o penúltimo o prefeito de Veneza.

Então, salvo um milagre, os inimigos de Battisti já não conseguem fazer mais nada. Faço, então, um apelo ao valoroso grupo de parlamentares, juristas, advogados e ativistas dos DH: redijam uma petição precisa e fundamentada, pedindo ao Presidente que agilize sua decisão.

“veja” quanta sordidez!

A foto da direita foi escancarada pela “veja”; a da esquerda mostra o que lhe convém esconder.

Em sua retrospectiva de final de ano, a ex-revista veja dedicou página dupla ao Caso Battisti, mas o texto ocupa apenas um oitavo do espaço do panfleto Bem-vindo, terrorista!.

O restante é tomado por uma foto enorme do escritor em, segundo a Veja, “alegre convescote com um grupo de parlamentares do PT, PCdoB e PSOL”.

A foto foi tirada em 23 de novembro último, sexto dia da greve de fome de Battisti.

Percebe-se claramente que ele está combalido; afinal, antes mesmo de iniciar o jejum, já vinha perdendo forças, por causa da depressão. Vomitava quase tudo, dormia pouco, emagrecera cinco quilos.

Outras fotos batidas na mesma ocasião evidenciam ainda mais suas péssimas condições físicas e seu abatimento. Mas a Veja, claro, optou por aquela em que Battisti se forçou a sorrir, para corresponder ao esforço que os senadores e deputados faziam para o animar.

O objetivo do “alegre convescote”, na verdade, era o de convencê-lo a sair da greve de fome, pois não havia esperança de que seu caso tivesse solução imediata.

Nela prosseguir seria cavar sua sepultura, quando tudo caminha para um desfecho em que a Justiça e as leis brasileiras prevalecerão — embora com lentidão exasperante.

Deveria ter sido libertado em janeiro de 2009, quando o Governo brasileiro lhe concedeu o refúgio que estava apto a conceder.

Amargará, provavelmente, um ano e meio de PRISÃO ILEGAL, apenas e tão somente porque o Supremo Tribunal Federal passa pelo período mais desastroso de sua História.

A ditadura militar foi para a lixeira em 1985 e, incrivelmente, TEMOS HOJE UM PRISIONEIRO POLÍTICO, por DECISÃO ARBITRÁRIA de Gilmar Mendes e do seu escudeiro Cezar Pelluso.

É o que afirma, p. ex., o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, perto de quem tal dupla é menos do que pó de traque.

Isto é que caberia à imprensa esclarecer — mas, igualmente passando por sua fase mais desastrosa em todos os tempos, ela não o faz.

E a veja tem lugar destacado entre os linchadores midiáticos, ao lado da Folha de S. Paulo e da Carta Capital.

Sua sordidez chega ao ponto de escancarar uma foto dessas, omitindo a situação dramática que lhe deu origem!

O tipo de jornalismo que ora desenvolve tem como grande inspirador Joseph Goebbels.

Deveria ser um paradoxo, já que pertence a uma família de judeus.

Mas, face ao que Israel se tornou, tem tudo a ver: veja faz lobby pelo linchamento de Battisti tanto quanto mascara e justifica a política genocida que o estado judeu mantém contra os palestinos.

Como consequência, cada vez mais vai perdendo credibilidade, leitores, assinantes e anunciantes. Se já é uma ex-revista do ponto de vista jornalístico, marcha para sê-lo também em termos físicos.

Quem viver, verá.

Do Brasil para o 1º mundo: eu não sou cachorro, não!


“Eu não sou cachorro não
Pra viver tão humilhado
eu não sou cachorro não
Para ser tão desprezado”

(Valdick Soriano
)

O caso de Sean Goldman, de 9 anos, cuja guarda é disputada pelo pai estadunidense David e pela família brasileira da falecida mãe, teve um desdobramento bizarro nos últimos dias: o senador democrata Frank Lautenberg anunciou a suspensão por tempo indeterminado da votação da medida estendendo para 2010 um programa de isenção tarifária que beneficia as exportações brasileiras.

O Governo tem até o dia 31 para suas gestões no sentido de superar o impasse, caso contrário o prejuízo para os exportadores brasileiros deverá ficar na casa de US$ 3 bilhões.

Está difícil: o pomo da discórdia foi uma liminar do ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo decisão do Tribunal Regional Federal no sentido de que Sean voltasse imediatamente para os EUA com seu pai. Marco Aurélio quer que, após o recesso do STF, seja finalmente ouvido Sean, cuja preferência é permanecer no Brasil.

O senador Lautenberg, ou está jogando para a platéia (Paulo Francis ressaltava que a população dos EUA é predominantemente de jecas, com raros bolsões de vida inteligente…), ou tem ele mesmo cérebro de minhoca: o Supremo jamais poderá ceder à sua chantagem imunda, caso contrário seria o caso de fechar de vez.

O certo é que as pressões arrogantes e descabidas sobre o Brasil viraram moda. Estamos conseguindo nos livrar do complexo de viralatas, mas isto não impede que as autoridades de países do 1º mundo continuem nos tratando a pontapés.

Vide as reações exacerbadas dos italianos à decisão soberana do Governo brasileiro de conceder refúgio humanitário ao escritor Cesare Battisti, bem diferentes dos protestos tímidos que emitiram quando o presidente francês Nicolas Sarcozy lhes enfiou idêntico sapo goela adentro, no Caso Marina Petrella:

  • ministros e até autoridades de segundo escalão ousaram conclamar Lula a revogar a decisão do seu ministro da Justiça, cometendo uma crassa grosseria diplomática (à intromissão insultuosa em nossos assuntos internos se somou o desrespeito à figura do presidente brasileiro, cujos interlocutores protocolares são o presidente Giorgio Napolitano e o premiê Silvio Berlusconi);
  • o embaixador foi chamado à Itália para consultas e “discussão de novas diretrizes”;
  • o vice-presidente da bancada governista na Câmara dos Deputados da Itália pregou a suspensão das relações com o Brasil;
  • aproveitando o fato de estarem presidindo o G-8 (grupo dos países ricos), os italianos insinuaram que poderiam dificultar o almejado ingresso do Brasil;
  • o vice-prefeito de Milão conclamou os italianos a boicotarem os produtos brasileiros;
  • o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado exortou os italianos a boicotarem o Brasil como destino turístico;
  • o ministro da Defesa (o neofascista Ignazio La Russa, aquele que até hoje reverencia a memória dos militares da República de Saló que enfrentaram as forças aliadas na 2ª Guerra Mundial…) e o subsecretário das Relações Exteriores defenderam o cancelamento da partida de futebol com o Brasil, enquanto a ministra da Juventude recomendou que os jogadores entrassem em campo com faixas de luto.
Last but not least, o ministro da Justiça Angelino Alfano declarou a uma associação de vítimas da ultraesquerda (e o Corriere della Sera publicou), textualmente (!), que pretendia f… os brasileiros, ao prometer-lhes que a pena de Cesare Battisti seria reduzida de prisão perpétua para 30 anos de detenção.

Ou seja, nossas leis vedam que um estrangeiro seja extraditado para cumprir pena superior à máxima daqui e Alfano admitiu de público que nos estava enrolando com uma falsa promessa, pois queria mesmo é nos f…

[Aliás, o jurista Dalmo de Abreu Dallari acaba de bater na mesma tecla, enfatizando que o governo italiano, a despeito das promessas vazias que faça, não tem poder para modificar uma sentença judicial definitiva, daí a existência de um impedimento constitucional intransponível para a extradição de Battisti.]

Já está mais do que na hora de mostrarmos nossas garras àqueles que nos pressionam/chantageiam a torto e a direito, referindo-se a nós como otários prontos para serem f… pelos espertalhões dos países centrais e às nossas mulheres como meras prostitutas (“o Brasil é conhecido por suas dançarinas”)…

Caso Battisti: o esgoto se manifesta

No artigo O Fiasco natalino da Fabbrica Italiana di Buffonatas, ao analisar o fracasso retumbante do último golpe propagandístico com que a Itália e seus serviçais tentaram coagir o presidente Lula a proceder como um vil linchador, constatei: “Nem mesmo a grande imprensa brasileira, tão parcial em tudo que se refere a Battisti, embarcou pra valer nessa canoa furada”.

Queimei a língua: a Veja e a CartaCapital não tiveram o comedimento dos jornalões. Em nome de uma causa repulsiva e já perdida, mentiram descaradamente para seus leitores.

A primeira — que era da marginal do Tietê e agora é também dos marginais da extremadireita — disse a que veio desde o título: Grazie, Supremo. Deveria colocar o texto também em italiano, tornando total a vassalagem.

Segundo a Veja, ao completar 55 anos nesta 6ª feira (18), Battisti ganhou “uma passagem só de ida a Roma, cortesia do Supremo Tribunal Federal”.

E por aí seguiu, entre a grosseria explícita e a desinformação programada:

“Lula não tem alternativa a não ser devolver Battisti ao sistema judicial do país onde ele está condenado pelos assassinatos”.

“O terrorista não se encaixa em nenhuma das exceções que poderiam impedir a extradição”.

“Se Lula não extraditar Battisti, não só o Brasil poderá ser denunciado pela Itália na Corte de Haia como o STF certamente enquadrará o presidente”.

CHANTAGEM E ALARMISMO BARATO

A CartaCapital, em Enfim caiu a discricionaridade, não só fingiu acreditar que o factóide desta semana terá alguma importância real no desfecho do caso, como erigiu novamente o ultradireitista Gilmar Mendes em fonte confiável, chegando ao absurdo de ajudá-lo a chantagear Lula.

Assim, no final do texto que Mino desta vez esquivou-se de assinar, tal o estrago que o último causou na sua reputação, está dito que, em recente entrevista à TV Educativa do Paraná, Mendes “insinuava que, se a decisão final de Lula contrariar o tratado, a Itália poderá ingressar com nova ação no STF”.

A CartaCapital aprova entusiasticamente, ao enfatizar que “a decisão do dia 16 não exclui esta possibilidade”.

Trocando em miúdos: a revista do Mino Carta ajuda o principal linchador do STF a fazer alarmismo barato, tentando vergar Lula às imposições italianas, em detrimento da soberania nacional. Que cada leitor tire suas conclusões.

Quanto ao fulcro da questão, já foi esgotado por quem tem conhecimentos jurídicos e autoridade moral para o fazer.

Caso de Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e professor catedrático da Unesco na cadeira de Educação para a Paz, Direitos Humanos e Democracia e Tolerância, que considerou a extradição inconstitucional:

“…o dado essencial é que as próprias autoridades italianas afirmam o caráter político das ações de que Battisti foi acusado, pois subversão é crime político, na Itália e no Brasil. Ora, a Constituição brasileira diz expressamente, no artigo 5º, inciso LII, que ‘não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião’. Só isso já torna inconstitucional a extradição de Cesare Battisti.

“Outro obstáculo constitucional intransponível é o fato de que a Constituição brasileira, pelo mesmo artigo 5º, no inciso XLVII, dispõe que ‘não haverá pena de caráter perpétuo’. Ora, o tribunal italiano que julgou Battisti condenou-o à pena de prisão perpétua. Essa decisão transitou em julgado, e o governo italiano não tem competência jurídica para alterá-la, para impor uma pena mais branda, como vem sendo sugerido por membros daquele governo. A Constituição da Itália consagra a separação dos Poderes e assim como o presidente da República do Brasil está obrigado a obedecer a Constituição brasileira o mesmo se aplica ao governo da Itália, em relação à Constituição italiana.

“Em conclusão, no desempenho de sua atribuição constitucional privativa o presidente Lula (…) respeitando as disposições da Constituição brasileira, como é seu dever, deverá negar o atendimento do pedido, pela existência de impedimento constitucional”.

Caso também de Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional dos EUA, que assim desmistificou o factóide desta semana:

“…não se acrescentou nada novo, porque o caráter discricionário da decisão de Lula não impedia, obviamente, que alguém tentasse depois processá-lo sob qualquer pretexto, como retaliação no caso de que recusara extraditar Battisti. Ou seja, Lula não está obrigado a cumprir a ordem de extradição, mas, se retiver o perseguido em nosso país (com ou sem tratado), pode ser julgado por crime de responsabilidade.

“A única diferença é que hoje, este risco de Lula de ser processado foi colocado pelo Supremo Tribunal numa forma mais escandalosa e despudorada. Agora, pode ser usado com mais força como bandeira pela mídia, pela infame máfia diplomática peninsular, e por todas as forças do terrorismo de estado que se escondem abaixo da democracia aparente da pátria de Berlusconi…”.

Parafraseando Camões, cessa tudo o que os corvos linchadores grasnam, pois um valor mais alto se alevanta: a grandeza de Dallari e de Lungarzo é inalcançável para esses senhores da mídia que direcionam insensivelmente Veja e CartaCapital ao esgoto jornalístico.