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Pelo menos 10 escolas de samba do RJ terão enredo crítico no carnaval do ano que vem

Pelo menos dez das das treze escolas de samba do Rio de Janeiro levarão para a Sapucaí um enredo crítico ao contexto político brasileiro. Uma delas é a Estação Primeira de Mangueira, que venceu o carnaval de 2019 com o refrão “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”. 

Em 2020, a verde e rosa se apresenta como a “Estação Primeira de Nazaré”, no “A Verdade Vos Fará Livre”. O nome da música faz uma referência explícita ao jargão utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro, em sua campanha nas eleições de 2018: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, João 8:32, da Bíblia Sagrada.

A versão da Mangueira, no entanto, música traz um “Jesus da gente”, de “rosto negro, sangue índio, corpo de mulher”, filho de pai carpinteiro desempregado e de mãe Maria das Dores Brasil. O samba-enredo foi assinado por Manuela Oiticica, a Manu da Cuíca – que emplacou a canção do carnaval deste ano – ao lado de Luiz Carlos Máximo.

“Será que todo povo entendeu o meu recado? Porque de novo cravejaram o meu corpo, os profetas da intolerância (…) Favela, pega a visão, não tem futuro sem partilha nem Messias de arma na mão”, conforme trecho da letra.

“Com certeza, ele [Jesus Cristo] aprovaria uma escola espetacular que trata a favela como um ato de sobrevivência, especialmente com esse governo que mais mata favelados. Mas o samba mostra que estamos vivos”, disse Manu da Cuíca, em entrevista ao site “Carnavalesco”.

Leia a letra do samba-enredo na íntegra:

A Verdade Vos Fará Livre

Eu sou da Estação Primeira de Nazaré

Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher

Moleque pelintra do buraco quente

Meu nome é Jesus da gente

Nasci de peito aberto, de punho cerrado

Meu pai carpinteiro desempregado

Minha mãe é Maria das Dores Brasil

Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira

Me encontro no amor que não encontra fronteira

Procura por mim nas fileiras contra a opressão

E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão

Eu tô que tô dependurado

Em cordéis e corcovados

Mas será que todo povo entendeu o meu recado?

Porque de novo cravejaram o meu corpo

Os profetas da intolerância

Sem saber que a esperança

Brilha mais que a escuridão

Favela, pega a visão

Não tem futuro sem partilha

Nem messias de arma na mão

Favela, pega a visão

Eu faço fé na minha gente

Que é semente do seu chão

Do céu deu pra ouvir

O desabafo sincopado da cidade

Quarei tambor, da cruz fiz esplendor

E ressurgi pro cordão da liberdade

Mangueira

Samba, teu samba é uma reza

Pela força que ele tem

Mangueira

Vão te inventar mil pecados

Mas eu estou do seu lado

E do lado do samba também

Edição: Julia Chequer

Fonte: Brasil de Fato

A Beija-Flor entra na avenida com as mãos sujas de sangue

Você acha que os dirigentes brasileiros já fizeram de tudo, mas logo chegam novidades no front.

A Beija-Flor entra no carnaval carioca com o maior patrocínio jamais recebido por qualquer escola de samba. São, no total, 10 milhões de reais.

E o que explora esse megaempresário? Cervejas? Comida? Alguma coisa muito essencial e cotidiana, para que derrame tanto dinheiro na avenida. Nada disso – essa pessoa explora seres humanos. Africanos, para ser mais direto. Trata-se de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo (foto) – mais conhecido apenas como Obiang, ditador que há 35 anos manda e desmanda na Guiné Equatorial, país da África Central. Da Europa anunciam, também com certa surpresa: o ditador teria dado 3 milhões de euros ao grupo carnavalesco. Mesmo em euros, é muita coisa.

O país é um dos maiores produtores de petróleo da África, o que possibilita que Obiang vá às compras pelo mundo, adquirindo luxuosos apartamentos no Rio de Janeiro, Londres, Buenos Aires, Paris e uma mansão de 30 milhões de dólares na Califórnia – esta última para o filhão, que assumirá os negócios quando Obiang não estiver mais por aí. Os gastos impressionam até mesmo quem é muito, muito rico.

Não sobra muito para os cerca de 700 mil demais habitantes, como se pode imaginar. Apesar da renda por cidadão ser de mais de 20 mil dólares, 76% da população vive abaixo da linha da pobreza.

O enredo da Beija-Flor: “Um griô (homem sábio) conta a História: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade”.

Entrarão na avenida muitas pessoas, incluindo muitos negros, com o dinheiro de outros tantos negros africanos que sofrem com a mão pesada de um ditador que governa por decreto. E o que dizem os movimentos sociais (qualquer um)? Festa popular?

Não se trata de política, diz a Beija-Flor em nota. É um lance ‘cultural’: “O tema tem viés estritamente cultural e não aborda o formato de governo do país. Buscamos enaltecer a arte e a força do povo da Guiné Equatorial. Bem como a transformação dos benefícios das suas riquezas naturais em melhorias para a população”. A Beija-Flor diz estar indo para cantar a liberdade – “Negro canta, negro clama liberdade!” – e, para isso, aceitou de bom grado o dinheiro destes mesmos negros.

Sempre me perguntam como ajudar de longe aqueles que mais precisam em todo o mundo. Eu não sei. Acho muito difícil mesmo. Mas uma coisa é certa: não é sendo conivente com um dos ditadores mais sanguinários de todos os tempos.

Queres um tapa na cara no fim do carnaval?

Desconcertante, insólito e genial. ”Adeus à carne” é o mais novo espetáculo de Michel Melamed em cartaz no Teatro SESC Ginástico. Carregado com o deboche que lhe é peculiar, a obra de Melamed traz esquetes carnavalescas provenientes de um cotidiano hostil e cínico. A peça já se inicia com uma grande cruz, cujo centro é representado por um ânus iluminado. Grunhidos e gestuais animalescos são encenados pelo próprio Melamed e o restante do elenco: Bruna Linzmeyer, Pedro Henrique Monteiro, Rodolfo Vaz, Thalma de Freitas e Thiare Maia.

De cabo a rabo, o espetáculo segue um discurso alegórico do dia a dia brasileiro a partir da (multi)perspectiva carnavalesca. É instigante ver como o texto se teatraliza a partir das cenas que nos são corriqueiras durante o carnaval, mas que não nos damos conta ou não refletimos criticamente sobre elas. O amor platônico (ou de carnaval) por várias vezes é pincelado pelas cenas, ora nos fazendo refletir sobre nós mesmos; ora nos divertindo, somente.

 

 

O velho clichê da manipulação midiática, aqui, ganha novos contornos. Os seis atores, vestidos com capacetes das logomarcas das principais emissoras de televisão do Brasil, encenam o pauperismo conteudista de tais veículos e como se relacionam entre si, numa nítida e preocupante dança hipnótica de amansadores de rebanho.

As inúmeras possibilidades da sexualidade também ganham destaque em “Adeus à carne”. Seja numa transa rápida durante um bloco de carnaval em uma ruela ou seja em um ritual macabro, onde os algozes quebram o soturno cênico nos apresentando uma “rapidinha” corriqueira, que, diante dos olhares estupefatos da plateia, termina da mesma maneira que começou: inesperadamente.

Lésbicas, gays, grávidas, caixões, roldanas, velas, capuzes, escadas, enfim, o espetáculo nos interpela com fragmentos cênicos de uma vida concreta, nos trazendo para reflexão de um país do carnaval. O drama carnavalizado dá tom desta obra genial que, inegavelmente, dá um tapa na cara deste povo demagogo e feliz.

Que gente triste possa entrar na dança.

Que gente triste possa entrar na dança.

Que gente longe viva na lembrança.

Que gente grande saiba ser criança.

Carnaval 2012: Disque Cidadania LGBT funcionará 24h e Centro de Referência da capital dará plantão


Programa Estadual Rio Sem Homofobia distribuirá materiais educativos de combate à homofobia, dicas de saúde e serviços durante o carnaval.

Pela segunda vez consecutiva, o Governo do Rio, através do Programa Estadual Rio Sem Homofobia, lançará materiais educativos e dicas de saúde durante todo o carnaval, nos principais pontos de frequência LGBT. O Bloco da Preta Gil, que desfila neste domingo (12) na Av. Rio Branco, foi escolhido para ser o point de lançamento e distribuição dos primeiros materiais. A ação também contará com mil guarda-sóis da campanha publicitária Rio Sem Homofobia espalhados pela orla do Rio, principalmente nas barracas gay friendly.

Além de propagar direitos e enumerar o passo a passo do que fazer em casos de homofobia, os materiais conterão informações de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, golpes como “Boa Noite Cinderela” e dicas de utilização de silicone e hormônios para travestis e transexuais. Tais informações também estarão disponíveis em inglês e espanhol.

 

 

“É a segunda vez que o Governo do Rio de Janeiro faz um material específico para a população LGBT na época do carnaval. Também difundimos no conteúdo dos materiais mensagens para a população heterossexual de respeito aos LGBT. O objetivo é reunir saúde, direitos e combate à homofobia em todos os panfletos e ventarolas! Neste ano disponibilizaremos advogados, psicólogos e assistentes sociais também no período de carnaval em horário comercial; e o Disque Cidadania LGBT funcionando 24h para dar suporte à comunidade em situação de discriminação ou em busca de informação”, explicou o superintendente e coordenador do Programa Estadual Rio sem Homofobia, Cláudio Nascimento.

Além dos materiais informativos e o plantão para atendimento à população LGBT, a ação realizará o policiamento diferenciado nas áreas, bailes e bandas de frequência  LGBT, como ação de prevenção à violência contra esse público. “Para isso, articulamos pelo quarto ano com a Secretaria de Segurança e a Chefia de Policia Civil uma ação conjunta, informando os locais prioritários e as possíveis ações”, complementa Nascimento.

Os materiais serão distribuídos em locais de frequência LGBT, como saunas, boates, festas e bailes específicos; além, é claro, da Marquês da Sapucaí. Esta é uma iniciativa da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, através da Superintendência de Direitos Individuais Coletivos e Difusos com apoio das Secretarias de Segurança e Saúde.

Máscaras, carnaval, revolução

Uma das cavalhadas mais famosas do País acontece na cidade de Pirenópolis, em Goiás. É o grande acontecimento da cidade. Uma espécie de carnaval local.

Este ano, a festa está em crise. A promotoria estadual impôs restrições à participação dos mascarados. Trata-se de adultos, jovens e crianças que vestem fantasias e máscaras durante os dias de festejo. Protegidos pelo anonimato, saem pelas ruas, brincando com as pessoas e pedindo dinheiro. A cavalo ou a pé, causam grande alvoroço na cidade.

A medida teria sido adotada devido a delitos envolvendo os mascarados. Grande parte da população discorda. O resultado foi um boicote dos mascarados aos festejos deste ano. Grande parte dos foliões não saiu às ruas.

O pensador russo Mikhail Bakhtin foi um dos primeiros a mostrar a dimensão subversiva do carnaval. Em “A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento – O Contexto de François Rabelais”, ele diz:

Enquanto dura o carnaval, não se conhece outra vida senão o carnaval (…). Durante a realização da festa só se pode viver de acordo com as suas leis, isto é, as leis da liberdade.

Liberdade que as leis da circulação da mercadoria estão sufocando. Sob seu domínio, os festejos populares tornaram-se reféns dos interesses econômicos e políticos. Instituições, governos, empresários tentam castrar seu potencial de criação e subversão.

Talvez, estejam entupindo perigosamente uma importante válvula de escape. Permitindo o acúmulo de uma pressão que pode se tonar incontrolável e colocar tudo de pernas pro ar. Algo que permita ao povão abandonar a proteção das fantasias para desafiar a ordem abertamente.

Na verdade, toda verdadeira revolução social tem que ser um poderoso carnaval popular. É a hora em que se arrancam as máscaras dos poderosos para mostrar suas caras feias. Só não esperemos que eles respondam com confete e serpentina.

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Leia também: Saberes, sabores, rebeldia
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