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A memória viva de Carandiru

Ainda tem gente acha que o Brasil está avançando, mas curiosamente o filme de Hector Babenco revisitado esta noite (18/5) na TV Globo, Carandiru (2002), mostra em que pé estamos.

Para quem não lembra, 111 detentos foram covardemente assassinados pela polícia militar no dia 2 de outubro de 1992, na Casa de Detenção Carandiru, no município de São Paulo. Todos os relatos mostraram claramente que não havia perigo de fuga e os detentos estavam desarmados, depois de negociação bem sucedida. Ali se demonstrou porque o monopólio da violência pode ser um desastre maior do que a própria ameaça da violência pública. E não se tratava de algo isolado. A ONG Justiça Global mostrou que 25% das 1.140 mortes violentas no Estado de São Paulo em 1991 foram atribuídas à polícia. Durante a administração do governador Antonio Fleury Filho (1991-1992), a PM matou uma pessoa a cada sete horas.

Da Folha Online em 02/10/2002: “Sem negociação, a Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) ocupa o primeiro e o segundo andar do pavilhão. A tropa não é preparada para esse tipo de ação e entra no presídio fortemente armada. Todos os presos que estavam no primeiro andar foram mortos. No segundo andar, morrem 60% dos detentos.”

Drauzio Varella, autor do livro Estação Carandiru – que deu origem ao filme – mostra com sua sábia pesquisa porquê não quis ouvir os demais envolvidos no ocorrido (Deus e a polícia), apenas os detentos. Drauzio realizou um trabalho humanizador no local envolvendo o tratamento e prevenção da Aids, em uma época que em transbordavam preconceitos. Já a produção do filme mostrou, ao meu ver, falta de sensibilidade ao final, quando preferiu não comentar que, naquele momento, nem uma única autoridade havia sido condenada.

A minha insatisfação (pontual) com o filme, na verdade, é mais ampla do que a proposta: muitos processos já prescreveram. O Estado de São Paulo foi condenado em ações indenizatórias, mas ninguém foi responsabilizado nominalmente. O coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a operação foi levado a júri popular em junho de 2001 e condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 dos 111 presos. No entanto, em fevereiro de 2006, a sentença original da juíza Maria Cristina Cotrofe foi revertida. O Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu Ubiratan Guimarães por 20 votos a dois (leia aqui). Ubiratan foi assassinado em seu apartamento, em setembro de 2006.

Uma matéria do site JusBrasil, de outubro de 2007 – quando o caso completou 15 anos, sem condenados – informa: “De acordo com um dos promotores responsáveis pelo julgamento do coronel, Norberto Joia, para 32 policiais acusados de lesões corporais as ações prescreveram o prazo de quatro anos. Ainda segundo Joia, mais de 80 policiais “não foram levados a júri porque ainda cabe recurso aos próprios réus” e como o caso envolve muitos policiais, por conseqüência, o processo é mais demorado. Os réus aguardam sentença de pronúncia e o processo aguarda decisão do TJSP para ser enviado a júri popular.” Novamente a morosidade da Justiça é a “responsável”, mesmo que nos casos em que há vontade política, as sentenças são bem mais ágeis. (a matéria aqui). A impunidade foi registrada na Revista Consciência.Net aqui.

Por esse cenário trágico de conformismo, parecem zelar diversas instituições nacionais e grande parte da elite adormecida, resignada ou satisfeita com a situação – entre elas a imprensa (e como é de praxe, novamente, a Revista Veja dá mais um exemplo de sua mediocridade, leia aqui). E o caso, esquecido, mostra o quanto precisamos melhorar.

No ano passado, diante de tamanha sensação de impotência, decidi iniciar uma segunda graduação, para estudar Direito. Os motivos são muitos. As reprovações também. Só não entendo como ainda tem gente que não sabe o que fazer da vida, quando há tanto a ser feito. Falta visão. Ou coragem, quem sabe.

E, por vergonha, em vez de cobrarmos justiça, apagamos nosso passado para conseguirmos seguir “em frente”. Tal como fizeram com a Casa de Detenção Carandiru. Continua, enfim, em nossa memória coletiva. Memória dos brasileiros descontentes com o status atual da sociedade, mesmo depois da demolição.

Saiba mais:

Massacre do Carandiru completa 15 anos sem condenados na Justiça

Depois de 15 anos completados na última terça (2/10), a operação policial de invasão da Casa de Detenção de São Paulo, que resultou na morte de 111 presos no episódio conhecido como Massacre do Carandiru, permanece sem culpados definidos na justiça ou condenados. Por Petterson Rodrigues, repórter da Agência Brasil.

Os processos e as investigações sobre a operação da tropa de choque da Polícia Militar do estado continuam em trâmite na justiça e muitos processos prescreveram. Apenas o estado de São Paulo foi condenado em ações indenizatórias. Nenhum policial morreu na ação e o único previamente condenado acabou inocentado.

O processo do caso Carandiru teve início na justiça militar paulista em 1992. Em 1994, foi enviado ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mas subiu ao Supremo Tribunal de Justiça por acusar militares numa instância civil. Em 1996, o processo voltou ao TJSP e o Código Penal Militar foi alterado no país determinando que os homícidios praticados por militares fossem para a justiça comum.

O coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a operação foi levado à júri popular em 2001 e condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 dos 111 presos. Mas em fevereiro de 2006, a sentença original da juíza Maria Cristina Cotrofe foi revertida. O Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu Ubiratan Guimarães por 20 votos a dois. Embora considerasse válido o julgamento de 2001, a maioria dos desembargadores acatou argumentos apresentados pela defesa e inocentou o coronel.

Ubiratan Guimarães foi assassinado com um tiro no abdome, no dia 9 de setembro de 2006, no apartamento dele na capital paulista. O inquérito instaurado pela Polícia Civil de São Paulo, concluiu que a advogada Carla Cepolina, namorada do coronel, foi a responsável pela morte de Guimarães.

De acordo com informações de um dos promotores responsáveis pelo julgamento do coronel, Norberto Joia, para 32 policiais acusados de lesões corporais, as ações prescreveram o prazo de quatro anos. Ainda segundo Joia, mais de 80 policiais “não foram levados a júris porque ainda cabe recurso aos próprios réus” e como o caso envolve muitos policiais, por conseqüência, o processo é mais demorado. Os réus aguardam sentença de pronúncia e o processo aguarda decisão do TJSP para ser enviado a júri popular.

“Há uma morosidade um pouco maior em decorrência da própria lei. Como são muitos réus e há que se respeitar a defesa de cada um deles, acaba se tornando mais moroso”, explica Joia.

Outro fator que atrasa os processos, segundo o promotor, é que por lei é preciso dar prioridade de julgamento a processos de réus que estão presos. “Se tiver de julgar um preso ou uma pessoa que está respondendo em liberdade, julga primeiro o preso. A própria lei leva a isso.”

Famílias de vítimas do Carandiru foram indenizadas pelo estado, diz defensoria

A operação da polícia militar paulista, que, em 1992, resultou na morte de 111 presos, no episódio conhecido como Massacre do Carandiru, gerou na Justiça de São Paulo dezenas de processos de indenização contra o estado, que foi condenado na maioria deles.

Segundo a assessoria de comunicação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que acompanha o caso, 58 processos foram ajuizados pela extinta Procuradoria de Assistência Judiciária de São Paulo. Destes, 51 foram julgados e o estado foi condenado a indenizar os familiares dos presos mortos. Não cabem mais recursos nessas ações. Nos sete processos restantes, seis ainda não foram julgados e um foi extinto.

Por dano moral, o governo de São Paulo foi condenado a pagar uma indenização de R$ 3.582.200 para 88 familiares. Porém, dos 51 casos, apenas oito começaram a receber através de títulos precatórios do estado. O pagamento é feito em dez parcelas anuais.

Ainda de acordo com a Defensoria Pùblica de São Paulo, em 20 dos processos julgados, houve condenações que resultaram em pensões vitalícias. Os valores das pensões variam de acordo com cada caso, segundo a Defensoria Pública.

Bicudo: ‘A falta de justiça em Carandiru é retrato da impunidade’
Da Agência JB

Para o presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, Hélio Bicudo, o ideal seria rever as leis que estabelecem crimes cometidos por policiais. Ele disse que o debate evitaria o que aconteceu no Massacre do Carandiru, caso que permanece sem culpados na justiça ou condenados.

– Antes de ser policial, ele é um funcionário público do estado. Por que não ser tratado na justiça comum? Precisamos ampliar a lei que estabelece os crimes praticados por policiais no sentido de que todos os crimes praticados pela polícia contra civis sejam tratados pela justiça comum. Tem de tirar o corporativismo que é causado pela polícia – defendeu.

Para Bicudo, o caso do Massacre do Carandiru, que completa 15 anos, nesta terça-feira, é um retrato da impunidade no Brasil.

– São 15 anos de impunidade. Até hoje não houve nenhuma condenação. Policiais que participaram da chacina estão trabalhando normalmente, exercendo suas funções – afirma.