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Presidente do PSOL exige respostas sobre envolvimento do nome de Bolsonaro em investigação sobre Marielle

O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, exige explicações sobre o depoimento divulgado na noite desta terça-feira 29 em uma reportagem do Jornal Nacional que aponta que um dos suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes citou o nome de Jair Bolsonaro.

“Exigimos esclarecimentos imediatamente. O PSOL nunca fez qualquer ilação entre o assassinato e Jair Bolsonaro. Mas as informações veiculadas hoje são gravíssimas”, diz Medeiros.

Investigações da Polícia Civil revelam que Élcio de Queiroz, apontado como o motorista do carro usado no crime praticado em março de 2018, foi ao condomínio onde mora o ex-PM Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos, horas antes do assassinato. Na portaria, teria anunciado o nome de Bolsonaro e o número de sua casa, segundo o porteiro, mas após entrar, se dirigiu à casa de Ronie Lessa.

Leia a íntegra da nota do presidente do PSOL:

NOTA PÚBLICA 

A informação veiculada no Jornal Nacional desta terça-feira é grave. Segundo ele, horas antes do crime que vitimou nossa companheira Marielle Franco, um dos assassinos, Élson Queiróz, contatou a casa do então deputado federal Jair Bolsonaro. A informação foi obtida através do depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde vivia a família Bolsonaro.

Exigimos esclarecimentos imediatamente. O PSOL nunca fez qualquer ilação entre o assassinato e Jair Bolsonaro. Mas as informações veiculadas hoje são gravíssimas. O Brasil não pode conviver com qualquer dúvida sobre a relação entre o Presidente da República e um assassinato. Exigimos respostas. Exigimos justiça para Marielle e Anderson.

Juliano Medeiros
Presidente Nacional do PSOL
29 de outubro de 2019

O que falta para Bolsonaro ser intimado a depor no inquérito sobre a morte de Marielle?

Por Luis Nassif

O sujeito acusado do descarte da arma que matou Marielle, Josinaldo Lucas Freitas, o Djaca, professor de artes marciais, aparece em fotos com Bolsonaro.

Ontem foi descoberto mais um elo entre a morte de Marielle Franco e o presidente da República Jair Bolsonaro. O sujeito acusado do descarte da arma que matou Marielle, Josinaldo Lucas Freitas, o Djaca, professor de artes marciais, aparece em fotos com Bolsonaro. O advogado do Djaca diz que ele é pessoa pública “que tem foto com todo mundo”. Na categoria “todo mundo” incluiu o presidente da República.

Até agora, as seguintes evidências ligam Bolsonaro aos envolvidos no crime.

  1. O ex-PM Ronnie Lessa, assassino de Marielle, era vizinho de condomínio de Bolsonaro. Morava a menos de 100 metros.
  2. Capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime, da milícia do Rio das Pedras, e que utilizava os serviços de Ronnie Lessa, teve mãe e esposa empregadas pelo então deputado Flávio Bolsonaro, filho de Jair.
  3. Major Ronaldo Paulo Alves Pereira, outro envolvido com a milícias do Rio das Pedras, recebeu moção de louvor na Assembleia Legislativa, conferida por Flávio Bolsonaro.
  4. Motorista Queiroz, ponto de contato com a milícia do Rio das Pedras, administrava a caixinha de Flávio Bolsonaro na Assembleia e repassava dinheiro para a primeira dama.
  5. Ligados às milícias, os gêmeos Alan e Alex Rodrigues de Oliveira eram seguranças e Flávio. Sua irmã Valdeni era tesoureira do PSL do Rio.

O que falta para, no mínimo, Jair Bolsonaro ser convocado para testemunha para depor no inquérito?

Fonte: Jornal GGN

‘Não se combate o crime, se combate a favela’

“Vivemos 21 anos de ditadura militar (1964-1985). E a transição para a democracia não está completa. Tivemos avanços nos direitos políticos, mas o mesmo não ocorreu nos direitos econômicos e sociais. A estrutura da polícia é muito vinculada a uma herança da ditadura. Os batalhões de polícia parecem quartéis. O Batalhão de Operações Especiais (Bope), no Rio de Janeiro, realiza seus treinamentos em uma favela-cenário. Mas os crimes não se concentram nas favelas. Menos de 1% dos moradores de qualquer favela do Rio tem envolvimento com o crime. Por que toda a lógica de repressão é voltada para a favela? Na verdade, não se combate o crime, se combate a favela.

(…)

Temos 16 UPPs instaladas num universo de mil favelas. Nenhuma área controlada por milícia tem UPP, com exceção de Ubatan – onde os jornalistas do jornal O Dia foram barbaramente torturados. Portanto, essa região tem um potencial simbólico. As UPPs estão em áreas estratégicas de grandes investimentos do capital privado. Todas as favelas próximas a hotéis e a praias da zona Sul têm uma UPP. Não é um projeto de policiamento e não atende às favelas mais violentas. É um projeto de cidade.”

Marcelo Freixo, deputado estadual (PSOL-RJ), pouco antes de sair do País devido às crescentes ameaças contra sua vida por parte de milícias que atuam na capital fluminense. Jornal do Comércio – 30/10/2011

Brasil: Fortalecendo a campanha internacional contra as milícias no Rio de Janeiro

Conforme noticiado recentemente, o convite que o Deputado Estadual Marcelo Freixo, do Rio de Janeiro, recebeu das organizações Front Line Defenders e Anistia Internacional para viajar à Europa a fim de falar sobre a expansão das milícias, faz parte de uma campanha internacional que já dura alguns anos.

Por todo o mundo, ativistas de direitos humanos continuam trabalhando para acabar com a disseminação das milícias no Rio de Janeiro. Trata-se de grupos do crime organizado formados, majoritariamente, por ex-agentes da área de segurança pública ou por agentes da ativa que atuam fora do seu horário de serviço.

Essas gangues dominam as vidas de centenas de milhares de moradores das comunidades mais vulneráveis do Rio de Janeiro, extorquindo dinheiro, empreendendo negócios irregulares e ilegais, propagando a violência e instituindo currais eleitorais. Sendo assim, para que se consiga eliminar as milícias, é necessário que se tomem medidas de cunho político combinadas com investigações policiais. Tais ações deverão incluir o combate às atividades econômicas irregulares e ilegais que sustentam esses grupos.

Os homens e mulheres que tiveram a coragem de enfrentar essas gangues criminosas costumam viver sob extremo perigo, como ficou demonstrado, recentemente, pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli, por integrantes da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Há muitos anos que o Deputado Estadual Marcelo Freixo, um ativista de direitos humanos de longa data, tem sido uma das principais figuras públicas cuja face se destaca na luta contra as milícias. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado, Marcelo Freixo presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as atividades desses grupos, resultando em centenas de detenções. Em consequência de seu trabalho, ele vem sofrendo inúmeras ameaças contra sua vida.

Por muitos anos, o Deputado tem contribuído com uma campanha internacional que busca informar o mundo a respeito desses grupos e denunciar sua expansão. Com tal propósito, a Front Line Defenders e a Anistia Internacional convidaram Marcelo Freixo a visitar a Europa em apoio a sua campanha, para encontrar-se com autoridades e ativistas de direitos humanos a fim de captar apoios que fortaleçam essa ação internacional.

Recentemente, Marcelo Freixo recebeu sete novas ameaças de morte. Essas ameaças evidenciam o perigo iminente que o Deputado enfrenta, sendo causa de imensa pressão sobre ele e sua família.

A Front Line Defenders e a Anistia Internacional reconhecem que as autoridades estaduais têm continuamente fornecido proteção armada ao Deputado, e que tal proteção está sendo atualmente reforçada. Entretanto, está na hora de as autoridades federais, estaduais e municipais implementarem as recomendações pendentes da CPI das Milícias, a fim de garantir que todos os cidadãos do Rio de Janeiro possam viver com mais paz e segurança.

/FIM
Anistia Internacional
Declaração Pública – Índice: AMR 19/016/2011
1 de novembro de 2011

Setor de segurança privada emprega 20 milhões em todo o mundo, quase o dobro de policiais

Estudo alerta para descontrole do setor, que ameaça respeito aos direitos humanos. Documento também aponta que, em 2008, Brasil esteve entre os líderes da exportação de armas de pequeno porte e munições, após os Estados Unidos, a Itália e a Alemanha.

O setor de segurança privada já emprega aproximadamente 20 milhões de pessoas. O número é quase o dobro da quantidade de policiais em atividade no planeta. O rápido crescimento é fruto da tendência dos governos em terceirizar suas funções de segurança, conforme relatório lançado essa semana com base nos dados da ONU.

A edição de 2011 da “Pesquisa sobre Armas Leves” (‘Small Arms Survey’), publicada nesta quarta-feira (06/07) pelo Instituto de Graduação em Estudos Internacionais e do Desenvolvimento, contabilizou também o comércio global de armas de pequeno porte e munições. O valor comercializado por ano está em cerca de US$ 7,1 bilhões e, em 2008, o Brasil esteve entre os líderes da exportação, após os Estados Unidos, a Itália e a Alemanha.

Em aeroportos, fronteiras, nas vias públicas e até nas prisões é cada vez mais comum encontrar seguranças privados. A pesquisa revela, no entanto, que os mecanismos de regulação e prestação de contas não acompanharam o ritmo dessa privatização.

Conforme denúncias detalhadamente descritas em seus livros, Noam Chomsky sempre chamou a atenção para o fato de que, para evitar que sejam denunciados por violações de direitos humanos, governos imperialistas e mesmo nações médias e pequenas terceirizam seus crimes contra a Humanidade. É o caso dos Estados Unidos, após sucessivas invasões – desde as mais “midiáticas”, como Afeganistão e Iraque, até intervenções menos conhecidas do público, como as intervenções de forças especiais norte-americanas em 18 países latinoamericanos em 2009, tornadas públicas pela Agência Pública.

Descontrole

Muitas empresas multinacionais não têm sistemas de supervisão fortes o bastante para impedir a contratação de pessoas com histórico de violência, diz o relatório. Isto pode ser percebido pela falta de registros dos abusos.

“Apesar das evidências de que algumas empresas de segurança privada estejam envolvidas na aquisição ilegal de armas de fogo, tenham perdido armas por roubo ou tenham feito mal uso de seus arsenais, não há registro sistemático de tais abusos”.

A Pesquisa sobre Armas Leves é um projeto independente com base nos dados mantidos pela Divisão de Estatística das Nações Unidas e do Registro de Armas Convencionais.

Acesse a pesquisa nas seis línguas oficiais da ONU clicando aqui.

Grampo revela conversa de ex-chefe de polícia do Rio com investigado

DIANA BRITO e HUDSON CORRÊA
DA FOLHA DE S. PAULO NO RIO

“Não pode deixar brecha, tá. Não deixa brecha, não, porque vocês são alvo legal”, disse o então chefe da Polícia Civil do Rio Allan Turnowski em um dos cinco telefonemas feitos no 27 de novembro para um inspetor investigado na Operação Guilhotina.

O telefone do inspetor estava grampeado e, com base nas escutas, a Polícia Federal indiciou Turnowski sob suspeita de vazamento de informação.

O inquérito foi entregue na tarde desta sexta-feira ao Ministério Público Estadual, que poderá oferecer ou não denúncia contra o ex-chefe de polícia.

Turnowski deixou o cargo quatro dias após a Operação Guilhotina, deflagrada no dia 11 contra 32 policiais civis e militares acusados, entre outros crimes, de vender informações a traficantes sobre ações da polícia e desviar armas do tráfico.

Entre esses policiais estava o inspetor da 22ª Delegacia da Penha, zona norte do Rio, com o qual Turnowski conversou no dia 27 de novembro.

Ouça os áudios clicando aqui.

Na época, o Complexo do Alemão estava cercado e prestes a ser invadido pelas força de segurança, o que de fato ocorreu no dia seguinte aos telefonemas. Há suspeitos que presos foram libertados por policiais em troca de propina.

“Olha só, o secretário [de Segurança Pública, José Marinano Beltrame] me ligou, que caiu na escuta da Federal a prisão desse cara [acusado de ser segurança do traficante FB, Fabiano Atanázio da Silva, chefe do Complexo do Alemão] pela 22ª [Delegacia]”, disse Turnowski.

O inspetor responde que o preso “já está trancado lá na 22ª”.

“Fica esperto aí que nêgo da federal está descendo já, que caiu na escuta, que negô ia vender uma cabeça aí [libertar o preso], não sei o quê. Pô, ainda bem que já tinha sido avisado e já falei para o secretário. Se não, negô já estava queimando vocês. Então fica esperto. Vê se tem mais alguém agarrado. Confere duas equipes aí”, acrescentou o ex-chefe da Polícia Civil.

A reportagem não localizou Turnowski hoje. Ele nega ter vazado informação. Disse que apenas orientou policiais sobre como proceder legalmente.

Matéria original da Folha Online aqui.

Entidades de direitos humanos criticam “caça ao tesouro” e denunciam tortura em favelas do Rio

"A ordem é vasculhar casa por casa", disse o comandante da PM. As autoridades rasgaram as leis e deram carta-branca para a livre atuação de policiais (foto: Lena Luz)

Desde o dia 28 de novembro, organizações da sociedade civil realizaram visitas às comunidades do Alemão e da Vila Cruzeiro, onde se depararam com uma realidade bastante diferente daquela retratada nas manchetes de jornal.

“Foram ouvidos relatos que denunciam crimes e abusos cometidos por equipes policiais.  São casos concretos de tortura, ameaça de morte, invasão de domicílio, injúria, corrupção, roubo, extorsão e humilhação”, aponta um comunicado conjunto assinado por seis entidades do Rio de Janeiro, entre elas o Conselho Regional de Psicologia do Estado e a ONG internacionalmente conhecida Justiça Global.

As organizações ouviram também relatos que apontam para casos de execução não registrados, ocultação de cadáveres e desaparecimento.

“Durante o processo, a sensação de insegurança e medo ficou evidente. Quase todos os moradores demonstraram temor de sofrerem represálias e exigiram repetidamente que o anonimato fosse mantido. E foi assim, de forma anônima, que os entrevistados compartilharam a visão de que toda a região ocupada está sendo ‘garimpada’ por policiais, no que foi constantemente classificado como a ‘caça ao tesouro’ do tráfico”, afirma.

Leia abaixo a manifestação pública e, abaixo, as entidades que assinam o documento.

Manifestação Pública de Organizações de Direitos Humanos sobre Alemão e Vila Cruzeiro

Há três semanas, as favelas do Alemão e da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, se tornaram o palco de uma suposta “guerra” entre as forças do “bem” e do “mal”. A “vitória” propagada de forma irresponsável pelas autoridades – e amplificada por quase todos os grandes meios de imprensa – ignora um cenário complexo e esconde esquemas de corrupção e graves violações de direitos que estão acontecendo nas comunidades ocupadas pelas forças policiais e militares. Mais que isso, esta perspectiva rasa – que vende falsas “soluções” para os problemas de segurança pública no país – exclui do debate pontos centrais que inevitavelmente apontam para a necessidade de profundas reformas institucionais.

Desde o dia 28 de novembro, organizações da sociedade civil realizaram visitas às comunidades do Alemão e da Vila Cruzeiro, onde se depararam com uma realidade bastante diferente daquela retratada nas manchetes de jornal. Foram ouvidos relatos que denunciam crimes e abusos cometidos por equipes policiais. São casos concretos de tortura, ameaça de morte, invasão de domicílio, injúria, corrupção, roubo, extorsão e humilhação. As organizações ouviram também relatos que apontam para casos de execução não registrados, ocultação de cadáveres e desaparecimento.

Durante o processo, a sensação de insegurança e medo ficou evidente. Quase todos os moradores demonstraram temor de sofrerem represálias e exigiram repetidamente que o anonimato fosse mantido. E foi assim, de forma anônima, que os entrevistados compartilharam a visão de que toda a região ocupada está sendo “garimpada” por policiais, no que foi constantemente classificado como a “caça ao tesouro” do tráfico.

A caça ao tesouro

É um escândalo: equipes policiais de diferentes corporações, de diferentes batalhões, se revezam em busca do dinheiro, das jóias, das drogas e das armas que criminosos teriam deixado para trás na fuga; em lugar de encaminhar para a delegacia tudo o que foi apreendido, as equipes estão partilhando entre elas partes valiosas do “tesouro”. Aproveitando-se do clima de “pente fino”, agentes invadem repetidamente as casas e usam ameaças e técnicas de tortura como forma de arrancar de moradores a delação dos esconderijos do tráfico. Não bastasse isso, praticam a extorsão e o roubo de pequenas quantias e de telefones celulares, câmeras digitais e outros objetos de algum valor.

Apesar deste quadro absurdo, o governo do estado do Rio de Janeiro tenta mais uma vez esvaziar e desviar o debate, transformando um momento de crise em um momento triunfal das armas do Estado. Nem as denúncias que chegaram às páginas de jornais – como, por exemplo, as que apontam para a fuga facilitada de chefes do tráfico – foram respondidas e investigadas. Independente disso, os relatos que saem do Alemão e da Vila Cruzeiro escancaram um fato que jamais pode ser ignorado na discussão sobre segurança pública no Rio de Janeiro: as forças policiais exercem um papel central nas engrenagens do crime. Qualquer análise feita por caminhos fáceis e simplificadores é, portanto, irresponsável. E muitas vezes, sem perceber, escorregamos para estas saídas.

Direcionar a “culpa” de forma individualizada, por exemplo, e fazer a separação imaginária entre “bons” e “maus” policiais é uma das formas de se esquivar de debates estruturais. Penalizar o policial não altera em nada o cenário e não impede que as engrenagens sigam funcionando. Nosso papel, neste sentido, é avaliar os modelos políticos e as falhas do Estado que possibilitam a perversão da atividade policial. Somente a partir deste debate será possível imaginar avanços concretos.

Diante do panorama observado após a ocupação do Alemão, as organizações de direitos humanos cobram a responsabilidade dos Governos e exigem que o debate sobre a reforma das polícias seja retomado de forma objetiva. Nossa intenção aqui não é abarcar todos os muitos aspectos desta discussão, mas é fundamental indicarmos alguns aspectos que achamos essenciais.

Falta de transparência e controle externo

A falta de rigor do Estado na fiscalização da atuação de seus agentes, a falta de transparência nos dados de violência, e, principalmente, a falta de controle externo das atividades policiais são fatores que, sem dúvida, facilitam a ação criminosa de parte da polícia – especialmente em comunidades pobres, distantes dos olhos da classe média e das lentes da mídia. E os acontecimentos das últimas semanas realmente nos dão uma boa noção de como isso acontece.

Apesar dos insistentes pedidos de entidades e meios de imprensa, até hoje, não se sabe de forma precisa quantas pessoas foram mortas em operações policiais desde o dia 22. Não se sabe tampouco quem são esses mortos, de que forma aconteceu o óbito, onde estão os corpos ou, ao menos, se houve perícia, e se foi feita de modo apropriado. A dificuldade é a mesma para se conseguir acesso a dados confiáveis e objetivos sobre número de feridos e de prisões efetuadas. As ações policiais no Rio de Janeiro continuam escondidas dentro de uma caixa preta do Estado.

Na ocupação policial do Complexo do Alemão em 2007, a pressão política exercida por parte deste mesmo coletivo de organizações e movimentos viabilizou, com a participação fundamental da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, um trabalho independente de perícia que confirmou que grande parte das 19 mortes ocorridas em apenas um dia tinham sido resultado de execução sumária. Foram constatados casos com tiros à queima roupa e pelas costas, disparados de cima para baixo, em regiões vitais, como cabeça e nuca. Desta vez, não se sabe nem quem são, quantos são e onde estão os corpos dos mortos.

Para que se tenha uma ideia, em uma favela do Complexo do Alemão representantes das organizações estiveram em uma casa completamente abandonada. No domingo, dia 28, houve a execução sumária de um jovem. Duas semanas depois, a cena do homicídio permanecia do mesmo jeito, com a casa ainda revirada e, ao lado da cama, intacta, a poça de sangue do rapaz morto. Ou seja, agentes do Estado invadiram a casa, apertaram o gatilho, desceram com o corpo em um carrinho de mão, viraram as costas e lavaram as mãos. Não houve trabalho pericial no local e não se sabe de nenhuma informação oficial sobre as circunstâncias da morte. Provavelmente nunca saberemos com detalhes o que de fato aconteceu naquela casa.

“A ordem é vasculhar casa por casa…”

Por outro lado, o próprio Estado incentiva o desrespeito às leis e a violação de direitos quando informalmente instaura nas regiões ocupadas um estado de exceção. Os casos de invasão de domicílio são certamente os que mais se repetiram no Alemão e na Vila Cruzeiro. Foi o próprio coronel Mario Sérgio Duarte, comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, quem declarou publicamente que a “ordem” era “vasculhar casa por casa”, insinuando ainda que o morador que tentasse impedir a entrada dos policiais seria tratado como suspeito. Mario Sérgio não apenas suprimiu arbitrariamente o artigo V da Constituição, como deu carta-branca à livre atuação dos policiais.

Em qualquer lugar do mundo, a declaração do coronel seria frontalmente questionada. Mas a naturalidade com que a fala foi recebida por aqui reflete uma construção histórica que norteia as ações de segurança pública do estado do Rio de Janeiro e que admite a favela como território inimigo e o morador como potencial criminoso. Em comunidades pobres, o discurso da guerra abre espaço para a relativização e a supressão dos direitos do cidadão, situação impensável em áreas mais nobres da cidade. De fato, a orientação das políticas de sucessivos governos no Rio de Janeiro tem sido calcada em uma visão criminalizadora da pobreza.

Em meio a esse caldo político, as milícias formadas por agentes públicos – em especial por policiais – continuam crescendo, se organizando como máfia por dentro da estrutura do Estado e dominando cada vez mais bairros e comunidades pobres no Rio de Janeiro. No Alemão e na Vila Cruzeiro, comenta-se que parte das armas desviadas por policiais estaria sendo incorporadas ao arsenal destes grupos. Especialistas avaliam com bastante preocupação a forma como o crime está se reorganizando no estado.

Mas isto continua tendo importância secundária na pauta dos Governos. De olhos fechados para os problemas estruturais do aparato estatal de segurança, seguem apostando em um modelo militarizado que não é direcionado para a desarticulação das redes do crime organizado e do tráfico de armas e que se mostra extremamente violento e ineficaz.

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2010.

Assinam:

  • Justiça Global
  • Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência
  • Conselho Regional de Psicologia – RJ
  • Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
  • Instituto de Defensores de Direitos Humanos
  • Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis