Você acha que os dirigentes brasileiros já fizeram de tudo, mas logo chegam novidades no front.
A Beija-Flor entra no carnaval carioca com o maior patrocínio jamais recebido por qualquer escola de samba. São, no total, 10 milhões de reais.
E o que explora esse megaempresário? Cervejas? Comida? Alguma coisa muito essencial e cotidiana, para que derrame tanto dinheiro na avenida. Nada disso – essa pessoa explora seres humanos. Africanos, para ser mais direto. Trata-se de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo (foto) – mais conhecido apenas como Obiang, ditador que há 35 anos manda e desmanda na Guiné Equatorial, país da África Central. Da Europa anunciam, também com certa surpresa: o ditador teria dado 3 milhões de euros ao grupo carnavalesco. Mesmo em euros, é muita coisa.
O país é um dos maiores produtores de petróleo da África, o que possibilita que Obiang vá às compras pelo mundo, adquirindo luxuosos apartamentos no Rio de Janeiro, Londres, Buenos Aires, Paris e uma mansão de 30 milhões de dólares na Califórnia – esta última para o filhão, que assumirá os negócios quando Obiang não estiver mais por aí. Os gastos impressionam até mesmo quem é muito, muito rico.
Não sobra muito para os cerca de 700 mil demais habitantes, como se pode imaginar. Apesar da renda por cidadão ser de mais de 20 mil dólares, 76% da população vive abaixo da linha da pobreza.
O enredo da Beija-Flor: “Um griô (homem sábio) conta a História: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade”.
Entrarão na avenida muitas pessoas, incluindo muitos negros, com o dinheiro de outros tantos negros africanos que sofrem com a mão pesada de um ditador que governa por decreto. E o que dizem os movimentos sociais (qualquer um)? Festa popular?
Não se trata de política, diz a Beija-Flor em nota. É um lance ‘cultural’: “O tema tem viés estritamente cultural e não aborda o formato de governo do país. Buscamos enaltecer a arte e a força do povo da Guiné Equatorial. Bem como a transformação dos benefícios das suas riquezas naturais em melhorias para a população”. A Beija-Flor diz estar indo para cantar a liberdade – “Negro canta, negro clama liberdade!” – e, para isso, aceitou de bom grado o dinheiro destes mesmos negros.
Sempre me perguntam como ajudar de longe aqueles que mais precisam em todo o mundo. Eu não sei. Acho muito difícil mesmo. Mas uma coisa é certa: não é sendo conivente com um dos ditadores mais sanguinários de todos os tempos.
Jornalista, 41, com mestrado (2011) e doutorado (2015) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. É autor de três livros: o primeiro sobre cidadania, direitos humanos e internet, e os dois demais sobre a história da imigração na imprensa brasileira (todos disponíveis em https://amzn.to/3ce8Y6h). Acesse o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0384762289295308.