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Brasil acolhe Battisti

Depois da vitória por 6×3 no Supremo Tribunal Federal, uma mais categórica ainda no Conselho Nacional de Imigração: por 14×2, o colegiado, vinculado ao Ministério do Trabalho, concedeu nesta 4ª feira (22) autorização de permanência para o escritor italiano Cesare Battisti, que poderá residir e trabalhar no Brasil, como imigrante legal, por tempo indeterminado.

 

Em termos jurídicos, é o ponto final dos apuros de Battisti, depois de debater-se durante sete anos num pesadelo kafkiano.

 

Ele deixara as fileiras da ultraesquerda italiana em 1979 e reconstruíra a vida no exílio, acabando por tornar-se um respeitado novelista na França, ao abrigo da Lei Mitterrand.

 

Em 2004, contudo, a Itália o escolheu como alvo de uma cruzada vingativa, aproveitando a histeria que grassava nos países do 1º mundo desde o atentado ao WTC, insuflada  ad nauseam pela indústria cultural.

Em breve nas telas: O Incrível
Fiasco do Exército Brancaleone

 

Para os estadunidenses, foi uma chance de, sob falsos pretextos, invadirem países soberanos e submetê-los à sua vontade. Os italianos, mais modestos, contentaram-se em desencadear uma perseguição  tão espetaculosa quanto inútil, impingindo a lorota de que um personagem secundário dos anos de chumbo seria terrível terrorista — tal qual, séculos atrás, queimavam mulheres fogosas como bruxas e judeus como infiéis.

 

Depois da bilionária campanha para fazer com que a França desonrasse o compromisso solene que assumira com os perseguidos políticos italianos, os linchadores peninsulares se transferiram com armas e bagagens para o Brasil, onde, ao lado dos quinta-colunas tupiniquins que lhes serviram de escudeiros, acabam de sofrer uma acachapante derrota.

 

A qual, vale repetir, é definitiva: as escaramuças legais anunciadas pela Itália não têm a mais ínfima possibilidade de alterarem o resultado do jogo após o apito final do árbitro. Servem apenas para alimentar, entre os direitistas e os videotas de lá, uma ilusão que talvez ajude a salvar o premiê Silvio Berlusconi da degola. Espero que não.

Berlusconi roda a baiana, como um Duce de buffonata

escrevi sobre como os anos Berlusconi deixaram em cacos a imagem que eu tinha da Itália: a de um país amadurecido, pleno de humanidade, compaixão e sabedoria.

Cinéfilo inveterado, queria crer que cada italiano tivesse um pouco de Marcello Mastroianni; e cada italiana, de Sofia Loren.

De repente, fiquei sabendo que a figura realmente emblemática da pátria do meu avô é outra, uma versão piorada de Benito Mussolini (a História se repetindo como
farsa grotesca, buffonata de mafuá…).

E cada vez mais escândalos e delinquências foram vindo à tona: ligações perigosas com a Máfia, antecedentes neofascistas, fraudes, subornos, arbitrariedades, deboches.

Um rosário de ilegalidades, irregularidades e impropriedades, mais do que suficientes para derrubar o premiê de qualquer nação que se respeitasse.

A Itália, infelizmente, não se respeita.

Então, nela nada mais me surpreende.

Nem mesmo que esteja em gestação uma lei com o objetivo gritante de manietar a Justiça e censurar a imprensa, apenas para que não seja mostrada ao povo a nudez do rei.

É o que informa a notícia Itália para contra a “lei da mordaça”, publicada neste sábado (10) pela Folha de S. Paulo, cujos principais trechos reproduzo em seguida:

“Os principais jornais italianos decidiram não circular ontem nem atualizar seus sites na internet. A maioria dos canais não exibiu telejornais, e foram poucas as notícias nas rádios. Também houve greve de transportes em cidades como Roma e Milão.

“Foi um protesto contra a ‘lei da mordaça’, como é conhecido o projeto que o premiê Silvio Berlusconi tenta aprovar no Congresso.

“O projeto já passou no Senado e deve ir à votação na Câmara no dia 29. Se virar lei, irá restringir o uso de grampos telefônicos em investigações e punir com multa os meios de comunicação que publicarem as transcrições.

“Aos jornalistas, estão previstas penas de prisão de até dois meses.

“Há também grande descontentamento entre juízes. A associação dos magistrados afirmou em nota que a nova lei irá tornar muito mais difícil o trabalho investigativo de policiais e juízes.

“…os críticos afirmam que ele [Berlusconi] tenta se proteger, evitando investigações sobre sua vida e sobre membros do governo. Em 2009, o vazamento de partes de investigações sobre corrupção atingiram o premiê.

“Foram divulgados pelos meios de comunicação fotos e detalhes de festas que o premiê dava em sua casa, para as quais eram contratadas garotas de programa.

“Há dois meses, Berlusconi foi obrigado a aceitar a renúncia de Claudio Scajola, seu então ministro da Indústria, após a mídia divulgar operações fraudulentas na compra de um apartamento”.

O primeiro-ministro reagiu pedindo a ajuda de seus simpatizantes para dar fim à “mordaça imposta à verdade”, por parte de uma mídia que “pisoteia sistematicamente no sagrado direito à privacidade dos cidadãos invocando a liberdade de imprensa como se fosse um direito absoluto”.

Segundo o herdeiro espiritual do Duce, “na democracia não existem direitos absolutos”.

Parece um papa discorrendo sobre sexo: fala sobre o que desconhece e nunca praticou. Não passa de figura tosca de um autoritarismo rançoso e odioso.

Enfim, serve como consolo a constatação de que, com enorme atraso, os italianos finalmente começam a despertar de sua letargia cúmplice.

Talvez nem tudo esteja perdido; aguardemos os próximos e emocionantes capítulos.

Cesare Battisti ou Joseph K. (*)?

O Caso Battisti será debatido hoje (15/04) na Associação dos Professores da PUC/SP, a partir das 19 horas.

Quem puder, compareça: rua Bartira, 407, Capital.

Os demais poderão acompanhar a transmissão ao vivo no site http://www.passapalavra.info.

Estão confirmadas as participações do bom Carlos Lungarzo, que trouxe para o Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti os conhecimentos adquiridos em três décadas de militância na Anistia Internacional; de outro professor, Lúcio Flávio de Almeida, do Depto. de Política da PUC/SP; e deste que vos escreve.

Outros defensores das causas justas poderão integrar a mesa, se conseguirem desvencilhar-se a tempo de seus compromissos. Somos poucos para tantas lutas.

Em pauta, a kafkiana situação do escritor italiano, preso há mais de três anos no Brasil por causa de crimes ocorridos há mais de três décadas na Itália e já prescritos (o tendencioso relator do processo de extradição no STF, Cezar Peluso, distorceu os cálculos…).

Crimes de que não foi acusado no primeiro julgamento, em julho de 1979, quando recebeu a exageradíssima sentença de 12 anos de prisão, por mera subversão contra o Estado italiano.

Crimes que lhe foram jogados nas costas quando o processo, já transitado em julgado, foi reaberto em 1987 por conta das delações premiadas de Pietro Mutti, o líder do grupo de ultraesquerda do qual Battisti havia participado.

Acusado por um juiz, noutro processo, de mentir sistematica e descaradamente à Justiça, distribuindo culpas de acordo com suas conveniências, Mutti inculpou Battisti por quatro assassinatos — e, pateticamente, a acusação teve de ser reescrita pelos promotores quando se constatou que dois desses episódios haviam ocorrido com um intervalo de tempo insuficiente para que Cesare pudesse ter se locomovido de uma a outra cidade.

Em vez de jogarem esse amontoado de mentiras no lixo, inventaram que Battisti teria sido o autor intelectual de um desses homicídios. Poderiam também ter-lhe atribuído o dom da ubiquidade, por que não? As fábulas aceitam tudo…

Com o único respaldo de outros interessados em favores da Justiça italiana, cujos depoimentos magicamente se casaram com os de Mutti, Battisti foi condenado em 1987 à prisão perpétua.

Depois ficou indiscutivelmente provado que, foragido no México, ele esteve representado nesse julgamento por advogados que não constituíra para tanto, os quais fraudaram procurações para apresentarem-se como seus defensores (embora houvesse conflito de interesses entre Battisti e os co-réus que eles também defendiam).

Nem sequer isto foi levado em conta pela Justiça italiana, que lhe nega o direito líquido e certo a novo julgamento, como qualquer sentenciado à pena máxima cuja condenação tenha se dado à revelia.

O quadro se completa com as pressões políticas e caríssimas campanhas de mídia que a Itália desenvolveu para convencer a França a renegar o compromissso solene que assumira com os perseguidos políticos italianos, de deixá-los residir e trabalhar em paz, desde que se abstivessem de interferir na política de sua pátria.

E com as descabidas pressões políticas sobre o governo brasileiro, depois que este, soberanamente, concedeu refúgio a Battisti.

Além da interferência exorbitante nos trâmites do caso no STF, com o servil consentimento de Cezar Peluso, que em momento algum mostrou a isenção inerente a um relator, tomando invariavelmente partido pela posição italiana contra Battisti e contra o ministro da Justiça do Brasil (que sempre deu e deveria continuar dando a última palavra nos casos de asilo político e refúgio humanitário).

Assim se roubaram três anos da vida de Cesare Battisti, cidadão que já foi mais do que punido pelo que realmente fez, mas querem transformar em bode expiatório do que não fez, como um símbolo do triunfo da pior direita européia sobre os ideais de 1968.

Fico me lembrando de uma peça decisiva na eleição de John Kennedy à presidência dos EUA: a foto de Richard Nixon, malencarado e com sorriso matreiro, mais a legenda “você compraria um carro usado deste homem?”. O eleitorado dos EUA não comprou.

Hoje, face aos escândalos sexuais, à corrupção escancarada, à brutal perseguição aos imigrantes, à antiga ligação com a Máfia e à óbvia condição de herdeiro político de Mussolini, seria o caso de se perguntar, sobre Berlusconi: você acreditaria numa cruzada encabeçada por este homem?

* Joseph K. é o personagem principal de “O Processo”, de Franz Kafka: um cidadão que, sem saber sequer do que o acusam, acaba sendo julgado e executado por um poder que atua nas sombras.

Caso Battisti: Últimos Retoques

UMA AMOSTRA (atenuada) DE UM SLIDE DE NOSSA PROVA

 

O recente artigo de Celso Lungaretti sobre Berlusconi me fez acordar de novo para o caso Battisti, me lembrando que, embora praticamente resolvido, ainda há alguns retoques finais que devem ser feitos em nossa crônica. A matéria de Celso encontra-se em seu site Náufrago da Utopia, no link:

http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2010/03/do-que-berlusconi-fugiu-afinal.html

Já em meu artigo sobre Passaportes Falsos, eu tinha chamado a atenção sobre a discrepância entre a aleivosia do STF e a singela atitude do juizado federal do Rio de Janeiro, onde se aplicou a Battisti uma pena normal por porte de passaporte apócrifo, que nossos custódios da lei chamam “falso”. (Juridiquês e português diferem até nas palavras mais comuns.)

Como Celso faz notar, esta pena, que pode considerar-se justa se abstraímos que Cesare é, de fato e de direito (direito outro que aquele interpretado pelo STF), um refugiado político, coloca um obstáculo intransponível à extradição do escritor italiano. Isto prova, pelo menos sob uma observação fenomênica, que o juizado do Rio NÃO AGIU EM NENHUM MOMENTO sob a pressão da máfia jurídico-político-diplomática, que pretendia que Cesare não fosse obrigado a cumprir a condena no Brasil.

Problemas da Prescrição

Um problema que vem à tona depois desta decisão do juizado do Rio de Janeiro é aquela da prescrição da pena de Cesare. Como faz notar Celso, esta nova situação coloca um empecilho à curiosa aritmética do relator do caso. Por sinal, quero insistir num ponto que aparecia na parte final de minha carta ao Presidente do STF, quando lhe sugeri admitir o empate. Naquele momento, eu disse que a demonstração dada por Marco Aurélio de Mello, de que a pena de Battisti estava prescrita, era um verdadeiro teorema.

http://cesarelivre.org/node/185

Entretanto, na retomada do julgamento, na sessão seguinte, Marco Aurélio, mantendo seu voto contra a extradição, retificou, porém, sua contagem, que ficou igual à do relator.

Marco Aurélio é, sem dúvida, uma pessoa de talento, mas, no clima em que se desenvolveu o julgamento de Battisti, caracterizado pela sobredose de falácias e ameaças implícitas, até uma banca formada por Einstein, Feynman e Turing poderia se confundir. De fato, a contagem feita por Marco Aurélio na sessão anterior, na qual declarava prescrita a pena de Cesare, foi CORRETA, e ele errou quando se autocriticou.

Lamentavelmente, poucos dos muitos juristas que acompanham o caso (Silva Jardim, os advogados da defesa e alguns outros) perceberam que a tese inicial de que o caso estava prescrito era correta, e apresentaram esta verdade diafanamente. Não obstante, a mídia não deu a mínima relevância ao assunto. É verdade que em 1988, quando Cesare foi condenado a prisão perpétua, o processo não tinha transitado totalmente em julgado. Mas, se o processo prosseguiu e não ficou parado aí, foi por causa do recurso do réu. O direito a recurso ou a apelação é típico de qualquer sistema jurídico razoável, e tal recurso deve ser entendido como o uso de uma ferramenta legal que o réu possui para defender a sua liberdade. Vide:

http://cesarelivre.org/node/121

http://supremoemdebate.blogspot.com/2010/01/extradicao-eo-caso-battisti.html

Ou seja, se esse recurso tivesse a “virtude” de adiar a data de contagem da prescrição significaria que o réu que usa seu direito de apelar se estaria prejudicando por causa disso.

Isto é o que se chamaria, num portunhol decente, “reforma para pior” (existe um juridiquema em latim que nunca pude decorar). Este juridiquema expressa uma das maiores aberrações jurídicas e é ensinado nos cursos de direito como exemplo de barbárie (algo como seria dar ao réu dois promotores e nenhum advogado de defesa). Pelo jeito, o famoso fundador do integralismo, que foi professor do relator do processo de Battisti, não ensinou isso a seu discípulo.

Então, a prescrição já está vigorando. Quem poderia decidir isso é um tribunal internacional, mas me parece razoável a tendência da defesa de Battisti de não insistir na denúncia internacional, um processo que foi iniciado por mim em julho de 2009 junto à CIDH, e que está provisoriamente parado, dado que o problema terá uma solução pacífica. Concordo plenamente em que, num momento em que o Presidente Lula está mostrando boa vontade, não deve ser pressionado mais ainda.

A Ausência de Berlusconi

A conjetura de Lungaretti sobre o adiamento da viagem de Berlusconi parece razoável, tendo em conta como variável adicional que uma primeira visita, que fora informalmente planejada para fevereiro, também foi adiada sine die. A união de ambos os fatos parece sugerir que o Primeiro Ministro Italiano estava na expectativa sobre o destino de Battisti.

Embora tenha sido declarado que o caso de Cesare não estaria na pauta dos presidentes, também foi dito que o asilo definitivo do escritor italiano e sua confirmação pelo Estado Brasileiro deveriam ser protocolados numa data afastada da visita do premier, para lhe evitar a humilhação de que ambos os fatos fossem relacionados. Possivelmente, nas proximidades do dia 18, quando se supunha que se concretizaria a visita, já se conhecia a intenção do juizado do Rio de proferir sentença. Isto teria frustrado a intenção de manter o assunto “apagado”.

Por sinal, cabe perguntar-se QUANTO TEMPO MAIS vai demorar o STF para exarar o acórdão. Na lista de acórdãos publicados pelo Tribunal, já aparecem três que foram julgados em dezembro de 2009. Já o caso Battisti transitou em julgado em novembro, apesar de que houve uma abertura extemporânea no dia 16 de dezembro, por causa de uma ilegal tentativa de “virada de mesa” (como disse o ministro Mello) por parte dos advogados da Itália. Esses três já julgados são do dia 17, um dia após a “moção de ordem” que encerrou (por segunda vez) o caso. (Aliás, como se entende isso de encerrar algo mais de uma vez?)

Todos sabem que a complexidade que o relator atribui à decisão não existe. Numa parte, concede-se por 5 a 4 a extradição de Battisti. Na segunda, concede-se, por 5 a 4, o direito do Presidente de executar ou congelar a extradição, desde que se baseie no Tratado Brasil-Itália. Quanto tempo se demora em estender estas três linhas e botá-las no juridiquês de praxe???

Até fevereiro, cabia a possibilidade de que o STF estivesse adiando o acórdão até que se produzisse a mudança de governo em 2011. Mas isso teria sentido se o PT e seus aliados fossem substituídos pela aliança entre jagunços e Opus Dei. Eu não sou observador político, mas leio jornais, e vi que até os mais retrógrados colunistas da Folha admitem que o PSDB está em pânico. Se a vitória de Dilma for, como parece, a mais provável, esta procrastinação não terá grande serventia.

Salvo que a cúpula do STF pense investir cinco anos em acabar o acórdão, na expectativa de que ventos melhores soprem em 2014. Mas, essa é uma hipótese que não cabe nem na toca do coelho de Lewis Carroll.

Detalhes finais

Há alguns detalhes sobre o assunto Battisti que ainda não foram bem burilados. Todos devem lembrar as várias pessoas (entre elas, os advogados de defesa, vários juristas, e o infatigável senador Suplicy) que defenderam a tese da escritora e arqueóloga Fred Vargas:

Quando Battisti foi julgado na Itália, no processo que acabou em 1988 com sua condenação a prisão perpétua, este NÃO SABIA que esta sendo julgado. Portanto, NÃO TINHA contato com as pessoas que se apresentaram como advogados, embora os conhecesse de outros carnavais. Mais, ainda, as PROCURAÇÕES DE BATTISTI AOS ADVOGADOS eram apócrifas. Tinham sido falsificadas usando folhas assinadas em branco, adicionadas com técnicas de decalque de uma procuração anterior.

Fred Vargas fez notar isto ao STF em setembro de 2009, e pediu ao relator que obtivesse a versão italiana dos documentos e os submetesse a perícia. Obviamente, o relator se recusou. Nesse momento, alguns dos coordenadores do “paredão”, mas vários comunicadores e juristas do submundo da informação e a justiça levantaram suas mãos aos céus, indignados pela irreverência daquela intelectual terrorista: Como se podia dizer a um juiz que a justiça é algo público, quando todos sabem que é propriedade privada de uma corporação?

Bom, em novembro eu pedi a Fred Vargas todos os materiais relativos a aquela falsificação, que ele me forneceu muito generosamente com numerosas observações úteis e esclarecedoras. De qualquer maneira, uma leitura atenta permitia comprovar que aquilo era uma fraude cabeluda. Investi os meses seguintes até meados de fevereiro, e consegui preparar uma apresentação em PowerPoint, onde o processo de falsificação é detalhado em suas mais sutis minúcias. Além disso, reuni dados que permitem mostrar que os documentos usados são os mesmos que Itália entregou a França, quando pediu a extradição. Não quero que ninguém pense que estamos, por nossa parte, falsificando contraprovas!!.

O documento final, de 55 slides, será apresentado no momento oportuno. Estou esperando apenas que o Comitê de Apóio a Cesare decida o local e a data, de maneira de obter a maior repercussão possível. A imagem que abre esta matéria é uma amostra (atenuada fotograficamente) de um desses slides.

Berlusconi vem aí

Três notícias da semana sobre o premiê italiano Silvio Berlusconi, que estará chegando ao Brasil ainda neste mês de fevereiro:
  • em visita oficial a Israel, qualificou de “injusto” o Relatório Goldstone, já aprovado pela ONU, segundo o qual o estado judeu “cometeu crimes de guerra e, possivelmente, contra a humanidade”, no início do ano passado, quando de seus ataques devastadores na faixa de Gaza. Para Berlusconi, Israel tinha “direito de se defender dos foguetes lançados contra seu país”;
  • também somou sua voz à dos que pregam uma intervenção estrangeira no Irã, além de cometer o exagero de comparar Ahmadinejad a Hitler (“O problema de segurança é fundamental para Israel. Agora ainda mais, porque há um Estado que prepara uma bomba atômica para usá-la contra alguém. Um Estado com um líder que nos recorda personagens nefastos do passado”);
  • enquanto isto, na Itália, sua bancada na Câmara dos Deputados conseguiu fazer aprovar um projeto de lei que, caso obtenha a anuência também do Senado, lhe permitirá driblar eternamente a Justiça, pois bastará alegar compromissos oficiais para não ser obrigado a atender as convocações judiciais.

É chocante que num país do 1º mundo, em pleno século 21, sejam sequer tentados tais casuísmos descarados.

Berlusconi, que já escapou pela tangente de ser punido pela cobertura política que dava à Máfia siciliana nos anos 90, aspira à impunidade sem inocência também nos processos de fraude fiscal e suborno dos quais é reu.

Abusando vergonhosamente de sua condição de primeiro-ministro, tenta escapar da Justiça mudando as regras do jogo, ao impulsionar a introdução de leis que o beneficiam.

Caso do projeto para que seja reduzido o prazo de prescrição de processos judiciais cujas penas totalizem menos de dez anos, à espera de votação na Câmara. Se transformado em lei, por coincidência, fará com que os processos contra Berlusconi prescrevam imediatamente.

A primeira tentativa que o Executivo e o Legislativo italianos fizeram para atar as mãos do Judiciário foi a promulgação de uma lei conferindo imunidade penal aos ocupantes dos quatro cargos mais altos da administração pública do país.

Isto mantinha Berlusconi a salvo dos processos judiciais até 2013, quando findará seu patético mandato. Mas, o Tribunal Constitucional, instância suprema do Judiciário do país, varreu essa imundície — que, entretanto, também estão tentando retirar da lixeira…

P.S.: antecipando-me às críticas de quem se posiciona politicamente com o primarismo das torcidas organizadas de futebol, esclareço que, em nome do direito de autodeterminação dos povos, repudiarei qualquer invasão do Irã, assim como minha oposição intransigente à pena de morte me leva a repudiar as execuções em curso no Irã. Eu sempre defendo princípios, não governos.

Governo Berlusconi lança a “Operação Mãos Sujas”

A “Lei Berlusconi” repete a “Lei Fleury”: casuísmo para manter delinquente poderoso fora das grades.

Quando o grande promotor Hélio Bicudo obteve a condenação do delegado Sérgio Paranhos Fleury pelos crimes cometidos como líder do Esquadrão da Morte de São Paulo — quadrilha de policiais que executava contraventores e, apurou-se depois, era financiada por um grande traficante para eliminar seus concorrentes –, os deputados subservientes à ditadura criaram uma lei com o objetivo exclusivo de evitar que ele ficasse merecidamente atrás das grades.

Apelidada de Lei Fleury, ela alterou a regra segundo a qual os condenados em primeira instância deveriam aguardar presos a sequência do processo. Abriu-se uma exceção para os réus primários, com bons antecedentes e residência fixa.

Foi a retribuição do regime militar a um de seus principais carrascos, responsável pela tocaia contra Carlos Marighella, pela chacina da Lapa, pelo dantesco suplício que antecedeu o assassinato de Eduardo Leite (o Bacuri) e, enfim, por um sem-número de homicídios e torturas.

Em nome do serviço sujo e sanguinário que efetuou a partir de 1968 na repressão política, anistiaram-no informalmente das atividades paralelas que ele antes desenvolvera, ao atuar no radiopatrulhamento de São Paulo.

A introdução de uma lei casuística, para aliviar a situação de um poderoso nos processos que já estavam em curso, é até hoje motivo de opróbrio para o Estado brasileiro — uma das muitas aberrações que marcaram o período 1964/85.

A Itália está prestes a seguir um dos nossos piores passos — e em plena democracia! Não tem sequer a atenuante de serem ilegítimos os seus representantes que propõem tal descalabro.

O Senado italiano aprovou nesta 4ª feira (20) projeto de lei do Executivo alterando o prazo de prescrição dos processos judiciais, de forma que aqueles nos quais premiê Silvio Berlusconi é reu (fraude fiscal e suborno) passem a prescrever em seis anos e meio, ao invés dos dez anos atuais.

Ou seja, o governo Berlusconi propôs uma lei que beneficia Berluconi… e o Senado baliu amém.

Se a Câmara também coonestar essa imundície, o premiê terá conseguido escapar pela tangente de todos os processos que lhe são movidos.

Que dizer de um país que aceita ter como primeiro-ministro não um cidadão inocentado das acusações que lhe foram feitas, mas sim um contraventor favorecido pela prescrição dos seus delitos?! Ainda por cima, utilizando em causa própria os poderes que lhe foram concedidos pelo povo italiano.

Também pela tangente, Berlusconi está conseguindo escapar da condenação a que faria jus por ter dado cobertura política à Cosa Nostra na década passada. Esteve a soldo do chefão responsável pelo assassinato de um juiz e seus cinco seguranças.

Se concretizada, a virada de mesa vai produzir um verdadeiro terremoto na Justiça italiana: o número de processos que prescreverão poderá chegar a 100 mil, incluindo grandes casos de falência fraudulenta, como o da Parmalat.

E o Executivo e o Legislativo, acumpliciados, terão conseguido abortar a cruzada contra a impunidade desenvolvida pelo Judiciário, seguindo a tradição dos heróicos magistrados que ousaram confrontar a Máfia com a Operação Mãos Limpas.

Emblematicamente, é um político que protegia mafiosos o atual pomo da discórdia.

Berlusconi encabeça a Operação Mãos Sujas.

Itália já se conforma com a confirmação do asilo de Battisti

A notícia da Folha de S. Paulo deste sábado (16) fala por si: Itália negocia condições da permanência da Battisti.

Os perseguidores do escritor já nem se preocupam mais em pressionar o governo brasileiro, pois sabem que será inútil. A decisão soberana que, em seu nome, o ministro da Justiça Tarso Genro tomou há um ano vai ser confirmada.

Agora, os italianos pedem apenas que a derrota não seja apresentada de forma humilhante para eles; e negociam com as nossas autoridades a melhor maneira de se dourar a pílula.

Eis os principais trechos da notícia de Eliana Cantanhêde:

“O governo italiano mandou um recado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: seria ‘agressivo e deselegante’ se ele acatasse a sugestão do Ministério da Justiça de fundamentar a não extradição do terrorista Cesare Battisti no temor de que ele ficaria sujeito a ‘perseguição política’ no seu país.

“Na avaliação italiana, isso seria mal visto pelo governo, pela Justiça e pela opinião pública da Itália…

“Sendo assim, a argumentação de Lula deverá evitar qualquer tipo de ataque ou suspeição sobre três aspectos: a lei, as instituições e o Estado Democrático italianos. Deve, portanto, se concentrar no interesse brasileiro e/ou em ‘questões humanitárias’.

“Outro item que já vem negociado entre os governos dos dois países, para reduzir o impacto e os atritos com a não extradição de Battisti, é de ordem prática: o governo italiano pede que o anúncio oficial da decisão não seja feito de um mês antes até um mês depois da visita a Brasília do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, prevista para 18 de fevereiro.

“Isso joga o anúncio para a segunda quinzena de março e sinaliza a disposição de Lula de manter Battisti no Brasil. Se ele quisesse extraditá-lo, o melhor momento para dar ‘a boa notícia’ ao governo italiano seria imediatamente antes da viagem de Berlusconi ao Brasil.

“O objetivo da exigência, portanto, é evitar que a não extradição provoque constrangimentos em Berlusconi, que seria compelido a reagir e reclamar publicamente da posição de Lula, para atender às pressões de setores internos italianos que exigem a extradição”.

Caso Battisti: líder da bancada de Berlusconi ameaça o Brasil

O estilo de vida de ontem se mantém na Itália de hoje. Tomara que a desonra acabe amanhã…
O senador italiano Maurizio Gasparri, líder da bancada governista, acaba de deitar falação à Ansa, ameaçando: se o Brasil não extraditar o perseguido político Cesare Battisti, poderá haver “nefastas consequências” para o relacionamento entre os dois países.

Numa atitude de extremo desrespeito para com o primeiro mandatário da Nação brasileira, Gasparri tenta ganhar no grito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esquecendo-se, inclusive, de que não é ele o seu interlocutor protocolar, mas sim o presidente do Senado José Sarney.

Além da demonstração que deu de grosseria e desconhecimento das regras mais elementares da diplomacia, ele ainda incorreu noutro primarismo atroz: arrogou-se a questionar o presidente de uma república estrangeira não por declarações que tenha dado, mas pelas intenções que a mídia lhe atribui.

Assim, Gasparri disse esperar “que não seja verdadeira a notícia veiculada pela imprensa brasileira”, de que Lula tende a confirmar a decisão soberana que o Governo brasileiro tomou um ano atrás.

Seria o caso de Sarney também dar entrevista a alguma agência noticiosa internacional, manifestando sua esperança de que não seja verdadeira a notícia veiculada pela imprensa italiana de que o premiê Silvio Berlusconi já prestou serviços à Máfia…

O certo é que as pressões insultuosas e descabidas das autoridades italianas sobre o Brasil começaram em janeiro/2009, quando o ministro da Justiça Tarso Genro, no exercício de suas prerrogativas, concedeu o refúgio humanitário a Battisti (depois absurdamente questionado pelo Supremo Tribunal Federal, num de seus muitos julgamentos recentes em que motivações políticas prevaleceram sobre a letra e o espírito da Lei).

Já daquela vez o direitista Gasparri havia revelado toda sua prepotência, ao qualificar de “patetice” a decisão de Genro .

E os destemperos verbais italianos não pararam mais, em flagrante contraste com os tímidos protestos que eles emitiram quando o presidente francês Nicolas Sarcozy lhes enfiou idêntico sapo goela adentro, no Caso Marina Petrella.

OS PONTAPÉS DA BOTA ITALIANA

Eis algumas das reações intempestivas dos herdeiros de Mussolini no ano passado:

  • ministros e até autoridades de segundo escalão ousaram conclamar Lula a revogar a decisão do seu ministro da Justiça, insultando a ambos e cometendo, também daquela vez, a gafe diplomática de não levar em conta a posição do presidente brasileiro, cujas interfaces são o presidente Giorgio Napolitano e o premiê Silvio Berlusconi;
  • o embaixador foi chamado à Itália para consultas e “discussão de novas diretrizes”;
  • o vice-presidente da bancada governista na Câmara dos Deputados da Itália pregou a suspensão das relações com o Brasil;
  • aproveitando o fato de estarem presidindo o G-8 (grupo dos países ricos), os italianos insinuaram que poderiam dificultar o almejado ingresso do Brasil;
  • o vice-prefeito de Milão conclamou os italianos a boicotarem os produtos brasileiros;
  • o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado exortou os italianos a boicotarem o Brasil como destino turístico;
  • o ministro da Defesa Ignazio La Russa (aquele neofascista que até hoje homenageia os militares da República de Saló que enfrentaram as forças aliadas na 2ª Guerra Mundial…) e o subsecretário das Relações Exteriores defenderam o cancelamento de um amistoso futebolístico com o Brasil, enquanto a ministra da Juventude recomendou que os jogadores entrassem em campo com faixas de luto; e
  • o ministro da Justiça Angelino Alfano admitiu publicamente que não pretendia cumprir a promessa feita às autoridades brasileiras, de que, caso concedessem a extradição, a pena de Battisti seria reduzida para 30 anos, o máximo permitido por nossas leis.
Coerentemente, o jurista Dalmo de Abreu Dallari já explicou que o governo italiano, a despeito das promessas mentirosas que faça, não tem poder para modificar uma sentença judicial definitiva, daí a existência de um impedimento constitucional intransponível para a extradição de Battisti.

Do Brasil para o 1º mundo: eu não sou cachorro, não!


“Eu não sou cachorro não
Pra viver tão humilhado
eu não sou cachorro não
Para ser tão desprezado”

(Valdick Soriano
)

O caso de Sean Goldman, de 9 anos, cuja guarda é disputada pelo pai estadunidense David e pela família brasileira da falecida mãe, teve um desdobramento bizarro nos últimos dias: o senador democrata Frank Lautenberg anunciou a suspensão por tempo indeterminado da votação da medida estendendo para 2010 um programa de isenção tarifária que beneficia as exportações brasileiras.

O Governo tem até o dia 31 para suas gestões no sentido de superar o impasse, caso contrário o prejuízo para os exportadores brasileiros deverá ficar na casa de US$ 3 bilhões.

Está difícil: o pomo da discórdia foi uma liminar do ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo decisão do Tribunal Regional Federal no sentido de que Sean voltasse imediatamente para os EUA com seu pai. Marco Aurélio quer que, após o recesso do STF, seja finalmente ouvido Sean, cuja preferência é permanecer no Brasil.

O senador Lautenberg, ou está jogando para a platéia (Paulo Francis ressaltava que a população dos EUA é predominantemente de jecas, com raros bolsões de vida inteligente…), ou tem ele mesmo cérebro de minhoca: o Supremo jamais poderá ceder à sua chantagem imunda, caso contrário seria o caso de fechar de vez.

O certo é que as pressões arrogantes e descabidas sobre o Brasil viraram moda. Estamos conseguindo nos livrar do complexo de viralatas, mas isto não impede que as autoridades de países do 1º mundo continuem nos tratando a pontapés.

Vide as reações exacerbadas dos italianos à decisão soberana do Governo brasileiro de conceder refúgio humanitário ao escritor Cesare Battisti, bem diferentes dos protestos tímidos que emitiram quando o presidente francês Nicolas Sarcozy lhes enfiou idêntico sapo goela adentro, no Caso Marina Petrella:

  • ministros e até autoridades de segundo escalão ousaram conclamar Lula a revogar a decisão do seu ministro da Justiça, cometendo uma crassa grosseria diplomática (à intromissão insultuosa em nossos assuntos internos se somou o desrespeito à figura do presidente brasileiro, cujos interlocutores protocolares são o presidente Giorgio Napolitano e o premiê Silvio Berlusconi);
  • o embaixador foi chamado à Itália para consultas e “discussão de novas diretrizes”;
  • o vice-presidente da bancada governista na Câmara dos Deputados da Itália pregou a suspensão das relações com o Brasil;
  • aproveitando o fato de estarem presidindo o G-8 (grupo dos países ricos), os italianos insinuaram que poderiam dificultar o almejado ingresso do Brasil;
  • o vice-prefeito de Milão conclamou os italianos a boicotarem os produtos brasileiros;
  • o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado exortou os italianos a boicotarem o Brasil como destino turístico;
  • o ministro da Defesa (o neofascista Ignazio La Russa, aquele que até hoje reverencia a memória dos militares da República de Saló que enfrentaram as forças aliadas na 2ª Guerra Mundial…) e o subsecretário das Relações Exteriores defenderam o cancelamento da partida de futebol com o Brasil, enquanto a ministra da Juventude recomendou que os jogadores entrassem em campo com faixas de luto.
Last but not least, o ministro da Justiça Angelino Alfano declarou a uma associação de vítimas da ultraesquerda (e o Corriere della Sera publicou), textualmente (!), que pretendia f… os brasileiros, ao prometer-lhes que a pena de Cesare Battisti seria reduzida de prisão perpétua para 30 anos de detenção.

Ou seja, nossas leis vedam que um estrangeiro seja extraditado para cumprir pena superior à máxima daqui e Alfano admitiu de público que nos estava enrolando com uma falsa promessa, pois queria mesmo é nos f…

[Aliás, o jurista Dalmo de Abreu Dallari acaba de bater na mesma tecla, enfatizando que o governo italiano, a despeito das promessas vazias que faça, não tem poder para modificar uma sentença judicial definitiva, daí a existência de um impedimento constitucional intransponível para a extradição de Battisti.]

Já está mais do que na hora de mostrarmos nossas garras àqueles que nos pressionam/chantageiam a torto e a direito, referindo-se a nós como otários prontos para serem f… pelos espertalhões dos países centrais e às nossas mulheres como meras prostitutas (“o Brasil é conhecido por suas dançarinas”)…